Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
337/12.6TTVCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
FUNDAMENTOS
HORÁRIO DE TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - No contrato de trabalho a termo resolutivo, não basta indicar o motivo, o mesmo tem que ser verdadeiro.
2 - A falta de indicação dos fundamentos ou a sua falsidade implica a nulidade da estipulação do termo.
3 - As flutuações de volume de serviço que são um normnal decorrer do tipo de atividade económica a que a ré se dedica - supermercado - não podem constituir aquele motivo.
4 - Um trabalhador pode prestar mais horas num determinado período de tempo, sendo compensado, trabalhando menos horas, noutro período, por forma a que no período de referência e em termos médios, seja respeitado o período normal de trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Marta…, veio intentar a presente ação de processo comum (emergente de contrato individual de trabalho) contra:
“Sociedade, Ltª.”, Pedindo a condenação da R.:
- a reconhecer a ilicitude do despedimento de que foi alvo e, em consequência:
- a pagar-lhe a quantia de €10.541,27 ou, caso se venha a reconhecer que a categoria profissional da A. era de chefe de secção, a quantia de €14.373,60;
- as remunerações que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presente ação até ao trânsito desta sentença;
- a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, sem perda de quaisquer direitos ou regalias;
- a pagar à A. a indemnização de €1.800,00 ou 2,470,50 cêntimos pela inobservância da preferência na admissão.
Em contestação a ré impugna o alegado.
Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:
“Julgar a presente ação procedente, por provada, e em consequência, condena-se a R.:
- a reconhecer a ilicitude do despedimento da A.;
- a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- a pagar a A. as retribuições que esta deixou de auferir desde 16/3/2012 até ao trânsito em julgado da presente sentença;
- a pagar a quantia de global de €10.541,27 pelos créditos laborais supra referidos…”
Inconformada a ré interpôs recurso apresentado conclusões nas quais sucintamente levanta as seguintes questões:
- Conclusões

2) O presente recurso tem por objeto a decisão da matéria de facto e de direito e pressupõe a reapreciação da prova gravada.
3) A Recorrente discorda da decisão dos pontos 8 e 9 dos factos provados e entende que os mesmos deveriam ter sido dados como não provados.
4) O depoimento da testemunha Maria… não é depoimento direto e não poderia ter sido valorado para efeitos da prova da matéria dos pontos 8 e 9 dos factos provados.

6) Como tal, em caso de valoração do depoimento da testemunha Maria..., apenas poderá ser dado como provado que, desde 1 de julho de 2010 até 31 de março de 2011, a Autora trabalhou um número indeterminado de horas para além do período normal de trabalho, de modo a viabilizar a abertura ininterrupta do quiosque sete dias por semana.
7) A Autora também não fez prova de que o suposto "trabalho suplementar" terá sido prestado por ordem da Ré.

9) As locuções "no interesse" e "por ordem", em si mesmas, não são factos, mas meras conclusões.

13) Ao trabalhador incumbe alegar e provar (i) a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho, (ii) que tal prestação foi expressa e previamente determinada pelo empregador ou (iii) que tal prestação foi realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador - cfr. ac. Relação do Porto de 04/07/2011 (dgsi.pt, proc. 621/09.6TTMAI.P1).
14) Para além disso, no n. 5 da cláusula quarta do contrato de trabalho, A. e R. acordaram expressamente que "O Segundo Outorgante não está autorizada a prestar trabalho suplementar, só o podendo e devendo prestar quando ou se tal lhe for expressa. inequivocamente e previamente ordenado pela Primeira Outorgante, sob pena de não lhe ser exigível o seu pagamento":
15) Não tendo tal prova sido feita ou, no limite, considerando-se como não escritas as locuções no interesse e por ordem da Ré, por não serem factos, mas meras conclusões, forçosa se tomará a conclusão de que não foi produzida prova sobre a totalidade dos pressupostos de facto de que depende a fixação de retribuição, a título de trabalho suplementar.

18) O Tribunal desconsiderou o teor da cláusula quarta do contrato de trabalho e, por essa razão, incorreu em erro quanto aos montantes indemnizatórios devidos à Autora.
