Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
568/17.2T8VRL.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: DEVER DE SEGREDO
DOCUMENTOS SUJEITOS A SEGREDO
RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
EXECUÇÃO DO CONTRATO/INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O nº 3 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados impede a revelação ou junção de documentos quando, face ao seu conteúdo, daí resulte a revelação de factos sujeitos a sigilo e a consequente violação do dever de segredo.

II- Documentos que retratam negociações havidas entre advogados, em representação dos respetivos clientes, dando a conhecer factos que se prendem com um processo negocial – propostas, negociações, termos acordados, aceitação ou incumprimento – estão sujeitos a sigilo.

III– Tais documentos não podem fazer prova em juízo.

IV- Os réus, tendo rompido as negociações, poderiam incorrer em responsabilidade civil pré-contratual, mas tal mecanismo não conduz nunca à execução específica do contrato, havendo apenas direito a indemnização, tudo em homenagem ao princípio da liberdade contratual que enforma o nosso direito civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

J. A. e mulher Maria deduziram ação declarativa contra J. G. e mulher D. B. pedindo que seja reconhecido aos autores o direito à execução específica do contrato-promessa que identificam e que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos réus em falta, transmitindo para os autores os dois terços de que os réus são proprietários em cada um dos prédios identificados no artigo 4.º da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 830.º do Código Civil, sendo os réus condenados a reconhecer a transmissão da propriedade e a consequente propriedade plena dos autores sobre os referidos prédios.

Os réus contestaram invocando a violação do dever de sigilo profissional por parte da mandatária dos autores, com a junção de documentos que correspondem a correspondência trocada entre mandatários no âmbito de negociação malograda. Quanto ao mais, alegam não existir qualquer contrato-promessa que pudesse dar lugar a qualquer direito à execução específica. Alegam, ainda, que os autores intentaram a ação na sequência de uma ação de divisão de coisa comum intentada pelos réus, depois de terem estado em silêncio durante mais de dois anos, o que configura abuso de direito.
Os autores responderam, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas.
Teve lugar a audiência prévia com a identificação do objeto do litígio e a enumeração dos temas da prova.
Nos autos de divisão de coisa comum intentados pelos réus contra os autores (Juízo Local Cível de Chaves – J2, processo n.º 101/17.6T8CHV) foi determinada a suspensão da instância até que seja proferida decisão final com trânsito em julgado, neste processo.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos contra si formulados.

