Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
68/12.7TBCMN.G2
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
BALDIOS
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Os baldios são terrenos não individualmente apropriados que, desde tempos imemoriais servem de logradouro comum dos vizinhos de certa circunscrição ou parte dela.
- Os terrenos baldios foram considerados prescritíveis desde o Código de Seabra até início da vigência do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro.
- A subtração dos baldios à usucapião só pode valer para futuro, face ao disposto no n.º 1 do artigo 12 do Código civil.
- Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse – ou seja, se, a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção, agora, de que o oponente actua, inequivocamente, como titular daquele direito;
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 68/12.7TBCMN.G2

I -  A Assembleia de Compartes dos Baldios de ... representada pelo Conselho Diretivo dos Baldios da freguesia de Venade, ..., instaurou a presente acção contra a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia ..., a Freguesia ..., a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia ..., a Freguesia ... e Empreendimentos Eólicos do ..., S.A. pedindo que se declare que os Baldios n.ºs 1 e 2 descritos, o n.º 1, de arts. 5.º ao 33.º da p.i. e o n.º 2, de arts. 34.º ao 49.º da PI, pertencem à Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de ..., Concelho ...; os 9,97 hectares (99.700m²), correspondentes à Parcela de terreno dos Baldios objeto do Contrato e identificados na cl.ª 2.ª do doc. n.º ...1, fazem parte integrante dos referenciados Baldios n.ºs 1 e 2. Requer o A. ainda que se declare que os 3 (três) aerogeradores referenciados de arts. 65.º ao 83.º da PI se encontram implantados dentro dos limites dos Baldios n.ºs 1 e 2 referenciados na alínea a) do pedido, cabendo um destes 3 (três) aerogeradores ao Baldio n.º 1 e os 2 (dois) outros aerogeradores ao Baldio n.º 2. E, consequentemente, requer o A. que as 5 (cinco) RR. sejam solidariamente condenadas no pagamento à primeira das quantias peticionadas na ação (o pedido é alterado no decurso da ação).
Alega o A. que a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de ..., do Concelho ..., foi constituída em 27 de fevereiro de 1977. Tal constituição ocorreu nos moldes e em obediência aos fins previstos no Dec. Lei n.º 39/76, de 19 de janeiro e da mesma (constituição) foi dado conhecimento aos Serviços Florestais e ao Sr. Presidente do Conselho Diretivo dos Baldios da freguesia de Venade. Havendo, por sua vez, o Conselho Diretivo da Freguesia ... sido constituído na mesma data da constituição da Assembleia de Compartes, ou seja, em 27 de fevereiro de 1977, pese embora este haver deliberado, o exercício de funções da Administração dos Baldios no Presidente da Junta de ..., em 26 de fevereiro de 1995.
Sobre o Baldio n.º 1 refere o A.: desde tempos imemoriais e, pelo menos há mais de 200 (duzentos) anos, que um monte baldio, situado junto dos limites das freguesias de ...
e de ..., se tem mantido na posse da população da Freguesia .... E, por tal população, tem vindo este baldio a ser fruído e utilizado como coisa de sua pertença. Os limites e confinâncias deste baldio com a Freguesia ... são descritos na p.i. O baldio em referenciação, tem, segundo o A., de área 128 hectares (o A. junta o documento n.º ... composto por 2 mapas e seus complementos, o qual constitui um levantamento topográfico, sob a forma de um Laudo de Peritagem, levado aos autos do Processo n.º 263/04.... e sendo o A., do referido Processo, o ora A., e RR., a Junta de Freguesia ... e outros).
Diz então o A. que, desde há mais de 200 anos e até aos dias de hoje, os residentes na Freguesia ... vêm apascentando os seus gados nesse baldio, retirando matos, pinheiros e lenhas e tudo isto fazendo à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja. O que o mesmo é dizer, retirando desse seu terreno baldio todas as utilidades de que o mesmo é suscetível.
Prossegue o A. dizendo que os atos referenciados nos arts. 25.º e 26.º da p.i. são e têm sido, desde tempos imemoriais, levados a cabo pelas pessoas pertencentes à comunidade da Freguesia ... e que, atualmente, conformam a respetiva Assembleia de Compartes da Freguesia ...; comunidade e respetiva Assembleia de Compartes que hoje e tal como desde sempre se mantêm na perfeita convicção e consciência de que aquele terreno baldio lhes pertence como um bem comunitário dos habitantes da referida Freguesia .... Daí que, por afetação tácita, tal propriedade do baldio em questão se foi instituindo como um bem social e a favor dos habitantes de ... e daqui se invoque a certificação da sua posse e domínio e, sempre por mera cautela, se invoque a seu favor e na medida do legalmente possível, a respetiva usucapião.
Por outro lado, acrescenta o A. que, por sentença já transitada em julgado e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, o baldio em questão foi considerado pertença da Freguesia ..., ou melhor dizendo, da sua Assembleia de Compartes dos Baldios. Comprova-o a sentença proferida pelo Tribunal da Comarca ... na acção ordinária n.º 263/04....; o Acórdão, proferido na Relação de Guimarães, sob o n.º 2.583/07; e o Acórdão de Revista n.º 2076/08.2, proferido no Supremo Tribunal de Justiça, todos transitados em julgado (docs. nºs ..., ... e ... juntos aos autos pelo A.).
Conclui o A. referindo que, efetivamente, o baldio em questão, sempre circunscrito à área e confinâncias alegadas na p.i., foi declarado no respetivo processo pertencer, em exclusivo, aos habitantes da Freguesia ..., ou seja, à sua Assembleia de Compartes.
Sobre o Baldio n.º 2 alega o A.: Pelo ano de 1873, as Juntas de Freguesia ... e ... e mais precisamente a 4 de Janeiro, reunidas na Câmara Municipal do Concelho de ..., em acto solene, deliberaram e exararam no Livro de Atas das Sessões da referida Câmara Municipal e correspondentes aos anos de 1873, a págs. 102 e seguintes, a Demarcação do Monte Baldio cujo aproveitamento (e fruição) era feito por ambas freguesias, de forma indiscriminada (cfr. docs. n.ºs ... e ... juntos com a p.i.). De tal modo de usufruir aquele referido Monte Baldio vinham resultando sérios distúrbios entre as populações de ambas referidas freguesias. Daí que em função da referenciada demarcação daquele Monte Baldio, antes indiscriminadamente usufruído pelas duas citadas populações (de ... e ...), o (baldio) efetivamente atribuído a ... ficou a constar do referenciado Auto e, para todo o sempre, circunscrito às confinâncias que ainda hoje se mantêm (descritas na p.i.). O Baldio em referência, atribuído à Freguesia ... e nos termos do referenciado Auto de Vistoria e Demarcação tem, segundo o A., a área de 718,076m².
Assim, se os residentes da Freguesia ..., até 1873, (ano em que se procede à Divisão e Demarcação do Monte Baldio em referenciação) vinham usufruindo indiscriminadamente do Baldio, em parceria, com os habitantes da Freguesia ..., dali em diante passaram a usufruir esse Baldio que, em termos de exclusividade, assim lhes foi atribuído. Desta sorte, os residentes de ..., vendo-se donos e exclusivos possuidores daquela propriedade social, que como tal lhes foi atribuída, dali por diante e até aos dias de hoje, e com carácter de perpetuidade, aí têm vindo a apascentar os seus gados, a roçar os matos que ali espontaneamente crescem, a cortar pinheiros que em qualquer estado do seu desenvolvimento utilizam, quer para lenha quer para obras, nas suas unidades agrícolas/familiares. Praticam estes atos de posse – e posse ainda que entendida no âmbito da atribuição da propriedade social em que os baldios se integram - como os verdadeiros donos que são; e os residentes das demais freguesias circunvizinhas, maxime os da Freguesia ..., não se lhes opõem, nem lhes reivindicam o aproveitamento e fruição desse seu Baldio.
Então os residentes da Freguesia ..., sempre têm agido no exercício de tais direitos, de forma ininterrupta, pacífica, à vista de toda a gente (pública) e de boa fé.
Nos termos em que legalmente for possível, a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de ..., na qualidade de legal sucessora dos usufruidores dos Baldios da referida freguesia, invoca a seu favor a usucapião deste referido Baldio.
Pelo que, na opinião do A., juntando a aquisição derivada (resultante do Auto da Vistoria e Demarcação, celebrado com os representantes dos residentes da Freguesia ...), à aquisição originária que, ab initio, vêm detendo sobre tal Baldio, a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de ... é a exclusiva possuidora e titular desse baldio.

O A. diz ainda que, efetivamente, nos termos do Título (do Auto de Vistoria e Demarcação), depois de identificado o respetivo terreno baldio, estabelece-se que:

a) -“a roça de mato e mais plantas silvestres ou outra qualquer coisa, seja qual for a sua espécie que produza na actualidade ou venha a produzir no futuro, este terreno acima demarcado e confrontado, desde hoje para todo o sempre, fica pertencendo à Freguesia ... para o uso exclusivo dos seus habitantes, pois que os habitantes da Freguesia ... lhes cedem e transferem todo o direito, acção, gozo e fruição que sobre a dita produção tenham ou venham a ter para as presentes, e gerações futuras”;
b) -“...exceptuando, todavia, duas prezas com os respectivos rocios circundados por parede que dentro da demarcação e confrontação acima se acham, que ficarão para o uso exclusivo dos habitantes da Freguesia ..., e também fica exceptuado do terreno acima demarcado e confrontado o direito ao usufruto, digo ao mesmo terreno, por continuar a pertencer aos habitantes da Freguesia ..., e a cedência e «transferência que fazem estes aos habitantes da Freguesia ..., entender-se somente quanto à produção do dito terreno como dito fica.”
c) -“...que todos aceitaram livremente, de comum acordo foi resolvido...”