19) Resulta expressamente do n. 1 da cláusula quarta do contrato de trabalho que as partes acordaram em conceder à entidade patronal o poder de definir o período normal em termos médios, aumentando-o até 2 horas diárias e 50 horas semanais.
20) O Tribunal recorrido, na quantificação da indemnização devida à Autora, desconsiderou que só poderia ser considerado como trabalho suplementar o prestado para além dos limites temporais acima referidos - 10 horas diárias e 50 horas semanais.

23) Para além disso, também as contas relativas aos dias de folga padecem de vício na sua quantificação, porque parte de uma errónea quantificação do número de horas de trabalho suplementar prestado.
24) Acresce, ainda, que, como resulta dos recibos de vencimento juntos pela Ré e não impugnados pela Autora, esta recebeu quantias a título de subsídio de domingo que não foram quantificadas nem deduzidas do montante da indemnização.
25) Não se concorda, desde logo, com a densificação dada pelo Tribunal recorrido ao conceito de excecionalidade previsto no art. 140. , n. 2, aI. F) do Cód. Trabalho. Desde logo, porque não é pelo facto de o aumento de trabalho ocorrer todos os anos num determinado período, que ele deixa de ter o caráter de excecional.
26) A Ré alegou e provou esse aumento exponencial de faturação do seu estabelecimento e do quiosque, o qual não só coincide com a justificação invocada no contrato de trabalho para a aposição do termo, como coincide temporalmente com o momento da contratação da Autora - julho de 2010.
27) Tendo presente que a fundamentação da aposição do termo é uma formalidade ad substanciam, não há dúvida de que a fundamentação invocada pela Autora cumpriu integralmente com essas exigências e, nesse sentido, nenhuma censurabilidade poderá ser apontada à aposição de termo ao contrato de trabalho, por parte da Ré.
28) Para além disso, provados os factos alegados nessa justificação - nomeadamente, o aumento de faturação no período em que a Autora foi contratada -, a Ré cumpriu também com o ónus que sobre ela impendia de demonstrar a necessidade da contratação a termo.

31) Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que, julgando o recurso procedente, absolva a Ré dos pedidos de reintegração da trabalhadora e de pagamento de todos os salários vencidos na pendência da ação, até trânsito em julgado da sentença.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sustentando não dever ser apreciada a matéria de facto por incumprimento dos comandos legais pertinentes.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos e vista a prova há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:
1 – Através de documento escrito intitulado “contrato de trabalho a termo certo”, a A. foi admitida ao serviço da R. em 1/7/2010 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer a sua atividade profissional (documento de fls. 18 a 25 que aqui se dá por integralmente reproduzido).
2 – A A. desempenhava a sua atividade laboral para a R. no quiosque existente nas instalações desta, executando as seguintes funções:
- receção de material
-devoluções
- conferência de créditos
- reclamações aos distribuidores/fornecedores
- gerir stocks
- efetuar pedidos suplementares
- controlar e efetuar entregas a clientes
- vistoriar e colocar a disposição dos produtos
- caixa
- conferência de faturas
- efetuar encomendas a fornecedores não consignados
- comunicar anomalias e datas de inventários aos técnicos informáticos
- diligenciar pela limpeza do espaço
- assegurar a abertura e fecho do espaço.
3 – Em 21 de novembro de 2011, a R. entregou à A. a seguinte comunicação:
“Terminando no próximo dia 01/01/2012, o prazo estabelecido para o contrato de trabalho celebrado em 01/07/2010, vimos informá-lo(a), que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 344º do Código do Trabalho foi decidido não o renovar.
Por este facto, o referido Contrato de Trabalho caducará nessa data, devendo considerar-se de férias a partir do dia 30 de novembro cumprindo assim as férias que adquiriu para 2012 e a partir dessa altura encontra-se inteiramente desvinculado(a) desta Firma.”
4 – A A. auferia nesta data o vencimento base de € 600,00, acrescido de abono para falhas no montante de €24,25 e de €58,74 de subsídio de alimentação.
5 – A R. não pagou à A. qualquer quantia referente a férias e subsídio de férias vencidos no dia 1/1/2012.
6 – A R. não pagou à A. qualquer quantia referente ao mês de janeiro de 2012.