Os autores interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

I. O Tribunal a quo entendeu que os documentos n.ºs 9, 10, 11, 13 e 14 juntos com a petição inicial violam o dever de segredo profissional e que, por isso, constituem prova nula nos termos do artigo 92.º, n.º 5, do EOA.
II. O único fundamento aventado pelo Tribunal a quo para sustentar a existência do dever de segredo profissional por parte da Mandatária que representa os Autores nos presentes autos é o de que os factos aqui em discussão e os documentos juntos com a petição inicial lhe foram revelados pelos seus clientes, os aqui Autores.
III. Estes documentos são correspondência trocada entre os advogados dos Autores e os advogados dos Réus, que corporiza propostas negociais apresentadas pelos Réus e a correspondente aceitação pelos Autores.
IV. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a matéria do segredo da correspondência trocada entre advogados é regulada pelo artigo 113.º do EOA, e não pelo artigo 92.º, pois que aquele é norma especial que prevalece sobre este.
V. O artigo 113.º, n.º 1, do EOA prescreve as comunicações entre advogados só ficam sujeitas ao dever de segredo se o respectivo remetente exprimir claramente a sua intenção de as sujeitar a confidencialidade.
VI. Nenhuma das comunicações enviadas pelos mandatários dos Réus ao mandatário dos Autores tem menção de confidencialidade, nem delas resulta, expressa ou tacitamente, que fosse intenção dos advogados dos Réus sujeitá-las a confidencialidade.
VII. Pelo contrário, pela sua própria natureza, as comunicações em questão destinavam-se a ser reveladas, uma vez que integravam propostas negociais, tendentes à celebração de um contrato de compra e venda de imóveis.
VIII. Apenas duas das comunicações enviadas pelo mandatário dos Autores em Portugal, o Sr. Dr. J. F., contêm a menção de confidencialidade (cf. documentos n.ºs 11 e 13 da petição inicial).
IX. Porém, trata-se de uma menção que foi incluída no rodapé das mensagens de correio electrónico de forma automática, pelo que não houve da parte do Sr. Dr. J. F. real intenção de sujeitar tais comunicações a um dever de confidencialidade, até pela própria natureza das comunicações em questão.
X. Ainda que assim não fosse, o que não se concede, os Autores, enquanto titulares do direito ao segredo, podiam dispensar essa confidencialidade, o que fizeram, ao transmitirem e entregarem cópia dessas comunicações à mandatária que os representa nestes autos – vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.03.2015.
XI. Não existe uma proibição geral ou generalizada de revelação do teor de correspondência trocada entre advogados – vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.09.2018.
XII. O caso sub judice não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 92.º do EOA, pelo que em relação aos factos em discussão dos autos e aos documentos juntos, a Mandatária dos Autores não estava adstrita ao dever de segredo profissional.
XIII. Ao contrário do entendimento propugnado na sentença em crise não é pela mera circunstância de os factos e documentos terem sido transmitidos à aqui mandatária pelos seus clientes, os Autores, que os mesmos ficam sujeitos ao dever de segredo, pois que se assim fosse um advogado nunca poderia elaborar uma petição inicial porque não poderia divulgar a versão dos factos que lhe foi transmitida pelo cliente.
XIV. Os factos narrados na petição inicial e os documentos com esta juntos não estavam, nem estão, cobertos pelo dever de segredo profissional da aqui Mandatária dos Autores, uma vez que esta não revelou qualquer facto que lhe tenha sido transmitido na expectativa da protecção do sigilo.
XV. A aqui Mandatária dos Autores não teve qualquer participação ou intervenção na negociação e na celebração do contrato promessa objecto dos presentes autos, pelo que não foi nesse contexto nem por esse motivo que tomou conhecimento dos factos em discussão e dos documentos.
XVI. Os factos aqui em causa não foram comunicados pelos Réus ao seu Mandatário e por este aos Autores e ao Mandatário destes na expectativa de que tais factos fossem guardados em segredo; pelo contrário: os Réus pretendiam apresentar aos Autores uma proposta negocial e, como tal, o conteúdo e os termos dessa proposta teriam necessariamente que ser comunicados pelo seu Mandatário ao Mandatário dos Autores e por este aos próprios Autores, o mesmo se passando exactamente em relação à declaração negocial de aceitação da proposta, emitida pelos Autores representados pelo seu Mandatário.
XVII. Em particular a alínea f) do n.º 1 do artigo 92.º do EOA, não tem aplicação in casu, porque não estão em causa negociações malogradas (pelo contrário o que se requer é a execução específica de um contrato promessa que foi efectivamente celebrado) e porque os documentos em causa não dizem respeito a negociações, mas antes corporizam as próprias declarações negociais.
XVIII. Assim, os documentos n.ºs 9, 10, 11, 13 e 14 juntos com a petição inicial não estão cobertos pelo dever de segredo profissional da aqui Mandatária dos Autores, pelo que não constituem prova nula e, pelo contrário, devem ser considerados prova admissível e válida.
XIX. Em resultado da admissão destes documentos e da consideração de que os mesmos configuram prova válida, deve ser dado como provado o teor das comunicações trocadas entre os mandatários das Partes, uma vez que nenhum desses documentos foi impugnado.
XX. Assim, devem ser dados como provados os seguintes factos, que, erradamente, foram incluídos pelo Tribunal a quo nos Factos Não Provados:
1. No dia 2 de Fevereiro de 2015, os Srs. Drs. A. S. e B. B., mandatários dos Réus, retransmitiram e reafirmaram ao Sr. Dr. J. F., mandatário dos Autores, a proposta anteriormente apresentada.
2. Com o acrescento de condições acessórias, atinentes, designadamente às despesas com o caseiro da “Quinta”.
3. Nessa mesma missiva, os Réus declararam que, em caso de aceitação por parte dos Autores, a escritura de compra e venda dos imóveis em questão teria que ser celebrada impreterivelmente até ao dia 18 de Fevereiro de 2015.
4. Estipulando, ainda, que o pagamento do preço teria que ser efectuado no momento da escritura, através de cheque visado ou transferência bancária.