O próprio A. alega que, em face do assim expresso no Título em apreciação, pareceria inequívoco que a vontade das partes aqui manifestada fosse a de atribuir aos habitantes da Freguesia ... apenas a gestão do Baldio assim demarcado, ficando o respetivo terreno a pertencer aos habitantes da Freguesia .... Porém, defende o A. que tal fracionamento dos terrenos baldios entre a propriedade, posse e respetiva gestão, são institutos jurídicos incompatíveis com o quadro Legal e Constitucional vigente no nosso ordenamento jurídico.
Daí que, no entender do A., o título em referenciação, devendo ser interpretado em conformidade com a Lei, constitui e fundamenta o uso e fruição do terreno a favor dos habitantes da Freguesia .... E, mediante esta devida e coerente interpretação, aqueles referenciados habitantes, assumindo as suas respetivas posse e gestão do Baldio em citação, assumiram, consequentemente, a irrelevância da reserva de propriedade (do terreno) a favor da Freguesia ..., ou seja, impediram que ela se concretizasse na esfera patrimonial desta referida freguesia. Podendo ainda entender-se que a solução constante do Título em referenciação (docs. n.ºs ... e ...), por ser incompatível com a Lei atualmente em vigor, e com a Regra Constitucional aplicável, leva à consideração de que tal Título transmitiu, por arrastamento, quer a propriedade social e posse do respetivo terreno, quer os direitos inerentes à gestão do Baldio em apreciação, considerado na súmula de todos os seus elementos constitutivos.
Em tal conformidade e ainda porque é a Comunidade de ... que, desde sempre, maxime desde 1873, se vem mantendo na posse e gestão do referenciado terreno Baldio, o mesmo é pertença dos habitantes da Freguesia .... Nos termos da Lei, diz então o A. que o referenciado Baldio pertence à Freguesia ..., hoje à sua constituída Assembleia de Compartes de Baldios.
Depois de descrever os dois Baldios em questão, o A. faz referência ao Contrato de Cessão de Exploração celebrado a 7 de Dezembro de 2001 entre a Junta de ... e Empreendimentos Eólicos do ..., S.A. e que teve por objeto a cedência de 9,97 hectares (99.700m²) de terreno, parte integrante dos dois Baldios atrás em referenciação, ou seja, o (Baldio) descrito de arts. 5.º ao 33.º da p.i. e o descrito de arts. 34.º ao 49.º da p.i.
O objeto de tal Contrato de Cessão de Exploração destinou-se à implantação de um Parque Eólico para a produção de energia elétrica, através de 3 (três) aerogeradores e a ser comercializada com a Rede Pública. Sendo o Parque ora em referência, para além da implantação dos 3 (três) aerogeradores, ainda constituído por equipamentos vários, dos quais se destaca a subestação, torres de medição, de circulação, linhas de transporte de energia, cabos de ligação do Parque à Rede Pública de transporte de energia (cfr. doc. n.º ...1).
Alega o A. que, encontrando-se os 3 (três) referidos aerogeradores, bem como todos os seus demais equipamentos constitutivos do Parque Eólico, objetivados no referenciado Contrato de Cessão de Exploração, implantados dentro dos rigorosos limites dos dois referenciados baldios, e estes sendo pertencentes aos Compartes da Freguesia ..., só à Freguesia ... e através da então sua Junta de Freguesia, (em virtude da respetiva Assembleia de Compartes do Baldios não estar ainda, ao tempo, constituída), é que, nos termos do art.º 10.º da Lei dos Baldios em citação, era legalmente possível celebrar contratos de exploração para o exercício de qualquer actividade produtiva ou, em suma, de cedência de quaisquer direitos.
O contrato em questão foi resolvido por parte da 5.ª ré em 19 de Setembro de 2005. Entende o A. que a resolução do Contrato de Cessão de Exploração em referência, levada a cabo pela ora 5.ª ré, se constituiu num absoluto incumprimento contratual e por sua exclusiva culpa. Os motivos da resolução são, para o A., infundados. Os 3 (três) aerogeradores, constitutivos do Parque Eólico objeto do referenciado Contrato, encontram-se implantados nos referenciados Baldios, inequívoca e absolutamente, pertencentes à Assembleia de Compartes dos Baldios, de ... (ao contrário do entendido pela 5ª ré).
Daí que, para o A., encontrando-se os 3 (três) aerogeradores inequivocamente implantados nos terrenos Baldios da Freguesia de ..., a resolução do Contrato levada a cabo pela 5.ª ré, não tenha qualquer fundamento legal ou jurídico para a sua ocorrência.
Na sequência desta alegação agora resumida, o A. pede a condenação solidária das cinco rés no pagamento das quantias descritas na petição inicial.
2. A Freguesia ... apresentou contestação a fls. 139 ss.
Refere a mesma que, de facto, foi celebrado em 1873, entre as freguesias de ... e ... um auto de vistoria e demarcação, para acabar com eventuais conflitos que pudessem surgir na fruição do monte.
Tal como resulta do seu teor, este Auto destinou-se a determinar e definir a área (pertencente a ...) na qual a população de ... passou a poder roçar o mato e demais plantas silvestres ou outra qualquer coisa, seja qual for a sua espécie, que produza na atualidade ou se venha a produzir no futuro naquela parcela de terreno; atribuindo o uso exclusivo de tal parcela, ali demarcada e identificada, para aqueles fins específicos, aos habitantes da Freguesia .... Mas, como expressamente se refere naquele documento, ficando excetuado ou excluído do terreno demarcado e confrontado o direito ao mesmo terreno por continuar a pertencer aos habitantes da Freguesia ....
E, mais ainda, devendo entender-se que a cedência ou transferência efetuada pela Freguesia ... à de ... se entende “apenas quanto à produção do dito terreno, como dito fica”. Tanto que ficou igualmente estabelecido que se alguém fosse roçar ou apanhar mato ou quaisquer outras plantas silvestres na área onde não lhe pertencesse o direito de roça ficasse sujeito a pagamento de uma multa ali melhor especificada e eventual procedimento judicial ou administrativo contra o prevaricador.
Ou seja, o que foi estabelecido entre as duas freguesias no ido ano de 1873 foi que a de ... concedia para o futuro à de ... o direito à roça e apanha de mato e outras plantas silvestres produzidas no aludido terreno, independentemente da sua espécie, fosse qual fosse a natureza da produção, isto é, independentemente de ser espontânea ou plantada. Pelo que, ao contrário do que a A. pretende, o que foi atribuído à Freguesia ... não foi a parcela de baldio ali melhor identificada, mas apenas e tão só o direito de uso e fruição da mesma parcela para os fins e nos moldes específicos mencionados no auto de vistoria e demarcação e supra reproduzidos.
Defende a Ré que a parcela de baldio em causa não foi atribuída à Freguesia ..., que apenas passou a beneficiar do seu uso e fruição para os fins e com as limitações exaradas no Auto de Vistoria de 04.01.1873.
Por força do Auto em análise, os moradores de ... não passaram a usufruir o baldio em termos de exclusividade, mas apenas a usufruir do mesmo, reitera-se, para os fins discriminados e enunciados no texto daquele documento. Resultando tal exclusividade (que ilegitimamente invoca o A.) afastada, desde logo, pelo próprio texto do Auto, que refere que “ficam excetuados do direito concedido o uso de duas prezas e respetivos rocios e o direito aos mesmos terrenos que continuam a pertencer aos habitantes da Freguesia ...”. Resultando a inexistência da invocada exclusividade ainda da expressão contida nesse documento de que “a cedência e transferência que fazem estes (os de ..., leia-se) aos habitantes da Freguesia ..., deve entender-se somente quanto à produção do dito terreno como dito fica”.
Do acima exposto terá de resultar, no entender desta Ré, a falsidade da pretensão do A. assente em factos inventados, sem nenhum reflexo no texto do documento em que pretende sustentar-se (e que a seguir até vem alegar que é “nulo”).
Entende assim a Ré que o direito concedido aos habitantes de ... é um mero direito de gozo, ou seja, de uso e fruição e não como o A. pretende, um direito de propriedade. Pelo que não pode o A. invocar, por não lhe assistir fundamento, a usucapião como modo de aquisição originária de um inexistente direito de propriedade a seu favor, que nunca lhe foi concedido ou reconhecido e não adquiriu por qualquer forma. Até porque nunca sequer actuou com o animus e a convicção de verdadeiro proprietário da parcela de baldio em discussão. Mas tão só e apenas como legítimo beneficiário do seu gozo, correspondente ao corte e apanha de matos e demais produção silvestre, que o mesmo fosse suscetível de produzir, independentemente da natureza de tal produção. Resulta expressamente do alegado título a reserva de propriedade da parcela objeto de demarcação a favor da Ré, Freguesia ....
No entender da Ré a tese explanada nos artigos 52.º a 64.º da p.i. não deve colher, por não ter qualquer sustentabilidade na lei. Se determinado acto jurídico for praticado em contravenção à lei, a consequência que lhe advém é a da sua nulidade. Nulidade que, a existir, se estenderá a todo o ato, ou seja, a todas as disposições de vontade contidas no título em crise
e consequentemente a restituição da parcela ali melhor identificada à ora ré em toda a sua extensão, incluindo os direitos de gozo que efetivamente foram transmitidos.
O próprio A. veio juntar aos Autos os Acórdãos do Tribunal da Relação e do STJ proferidos na acção que moveu à co-ré Freguesia ... e ao Estado português, proferidos já após a entrada em vigor da Lei dos Baldios e já transitados em julgado, dos quais, sobretudo do primeiro (depois confirmado), resulta que não há qualquer incompatibilidade entre os dois direitos: o de propriedade e o de gozo dos frutos, que no caso eram os matos e vegetação espontânea, que aquele terreno é suscetível de produzir e ali determinado até por ato unilateral da Freguesia ... - processo nº ...04 do Tribunal ....
Por outro lado, a Lei nº 69/93, de 04-09 nem sequer impõe a nulidade pretendida pela Autora. Não a prevê expressamente para quaisquer atos praticados anteriormente à sua entrada em vigor.
Acrescenta a Ré ainda que se o Auto de 1873 fosse nulo sempre valeria a fruição praticada de acordo com os usos e costumes, perpetuados por mais de um século, desde pelo menos 1873, ou seja, a prática pelos de ... naquela área circunscrita do baldio de ..., do corte e apanha de mato e outras produções silvestres produzidas pelo baldio em questão. Sem prejuízo de que a ser nulo o Auto de 1873, por impossibilidade de divisão entre a propriedade e a sua gestão, sempre tal declaração de nulidade deverá conduzir à restituição integral do baldio para a Freguesia ..., sua legítima dona e proprietária, cessando o direito de uso e fruição do mesmo pelos habitantes de ....
Não assistindo assim qualquer razão à pretensão do A., atenta ainda a insusceptibilidade da aquisição da propriedade dos baldios por usucapião, por esta não estar entre as modalidades previstas para a sua aquisição, interpretação que deve colher e conduzir, nesta parte, à absolvição da ora ré da Instância.
Na parte respeitante ao contrato celebrado com a 5ª Ré, refere a Freguesia ... que desconhece o teor do mesmo. Sendo certo que, tendo tomado conhecimento do mesmo ao ser citada para a presente Acção, a Ré Freguesia ... considera que ao dispor da área do baldio constante do Auto de Vistoria de 1873 o A. o fez ilegitimamente, pois o mesmo não lhe pertencia, nem pertence e não podia assim dispor do mesmo, fosse para que fim fosse, a favor de terceiros e designadamente da 5.ª Ré.
A Freguesia ... alega que nada contratou com o A., pelo que nada lhe deve por força de qualquer contrato e nomeadamente do que aquele se arroga que celebrou com a 5.ª Ré e a que esta pôs termo pelos motivos que entendeu adequados. Diz ainda que para que existisse, neste particular, responsabilidade solidária da ora Ré era necessário que esta estivesse vinculada por qualquer forma a tal contrato e a realidade é que não o está. As fontes da solidariedade das obrigações encontram-se p. e p. no artigo 513.º do C. Civil, ou seja, esta ou resulta da Lei ou da vontade das partes. O A. não alega qualquer fundamento legal para a solidariedade que invoca.
A Freguesia ... diz igualmente que desconhece se são certos os montantes calculados pelo A. como correspondentes aos valores a que pretende ter direito por força do contrato celebrado com a 5.ª Ré, pois não sabe o que esta lhe pagou, sendo certo que, estando errados os lapsos temporais em que funda cada um dos pedidos, igualmente errados estão os valores reclamados, que também por isso impugna expressamente.