7 – A A. não gozou dois dias úteis das férias vencidas em 1/1/2011.
8 – Alterado: Desde 1 de julho de 2010 até 31 de março de 2011, por ordem da R., a A. trabalhava todas as segundas feiras das 08,00 horas às 21,00 horas; praticava igualmente este horário um outro dia da semana (4ªs, 5ªs ou domingos) para possibilitar a folga da outra trabalhadora do quiosque; os restantes dias, trabalhava das 08,00 horas às 15,00 horas; não tinha qualquer dia e folga.
9 – Com os horários referidos em 8), a A. viabilizava a abertura ininterrupta do quiosque sete dias por semana.
10 – A partir de abril de 2011, a A. passou a fazer um horário de 40 horas semanais, com duas folgas por semana, uma vez que foi admitido um outro trabalhador para desempenhar funções no quiosque.
11 – Durante os meses de 1 de julho de 2010 a 31 de março de 2011, a R. apenas lhe pagou o subsídio de alimentação referente a 22 dias de trabalho, no valor diário de €3,38.
12 – A R. remeteu à A. a comunicação constante do documento junto com o nº. 1 em audiência de julgamento (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13 – No quiosque onde a A. desempenhava a sua atividade trabalhavam dois ou três funcionários.
14 – A faturação do referido quiosque foi:
- maio de 2010 - €16.649,82;
- junho de 2010 - €15.719,87
- julho de 2010 - €20.199,21
- agosto de 2010 - €54.602,46
- setembro de 2010 - €18.096,29
- janeiro de 2011 - €16.572,21
- julho de 2011 - €24.993,73
- agosto de 2011 - €61.500,50
- setembro de 2011 - €21.018,42
15 – No estabelecimento da R. ocorre um aumento de volume de negócios no Natal, Páscoa, verão e Aniversário do Grupo.
Aditados:
– doc. Fls. 244: A autora comunicou à ré a denúncia do contrato por carta de 24/11/2014, para o dia 24/1/2015.
- A ré pagou á autora com a designação de “ subsídio de domingo”, os seguintes valores no período referido em “8”:
jul-10 87,69
agosto 110,77
set 138,46
out 103,85
nov 117,69
dez 110,77
jan-11 110,77
fev 124,61
mar 110,77
total 1015,38

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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto no que concerne aos seguintes factos:
- Pontos 8 e 9 dos factos provados – devem ser considerados não provados, ou provado apenas que, desde 1 de julho de 2010 até 31 de março de 2011, a Autora trabalhou um número indeterminado de horas para além do período normal de trabalho, de modo a viabilizar a viabilizar a abertura ininterrupta do quiosque sete dias por semana.
- Falta de prova da ordem para prestar trabalho suplementar. Violação do art. 226., n. 1 do Cód. Trabalho.
- Desconsideração da cl 4ª do contrato trabalho.
- Errónea quantificação do trabalho suplementar e das folgas.
- Não quantificação das quantias pagas a título de subsídio de domingo.
- Conceito de excecionalidade previsto no art. 140º, n. 2, aI. f) do Cód. Trabalho - validade da aposição do termo.
*
Quanto à matéria de facto, referem-se concretamente os factos que se questionam e indicam-se as provas, pelo que importa apreciar a questão.
Refere a recorrente que o depoimento da testemunha Maria... não é depoimento direto, a mesma nos dias da prestação pela autora não podia confirmar essa prestação. O grau de imprecisão do depoimento das testemunhas arroladas pela Autora não se compadece com as exigências de certeza e rigor que terão, necessariamente, de estar subjacentes à prova do concreto número de dias em que a Autora prestou trabalho suplementar. Quando muito, refere, deveria dar-se como assente que desde 1 de julho de 2010 até 31 de março de 2011, a Autora trabalhou um número indeterminado de horas para além do período normal de trabalho, de modo a viabilizar a viabilizar a abertura ininterrupta do quiosque sete dias por semana.
O conceito de testemunho indireto não assenta, não se aplica, no caso do depoimento da Maria….