5. Por comunicação escrita datada de 6 de Fevereiro de 2015, os Autores, representados pelo seu mandatário, responderam aos Réus, na pessoa dos mandatários destes, declarando aceitar, para todos os efeitos legais, uma das modalidades de negócio propostas.
6. Os Autores esclareceram ainda, que a referida aquisição incluía os móveis que compõem o recheio do prédio urbano, assim como todas as alfaias agrícolas afectas ao amanho dos prédios rústicos e demais equipamentos, móveis e utensílios existentes no armazém e casa do caseiro.
7. Adicionalmente, os Autores declararam aceitar pagar o preço acordado através de cheque.
8. Por fim, os Autores manifestaram disponibilidade para celebrarem a escritura pública de compra e venda dos imóveis acima referidos no dia e local que fossem indicados pelos Réus, ficando a aguardar tal indicação.
9. No dia 15 de Fevereiro de 2015, os Réus, através do seu mandatário, comunicaram aos Autores, na pessoa do mandatário destes, já não terem a intenção de alienar os imóveis em causa e pedindo-lhes que esquecessem o negócio.
XXI. Em concreto, a prova dos factos acima indicados sob os pontos 1, 2, 3 e 4 resulta do documento n.º 10 junto com a petição inicial, a prova dos factos acima indicados sob os pontos 5, 6, 7 e 8 resulta do documento n.º 11 junto com a petição inicial e a prova do facto acima indicado sob o ponto 9 resultou do documento n.º 14 junto com a petição inicial.
XXII. Deverá ainda ser aditado aos Factos Provados o seguinte facto, cuja prova resulta do documento n.º 10 da petição inicial:
“Foi acordado entre as Partes, representadas pelos respectivos mandatários, que a escritura pública de compra venda deveria ser celebrada impreterivelmente até ao dia 18 de Fevereiro de 2015.”.
XXIII.O segundo fundamento invocado pelo Tribunal a quo para julgar a presente acção improcedente advém de ter considerado como não provado que os Réus mandataram advogados no Brasil e em Portugal para os representarem na celebração do contrato aqui em causa.
XXIV. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo analisou e valorou erradamente as provas existentes nos autos para decidir esta factualidade.
XXV. A prova da existência de procuração outorgada pelo Réu marido a favor do Sr. Dr. A. L. decorre do documento n.º 7 junto com a petição inicial e do documento junto a fls.91 a 94, que são, precisamente, cópias, inclusivamente certificadas, da procuração outorgada, por escrito, pelo Réu marido a favor daquele Ilustre Advogado.
XXVI. A prova da existência de procuração outorgada pela Ré mulher a favor do Sr. Dr. A. L. decorre do documento n.º 8 junto com a petição inicial e do documento junto a fls.91 a 94, que são, precisamente, cópias, inclusivamente certificadas, da procuração outorgadas, por escrito, pela Ré mulher a favor daquele Ilustre Advogado.
XXVII. Não colhe a argumentação vertida na sentença de que não ficou demonstrado que tais procurações tenham sido outorgadas para conferir poderes aos mandatários delas constantes para negociarem e celebrarem o contrato-promessa em apreço, uma vez que as mesmas conferem poderes genéricos.
XXVIII. Do teor destas procurações resulta que, ao contrário do que consta do Ponto 20 dos Factos Provados na sentença, os poderes conferidos pelos Réus ao Sr. Dr. A. L. não foram apenas poderes para praticar actos em juízo, mas também poderes para praticar actos fora de juízo.
XXIX. A interpretação que o Tribunal a quo faz da cláusula ad e extra judicia, para além de ser conclusiva e de Direito e, por isso, não dever constar dos factos provados, não encontra respaldo em nenhum meio de prova e é contrariada pelo texto das referidas procurações.
XXX. Para além disso, o sentido e o alcance da cláusula ad e extra judicia é, precisamente, de conferir poderes para dentro e para fora dos juízos, ou seja, para actos a praticar em juízo e fora de juízo (cfr. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/294711/clausula-ad-judicia-et-extra).
XXXI. O facto de as procurações serem datadas de 2009 em nada obsta a que se dê como provado que os Réus mandataram o Sr. Dr. A. L. para negociar o contrato em questão, uma vez que as referidas procurações não prevêem qualquer prazo.
XXXII. Quanto à matéria incluída no Ponto 19 nos Factos Provados, que corresponde a factos que foram alegados pelos Réus na contestação, não foi feita qualquer prova, pelo que tal factualidade deverá ser dada como não provada.
XXXIII. Aliás, a testemunha J. P., arrolada pelos Réus e que disse ser seu amigo e confidente, confirmou que estes mandataram, no Brasil, o Sr. Dr. A. L. para representá-los neste negócio (cfr. minutos 00:14:20 a 00:15:20 e 00:10:26 a 00:12:21 do seu depoimento).
XXXIV. Quanto ao mandato conferido por ambos os Réus a favor dos Srs. Drs. A. S. e B. B., os Réus não negam a sua existência.
XXXV. Para além disso, dos documentos juntos aos autos resulta claro que estes Ilustres Advogados intervieram sempre, nas comunicações trocadas com o mandatário dos Autores, o Sr. Dr. J. F., como mandatários de ambos os Réus – cfr. documento n.º 14 junto com a petição inicial (no qual o Sr. Dr. A. S. se refere aos “M/ Constituintes” e refere-se a estes no plural, abarcando, portanto, tanto o Réu marido como a Ré mulher) e documento n.º 10 (no qual o Sr. Dr. J. F. se refere aos constituintes dos Srs. Drs. A. S. e B. B. como sendo os aqui Réus e estes Ilustres Advogados não reagem).
XXXVI. Para além disso, a testemunha J. P. afirmou (cfr. entre o minuto 00:22:03 e 00:41:56 da gravação do seu depoimento), que os Réus eram representados, em Portugal, pelos Srs. Drs. A. S. e B. B. no negócio aqui em questão.
XXXVII. Também as regras da experiência comum, conjugadas com a prova documental e testemunhal vinda de referir, impõem que seja dado como provado que ambos os Réus mandataram, em Portugal, os Srs. Drs. A. S. e B. B. para os representar na venda dos imóveis em questão,
XXXVIII. Pois que o normal é que quando um dos cônjuges apresenta uma proposta de venda de um imóvel que é propriedade de ambos os cônjuges o faz com o consentimento do outro cônjuge, sobretudo quando, como neste caso, essa proposta é apresentada por intermédio de um advogado.