Diz ainda a Ré que os frutos resultantes da exploração da energia eólica, decorrentes do funcionamento dos aerogeradores não se incluem no elenco dos bens que os ditos baldios são suscetíveis de produzir. E que não se inclui tal energia certamente no elenco das valências que foram objeto da cessão constante do Auto de 1873. No mesmo sentido, aliás, se alude no Acórdão do S.T.J. junto como Doc. n.º ... com a p.i., quando ali se refere que do baldio apenas podem retirar-se as utilidades que este natural ou espontaneamente oferecer, a tal respeitando o aproveitamento vegetal do terreno. Pelo que os resultados da produção de energia eólica/elétrica no Baldio da ora Ré não têm que reverter a favor do A. ou dos compartes dos baldios de .... O A. não adquiriu qualquer direito de servidão do baldio, mas um mero direito ao seu uso e fruição, nos termos explanados no Auto de 1873, pelo que não colhem as equiparações a que alude no artigo 120.º da p.i.
Por fim, diz a Ré Freguesia ... que o A. assenta a sua pretensão contra a mesma numa alegada violação contratual cometida por esta, apesar de nada terem contratado no que ao objeto da lide concerne. Todavia e sem prejuízo de não ter contratado com ele, tal
responsabilidade, a existir reportar-se-ia ao valor das rendas decorrentes da exploração eólica, umas mensais e outras de carácter anual, as quais porém já se encontram parcialmente prescritas. Designadamente, todas as rendas vencidas há mais de cinco anos por referência à data da entrada em juízo da acção –09.02.2012 – quer as mensais, quer as anuais, quer ainda os juros respectivos, uma vez que estão feridas da prescrição p. e p. no artigo 310.º do CC.
Acrescenta a Ré que a actuação do A. deve ser valorada e enquadrada no âmbito do instituto da litigância de má fé, pois veio a juízo deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, nem pode ignorar.
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3. As Rés Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia ... e Junta de Freguesia ... vêm defender-se por excepção.
Referem as mesmas que o A. fundamenta a sua pretensão no contrato celebrado com a Ré mencionada sob o nº 5, junto como documento nº...1, mediante o qual esta se comprometeu a pagar àquele as rendas anuais, aí chamadas de “compensações anuais”, discriminadas no referido documento.
Ora, nos termos do disposto no artigo 310º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos as rendas e alugueres e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis. Assim, mesmo que o A. tivesse o direito a que se arroga – e não tem, já se encontraria prescrito o direito ao reclamado montante de 892 500$00, ou seja, 44 517,73€, mencionado no artigo 92º da douta Petição.
Relativamente ao Baldio nº 1, referem as Rés que é verdade que a Freguesia ... se encontra na posse útil de um Baldio sito na área territorial pertencente à Freguesia ..., com os limites e área descritos de 5º a 23º da douta Petição, de harmonia com os documentos juntos pelo A. sob os nºs 5, 6 e 7.
Porém, tal baldio apenas esteve e está afeto ao aproveitamento de matos e lenhas, com exclusão de qualquer outra actividade ou utilidade, nomeadamente pastagem de gado e corte ou retirada de pinheiros. Aliás, a Acção que correu termos no Tribunal ... sob o nº 263/04.2 e que o A. expressamente nomeia e invoca, aconteceu precisamente porque o mesmo Autor veio reclamar da Ré Junta de Freguesia ... e do Estado Português uma indemnização no montante de 224 459,00€ pelo corte ilegítimo de pinheiros no terreno baldio em referência. Sendo que, a afetação do dito terreno apenas às utilidades de recolha de matos e lenhas acontece há mais de cem anos e a convicção da população de ... nunca foi para além daquelas utilidades, como ficou provado na aludida Acção nº 263/04.2 e resulta à evidência do documento nº ... junto pelo A. E foi precisamente com base naquele facto de recolha de matos e lenhas que a douta sentença proferida em 1ª Instância condenou os então Réus no pagamento solidário da importância que se viesse a apurar, com o raciocínio de que, “nesse fim - retirada de matos e lenhas - está naturalmente o aproveitamento de árvores existentes” - cfr. fls. 5 do documento nº ... junto pelo Autor. Porém, colocada em crise aquela douta sentença, foi a mesma revogada na parte em que condenou os RR. no pagamento solidário da importância a liquidar, conforme alínea A) do item Decisão do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de Fevereiro de 2008 - documento nº ... junto pelo A. Este douto Acórdão foi confirmado pelo também douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2008 - documento nº ... junto pelo A. Sendo que, para chegar à conclusão de que o A. não tinha direito a qualquer indemnização pelo corte de árvores no mesmo terreno baldio agora também em discussão, o douto Acórdão de Guimarães disserta longa e exaustivamente sobre a natureza jurídica dos Baldios e a utilização a que os mesmos estiveram e estão sujeitos - cfr. fls. 16 e 17 do documento nº... junto pelo A.
Referem as Rés que o A., apresenta os doutos Acórdãos atrás mencionados, proferidos em seu desfavor em tudo quanto ultrapasse as utilidades de aproveitamento de matos e lenhas, como se tivessem sido proferidos em seu benefício e vem agora reclamar uma nova utilidade, concretamente, a produção de energia elétrica ou rendimento proporcionado pela referida produção. Utilidade esta que jamais foi retirada do baldio e não consta nem da letra nem do espírito da constituição do mesmo a favor da população da Freguesia .... Na verdade, e como consta de fls. 17 e 18 do documento nº ... junto pelo A., a única realidade que foi transmitida para ser usufruída no terreno demarcado, foi o “roço de mato ou produtos vegetais”.
Continuam as Rés dizendo que, se o A. não teve direito às árvores nascidas no terreno baldio, muito menos lhe assistirá qualquer direito a qualquer renda pela produção de energia elétrica. Energia que é produzida aereamente pela força do vento, sem qualquer relação com o terreno, sendo a torre de suporte aí colocada pela mão do homem.
Em relação ao Baldio nº 2 dizem as Rés contestantes que não sabem o que se relaciona com o terreno baldio sito na Freguesia ... e, no dizer do A., afeto à população de ....
Contudo, tudo dando a entender que o pretendido pelo A. será o alargamento territorial da Freguesia ..., à custa das limítrofes de ... e .... De facto, pelo raciocínio do A., muito embora reconheça que os baldios se encontram nas freguesias de ... e ..., tais terrenos pertencem exclusivamente à Freguesia ..., uma vez que o regime Legal e Constitucional vigente não permite o fracionamento de Direitos Reais sobre Baldios, maxime, que a propriedade pertença a uns e algumas utilidades a outros.
Quanto ao contrato celebrado com a 5ª Ré dizem as Rés contestantes que nada têm a ver com o mesmo, mas que o A. não tem direito à verba peticionada.
Dizem ainda as Rés que o A. pede a condenação solidária das 5 (cinco) Rés. Ora, nos termos do disposto no artigo 513º nº1 do Código Civil, a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral. Acontece que é o próprio A. a carrear para os Autos elementos comprovativos de que, in casu, a obrigação não é solidária; sempre o A. terá de quantificar o pedido relativamente a cada uma das Rés.
Por fim, dizem as Rés que, pelo menos desde a notificação do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2008, o A. ficou a saber que o Baldio sito na Freguesia ..., de que efetivamente usufrui há mais de cem anos, apenas está afeto ao aproveitamento das utilidades de recolha de matos e lenhas. Realmente, nem sequer lhe foi concedida a utilidade de recolha de árvores. Pelo que, o A. vem deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar. Sendo que o faz com manifesto e intenso dolo. O que tudo comprova a má-fé com que o A. litiga, pelo que deve ser condenado em multa e indemnização a favor das Rés contestantes.
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4. A 5ª Ré veio apresentar contestação dizendo que o A. vem intentar a presente acção, baseando as suas pretensões no contrato de Cessão de Exploração de Terreno Baldio,
celebrado em 7 de dezembro de 2001, entre a Junta de ... e a ora R. (cfr. doc. nº ...1 junto com a P.I.).
Contudo, em 30 de abril de 2004, a R. celebrou um Acordo de Cessão de Posição Contratual com a sociedade Empreendimentos Eólicos da ..., S.A. Acordo, este celebrado ao abrigo da Cláusula 14º do Contrato de Cessão de Exploração de Terrenos Baldios, nos termos da qual o A., por intermédio da Junta de Freguesia nos termos da delegação de poderes, autorizou a cessão de posição contratual a terceiros.
Assim e nos termos do artigo 424º do CC, ao ser celebrada a cessão de posição contratual era suficiente que o A., por intermédio da Junta de Freguesia nos termos da delegação de poderes, fosse da mesma formalmente informado, o que aconteceu por carta datada de 22 de fevereiro de 2005 – cfr. documento que se junta sob o nº 2.
Pelo que é do conhecimento do A. que a ora R. já não é parte no referido contrato de cessão de exploração desde 30 de abril de 2004. De igual forma, foi a sociedade Empreendimentos Eólicos da ..., S.A. que cessou o Contrato de Cessão de Exploração de Terreno Baldio, por carta datada de 25 de janeiro de 2007 (sendo que, por despacho de fls. 283, foi admitida a intervenção provocada dos Empreendimentos Eólicos da ..., S.A. – esta Ré fez seus os articulados da 5ª Ré – ver fls. 292).
Quanto ao Baldio nº 1 salienta esta Ré que o A. está a fazer uma leitura errada do teor dos acórdãos por si juntos ao processo e que não pode invocar a usucapião como forma de adquirir a propriedade do mesmo.
Quanto ao Baldio nº 2 refere a Ré que, como é sabido, a posse, mantida durante o período de tempo legalmente previsto, dá lugar à aquisição do direito correspondente pelo seu titular, a chamada usucapião nos termos do art. 1287º do Código Civil. Ora, a usucapião é possível relativamente aos direitos reais de gozo, com excepção dos excluídos por lei, não sendo exclusiva do direito de propriedade. E se dúvidas houvesse quanto a que direito real de gozo o A. pretende usucapir, as mesmas são dissipadas pelo próprio A. que afirma, no artigo 43º da sua P.I., serem os residentes de ... “donos” desse baldio. Mas o A. vai mais longe afirmando, no artigo 49º da sua P.I., que é exclusivo possuidor e titular desse baldio,   “juntando a aquisição derivada (...) à aquisição originária que, ab initio, vem detendo sobre tal Baldio”.
Ora, nos termos do artigo 1305º do Código Civil o conteúdo do direito de propriedade inclui os direitos de uso, fruição e disposição da coisa. Contudo, a Lei dos Baldios define, claramente, baldios como “terrenos possuídos e geridos por comunidades locais”, ou seja, o “universo dos compartes”, sendo que estes “têm direito ao uso e fruição do baldio” – cfr. Artigo 1º da referida lei. Já o seu artigo 4º proíbe a apropriação ou apossamento, sendo apenas permitida a cessão de exploração nos termos previstos no artigo 10º do referido diploma. O que, aliás, é confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, junto pelo A. sob doc. nº ..., que refere claramente: “Os baldios são coisas comuns, usufruídas pelos habitantes de uma ou várias circunscrições territoriais, em regime jurídico de posse útil (...)”. E ainda, pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 05-05-1998: “Os baldios estão fora do comércio jurídico, sendo inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião e são administrados pelos compartes, nos termos da lei” (in http://www.trc.pt). Pelo que, não são os baldios objeto de direitos de propriedade, nem passíveis de aquisição por usucapião.
Conclui assim a Ré dizendo que quer a própria, quer a sociedade Empreendimentos Eólicos da ..., S.A. cumpriram integralmente todas as suas obrigações assumidas nos termos do Contrato.
Quanto aos montantes peticionados pelo A., refere a Ré que vem o mesmo pôr em causa os Considerandos II e III do Contrato e refere inclusivamente não aceitar por não corresponder à verdade o Considerando III do referido Contrato, mas aceitou celebrar o Contrato, sem pôr em causa o seu teor ou plantas anexas, para vir 11 anos depois pôr em causa os seus Considerandos. A Ré impugna a matéria de facto alegada pelo A., bem como os montantes peticionados, que entende não serem devidos.
Termina a Ré dizendo que sempre foi e continua a ser firme propósito da mesma efetuar o pagamento da compensação pelos terrenos onde se encontra implantado o Parque Eólico da ... a quem a esta tenha direito.
A Ré vem ainda alegar a má fé do A. Refere que o A. vem alegar que os aerogeradores e estação de interligação, ou posto de seccionamento, do Parque Eólico da ... se encontram implantados em baldios pertencentes à Freguesia .... Ora, o A. tem conhecimento, pelo menos, desde 7 de dezembro de 2001, data em que celebrou o Contrato de Cessão de Exploração de Terreno Baldio com a Ré e através deste mesmo Contrato, de que o Parque iria ser implantado “no ...” numa “área administrada pelas Juntas de Freguesia ..., ... e ...”, cfr. - Considerando II e III do doc. nº ...; ao qual se encontra anexo, como documento nº ... e fazendo parte integrante do mesmo, uma planta contendo a delimitação dos terrenos de cada freguesia, que foi rubricada por ambas as partes. A pretensão do A. consubstancia assim litigância de má-fé, nos termos do disposto no artigo 456º nº 2 a) e b) do Código de Processo Civil.