O critério distintivo da natureza do depoimento assenta na relação que a testemunha tem com os factos narrados. O conhecimento é direto se deriva da perceção (através dos sentidos), da própria testemunha, é uma aquisição originária do conhecimento. O facto narrado foi diretamente apreendido pelo depoente, e não por ouvir dizer a outrem ou por elementos informativos externos. O depoimento direto refere-se a uma realidade vivenciada pelo depoente (designadamente percecionando diretamente o facto através da visão, da audição…). Para o depoimento que o depoente transmite, apenas contribui a sua própria elaboração mental do facto vivenciado, não contribuindo outrem que não o próprio.
O depoimento da testemunha é direto. Ela refere conhecimento próprio, não transmitido por outrem.
Questão diversa é a de parte do depoimento poder resultar de uma elaboração mental da depoente em face de todas as circunstâncias vivenciadas. Estamos a falar na referência à concreta prestação do trabalho em determinadas horas pela autora, que eventualmente (provavelmente, de acordo com o que é normal acontecer), não presenciou. Em face do estabelecimento dos horários em que intervém diretamente a depoente, do desconhecimento da ausência de queixas quanto a eventuais faltas, da normal faturação do quiosque, etc.. a depoente elabora o conhecimento relativo à concreta prestação do trabalho suplementar por banda da autora. Mas isso não faz deste depoimento um depoimento indireto.
Apreciando o depoimento vemos que a depoente confirma que só estavam as duas no quiosque. Trabalhou desde 12/08 a 5/2011. Quando entrou, a autora trabalhava aos fins de semana, passado pouco tempo passou a trabalhar semana toda, trabalhavam através de empresa de trabalho temporário. Depois passaram a estar só as duas no quiosque. O quiosque abria todos os dias das 9.00H às 21.00H, não fechava á hora almoço, e era assim sete dias por semana. Depois assinaram contrato porque eles quiseram cancelar com a Adecco, e continuou tudo na mesma. Confirma os turnos que cada uma fazia, cada uma seis horas por dia, 8 as 3 tarde, e 3 às 9 noite. Depoente folgava segundas e depois às quartas ou quintas e depois mais um domingo por mês. Nos dias de folga a autora fazia os dias todos. Ela não tinha folgas.
Do depoimento resulta o que se deu como provado. Questão diversa é sabe ser a autora faltou nos indicados dias, coisa que a ré não refere. Seria tarefa hercúlea demonstrar o exercício do trabalho efetivo num conjunto de dias tão alargado, com prova testemunhal de ver o trabalhador a exercer a função em todos eles. E porque não exigir que a testemunha ou testemunhas estivessem lá o tempo todo da prestação? As exigências de prova não podem atingir tais níveis. O julgador deve adquirir a convicção da probabilidade séria de o facto ter ocorrido, costuma falar-se num “alto grau de probabilidade”.
Não estamos no domínio da eliminação da incerteza. A decisão deve ser tomada, e é-o, com base numa análise probabilística dos diversos resultados possíveis, analise aqui subjetiva (no sentido de não reconduzível a uma analise estatística puramente matemática), já que tem âncora na experiência e conhecimentos do julgador, não sendo necessária a certeza absoluta.
Quanto às ordens, resulta do depoimento que assim era porque eram apenas duas trabalhadoras, e o quiosque abria todos os dias dentro das horas referidas, pelo que não pode honestamente questionar-se que o cumprimento daqueles horários resulta do cumprimento de ordens da entidade patronal, que fixa os horários de abertura do quiosque.
Refere a recorrente o caráter conclusivo da expressão “ no interesse e por ordem da ré”. Quanto ao “interesse”, o mesmo resulta desde logo de o “trabalho” ser pertença da ré, tendo ela obtido os proventos deste, como as faturações aliás demonstram. O termo é conclusivo. O mesmo é normalmente utilizado, sem problemas de maior. Contudo quando essa é precisamente a matéria em causa deve ser evitado. Assim elimina-se a expressão.
Já quanto à expressão “por ordem”, não vemos outro modo de o dizer, uma ordem é uma ordem. O sujeito A ordenou ao sujeito B que fizesse isto ou aquilo. A expressão traduz o facto de se ter mandado fazer alguma coisa.
Assim e com aquela eliminação no mais é de confirmar o decidido.