XXXIX. Nem seria crível que os Srs. Drs. A. S. e B. B. quando apresentaram ao Ilustre Mandatário dos Autores a proposta de venda dos 2/3 de que os Réus eram proprietários nos imóveis em questão o estivessem a fazer sem estarem mandatados pela Ré mulher ou sem o consentimento desta.
XL. Aliás, a este propósito, bem andou o Tribunal a quo ao dar como não provado que a Ré não tenha consentido na alienação.
XLI. O que resultou corroborado pelo depoimento dos filhos dos Réus, J. E., que referiu que o Réu nunca celebraria um negócio sem o consentimento da Ré mulher (cfr. do minuto 00:10:19 ao minuto 00:10:44 da gravação do seu depoimento) e que o negócio aqui em causa foi discutido em casa entre a família.
XLII. Assim, deverá ser dado como provado que:
“Os Réus mandaram por escrito no Brasil o Sr. Dr. A. L., com escritório na Avenida …, Rio de Janeiro e mandataram em Portugal os Srs. Drs. A. S. e B. B., com escritório na Rua … Porto, para os representarem nas negociações e na celebração do negócio relativos aos prédios em causa nos autos.”
XLIII. Por outro lado, deverão ser eliminados dos Factos Provados os Pontos 19 e 20.
XLIV. O contrato-promessa cuja execução específica os Autores pretendem foi celebrado por escrito e foi assinado pelos mandatários que representavam, respectivamente, os Autores e os Réus.
XLV. Com efeito, os Réus, através dos seus Mandatários, comprometeram-se, por escrito, perante os Autores, através do Mandatário destes, a vender-lhes os 2/3 de que são proprietários nos prédios em causa ou a comprar o 1/3 de que são proprietários os Autores, estabelecendo as respectivas condições quanto ao preço, tempo e modo de pagamento do preço, data limite para a celebração do contrato definitivo e outras condições acessórias.
XLVI. Os Autores, representados pelo seu Mandatário, aceitaram, por escrito, a promessa de venda dos Réus e comprometeram-se a comprar os 2/3 de que estes são proprietários nos prédios em discussão,
XLVII. Pelo que, com a aceitação por parte dos Autores, o contrato-promessa tornou-se perfeito.
XLVIII. No caso sub judice, está em causa um contrato-promessa de compra e venda de três imóveis, sendo um deles um edifício, mais concretamente uma casa de habitação, e os outros dois, prédios rústicos.
XLIX. No que toca à promessa de compra e venda dos dois prédios rústicos são aplicáveis os requisitos de forma previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CC, ao passo que a promessa de compra e venda do prédio urbano está sujeita aos requisitos plasmados no n.º 3 do artigo 410.º do CC.
L. A exigência de documento particular está cumprida, porque as declarações dos promitentes-compradores e dos promitentes-vendedores constam de documento escrito, mais concretamente de cartas e correios electrónicos.
LI. De acordo com o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 Agosto, o documento electrónico, como são os emails, satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja susceptível de representação como declaração escrita, como é o caso.
LII. O requisito da assinatura de ambas as Partes também foi cumprido, porque todos os documentos que corporizam as propostas negociais e a aceitação estão assinados electronicamente – cfr. artigo 2.º, alínea b), do referido decreto-Lei e artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1999.
LIII. No que toca à promessa de compra e venda do prédio urbano, apesar de a lei impor o reconhecimento presencial das assinaturas e a declaração da existência de licença de utilização e de estas formalidades não terem sido observadas, os Réus, enquanto promitentes-vendedores não podem invocar a sua omissão, uma vez que a mesma não foi causada pelos Autores e, muito menos, foi causada culposamente – cfr. artigo 410.º, n.º 3, do CC.
LIV. Em nada obsta ou afecta o cumprimento dos requisitos acima referidos o facto de as declarações contratuais expressas por Autores e Réus terem sido manifestadas e reduzidas a escrito pelos respectivos advogados, pois que estes actuaram como procuradores, nos termos do disposto nos artigos 1157.º e seguintes e 1178.º do CC.
LV. Uma vez que, apesar de validamente celebrado o contrato-promessa de compra e venda dos imóveis aqui em questão, os Réus se recusaram a celebrar o contrato de compra venda, pedindo aos Autores que “esquecessem” o negócio, assiste aos Autores o direito de requererem a execução específica daquele contrato – cfr. artigo 830.º, n.º 1 e 3, do CC.
LVI. O preço que os Autores terão que pagar aos Réus pela aquisição dos supra referidos imóveis é, conforme acordado, de €500.000,00 (quinhentos mil euros) e será pago pelos Autores quando estes para isso forem notificados pelo Tribunal, caso este entenda verificado o circunstancialismo previsto no artigo 830.º, n.º 5, do CC.
LVII. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou, designadamente, os artigos 92.º e 113.º do EOA, os artigos 410.º, 830.º, 1157.º e 1178.º do Código Civil, os artigos 2.º, b), e artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 290-D/99 e o artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho.
LVIII. Nestes termos, deve a sentença recorrida ser integralmente revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente, por provada e, em consequência, reconheça aos Autores o direito à execução específica do contrato de promessa celebrado, produza os efeitos da declaração negocial dos Réus em falta, transmitindo para os Autores os 2/3 de que os Réus são proprietários, condene os Réus a reconhecer a transmissão da propriedade e a consequente propriedade plena dos Autores sobre os prédios em discussão nos autos.
LIX. Por fim, requerem os Autores, ao abrigo do disposto no artigo 616.º, n.ºs 1 e 3, do CPC e da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, a reforma da sentença recorrida, no sentido de dispensar as Partes do pagamento do montante das custas que excede o valor da taxa de justiça inicial, uma vez que a presente acção não se revelou, salvo o devido respeito, de especial complexidade e as Partes agiram em estrito cumprimento das normas e dos princípios processuais consagrados no nosso ordenamento jurídico.
Nestes termos e nos que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, com o que farão inteira JUSTIÇA!