Os autos prosseguiram e, efectuado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:

Decide-se assim julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se todas Rés, integralmente, dos pedidos.

Inconformada a Autora interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
(…).
Os recorridos  apresentaram  contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.
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Nulidade da sentença.

Conclusões VI a IX e XI a XXIII

Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição – cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160.
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298.
Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma.
No que tange à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151, ensinava a este propósito:
«A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.»
Assim, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Invoca a apelante a nulidade da sentença  por contradição uma vez que na mesma se refere que “É reconhecido nos autos que a Freguesia ... se encontra na posse útil de um Baldio sito na área territorial pertencente à Freguesia ..., com os limites e área descritos de 5º a 23º da douta Petição.
No entanto, apenas considerou como provado no facto sob o n.º 3  que Os habitantes da Freguesia ... encontram-se na posse precária de um baldio sito na área territorial pertencente a ....
Deste modo, conclui que existe uma clara contradição entre a fundamentação  (em que se refere expressamente a confissão e se refere a prova do exercício de um direito de gozo e fruição) em decisão que se considera provado não uma posse mas uma mera detenção.
Lendo a sentença o que resulta da mesma é que  aí é  referida a posse útil do baldio e que  “ … resulta da prova produzida que tal baldio apenas esteve e está afeto ao aproveitamento de matos e lenhas, com exclusão de qualquer outra actividade ou utilidade, nomeadamente pastagem de gado e corte ou retirada de pinheiros”.
Ao analisar a matéria de facto e a subsunção dos mesmos factos ao direito concluiu-se que a posse exercida  não abarcava  outra actividade que não fosse  o aproveitamento de matos e lenha.
Quanto à alegada “posse útil” que é referida na sentença significa que a Freguesia ... exerce actos de gozo e fruição no referido baldio, o que não  consubstancia qualquer contradição com o que é referido no n.º 3 dos factos provados.
Depois, o que é referido na sentença é que está reconhecido nos autos que a Freguesia ... se encontra na posse útil de um baldio com os limites descritos no artigos 5 a 23 da petição.
As recorridas nos seus articulados impugnaram alguns desses factos (5 a 23 da p.i.).
Não há quanto a este ponto qualquer confissão das recorridas relevante para a acção.
O que há é a afirmação do Tribunal recorrido de que os limites são os assinalados em 5 a 23, conforme alegado na p.i. pelo mandatário da apelante, que apenas a ele vinculam nos termos do artigo 46º do Código de Processo Civil.
Mas tal afirmação não consubstancia a confissão de factos que tenham sido admitidos pela parte contrária, não abarcando a confissão tácita ou ficta de factos alegados- artigo 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Assim, quando na alínea c), do nº 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil, se dispõe que a sentença será nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, a 1ª parte refere-se à oposição entre a fundamentação jurídica  divergente, e não a vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre factos, que são duas situações distintas; a 2ª parte, por outro lado, reporta-se a ininteligibilidade, por ambiguidade ou obscuridade, do segmento decisório final.
Com efeito, a  nulidade da sentença  prevista na alínea c) do artigo 615º verifica-se quando  existir contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão (parte dispositiva daquela) nela proferida ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Ocorre quando os fundamentos invocados deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso na sentença. Neste sentido vide, entre outros, A. dos Reis, Cód. Proc. Civil Anotado, 5º-141; A.Varela, Manuel, 1ª ed., pp.671 e Acs. Do STJ de 3/03/2021 e 8/04/2021 (entre outros)in www.dgsi.pt.
Ora, a sentença recorrida não enferma do vício lógico de que a apelante a acusa.
Na verdade, a sentença diz quais os factos que considera provados e não provados, dizendo porque assim os considera e, depois, explica fundadamente as razões porque extrai as conclusões que extrai para a decisão final, concretizando devidamente as razões de direito para assim considerar.
Na sentença considerou-se que a utilização dos baldios se destinava ao aproveitamento de matos e lenhas no que respeita ao baldio 1,  e no que respeita ao baldio 2 o aproveitamento era feito por ambas as freguesias e que o que foi atribuído à Freguesia ... foi o direito de uso e fruição  da parcela, para os fins e moldes específicos mencionados no auto de vistoria e demarcação, continuando os terrenos a pertencer aos habitantes de ..., pelo que se considerou a acção improcedente.
Não se verifica deste modo, a alegada nulidade da sentença.