Sustenta ainda a recorrente, que pagou um subsídio de “domingo”, remetendo para a prova documental junta. Trata-se dos recibos juntos pela ré. A autora juntou um dos recibos em que consta o aludido subsídio. Na resposta à contestação impugnam-se todos os documentos na medida em que contrariam a versão apresentada pela autora. Considerando que a própria autora (que não impugna expressamente estes documentos) junta um recibo onde consta tal valor, adita-se o seguinte:
- A ré pagou á autora com a designação de “ subsídio de domingo”, os seguintes valores:
jul-10 87,69
agosto 110,77
set 138,46
out 103,85
nov 117,69
dez 110,77
jan-11 110,77
fev 124,61
mar 110,77
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Vejamos da ilicitude do despedimento:
Defende a ré a licitude da estipulação do termo, invocando acréscimo excecional da atividade da empresa.
Refere que em virtude da emigração a atividade da ré sofre aumento em períodos muito localizados, como agosto, férias do natal e da páscoa. Tal matéria vem vertida no facto 15. O aumento em agosto resulta patente ainda do facto 14.
Só podem celebrar-se contratos a termo nas condições plasmadas na lei, artigo 139 ss do CT.
Refere o artigo 140º:
1. “O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade”.
2 – Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:

e) Atividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excecional de atividade da empresa;
…”
Além do motivo necessário é obedecer a certos requisitos de forma.
Dispõe o artigo 141:
1 – O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:

e) Indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo;

3 – Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
…”
Mas não basta indicar o motivo, o mesmo tem que ser verdadeiro.
Em matéria de contratação a termo (pondo de lado, porque aqui não importa a previsão da al. b) do nº 4 do artigo 140º, em que se visa a prossecução de objetivos sociais de promoção do emprego de certo tipo de desempregados), degladiam-se dois princípios ou dois interesses sociais. De um lado o “princípio da estabilidade no emprego “, e de outro “ interesses de natureza económica”, decorrentes da existência por parte das empresas, de necessidades transitórias (não permanentes) de força de trabalho; ou necessidades de força de trabalho por parte de segmentos de atividade não consolidados, e por isso também, pelo menos até á consolidação, virtualmente transitórias (4, al. a) do artº 140).
Os rigorosos requisitos formais consagrados na lei, têm como objetivo facilitar o controlo dos requisitos substanciais e proteger o trabalhador, (parte mais fraca na relação) contra o abuso do recurso a tal meio de contratação e a fraude à lei.
Assim, a falta de indicação dos fundamentos ou a sua falsidade implica a nulidade da estipulação do termo – artigo 147º do CT.
Não basta a cópia do texto da lei, ou outro similar, tornando-se necessária uma maior precisão do motivo, com referência à concreta ou concretas necessidades, sua duração e nexo entre a justificação e o termo estipulado – nº 3 do artigo 141º.
Um acréscimo pode na verdade ser motivo de contratação por tempo indeterminado, se se mostrar duradouro. Deve pois indicar-se por exemplo a sazonalidade da atividade, a existência de determinadas encomendas fora do normal a satisfazer, respetiva duração.
Sobre o assunto Acs STJ de 24/2/2015, processo nº 178/12.0TTCLD.L1.S1; de 2/12/2013, processo nº 273/12.6T4AVR.C1.S1, de 22/4/2009, processo nº 08S3769; 18/6/2008, processo nº 08S936; em dgsi.pt.
Consta do contrato que o motivo foi “acréscimo excecional da atividade da empresa”, concretizando-se do seguinte modo:
“ir prestar trabalho durante a preparação, implantação e realização das campanhas de verão, Regresso às aulas, outono, Aniversário do Grupo Os Mosqueteiros e Natal, que originam um previsível aumento do fluxo de clientes que aderem a estas campanhas com o consequente aumento do volume de trabalho, e, posteriormente irá participar no encerramento, balanço e inventário dos mesmos (…)”.
A referência, como se dá nota na decisão recorrida, abarca desde logo o normal da atividade da empresa durante metade do ano.