Os réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e averiguação da eventual violação do segredo profissional, com admissão ou não de documentos de prova, e ainda a possibilidade de execução específica de documentos configurados pelos autores como contrato-promessa.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Produzida a prova, considero assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1º Os Autores são casados sob o regime de comunhão geral de bens.
2º Os Réus são também casados sob o regime de comunhão geral de bens.
3º O Autor marido e o Réu marido são irmãos.
4º Autores e Réus são comproprietários, na proporção de 1/3 para os primeiros e 2/3 para os segundos, dos seguintes bens imóveis:

a) Prédio urbano sito na Avenida … Chaves, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (com origem no artigo …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, freguesia ..., sob o n.º …/20081121;
b) Prédio rústico sito em …, União das freguesias da ... e ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … (com origem no artigo …) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, freguesia ..., sob o n.º …/20081121;
c) Prédio rústico sito em …, União das freguesias da ... e ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … (com origem no artigo ..) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, freguesia ..., sob o n…./20081121.
5º Estes imóveis constituem prédios distintos e são contíguos e confrontantes entre si.
6º Com vista a pôr fim à situação de compropriedade, na qual não pretendiam permanecer, Autores e Réu marido, através de advogados, iniciaram negociações, para reunirem apenas nos Autores ou nos Réus a propriedade plena dos referidos imóveis.
7º Para tanto, os Autores mandataram, por escrito, no Brasil, o Sr. Dr. José, com escritório na Rua … pavimento, …, Rio de Janeiro, e, em Portugal, o Sr. Dr. J. F., com escritório na Avenida ….
8º O Réu marido avaliou os três imóveis acima identificados, aos quais atribuiu, no seu conjunto, o valor de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta e mil euros).
9º Por conseguinte, o Réu marido propôs aos Autores que estes lhe adquirissem os 2/3 de que ele e sua esposa são proprietários pelo preço de € 500.000,00 (quinhentos mil euros).
10º Ou, em alternativa, que os Autores vendessem aos Réus o 1/3 de que são proprietários, pelo preço de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).
11º Os Autores declararam aceitar, para todos os efeitos legais, uma das modalidades de negócio propostas.
12º Em concreto, a modalidade de negócio aceite pelos Autores foi a de aquisição aos Réus, pelo preço de € 500.000,00, dos 2/3 que estes detinham na compropriedade dos imóveis identificados.
13º Nessa sequência, os Autores realizaram todos os atos necessários no sentido de prepararem a celebração da dita escritura.
14º Designadamente, outorgaram procuração a favor dos Srs. Drs. J. F. e M. N., conferindo-lhes os necessários poderes para adquirir, em nome daqueles, 2/3 dos prédios aqui em causa e praticar, assinar, executar e requerer todo e qualquer ato ou contrato que para tal fosse necessário.
15º A escritura chegou a ser agendada por duas vezes.
16º Os réus comunicaram já não ter intenção de alienar os imóveis em causa.
17º Os autores continuam a querer comprar os 2/3 que os Réus detinham nos imóveis acima referidas, pelo preço de € 500.000,00 proposto pelo réu marido e por aqueles aceite.
18º Até à presente data não foi celebrada a escritura pública de compra e venda dos imóveis acima identificados.
19º A “PROCURAÇÃO” passada pelo Réu marido ao Senhor Dr. A. L., foi-o em 12 de Agosto de 2009, em momento em que ainda se não falava sequer da eventual compra e venda dos imóveis em causa.
20º Esta última “PROCURAÇÃO” confere ao Ilustre Mandatário “os poderes da cláusula ad e extra judicia” (“para os juízos e fora dos juízos”), ou seja, poderes gerais forenses e poderes de representação fora dos juízos (por ex., em repartições públicas, requisitar certidões, guias, etc.), para além de outros poderes especiais, mas sempre para atos a praticar em juízo.
21º Deram, os presentes autos, entrada em Juízo, no dia 31 de Março de 2017, tendo os Réus sido citados para apresentarem a sua contestação no dia 5 de Maio de 2017.
22º Os Réus, por forma a fazerem cessar a relação de compropriedade no que aos prédios em causa concerne, intentaram, contra os Autores, no dia 19 de Janeiro de 2017, uma ação especial de divisão de coisa comum a eles atinente, a correr termos sob o número de processo 101/17.6T8CHV, pelo Juízo Local Cível de Chaves – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real.

Com interesse para a decisão, não se provaram os factos seguintes:

1 - Os Réus mandataram, por escrito, no Brasil, o Sr. Dr. A. L., com escritório na Avenida …, grupo …, Rio de Janeiro, e, em Portugal, os Srs. Drs. A. S. e B. B., com escritório na Rua … Porto, para os representarem nas negociações relativas aos prédios em causa nos autos.
2 - A proposta referida foi retransmitida e reafirmada, em Portugal, no dia 2 de Fevereiro de 2015, ao Sr. Dr. J. F., mandatário dos Autores, pelos Srs. Drs. A. S. e B. B., mandatário do Réu marido.
3 - Com o acrescento de condições acessórias, atinentes, designadamente às despesas com o caseiro da “Quinta”.
4 - Nessa mesma missiva, o Réu marido declarou que, em caso de aceitação por parte dos Autores, a escritura de compra e venda dos imóveis em questão teria que ser celebrada impreterivelmente até ao dia 18 de Fevereiro de 2015.
5 - Estipulando, ainda, que o pagamento do preço teria que ser efetuado no momento da escritura, através de cheque visado ou transferência bancária.
6 - Por comunicação escrita datada de 6 de Fevereiro de 2015, os Autores, representados pelo seu mandatário, responderam ao Réu marido, na pessoa dos mandatários deste, declarando aceitar, para todos os efeitos legais, uma das modalidades de negócio propostas.
7 - Os Autores esclareceram, ainda, que a referida aquisição incluía os móveis que compõem o recheio do prédio urbano, assim como todas as alfaias agrícolas afectas ao amanho dos prédios rústicos e demais equipamentos, móveis e utensílios existentes no armazém e casa do caseiro.
8 - Adicionalmente, os Autores declararam aceitar pagar o preço acordado através de cheque.
9 - Por fim, os Autores manifestaram disponibilidade para celebrarem a escritura pública de compra e venda dos imóveis acima referidos no dia e local que fossem indicados pelos Réus, ficando a aguardar tal indicação.
10 - Dando seguimento à aceitação da proposta do Réu marido pelos Autores, foram tidas entre os seus mandatários várias conversas com vista à marcação da escritura pública de compra e venda dos imóveis, tendo a mesma ficado agendada, por sugestão do mandatário do Réu marido, para o dia 13 de Fevereiro de 2015.
11 - Para além disso, os Autores emitiram os cheques para pagamento do preço da compra e venda dos imóveis em questão.
12 - No dia 15 de Fevereiro de 2015, os Réus, através do seu mandatário, comunicaram aos Autores, na pessoa do mandatário destes, já não terem a intenção de alienar os imóveis em causa e pedindo-lhes que “esquecem-se” o negócio.
13 - A Ré mulher, nunca mandatou, verbalmente, ou por escrito, o Senhor Dr. A. L. para a representar no negócio em causa.
14 - A “PROCURAÇÃO” que constitui o “Documento n.º 8” não se acha, sequer, assinada.
15 - A Ré mulher nunca consentiu na alienação que o Réu marido se propunha fazer da quota-parte (2/3) que lhes competia nos imóveis objeto dos presentes autos, o que obrigou este último a, no dia 15 de Fevereiro de 2015, mandar informar o Ilustre Mandatário dos Autores, em Portugal, não pretenderem mais os Réus, concretizar o “Negócio de …”.
16 - Desde o dia 15 de Fevereiro de 2015 até ao dia 5 de Maio de 2017, os Autores não mais contactaram os Réus, fosse porque forma fosse, no sentido de se celebrar a competente escritura pública de compra e venda da quota-parte dos imóveis em causa.
17 - Face ao silêncio dos Autores durante tão prolongado espaço de tempo firmou, nos Réus, a convicção de que aqueles se tinham desinteressado do negócio.

Os apelantes consideram que os documentos n.ºs 9, 10, 11, 13 e 14 juntos com a petição inicial não estão cobertos pelo dever de sigilo profissional da mandatária dos autores, pelo que não constituem prova nula, como se decidiu na sentença sob recurso, devendo, pelo contrário, ser considerados prova admissível e válida.

Admitindo-se tais documentos, deve ser dado como provado o teor das comunicações trocadas entre os mandatários das partes, devendo considerar-se provados os factos n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 12 dos factos não provados, na redação agora sugerida pelos apelantes, bem como aditado o facto constante da conclusão XXII.

Vejamos.

Os documentos em causa são constituídos por emails trocados entre os advogados que representavam os autores e os réus e que dão conta das intenções dos seus clientes relativamente a dois negócios (Quinta e Imóvel da Estrada do “…”), com indicação das modalidades de compra e/ou venda, preços, condições e datas de celebração das escrituras.

Na sentença sob recurso considerou-se que a divulgação dos documentos em causa, viola o disposto no artigo 92.º do EAO, pelo que, nos termos do n.º 5 desse preceito, tais documentos não podem fazer prova em juízo, não sendo, por isso, considerados na decisão. Designadamente, considerou-se que violam o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 92.º do EAO, “já que dizem respeito a factos relacionados com negociações escritas, em que intervieram mandatários das partes e dos quais a ilustre mandatária que, agora, representa os autores teve conhecimento por revelação do cliente, não ficando excluído o dever de sigilo profissional pelo facto de não ter sido a ilustre mandatária que nesta ação representa os autores, a intervir nessas negociações”.

Entendem os apelantes que não está aqui em causa o disposto no artigo 92.º, mas sim o disposto no artigo 113.º do EAO, que se refere ao caráter confidencial da correspondência entre advogados

O artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados preceitua o seguinte:

“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
(…)
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo”.

Por seu turno, prevê o artigo 113º do mesmo Estatuto da Ordem dos Advogados, o seguinte:

“1 - Sempre que um advogado pretenda que a sua comunicação, dirigida a outro advogado ou solicitador, tenha caráter confidencial, deve exprimir claramente tal intenção.
2 - As comunicações confidenciais não podem, em qualquer caso, constituir meio de prova, não lhes sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 92.º”