Alega ainda a apelante  que a sentença é nula porque “não existiu igualdade de armas   que impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processado”.
Depois nas conclusões seguintes (XII XXII referem-se diversos requerimentos de prova que a apelante efectuou , desde a junção de documentos que o tribunal indeferiu para se concluir que houve violação do princípio da igualdade das partes.
Dispõe o artigo 4º do Código de Processo Civil  que é necessário assegurar a igualdade no exercício das faculdades do uso dos meios de defesa ou na aplicação de sanções ou cominações processuais, não podendo ser postergadas normas processuais .
Como se decidiu no Ac. do STJ de 18/05/2004, “ o princípio da igualdade processual das partes significa que são iguais em direitos, deveres, poderes, ónus. Estando colocadas em perfeita paridade de condições e gozando de idênticas possibilidades   de obter a justiça que lhe é devida”
Ora, em relação aos requerimentos de prova referidos pela apelante foram proferidos despachos que foram objecto de recurso cujas decisões transitaram em julgado, conforme  processos que constituem apensos destes autos.
Quanto aos despachos em que não foi interposto recurso os mesmos transitaram e encontra-se precludida a sua apreciação uma vez que nos termos do disposto no artigo 644º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil  deveria ser impugnada essa decisão após a prolação da mesma, dentro do respectivo prazo.
Acresce que  não se verifica qualquer nulidade da decisão prevista no artigo 615º do Código de Processo Civil, nem tão pouco a nulidade de actos referida no artigo 195º do citado código .

Impugnação da matéria de facto.

A apelante Os factos nºs 3, 22, 23, 37, 51 e 55 ( factos provados ) e I, II, III, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XV, XVI, XVII ( não provados )
No que concerne ao ponto n.º 3 da matéria de facto provada refere a apelante que o mesmo está redigido de forma conclusiva, propondo que na redacção do mesmo  passe a constar que “ os habitantes da Freguesia ... encontram-se na posse útil e exclusiva de um baldio sito na área territorial pertencente a ...”.
Refere que as rés Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia ... e Junta de Freguesia ... confessaram tal facto.
Refere ainda que as testemunhas apresentadas ou não sabiam nada  ou não fazem qualquer ideia sobre a localização  da área cedida assim como da sua extensão.
Refere pois, os depoimentos das testemunhas AA, BB, CC , DD, EE,  FF acabando por referir que o depoimento da testemunha GG foi hipervalorizado pelo tribunal.
Ora o que está em causa é a redacção do ponto 3 – na perspectiva da apelante- que deve conter a expressão “posse útil” embora como a mesma refere essa “posse útil” se circunscreva ao aproveitamento de matos e lenhas.
Como também consta da matéria provada e consta do Acórdão desta Relação, transitado em julgado, o que foi transmitido para ser usufruído no terreno demarcado  ( conforme consta das actas de 19 de julho de 1903, 2 de agosto de 1903, 13 de Setembro de 1903 e 3 de Abril de 1904) foi “ o roço de mato ou produtos vegetais.
O facto das testemunhas referidas nada saberem ou saberem pouco, não significa que dos documentos juntos e dos demais depoimentos  - uma vez que as testemunhas  apenas podem relatar o que viram nos últimos tempos e durante a sua vida - não resulte o que consta das referidas actas no que se refere à utilização do baldio por parte dos habitantes de ....
Do acordo celebrado consta que foi reservado para a Freguesia ... tudo o que excedia a apanha de produtos vegetais, conforme consta do documento de fls. 244 e segs. 
Acresce que conforme se decidiu no Ac. desta Relação de 14 de Fevereiro de 2008 (transitado em julgado) o terreno baldio existente na Freguesia ... está afecto ao uso comunitário da população da Freguesia ..., apenas e tão só para o efeito de retirada de matos e lenhas. Mais se refere no citado Acórdão que “no conceito de “lenhas” estão apenas abrangidos os ramos secos, paus, troncos, achas, cavacos e toda a matéria lenhosa que serve para alimentar o fogo, para entreter a combustão.”  
Deste modo,  e no que respeita a este ponto retira-se  a expressão conclusiva e passa a constar do mesmo que” os habitantes da Freguesia ... utilizam um baldio sito na área territorial pertencente a ... para roço de mato ou produtos vegetais.”
Impugna ainda os pontos n.ºs 22 e 23 dos  factos provados e os factos não provados sob os n.ºs I, II, XLIII a XLIX.
O que está em causa nos factos n.º 22 e 23 e consequentemente na matéria de facto não  provada supra referida, é que se dê como provado que os residentes de ... para além de  retirarem matos e lenhas também retiram outros produtos existentes ou produzidos e que a Comunidade de ... o pode fazer há mais de 100 anos com a convicção e consciência de que “o Baldio 1 tem vindo a ser utilizado pelos habitantes de ...  como coisa de sua pertença”.
E o facto n.º II deve considerar-se como provado.
Invoca por um lado, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14/05/1996, publicado no DR II Série, de 24/06/96 e os depoimentos das testemunhas EE, FF e HH
A testemunha EE (83 anos) disse que ia ao Baldio quando tinha oito anos de idade; tanto iam ao baldio de ... como a .... Também disse que ” o monte era nosso” embora “propriedade social”.
Disse também que “para ele está no terreno de ...” e os baldios desde hoje e sempre são de ....
Segundo referiu a  explicação para a sua afirmação é uma escritura que está na ... da qual tem uma cópia, e também porque o irmão que fez parte da Junta ( e faleceu com 88 anos ) lhe disse que os serviços florestais pagavam os pinheiros a ....
Deste depoimento não resulta a matéria que a apelante pretende ver dada como provada e a testemunha está equivocada no que respeita ao pagamento dos pinheiros pelo que a conclusão que retira de o Baldio pertencer a ... não pode ser considerada.
Pois que, como resulta da  acção supra referida n.º 263/04.... (e do acórdão desta Relação, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça),  os Serviços Florestais pagavam à Freguesia ... os pinheiros e não à de ....
Também o depoente FF, 58 anos de idade que pertence  ao Conselho Directivo dos baldios de ... disse em relação ao baldio 1 que só lá vê gente de ....
O que sabe é o  que ouviu dizer, assim como as pessoas  tiravam uma licença na Junta e cada um tinha a sua “sorte”.
Referiu a prática da caça pelos habitantes de .... A este propósito como se refere na sentença recorrida a caça está sujeita a um  regime específico, pelo que a sua prática em terrenos não faz ptova de qualquer tipo de posse.
O depoente demonstrou pouco conhecimento dos factos.
Referiu que este Baldio está situado na Freguesia ... mas o baldio é de ....
Esta testemunha apenas sabe , como referiu, que desde os seus 16 anos só vê lá gente de ....
A testemunha HH também referiu que só os habitantes de ...  cortavam matos e havia “sortes”.
A testemunha CC disse que “em relação ao baldio os de ... não iam cortar mato”;” isso só acontecia se a Freguesia desse licença”.
A testemunha BB disse que “nunca ouviu falar de cedência da Freguesia ... para a Freguesia ...”.
Também o facto de existirem sortes não é relevante para se concluir da convicção do domínio por parte dos habitantes de ....
A realidade era que a população não tinha meios de produção próprios, nem era proprietária de terrenos e para a retirada de matos e lenhas existiriam as parcelas (que eram sorteadas pelos presidentes da Junta que indicavam os locais onde poderia existir o corte dos matos)  para uma melhor organização, o que se desconhece se essas parcelas eram respeitadas.
Ora, destes depoimentos o que se retira é que efectivamente as pessoas de ... usavam o baldio, tal como os depoentes e testemunhas que desde pequenos viam as pessoas de ... a retirar mato e produtos vegetais que ali cresciam espontaneamente, mas concluímos como o Tribunal recorrido, estando de acordo com a convicção formada pela Mmª Juiz a quo.
Não existe qualquer prova de que os habitantes da Freguesia ... interiorizaram que foi feita uma divisão para que os seus  habitantes ficassem com um baldio localizado na Freguesia ....
Por isso foi realizado o acordo de 1903 que culminou na acta de 3 de Abril de 1904 com o acordo de partilha do roço do mato ou produtos vegetais feita entre as Juntas de Paróquia das Freguesias  de ... e ... .
 
No facto sob o n.º 37 foi dado como provado que : De 1873 até aos dias de hoje, os habitantes de ..., na área que resultou do auto de demarcação, têm vindo a roçar os matos que ali espontaneamente crescem e a aproveitar as lenhas.