Refere-se na decisão recorrida, com o que se concorda:
“ela faz referência a uma realidade que abrange cerca de metade do exercício da sua atividade anual, ou seja, a todos os momentos em que, como aliás é do conhecimento comum, este tipo de estabelecimentos tem um maior volume de clientes e, portanto, de necessidade de mão de obra. Para além disso, trata-se de fenómenos de ocorrência periódica, inseridos no normal ciclo de atividade anual destes estabelecimentos: acréscimo de movimento nas alturas de férias de verão, com a chegada dos emigrantes, no outono com o regresso às aulas, na altura das promoções por aniversário do grupo de que faz parte a R., e por razões óbvias nas festividades do Natal… a realidade que se descreveu não tem a ver com um acréscimo excecional de atividade, na interpretação que, segundo julgamos, decorre do espírito da lei. Um acréscimo excecional de atividade de uma empresa é aquele que não é previsível no desenrolar normal do seu negócio.
Ora, aquelas flutuações de volume de serviço são um normal decorrer do tipo de atividade económica a que a R. se dedica – estabelecimento de supermercado.
Por isso, o que aqui está em causa é antes uma atividade económica que apresenta irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respetivo mercado – o que nos reconduz antes à al. e) do nº. 1, do artº. 140 do C. Trabalho, e não á sua al. f)…”
Saliente-se que a o vínculo se manteve por um período de um ano e meio, durante o qual, durante meses a autora (mesmo abrangendo os ditos períodos de menos movimento) prestou muitas horas de trabalho suplementar, sem folgas, e durante o resto do tempo cumpriu horário normal. Em face destas circunstâncias pode concluir-se que o motivo não é verdadeiro.
À latere, conquanto não conste dos factos, refira-se que já antes a autora ali prestava serviço no âmbito de um contrato de trabalho temporário, e desde 2008, conforme doc. 3 junto com a PI e alegado em 9, aceitando a ré em 36 a existência desse contrato prévio.
Importa ainda atentar no disposto no nº 3 do artigo 149º do CT, nos termos do qual a renovação do contrato está sujeito à verificação da sua admissibilidade nos termos previstos para a sua celebração, bem como a iguais requisitos de forma no caso de se estipular período diferente. A justificação deve pois manter-se, o que não resulta demonstrado para todo o período em que vigorou - nem tal se alegou -.
Como bem se conclui na decisão recorrida, “ atenta a circunstância da A. ter desempenhado a sua atividade para a R. durante ano e meio, sendo a justificação aposta no seu contrato a termo apenas válida para motivos sazonais, se terá que considerar nula tal cláusula de termo, com as consequências legais…”
Assim, nesta parte é de confirmar o decidido.
***
- Da errónea quantificação do trabalho suplementar e folgas.
Refere a ré a desconsideração da cl 4ª do contrato trabalho e a errónea quantificação.
A cl referida refere:
(Local e Horário da Prestação de Trabalho)
O segundo outorgante obriga-se a prestar a sua atividade profissional …, tendo como período normal de trabalho a média de 8 horas diárias e a media de 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias da semana, de Segunda Feira a Domingo, aferida no espaço de quatro meses, sem prejuízo dos dias de Descanso Semanal Obrigatório e Complementar, competindo ao primeiro outorgante a fixação e ou alteração do Horário de Trabalho.
1 - Atendendo ao disposto nas alíneas 6ª e 7ª da cláusula 11ª do Contrato Coletivo da APED, e por remissão do artigo 204º do Código do Trabalho o período normal de trabalho pode ser definido em termos médios aumentada até 2 horas diárias e 50 horas semanais, e a sua duração apurada por referência a um período de 8 (oito) semanas, no qual a média não pode exceder 50 horas, período em que deve ser compensado, sem prejuízo de outras alterações ao Regime de Adaptabilidade previsto nos normativos legais referidos
2 _ A Segunda Outorgante dá porém e desde já, o seu pleno acordo ao cumprimento de um horário especial de trabalho (Horário de Trabalho Flexível) de harmonia com o estabelecido em sede do Contrato Coletivo de Trabalho e dentro das condições e limites aí estabelecidos, aceitando que o mesmo possa ser praticado tal como previsto na alínea 9º da Cláusula 11" do Contrato Coletivo da APED em regime continuo, com um intervalo para refeição ligeira de 30 minutos, que conta como tempo de trabalho, a ser gozada no período compreendido entre 30% e 60% do período normal de trabalho.