Este artigo 113.º consagra, apenas, a proibição de o Advogado revelar o conteúdo de comunicações que lhe sejam dirigidas por outro seu colega de profissão, quando este último (o declarante) lhe exija, de forma expressa, a respectiva confidencialidade.
Nesta hipótese, e como resulta de forma clara do n.º 2 do citado artigo 113º ao afastar a aplicação do n.º 4 do artigo 92º (que se refere à autorização do Conselho Regional respectivo para o levantamento do sigilo profissional), não é admissível ao recetor de tal comunicação (declaratário/Advogado) revelar o conteúdo da mesma, não sendo sequer possível obter autorização para tanto junto do respectivo Conselho Regional da Ordem.
A questão dos autos não é esta, mas sim a de saber se a junção de tais documentos pela mandatária dos autores, viola aquele referido artigo 92.º do EOA que, este sim, se refere ao segredo profissional, nos termos já expostos.
“Como é pacífico, o dever de sigilo profissional que impende sobre o Advogado tem a sua razão de ser na necessidade de preservar o princípio da confiança, sendo que o exercício da advocacia assume reconhecido interesse público, dada a natureza social dessa função.
Como se consagra no n.º 2.3.1. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus: “É requisito essencial do livre exercício da advocacia a possibilidade do cliente revelar ao advogado informações que não confiaria a mais ninguém, e que este possa ser o destinatário de informações sigilosas só transmissíveis no pressuposto da confidencialidade. Sem a garantia de confidencialidade não pode haver confiança. O segredo profissional é, pois, reconhecido como direito e dever fundamental e primordial do advogado. A obrigação do advogado de guardar segredo profissional visa garantir razões de interesse público, nomeadamente a administração da justiça e a defesa dos interesses dos clientes. Consequentemente, esta obrigação deve beneficiar de uma proteção especial por parte do Estado”.
E como forma de salvaguardar e proteger esse dever de sigilo profissional, acrescenta-se no n.º 2.3.2 que “O advogado deve respeitar a obrigação de guardar segredo relativamente a toda a informação confidencial de que tome conhecimento no âmbito da sua atividade profissional” - aprovado por deliberação na sessão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 13 de Julho de 2007 e tornada pública pela Deliberação n.º 2511/2007 de 7 de Dezembro, publicada no DR, II ª Série, de 27 de Dezembro – Decisão Sumária proferida no Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 868/17.1T8PRT-B.P1, datada de 24/09/2018 (Jorge Seabra), in www.dgsi.pt.
Veja-se, no mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 07/07/2010, processo n.º 10443/08.6TDPRT-A.P1, (Eduarda Lobo), in www.dgsi.pt: “O segredo profissional é um direito e um dever do advogado. Só um segredo profissional com tais contornos é verdadeiramente o garante de um interesse público que, com ele, a lei visa prosseguir e que tem uma dupla vertente: por um lado, que as partes se façam, sem qualquer receio, aconselhar o Advogado e que este possa, sem constrangimento, ser informado de tudo o que entenda ser necessário ao exercício correcto do seu múnus; por outro, que o Advogado possa, sem constrangimento, correr o caminho da livre e responsável conciliação de interesses, como forma de reduzir a conflitualidade judicial”.
Em idêntico sentido, refere-se, no que tange ao âmbito do segredo profissional em caso de negociações entre as partes representadas por mandatário forense, no Acórdão da Relação do Porto de 28.10.2015, processo n.º 3705/11.7TBSTS-B.P1, (Rodrigues Pires), in www.dgsi.pt que nas “ negociações, tendentes a evitar o recurso aos tribunais, se espera um comportamento de boa-fé e se age com uma certa dose de confiança. Aliás, o esforço de fazer sentir à parte contrária as razões próprias obriga a que se abra o jogo e se digam factos que não se devem converter em trunfos para o adversário. Em suma, sendo provável a existência, nestas negociações, do objectivo de conseguir uma transacção, é natural que se façam cedências ou concessões cuja revelação se não quer”.
O nº 3 do artigo 92º impede a revelação ou junção de documentos quando, face ao seu conteúdo, daí resulte a revelação de factos sujeitos a sigilo e a consequente violação do dever de segredo.
Os documentos em causa nos autos retratam as negociações havidas entre os advogados, em representação dos respetivos clientes, dando a conhecer factos que se prendem com esse processo negocial.
Ora, como bem se salienta na Decisão proferida pelo Vogal do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, a 16/02/2018, junta aos autos a fls. 87 a 90, a propósito do pedido de dispensa do segredo profissional, efetuado por um dos mandatários que subscreveram os ditos emails, a fim de prestar depoimento como testemunha: “Os factos que têm que ver com a proposta, as negociações relativas a essa proposta e os termos alegadamente acordados e, aparentemente, incumpridos ou não aceites, são, ao contrário do propugnado pelo requerente e sempre com o devido respeito, factos sujeitos a sigilo, que encontram abrigo legal no disposto nas alíneas a), e) e f) do n.º 1 do artigo 92.º do EOA” Mais adiante, reitera que os documentos em causa “naturalmente, estavam sujeitos às regras do sigilo profissional (…) uma vez juntos os documentos, o sigilo profissional foi violado”.
Como bem se decidiu na sentença sob recurso, tais actos, praticados pelo advogado com violação do segredo profissional, não podem fazer prova em juízo – n.ºs 3 e 5 do artigo 92.º do EOA – pelo que nunca poderiam ser considerados na decisão.

Improcede, nesta parte, nos termos expostos, o recurso dos apelantes.