Pretende a apelante que o mesmo passe a ter a seguinte redacção: “De 1873 até aos dias de hoje, os habitantes de ..., na área que resultou do auto de demarcação, têm vindo a roçar os matos que ali espontaneamente crescem, a aproveitar as lenhas, varas, pedras a permitir e executar atividades como caça ou corridas e a retirar todas as outras utilidades que o baldio proporciona”.
E pretende que os factos não provados constantes dos n.ºs VI, VII,  VIII, XIX e X passem a constar dos factos provados.
Pretende a apelante que se considere provado que pertence à Freguesia ... o Baldio  referido no ponto 37 – baldio 2 -  ( e bem assim o Baldio 1).
Em relação ao Baldio 2 como resulta do auto de Vistoria e Demarcação foi definida uma área onde a população de ... podia roçar o mato e plantas silvestres .
Como resulta do mesmo auto foram exceptuadas duas presas com os respectivos rocios aí descritos que ficaram para o uso exclusivo dos habitantes de ... ficando também o direito ao mesmo terreno, por continuar a pertencer aos habitantes da Freguesia ... , conforme vem descrito no ponto n.º 39 da sentença.
Não foi atribuída aos habitantes de ... a parcela do terreno. Conjugado o documento – auto de vistoria e demarcação - com os depoimentos não resulta que os habitantes de ... passaram a agir sobre o Baldio 2 sem limitações de qualquer espécie.
O que as testemunhas sabem  é o que ouviram dizer aos seus antepassados  e o que viram durante a sua vida, como seja que as pessoas da Freguesia ... iam aos Baldios, roçavam mato, mas  no tempo em que (as testemunhas) frequentavam os mesmos já havia guarda florestal.  Segundo umas testemunhas o mato era cortado também pelas pessoas de ..., sendo que outras disseram que apenas lá viram os de ....
Efectivamente a testemunha II disse que o “baldio era nosso”, tendo respondido que era “uma propriedade social”. Também disse que hoje não há animais em ... e ninguém vai ao mato.
Por seu turno as testemunhas JJ e GG disseram que os habitantes de ... só tinham autorização para levar mato. A testemunha GG referiu ainda que as populações de ..., ao longo do tempo, continuaram a aproveitar aquele seu terreno baldio para outras finalidades. 
No que concerne ao depoimento do Presidente da KK este disse que para além de ter lido os documentos o que sabe é o que ouviu dos antepassados, que diziam que ... tinha pouco monte onde as populações pudessem apanhar mato para o gado e que ... e ... tinham excedente, e que por isso os padres de ... e ... fizeram um acordo com um auto de demarcação para que os habitantes de ... pudessem apanhar o mato.
Assim, em relação ao uso do Baldio 2 o auto destinou-se a definir a área em relação à qual os habitantes de ... poderiam roçar o mato e produtos vegetais, ou quaisquer outras plantas que ali se produzissem. Mas também no  acordo é referido que o terreno pertence a .... E mesmo a utilização do terreno não era exclusiva dos habitantes de ... como está descrito no próprio auto que  acima se referiu.
No  facto sob o n.º 51 da sentença deu-se como provado que: O Parque Eólico da ..., composto por três aerogeradores e um posto de seccionamento para ligação à rede pública, resultou em dois aerogeradores implantados no baldio de ... e o terceiro, bem como o posto de seccionamento, no baldio de ....
Pretende a apelante a sua alteração devendo a passar a constar que a implementação dos aerogeradores e do posto de seccionamento estão implantados no baldio 1 e baldio 2.
Quanto a este ponto como resulta dos autos o baldio 1 é o de ... e o Baldio 2 é o de ..., pelo que se mantém a redacção.
Pretende ainda a eliminação do facto sob o n.º 55 por ser conclusivo, assim como os factos não provados XI a XV.
No ponto 55 deu-se como provado que “O contrato referido em 44) cessou, com efeitos a partir da data da assinatura do auto de ligação, por impossibilidade objetiva do cumprimento da prestação”.
 No referido  ponto a última parte é conclusiva, mas a restante redacção deve manter-se, nada havendo a decidir quanto à matéria de facto não provada dos pontos XI a XV, uma vez que se trata de matéria que não se provou e é irrelevante para a decisão.
Assim, mantém-se o ponto sob o n.º 55 com a seguinte redacção: “O contrato referido em 44) cessou, com efeitos a partir da data da assinatura do auto de ligação”.

Deste modo, mantém-se a matéria de facto constante da sentença recorrida com a alteração ao ponto 3º e 55 do modo supra referido, que é a seguinte:

1) A Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de ..., do Concelho ..., foi constituída em 27 de Fevereiro de 1977.
2) Havendo o Conselho Diretivo da Freguesia ... sido constituído na mesma data, pese embora este haver deliberado o exercício de funções da Administração dos Baldios no Presidente da Junta de ..., em 26 de Fevereiro de 1995.
3) Os habitantes da Freguesia ... utilizam um baldio sito na área territorial pertencente a ... para roço de mato ou produtos vegetais.”
4) E, por tais habitantes, tem vindo este baldio a ser fruído.
5) Os limites e confinâncias deste baldio com a Freguesia ..., começam a Nascente, na esquina da ....
6) Indo daí, em direcção a Sul, a uma cruz que se situa junto a uma cavidade que fica a Poente e a Sul da dita ....
7) Daqui parte em linha reta em direcção a uma cruz que se encontra a meio do caminho e subindo em direcção a Poente, conhecido por caminho ....
8) Desse caminho, prossegue em linha reta ao ponto denominando por ....
9) Daqui indo em linha reta pelo denominado caminho velho, até junto da LL, denominada por ....
10) Desta citada ..., segue em linha reta até junto de um penedo, existente no topo Sul do pinhal, chamado MM.
11) Deste penedo, segue em linha reta até junto de um marco fixado no sítio ....
12) Daqui, parte em linha reta em direcção a Sul, à Coutada dos Herdeiros do Padre....
13) Deste ponto, vai em linha reta a uma outra cruz, gravada num picoto alto que fica nas imediações.
14) Indo desta cruz, até uma outra que lhe fica distante 4,5 metros.
15) Deste ponto, local onde se encontram gravadas as 2 (duas) referenciadas cruzes, e como atrás se refere a 4,5 metros uma da outra, segue em linha reta a uma outra cruz, que fica em plano superior à NN e que outrora pertenceu ao Padre EE.
16) Daqui, do penedo com as cruzes em referência, segue em linha reta até a um outro penedo, situado no sítio da ....
17) Da referenciada ..., segue em direcção a um marco de delimitação da freguesia ....
18) Pelo seu lado Norte, o baldio em referenciação confronta com a freguesia ....
19) Pelo lado Sul, o mesmo baldio em referenciação, confronta com terrenos baldios da freguesia ....
20) Pelo seu lado Poente, o mesmo baldio confronta com as freguesias de ... e ....
21) O baldio em referenciação, tem de área 128 hectares.
22) Do supra-referido baldio, desde há mais de 100 anos e até aos dias de hoje, os residentes na Freguesia ... vêm retirando matos e lenhas, e tudo isto fazendo à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja.
23) Comunidade de ... e respetiva Assembleia de Compartes que hoje, e tal como desde há mais de 100 anos, se mantêm na perfeita convicção e consciência de que naquele terreno baldio podem retirar matos e lenhas.
24) A acção que correu termos sob o nº 263/04.... surgiu porque o aqui Autor reclamou da Ré Junta de Freguesia ... e do Estado Português uma indemnização no montante de 224.459,00€ pelo corte ilegítimo de pinheiros no terreno baldio acima identificado.
25) A sentença proferida em 1ª Instância condenou os então Réus no pagamento solidário da importância que se viesse a apurar, com o raciocínio de que, “nesse fim – retirada de matos e lenhas - está naturalmente o aproveitamento de árvores existentes”.
26) Porém, em sede de recurso, foi a sentença revogada na parte em que condenou os RR. no pagamento solidário da importância a liquidar, conforme alínea A) do item Decisão do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de Fevereiro de 2008.
27) Neste Acórdão da Relação de Guimarães, referem os Exmºs Desembargadores, sob o nº 2 da conclusão: “Estando o terreno baldio afecto ao uso comunitário da população de uma freguesia para o efeito da retirada de matos e lenhas, não é de incluir neste uso o aproveitamento das árvores existentes”.
28) O Venerando Tribunal da Relação de Guimarães analisou as atas da Junta de Freguesia ... de 19 de Julho de 1903, de 2 de Agosto de 1903, de 13 de Setembro de 1903 e de 3 de Abril de 1904, tendo concluído que a única realidade que foi transmitida para ser usufruída no terreno demarcado, foi o “roço de mato ou produtos vegetais”.
29) Este Acórdão foi confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Setembro de 2008, onde se diz: “Por outro lado, efectivando-se…temos que o que está assente é que a população de ..., desde tempos imemoriais, retira do baldio matos e lenhas”.
30) Foi pelo ano de 1873 que as Juntas de Freguesia ... e ..., e mais precisamente a 4 de Janeiro, reunidas na Câmara Municipal do Concelho de ..., em acto solene, deliberaram e exararam no Livro de Actas das Sessões da referida Câmara Municipal, e correspondentes aos anos de 1873, a págs. 102 e seguintes, a Demarcação do Monte Baldio cujo aproveitamento (e fruição), era feito por ambas essas freguesias, de forma indiscriminada.
31) De tal modo de usufruir, aquele referido Monte Baldio, vinham resultando sérios distúrbios entre as populações dessas referidas freguesias.
32) Começando da extrema do Norte e andando de nascente para poente a medida alcançada é de aproximadamente 743,60 metros.
33) Do ponto nascente ao poente, começando pelo lado nascente na vertente que dá para a Freguesia ... e terminando na pedra assinalada com uma cruz no sítio que chamam ..., a distância percorrida é de aproximadamente 398,20 metros.
34) A área aqui em causa confronta:
- Do poente com os limites da Freguesia ...;
- Do sul, uma pequena parte, com o limite da freguesia ....
35) A respeitarem-se as distâncias e limites assinalados no Título de demarcação transcrito a fls. 416 dos Autos, a configuração que resultaria do respeito destas indicações, seria a que está assinalada na planta anexa ao relatório pericial junto a fls. 851 ss dos autos.
36) O Baldio 2 tem a área de 28,5 ha.
37) De 1873 até aos dias de hoje, os habitantes de ..., na área que resultou do auto de demarcação, têm vindo a roçar os matos que ali espontaneamente crescem e a aproveitar as lenhas.
38) E isto sem oposição dos residentes das demais freguesias, nomeadamente de ....
39) Nos termos do Auto de Vistoria e Demarcação, depois de identificado o respetivo terreno baldio, estabelece-se que:

a) -“a roça de mato e mais plantas silvestres ou outra qualquer coisa, seja qual for a sua espécie que produza na actualidade ou venha a produzir no futuro, este terreno acima demarcado e confrontado, desde hoje para todo o sempre fica pertencendo à Freguesia ... para o uso exclusivo dos seus habitantes, pois que os habitantes da Freguesia ... lhes cedem e transferem todo o direito, acção, gozo e fruição que sobre a dita produção tenham ou venham a ter para as presentes, e gerações futuras”;
b) -“... exceptuando, todavia, duas prezas com os respectivos rocios circundados por parede que dentro da demarcação e confrontação acima se acham, que ficarão para o uso exclusivo dos habitantes da Freguesia ..., e também fica exceptuado do terreno acima demarcado e confrontado o direito ao usufruto, digo ao mesmo terreno, por continuar a pertencer aos habitantes da Freguesia ..., e a cedência e «transferência que fazem estes aos habitantes da Freguesia ..., entender-se somente quanto à produção do dito terreno como dito fica.”
c) -“...que todos aceitaram livremente, de comum acordo foi resolvido...”.
40) Tendo em vista a construção e instalação do Parque Eólico da ..., a sociedade Empreendimento Eólicos do... assinou dois contratos de cessão de exploração de terrenos baldios que, em 30 de abril de 2004, foram transferidos para a Empreendimentos Eólicos da ...: a 9 de Julho de 2001 com a Junta de Freguesia ... e a 7 de Dezembro de 2001 com a Junta de ....
41) Posteriormente, em 29 de março de 2004, a ... assinou um contrato idêntico com a KK.
42) Em comum, estes três contratos têm em anexo duas plantas, assinadas pelas respetivas freguesias, com a planta de localização das parcelas de terreno baldio e a área que cada uma delas abrange.
43) As parcelas de terreno baldio de cada uma das freguesias abrangidas são contíguas.
44) O Contrato de Cessão de Exploração, celebrado a 7 de Dezembro de 2001 entre a Junta de ... e Empreendimentos Eólicos do ..., S.A., teve por objeto a cedência de 9,97 hectares (99.700m²) de terreno.
45) A área contratada ceder encontra-se integralmente dentro dos limites territoriais da Freguesia ....
46) O objeto de tal Contrato de Cessão de Exploração destinou-se à implantação de um Parque Eólico para a produção de energia elétrica, através de 3 (três) aerogeradores (ou ventoinhas elétricas). 47) O referido Parque ocuparia uma área administrada pelas Juntas de Freguesia ..., ... e ....
48) Sendo o Parque, para além da implantação dos 3 (três) aerogeradores, ainda constituído por equipamentos vários, dos quais se destaca a subestação, torres de medição, de circulação, linhas de transporte de energia, cabos de ligação do Parque à Rede Pública, de transporte de energia.
49) Nos termos do Considerando IV do Contrato em referenciação, a Segunda Outorgante, (a ora 5.ª ré), comprometeu-se a pagar, a título de compensação pela ocupação dos necessários terrenos, uma verba anual de 2.100.000$00 (dois milhões e cem mil escudos), por cada Parque a construir na região, abrangida pelo ..., e até à data da assinatura do auto de ligação à rede pública, num prazo máximo de cinco anos.
50) Os 3 (três) referidos aerogeradores, bem como todos os seus demais equipamentos constitutivos do Parque Eólico, objetivados no referenciado Contrato de Cessão de Exploração, encontram-se implantados dentro dos limites dos dois baldios em causa nos autos – Baldios 1 e 2.
51) O Parque Eólico da ..., composto por três aerogeradores e um posto de seccionamento para ligação à rede pública, resultou em dois aerogeradores implantados no baldio de ... e o terceiro, bem como o posto de seccionamento, no baldio de ....
52) No terreno objeto do contrato referido em 44) não se encontram implantados quaisquer aerogeradores.
53) Essa localização referida em 51) resultou de condicionalismos de ordem técnica relacionada com o melhor aproveitamento do vento.
54) E ainda da existência de restrições de natureza arqueológica e patrimonial (a área abrangida pelo contrato referido em 44) apresentava uma capela, um cruzeiro e uma mamoa em ...).
55) O contrato referido em 44) cessou, com efeitos a partir da data da assinatura do auto de ligação.
56) A Cláusula 5ª do Contrato referido em 44) prevê diferentes compensações, consoante a fase de desenvolvimento do projeto.
57) A alínea a) do nº1 da referida cláusula 5ª prevê o pagamento da compensação anual devida desde a data de assinatura do contrato até à data de assinatura do auto de ligação à rede pública, num período máximo de 5 anos, no valor de Esc. 325.462$00.
58) Compensação esta paga pela 5ª R. à Junta de Freguesia, por conta do A., durante os primeiros 4 anos do contrato.
59) A alínea b) do nº 1 da referida Cláusula 5ª do Contrato estabelece que, desde a data de assinatura do auto de ligação à rede pública e durante a vigência do Contrato é devida uma “compensação anual de Esc. 733.000$00 (...) por MW instalado no terreno”.
60) Não se encontra implantada no terreno objeto do Contrato referido em 44) qualquer subestação, ou posto de seccionamento, cuja compensação se encontra prevista na alínea c) do nº1 da cláusula 5ª do Contrato.
61) Os Empreendimentos Eólicos da ..., através de carta datada de 25 de Janeiro de 2007, informaram o Presidente da Junta de ... de que: “Tendo em conta que o auto de ligação do Parque Eólico da ... à rede pública foi assinado em 19 de Setembro de 2005 e o facto (de) não ter sido instalado qualquer aerogerador nos terrenos baldios de ..., não existe forma de quantificar a compensação prevista no referido contrato, pelo que demonstra-se inviável o cumprimento da prestação a que esta empresa estaria obrigada.”
62) Nessa carta, disseram ainda que: “Desta forma, resultava clara e manifestamente a existência de uma impossibilidade objectiva de cumprimento da prestação, o que, ao abrigo do art.º 790.º do C. Civil, extingue aquela prestação.”
63) E concluem dizendo: “Por esta razão, e a V/pedido, cumpre-nos informar que a empresa Empreendimentos Eólicos do ..., S.A., cessou, com efeitos a partir da data da assinatura do referido auto de ligação, o contrato de cessão de Exploração de terreno baldio com V/ Ex.ªs celebrado.”
64) O Baldio 2 tem a configuração e limites plasmados na planta que integra o relatório pericial de fls. 847 ss e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
65) Por carta datada de 14 de Fevereiro de 2007, a E... informou a Junta de ... que se encontravam cumpridas todas as obrigações financeiras contratualmente previstas.
66) A 5ª Ré respondeu, por carta datada de 29 de Março de 2011, a uma Notificação Judicial Avulsa interposta pelo A.
67) A notificação judicial avulsa em causa solicitava a divulgação pela 5ª R. dos contratos de cessão de exploração de terrenos baldios celebrados entre a mesma e as freguesias de ... e ....
68) O que a 5ª R. se negou a fazer, por razões de confidencialidade.
69) Em 8 de Janeiro de 2004, a KK concedeu poderes ao Presidente da Junta para: “… assinar contrato de exploração de terreno baldio, com a empresa Empreendimentos Eólicos da ... …e para no Cartório Notarial ... assinar a escritura de justificação do artigo rústico número ...69 da Matriz Predial Rústica de ...”.
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2. Factos não provados:

I.O Baldio 1 tem vindo a ser utilizado pelos habitantes de ... como coisa de sua pertença.
II.Comunidade e respetiva Assembleia de Compartes que hoje, e tal como desde sempre, se mantém na perfeita convicção e consciência de que aquele terreno baldio lhes pertence.
III.Por sentença já transitada em julgado, e reconfirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, o baldio em questão foi considerado pertença da Freguesia ..., ou melhor dizendo, da sua Assembleia de Compartes dos Baldios.
IV. Na acção ordinária que correu termos sob o n.º 263/04...., o baldio 1, circunscrito à área e confinâncias alegadas nos presentes autos foi declarado pertencer, e em exclusivo, aos habitantes da Freguesia ..., ou seja à sua Assembleia de Compartes.
V.A área correspondente ao Baldio 2 confronta do norte com os limites da freguesia ... e NN da Confraria do Santíssimo Sacramento de ....
VI.A partir de 1873, os habitantes de ... passaram a considerar a área que resultou do Auto de demarcação como sua, vendo-se como donos e exclusivos possuidores.
VII.A partir de 1873, os habitantes de ... passaram a agir sobre o Baldio 2 sem limitações de qualquer espécie.
VIII.E sempre na íntima convicção de praticarem todos os actos, e nos termos de estarem a usar de um direito próprio, e sem ofenderem os direitos de outrem, maxime os da sua congénere Freguesia ....
IX.Os 9.97 ha de terreno cedidos pela Junta de ... no âmbito do contrato de cessão de exploração, celebrado a 7 de Dezembro de 2001, faziam parte integrante dos dois Baldios em discussão nos presentes autos.
X.Os Baldios 1 e 2 são pertencentes aos Compartes da Freguesia ....
XI.A resolução do contrato de cessão de exploração levada a cabo pela 5ª Ré deveu-se a culpa exclusiva desta.
XII.Encontrando-se os três aerogeradores implantados em terrenos Baldios pertença dos Compartes de ..., a resolução do contrato levada a cabo pela 5ª Ré não tem qualquer fundamento.
XIII.As responsabilidades creditícias a cargo da 5.ª ré, somam-se no montante global de 139.351.930$00, assim descritos:

- 8.925.000$00 – Considerando IV do Contrato;
- 1.383.000$00- Cl.ª 5.ª, n.º 1, alínea a) "
- 27.641.430$00 - Cl.ª 5.ª, n.º 1, alínea b) "
- 1.802.500$00 - Cl.ª 5.ª, n.º 1, alínea c) "
- 99.600.000$00 Cl.ª 5.ª, n.º 2 do Contrato;
(8.925.000$00+1.383.000$00+27.641.430$00+1.802.500$00+99.600.000$00=139.351.930$00), quantia que, em moeda corrente, atinge o montante de €695.084,74euros.
XIV. A 5ª ré rescindiu o contrato que a vinculava à Freguesia ... de forma leviana e negligente.
XV.Tem ainda o A. direito a indemnização correspondente a 3 (três) vezes a compensação anual prevista no item 3 da 10.ª Cl.ª do Contrato, ou seja, 2.176.386$00, (325.462$00x3=2.176.386$00), quantia que na moeda atual corresponde ao montante de €10.855,77 euros.
XVI. As Juntas de Freguesia ... e ... congeminaram, entre si, a celebração de 2 (dois) Contratos de Cessão de Exploração e sobre os mesmos terrenos baldios que antes haviam sido objeto da celebração do contrato com a Junta de ....
XVII. As referidas Juntas de Freguesia, desde a data da assinatura dos Contratos de Cessão de Exploração, locupletaram-se com os proventos provenientes da energia elétrica produzida nos baldios sub judice, e que só ao A. pertencem.
XVIII. A 5ª ré não respondeu às Notificações Judiciais Avulsas que lhe foram enviadas.
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Mantendo-se a matéria de facto como consta da sentença e uma vez que as alterações aos pontos sob os n.ºs 3 e 55 , nada de substancial alteram, mantém-no mais a mesma para cujos fundamentos remetemos.
No que respeita ao Acórdão Uniformizador de 14/05/1996, publicado no DR II Série de 24/06/1996 invocado nas alegações de recurso, o mesmo não tem aqui aplicação.
Decidiu o referido acórdão que “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.
Conforme resulta do supra referido em relação à matéria de facto  - dos pontos sob os n.ºs  37, 38 e 39 - foi produzida prova que os habitantes da Freguesia ...  a partir de 1873 – após o acordo – têm vindo a roçar os  matos e aproveitar lenhas, no designado baldio 2, e que tal era feito nos termos do Auto de Vistoria e Demarcação.
Mais resulta da matéria de facto – sob os n.ºs 3, 4 e 23 - que também em relação ao Baldio 1 os moradores da Freguesia ... o utilizavam  para retirar matos e lenha, mas tal  não acontecia com exclusividade .
Assim, tendo-se provado que a posse da autora não era na convicção de que exerce um direito de propriedade, está elidida a presunção  do artigo 1252º do Código Civil.
 Com efeito, provou-se que há mais de 100 anos os moradores de ... utilizam os baldios  situados nas freguesias de ... e de ... para retirarem certas utilidades . Essa posse de gozo e fruição destinava-se a que os moradores apenas retirassem certas utilidades dos baldios.
No que respeita ao designado baldio 1, conforme foi decidido no citado Acórdão desta Relação a população de ... apenas retirava as utilidades de aproveitamento de matos e lenhas – roço de mato e produtos vegetais.
No que respeita ao designado Baldio 2 como resultou provado, as Juntas de Freguesia ... e ... em 4 de Janeiro de 1873, reunidas na Câmara Municipal do Concelho de ... deliberaram e exararam no Livro de Actas das Sessões, a Demarcação do Monte Baldio cujo aproveitamento e fruição era feito por ambas as freguesias , donde resultavam distúrbios entre as populações.
O que consta do acordo é que ... concedia a ... o direito à roça e apanha de mato e outras plantas silvestres produzidas no terreno.
O que foi atribuído foi o uso e fruição da parcela para os fins e termos  referidos   no Auto de Vistoria e Demarcação.
A usucapião mais não é do que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, desde que se revista de determinadas características e durante certo período temporal – cf. artigo 1287º do   Código Civil.
Por seu turno, a posse, nos termos do artigo 1251.º do mesmo Código é o poder que se manifesta (exercício de poderes de facto) sobre uma coisa, em termos equivalentes ao direito de propriedade ou de outro direito real, traduzindo-se no corpus: elemento material, que mais não é do que a assunção de poderes de facto sobre a coisa e no animus: o exercício de tais poderes de facto como titular do respectivo direito de propriedade ou de outro direito real.
Como considerou o Supremo Tribunal de Justiça “A posse, por certo lapso de tempo e com certas características, conduz ao direito real que indica. É o fenómeno da usucapião, definido no artigo 1287, do actual Código Civil.
Mas a posse como caminho para a dominialidade é a posse stricto sensu, não a posse precária ou detenção.
No caso sub judice e de modo diferente da situação do Acórdão Uniformizador aí não se questionava a demonstração de factos que evidenciavam o poder de facto sobre a coisa, o que aqui foi questionado e se provou não estar demonstrado foi o “corpus” possessório dos membros da comunidade.
Como é sabido  o regime jurídico dos baldios sofreu diversas mudanças ao longo dos anos.
“Na vigência do Código Civil de 1867, as coisas, relativamente à titularidade do respectivo direito de propriedade, eram qualificadas de públicas, comuns ou particulares (artigo 379º).
As coisas comuns, naturais ou artificiais, em que se incluíam os baldios, municipais ou paroquiais, eram as não individualmente apropriadas, cujo aproveitamento, restrito aos habitantes de determinada circunscrição administrativa, obedecia aos pertinentes regulamentos administrativos (artigo 381º).
O Código Administrativo de 1940 reportou-se aos baldios, caracterizando-os como terrenos não individualmente apropriados, cujo proveito, nos termos dos regulamentos, era restrito aos indivíduos residentes em determinada circunscrição (artigo 394º).

O Código Civil de 1966, referindo-se às coisas fora do comércio, caracteriza-as como aquelas que não podem ser objecto de direitos privados (artigo 202º).

No diploma relativo ao programa da reforma agrária, o Decreto-Lei nº 203-C/75, de 15 de Abril, anunciou-se a restituição dos baldios aos seus legítimos donos, que passariam a administrá-los, através das respectivas associações, exclusivamente ou em colaboração com o Estado “ (Jaime Gralheiro, Comentário às Leis dos Baldios,  págs 58 e segs).

Pouco depois, foi publicado o Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro, visando  a entrega dos baldios às comunidades que deles teriam sido desapossadas, caracterizando-os como sendo os terrenos comunitariamente usados e fruídos pelos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas (artigo 1º).
Na mesma data, foi publicado o Decreto-Lei nº 40/76, de 19 de Janeiro, com vista à recuperação pelas comunidades respectivas dos que haviam sido indevidamente apropriados.
Eram coisas fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada, incluída a usucapião, e a sua administração foi atribuída aos compartes.
Estabeleceu-se serem anuláveis a todo o tempo, nos termos de direito, os actos ou os negócios jurídicos cujo objecto tivesse sido a apropriação de baldios por particulares bem como as subsequentes transmissões que não fossem nulas.
A Constituição de 1976,  integrou os baldios no sector de produção pública e propriedade social, na espécie dos bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais (artigos 89º, nºs 1 e 2, alínea c) e 90º).


Com a revisão da Constituição em 1989, não alterada nesta matéria depois disso, os baldios são considerados meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais, integrando, a par dos sectores público e do privado, o sector cooperativo e social (artigo 82º, nºs 1 a 4, alínea b)).
Seguiu-se a Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, que revogou os Decretos-Leis nºs 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro, sucedendo-lhe a Lei n.º 89/97, de 30/07, a Lei n.º72/2014, de 02/09, a Retificação n.º 46/2014, de 29/10 e, recentemente, a Lei n.º 75/2017, de 17/08.

Os baldios eram usucapíveis na vigência do Código Civil de 1867 e também  à luz do Código Civil de 1966  até à publicação do citado Decreto-Lei 39/76.
Assim sendo, e uma vez que a lei só dispõe para o futuro – artigo 12º do Código Civil - ficam ressalvados os efeitos jurídicos já produzidos.
A jurisprudência foi decidindo, uniformemente, pela prescritibilidade dos baldios, desde o Código de Seabra até ao início da vigência do citado Dec-lei 39/76 e pela sua imprescritibilidade a partir da entrada em vigor desse diploma (Ac. S.T.J. de  20-1-99, Col. Ac. S.T.J., Ano VII, tomo 1º, 53, entre outros).
A aquisição dos baldios por parte da Freguesia ... só pode ser analisada de acordo com o Código Civil de Seabra, o Código Administrativo de 1940 e o Código Civil de 1966 até à publicação do citado decreto-Lei 39/76.
No Código Civil de 1867 (idêntico, nesta parte ao actual Código Civil)  o prazo de prescrição era de 30 anos.
Como resulta da matéria de facto provada, a detenção em relação ao badio 1 e ao baldio 2 – posse precária- continuou ao longo dos anos do mesmo modo.
Deste modo, só com a prova de factos de inversão do título de posse (artigo 510º do Código de 1867) é que a autora poderia adquirir por usucapião, como vem agora alegar em fase de recurso.
Para tal como decorre também do actual artigo 1265º teria que se ter provado a oposição do detentor, que teria que se traduzir em actos materiais ou jurídicos que manifestassem que a partir de determinada data a autora estava a actuar como se  os baldios integrassem a sua propriedade e fossem coisa sua . Ou seja, que a partir de determinada data se deixou apenas de praticar a retirada de mato e lenha conforme consta do acordo de 1873 (que constituiu o chamado baldio 2)  e do auto de Vistoria e Demarcação,  para se passarem a praticar todos os actos de posse em nome próprio respeitante aquelas parcelas de terreno, e bem assim que quer os moradores de ... (em relação ao Baldio 1), quer os moradores de ... deixaram de praticar quaisquer actos  (de posse) naqueles terrenos.
Essa oposição teria que ser expressa e manifestada através de actos reveladores que a partir daquele momento os habitantes de ... passaram a actuar como proprietários.
Ora, como se viu e como resultou provado os moradores de ... continuaram a aproveitar as árvores aí existentes, estando apenas afecto ao uso dos moradores de ...  a retirada de matos e lenha, e o mesmo se diga em relação a ....
Só com a prova de factos (que nem foram alegados) de inversão do título por parte dos moradores de ... é que a autora poderia adquirir para si, por usucapião os terrenos objecto dos autos, caso tivesse decorrido o tempo para tal,  sendo que o mesmo só começaria a correr desde a verificação de tais factos – artigo 510º do Código Civil de 1867.
Como já se referiu, o direito da autora sobre as parcelas é apenas um direito de uso e fruição, sendo insusceptível de aquisição da propriedade por usucapião, conforme resulta do disposto no artigo 4º, n.º 1 da Lei 68/93 de 4 de Setembro, em vigor à data da instauração da acção.
Assim, os frutos que advêm do funcionamento dos aerogeradores e da produção  da energia eólica  não estão incluídos no âmbito do gozo e fruição dos baldios por parte dos moradores de ....
No que respeita ao peticionado pagamento das rendas reclamadas pela autora, conforme resulta da matéria de facto supra referida não existem factos provados de onde se possa concluir pela culpa da 5ª Ré, nem da responsabilidade solidária das demais rés e pela procedência do pedido formulado, concluindo como na sentença recorrida.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante
Guimarães, 16 de Março de 2023