3 . O Segundo Outorgante nos termos e para os efeitos previstos no art. o 209º do Código do Trabalho, aceita e acorda em que o seu período normal de trabalho possa ser aumentado até ao limite de 4 horas diárias, e a um máximo de 4 dias de trabalho, em regime de Horário de Trabalho Concentrado.
4 _ O segundo Outorgante dá ainda o seu total e incondicional acordo a qualquer alteração do horário de trabalho que vier a ser fixado pela empresa, incluindo, alterações de escalas, de turnos, sistema de folgas e rotatividade.
5 - O Segundo Outorgante não está autorizada a prestar trabalho suplementar, só o podendo e devendo prestar quando ou se tal lhe for expressa, inequívoca e previamente ordenado pela Primeira Outorgante, sob pena de lhe não ser exigível o seu pagamento
6 - Os acordos referidos supra da na presente cláusula reveste caráter irrenunciável e irrevogável, pelo que vigorará durante toda a vigência do vínculo laboral agora estabelecido”
*
A ré pretende que apenas pode ser considerado suplementar o prestado além de 10 horas diárias e 50 horas semanais, escudando-se no acordado.
A adaptabilidade, ou variabilidade, no essencial, consiste na possibilidade de o período normal de trabalho ser definido em termos médios. O trabalhador poderá prestar mais horas num determinado período de tempo, sendo compensado, trabalhando menos horas, noutro período, por forma a que no período de referência e em termos médios, seja respeitado o período normal de trabalho.
A previsão de 50 horas semanais, não se reporta em si ao HNT que se mantêm em 40 horas (artigo 203º). No caso do artigo 204º, constitui um limite intercalar, visando evitar um período excessivo de prestação de trabalho em 60 horas semanais –Vd. Pedro Martinez e outros, CT anot., 4º Ed. 2005, em nota ao anterior artigo 164º. Contudo, a média deve respeitar sempre as 40 horas.
No caso do artigo 205º, constituem os limites previstos na norma, o máximo a que pode estender-se por adaptação, os períodos de trabalho, a compensar nos termos previstos no mesmo artigo e nº 3.
O limite máximo do período de trabalho é sempre o do artigo 203º, podendo, por aplicação do regime de adaptabilidade, ser respeitado em termos médios.
Voltando ao caso, após o período, seguido e sem compensações, em que a trabalhadora prestou 61 horas todas as semanas – muito além da previsão legal -, passou a cumprir um horário de 40 horas semanais, portando sem compensação. Não ocorreu qualquer regime de adaptabilidade, simplesmente, como e bem se concluiu, prestou trabalho suplementar.
Não foi calculado em excesso o número de horas, antes pelo contrário. O número de semanas reais atinge 39. Mesmo considerando uma média de quatro por mês teríamos 36 semanas o que considerando as 21 horas semana a mais prestadas, atingiria outros valores.Como não houve folgas, nada a apontar quanto ao cálculo do montante compensatório a esse título.
Refere a recorrente que o descanso não tinha que ser ao domingo. Para o efeito de contas não importa tal facto, a autora nunca gozou o descanso semanal obrigatório nos termos do artigo 232º do CT. e artigos 268º e 229º e 239º do CT.
Refere a recorrente que pagou um subsídio de domingo, não quantificado. Resulta dos recibos juntos, e foi aditado à factualidade, o pagamento naquele período a esse título da quantia de 1.015,38, que importa deduzir naquele montante, reduzindo-se o valor para € 64,14.
O montante global fixado na decisão fica reduzido a € 9.525,89
Uma última referência, relativamente às retribuições devidas até trânsito, tendo entretanto a autora denunciado o contrato, apenas serão devidas até 24/1/2015.
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DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, reduzindo o montante global relativo a créditos laborais para € 9.525,89 (sem prejuízo das retribuições que deixou de auferir).
- Relativamente às retribuições que deixou de auferir desde 16/3/2012 são devidas até 24/1/2015.
No mais confirma-se o decidido, sem prejuízo da denúncia efetuada pela autora.
Custas pela recorrente em 8/9 e 1/9 pela autora.
Guimarães, 28/05/2015
Antero Veiga
manuela Fialho
Moisés Silva