A outra questão de facto levantada pelos apelantes, prende-se com a questão do mandato conferido ou não pelos réus aos advogados, brasileiro e portugueses, para os representarem na celebração deste negócio em concreto. Pretendem que sejam eliminados os factos provados n.ºs 19 e 20 e que seja aditado um facto com a redação constante da conclusão XLII.
Também aqui os apelantes não têm razão.
Não há dúvida que, conforme decorre do facto n.º 6 dos factos provados, autores e réu marido, não pretendendo permanecer na situação de compropriedade, iniciaram negociações, através de advogados, para reunirem apenas nos autores ou nos réus, a propriedade plena dos imóveis. Que não pretendem manter a situação de compropriedade, resulta, também, do facto de os réus terem intentado ação de divisão de coisa comum.
Não há dúvida, também, que os autores, para o efeito, mandataram um advogado no Brasil e outro em Portugal e que os emails dando conta das intenções do réu foram subscritos por um advogado português. Contudo, não foi junta qualquer procuração passada pelos réus a favor desse advogado português ou de qualquer advogado brasileiro, conferindo-lhes poderes para adquirir ou vender em nome deles os imóveis em questão, praticando e assinando quaisquer actos necessários para o efeito (nos autos existe apenas uma procuração nesses termos – a de fls. 22 e 23, outorgada pelos autores).
As procurações passadas pelos réus a favor de advogado brasileiro, datam de 2009, sendo que os primeiros contactos para a compra ou a venda dos imóveis, datam de dezembro de 2014, nada referindo as procurações relativamente a estes imóveis e, ao contrário, referindo expressamente que se destinavam a “representá-lo em notificação judicial a ser proposta junto de uma das Varas Cíveis da Comarca da Capital” – procuração do réu – ou “ representá-la em ação de Nunciação de Obra Nova a ser proposta junto a uma das Varas Cíveis da Comarca da Capital”.
Estas procurações não seriam, portanto, instrumento suficiente para representar os réus, não só no contrato-promessa a celebrar com os autores, como, ainda menos, na escritura de compra ou venda dos ditos imóveis. Não seriam para o réu marido e, por maioria de razão, para a ré mulher, que nunca se envolveu nas negociações que se viriam a frustrar.
O facto de uma testemunha, também ele advogado, ter dito que sabia que os réus tinham mandatado um advogado no Brasil para os representar, não é, por si só, suficiente para dar como provado aquilo que não resulta das procurações. Aliás, esta testemunha disse em audiência que informou a ré, em face do teor da procuração, que a mesma não conferia poderes para vender. Disse ainda, que chegou a ser enviada do Brasil uma procuração com poderes especiais que conferiam ao advogado capacidade para negociar, resolver e vender os prédios, mas que essa nunca foi assinada.
Ou seja, podia o advogado brasileiro dar conta à parte contrária das intenções dos seus clientes, mas não tinha procuração com poderes especiais para intervir no negócio, celebrando contrato-promessa e escritura de compra e venda.
Também ninguém põe em causa que os advogados portugueses dos réus já o eram na data em que foram trocados os emails. A questão, uma vez mais, é que não estavam municiados com a procuração que lhes conferisse os poderes especiais para intervir, celebrando contrato-promessa em nome e representação dos réus.
Não pode, assim, dar-se como provado que os réus mandataram um advogado brasileiro e dois advogados portugueses para os representarem nas negociações e na celebração do negócio relativos aos prédios em causa nos autos, correspondendo os emails que trocaram com o advogado dos autores, a um verdadeiro contrato-promessa, escrito e assinado pelos mandatários que os representavam.
Improcede, assim, também, esta parte do recurso.

A última questão fica já resolvida com o que se disse quanto à falta de poderes dos mandatários para celebrarem o contrato-promessa, cuja execução específica os autores peticionam.
Pois se não existe contrato-promessa, não pode haver execução específica do que não existe.
A questão poderia ser a de saber se, tendo os réus desistido de celebrar o negócio, por já não terem intenção de alienar os imóveis em causa, terminando as negociações com um simples “esqueçam” o negócio, poderia fazer com que estes incorressem em responsabilidade pré-contratual.
A responsabilidade civil pré-contratual baseia-se na ideia de que o simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito – cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª edição, pág. 268.
Este tipo de responsabilidade tem consagração legal no artigo 227.º, n.º 1 do Código Civil, nos termos do qual “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Este artigo, como bem salienta, Antunes Varela, in obra citada, pág. 270 e 271, não aponta deliberadamente para a execução específica do contrato, no caso de a conduta ilícita da parte ter consistido na frustração inesperada da conclusão do contrato (legítimas expectativas). “A lei respeita assim até ao derradeiro momento da conclusão do contrato (artigo 232.º), salvo se houver contrato-promessa (artigo 830.º), um valor fundamental, transcendente, do direito dos contratos: a liberdade de contratar” (…), destinando-se a indemnização a cobrir (no caso de frustração injustificada do negócio) o interesse negocial negativo da parte lesada, que não pode exceder o limite do interesse contratual positivo (ou seja, do benefício que a conclusão do contrato traria à parte prejudicada nas suas expectativas).
Os réus, tendo rompido as negociações nos termos em que o fizeram, poderiam incorrer em responsabilidade civil pré-contratual, mas tal mecanismo não conduz nunca à execução específica do contrato, havendo apenas direito à indemnização supra referida, tudo em homenagem ao princípio da liberdade contratual que enforma o nosso direito civil.
Assim, não podendo configurar-se os emails trocados entre advogados, dando conta das intenções dos seus clientes (documentos contendo negociações, não assinados pelas partes que se vinculam, nem por mandatários com poderes especiais para esse efeito), um contrato-promessa válido e eficaz – artigo 410.º n.ºs 2 e 3 do Código Civil – não podiam os autores vir requerer a execução específica do mesmo. A falta dos requisitos formais, como bem se diz na sentença recorrida, “implica que não se possa considerar existir um contrato promessa válido e eficaz e constitui obstáculo à execução específica do contrato respetivo”.
Improcede, assim, totalmente, a apelação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
***
Guimarães, 14 de novembro de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes