Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
15/11.3TCGMR.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O advogado que interpõe fora de prazo o recurso da sentença final, tem uma atitude equiparada ao abandono de patrocínio, com o consequente incumprimento de um dever contratual resultante do mandato forense.
II – O Tribunal não pode sindicar a decisão não recorrida, aliás já transitada em julgado, em termos de aquilatar da eventual possibilidade de êxito do recurso e não pode garantir-se a procedência de um recurso nem tal afirmação pode sequer ser feita em termos de mera probabilidade.
III - Não podendo embora afirmar-se o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do interveniente e os danos sobrevindos para os autores, tal não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato.
IV - A representação ideal do que teria sucedido no processo, a que faz apelo a doutrina do «trial within the trial», caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, não pode traduzir-se numa sindicância à decisão penal condenatória dos réus, havendo apenas a considerar a perda de oportunidade dos autores verem aquela sentença revogada, acrescida do facto do próprio advogado ter concordado com os autores na interposição do recurso.
V – Neste caso, porque se justifica prescindir do nexo de causalidade, é de admitir que a chance de vencimento (procedência do recurso) é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade.
VI – O dano da perda de chance indemnizável não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior ou igual à quantia que seria atribuída aos autores, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.
VII - Para tanto, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, procedendo-se em primeiro lugar à avaliação do dano final, para, em seguida, se fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual e, uma vez obtidos esses valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação o valor da indemnização a atribuir pela perda de chance.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
J e M intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra A, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de € 36.963,05, sendo € 26.963,05 a título de danos patrimoniais e € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros até total ressarcimento.
Para tanto alegaram, em resumo, que:
- no âmbito de um processo crime contra ambos instaurado, a autora foi condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 9,00, e o autor condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de € 180 dias de multa e de um crime de coação na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, na pena única de 350 dias de multa à taxa diária de € 60,00, tendo ainda a autora e o autor sido condenados no pedido cível a pagarem à aí demandante a quantia de € 600,00 e de € 3.000,00, respectivamente;
- os autores, logo que saíram da sala de audiência após a leitura da sentença, deram instruções ao Dr. N para recorrer, tendo o mesmo concordado com eles, referindo que a prova era contraditória e que, em sede de recurso, com toda a certeza a decisão seria alterada;
- tudo o que o Dr. N pediu aos autores, a título de honorários e despesas, foi pago, entendendo os autores, das conversas que com o mesmo mantiveram e do que pelo mesmo foi dito, que facilmente e na pior das hipóteses, no Tribunal da Relação a pena de multa do Autor baixaria em um quarto, já que entendia que bastaria ao Senhores Desembargadores ouvirem a prova produzida em julgamento para que ambos os Autores fossem absolvidos;
- o recurso apresentado pelo Dr. N veio a ser indeferido por ter sido interposto fora de prazo, tendo aquele informado a autora desse facto;
- nesse recurso concluía-se pela absolvição dos arguidos e, ainda, caso tal não ocorresse, pela baixa dos autos ao tribunal a quo para quantificação da situação dos arguidos, de forma a ser fixada no mínimo a medida da pena;
- nas alegações de recurso eram apontadas deficiências e contradições nos depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação que, com grande probabilidade, levariam a uma diversa apreciação da factualidade em causa pelo Tribunal da Relação, sendo certo que, a manter-se qualquer condenação, os valores das multas e indemnizações cíveis em causa seriam certamente diminuídos em mais de 70%;
- com o indeferimento do recurso por extemporaneidade, goraram-se todas as esperanças dos autores de verem reposta a verdade dos factos ou, pelo menos, de ver reduzida substancialmente a pena aplicada;
- como consequência directa do erro ou falta profissional do Dr. N, os autores sofreram danos na medida exacta das multas, custas e indemnizações em que foram condenados e que pagaram, no montante total de € 26.963,05;
- os autores passaram a ostentar condenações nos respectivos registos criminais, sofrendo desgosto e angústia profunda, pois viram coarctada de forma definitiva o meio de poderem corrigir um erro judicial;
- os autores sofreram ofensa à hora ou reputação, sendo pessoas conceituadas socialmente, queridas e respeitadas no local onde trabalham e habitam, sendo ainda conhecidos de todas as pessoas da região, onde rapidamente se constou a condenação;
Contestou a Ré, invocando a sua ilegitimidade em virtude da acção não ter sido também proposta contra o Dr. N, dizendo ainda, no essencial, que o recurso para a Relação não seria susceptível de alterar a decisão condenatória, não existindo nexo causal entre a conduta e os danos alegadamente sofridos pelos autores
Terminou pedindo a sua absolvição da instância ou do pedido e, por último, requereu a intervenção principal provocada do Dr. N.
Houve réplica, aceitando os autores o chamamento a juízo do senhor advogado e requerendo também eles a sua intervenção.
Admitida a intervenção requerida pela ré e citado o Dr. N, veio este declarar que fazia seus os articulados da ré.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e à organização da pertinente base instrutória.
Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a matéria de facto decidida nos termos do despacho de fls. 360 a 365, sem reclamações.
Por fim, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.
Inconformados com o assim decidido, apelaram os autores, extraindo da respectiva alegação as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal reconhece a conduta culposa e ilícita do Réu no cumprimento do contrato de mandato. Por uma questão de reafirmação e para que não hajam duvidas desta certeira posição do Tribunal, convém referir que realmente um dos elementos essenciais do contrato de mandato é que o mandatário assuma a obrigação de praticar actos jurídicos, que no caso dos autos não se tratam de actos jurídicos da lavra e iniciativa do mandatário, embora o pudessem ser, mas no caso dos autos é por ordem dos mandantes (vide números 20 e 21 dos factos dados como provados na Sentença), e com a concordância do mandatário. E para que exista contrato de mandato é necessário que os actos jurídicos a praticar sejam realizados por conta dos mandantes, que é o caso.
II. Dispõe o artigo 1161.º alínea a) do Código Civil que “O mandatário é obrigado: … A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante.”
III. E até aqui o Tribunal “a quo” segue a linha de raciocínio de qualquer normal julgador, quer em face da Lei quer em face da prova produzida, mas de repente e logo que termina o apuramento da culpa no incumprimento do mandato, dá “uma cambalhota” no seu pensamento salutar e entre por caminhos tortuosos criando dificuldades as mesmas não existem, nem nunca existiram, e não se diga que é uma simples tomada de posição jurisprudencial, parecendo mais uma incursão peregrina nesse mesmo campo onde só alguns conseguem aceder.
IV. Parece-nos que não restam quaisquer dúvidas da existência de contrato de mandato e do seu incumprimento culposo por parte do Réu Dr. N.
V. O Dr. N incumpriu o contrato de mandato culposamente (aliás sendo tal facto reconhecido pelo próprio), ou seja, não interpôs recurso, o que independentemente do resultado que viesse a ter não foi interposto, houve a “perda de oportunidade” por parte dos Apelantes e o Tribunal “a quo” entendeu que na sua opinião como alegadamente não houve prova do dano, fica tudo assim, na “paz dos anjos”, porque entende que essa oportunidade nunca existiu, em suma, não haverá qualquer responsabilidade civil do Réu Dr. N, porque o Senhor Juiz acaba por dizer entre linhas, que nem deveria ter havido recurso A douta sentença desde logo, começa por responder à matéria de facto de forma vaga e sem fundamentação laudável, tendo considerado factos como provados que não o poderiam ter sido, e um facto não provado, erradamente, tudo tendo como referencia a prova apresentada, pelos aqui Apelados.
VI. É óbvio que existe dano, quer patrimonial quer não patrimonial, até porque a convicção dos Réus era a alteração da decisão da primeira instância, e que nunca chegaram a saber se iria ocorrer, porque não chegou a ser apreciado o recurso.
VII. Com o devido respeito não pode o Tribunal “a quo” ter dons premonitórios ou adivinhatórios de que por certo não teria provimento, e muito menos substituir-se ao Tribunal superior a aspirar a tal, pois quando atingir o desiderato respectivo poderá proferir Acórdãos que se esperam mais “normalizados” e justos.
VIII. O Tribunal “a quo”, não tem que analisar um recurso que foi rejeitado e muito menos um processo cujos contornos mais elementares desconhece e não tem que conhecer, deveria ter analisado o processo que lhe foi apresentado e decidir de acordo com a lei, a jurisprudência, a doutrina e sobretudo com bom senso jurídico, não tinha que inventar nada bastava cingir-se ao que consta dos autos, que em nosso entender é mais que suficiente para decidir de forma diferente da que decidiu que no caso tem duas parecenças opostas, por um lado uma tentativa de se substituir ao Tribunal da Relação e por outro um verdadeiro “non liquit”, até porque poderia sempre recorrer à equidade.
IX. Nem a mediatividade de um processo similar com os mesmos contornos e só foi rejeitado por uns minutos de atraso, fez com que o Tribunal “a quo” seguisse nem que fosse à distância a indemnização atribuída.
X. O dano patrimonial é representado pela diferença entre a situação real actual da vítima e a situação hipotética em que se encontraria caso não houvesse sofrido o dano, nos termos do artigo 566.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
XI. A culpa está dada como provada pelo Tribunal “a quo”, é evidente que existe dano, quer patrimonial quer não patrimonial. No limiar do absurdo, constata-se que ficou provado que os aqui Apelantes pagaram tudo que o seu advogado pediu para interpor recurso (confissão do Ilustre causídico), como o recurso não foi interposto pelo menos esses valores teriam que ser devolvidos, e para este elementar raciocínio não é necessário aspirar a ser Venerando Desembargador, pelo menos este valor é dano patrimonial, mas existe igualmente mais danos patrimoniais nomeadamente a perda de oportunidade que não sendo quantificável de forma matemática, tem que ser indemnizada sob pena de benefício claro do infractor nestes autos e nos próximos.
XII. Acrescem ainda os danos não patrimoniais e os danos não patrimoniais futuros, basta atentar nos factos provados sob os números 35 a 44 da Sentença, e todos eles decorrem da actuação (omissão) culposa do Ilustre Causídico.
XIII. O nexo de causalidade entre o facto e o dano é simples e demasiado visível, bastaria o Tribunal questionar-se de forma introspectiva se todos os factos que deu como provados dos números 35 a 44 teriam ocorrido se o Advogado tivesse intentado o Recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães dentro do prazo legal.
XIV. O nexo de causalidade entre os danos patrimoniais resulta, desde logo, das quantias dispendidas pelos Apelantes com o recurso e com as custas, multas e indemnizações pagas no processo da primeira instância, pois a perda de oportunidade poderia ser contabilizada de acordo com este critério.
XV. Nos termos do número 3 do artigo 566.º do Código Civil “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, ou seja, mesmo que o Tribunal “a quo” não tivesse o valor exacto dos danos poderia sempre recorrer a critérios de equidade o que na realidade não fez.
XVI. No limite, o Tribunal “a quo”, não tendo dados para atribuir indemnização aos Autores, deveria sempre socorrer-se da equidade para arbitrar aquela, até porque a culpa do agente está provada e confessada, não precisava o Tribunal “a quo” de se auto investir de Tribunal da Relação para aplicar a Lei.
XVII. Insiste o Tribunal “a quo”, ao longo da Sentença proferida, quer na (re)análise dos factos dados como provados na sentença proferida pelo Tribunal criminal de Guimarães e da qual o Réu Dr. N não apresentou atempadamente o recurso solicitado pelos aqui Apelante, quer na sua alegada impotência para reanalisar de novo todos os factos. Ou seja, o Tribunal “a quo” queria fazer de novo o julgamento cujo recurso não deu entrada atempadamente, e chega mesmo a referir de forma, no mínimo paradigmática, que “… necessário se tornava o acesso a toda a prova produzida no processo em causa, já que era esta a prova que seria reapreciada caso o recurso tivesse sido apresentado em tempo.
XVIII. Não pode o Tribunal “a quo” vir agora alegar que seria “indispensável”, para estar nas mesmas condições da segunda instância, ouvir a totalidade do registo dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento realizada no processo em que foram condenados os Apelantes, pois apesar desta aspiração a Tribunal Superior, teria o tribunal que cingir-se à prova constante dos autos, para além de que quem alega que o recurso seria improcedente são os Réus e por isso a prova incumbia-lhes (artigo 342.º nº 2 do Código Civil). É confrangedor a referência à obrigatoriedade de junção de todos meios de prova do processo criminal no processo de que se recorre.
XIX. O Tribunal “a quo” aspirava a julgar a causa que lhe foi apresentada com uma prévia análise profunda do recurso interposto, ou seja, para proferir sentença alegou que precisava de julgar o recurso em vez da Relação, porque essa não pode pela sua extemporaneidade, mas o Tribunal “a quo” queria faze-lo para aquilatar dos danos, ou seja, uma espécie de dois em um julgados num tribunal de primeira instância.
XX. Pelas razões atrás referidas, entendemos que não teria o Tribunal “a quo” que reanalisar um processo cujo recurso não foi admitido e muito menos de forma exaustiva (todos os meios de prova).
XXI. Como ficou já dito existe o dano, quer patrimonial quer não patrimonial, existe o nexo de causalidade entre o dano e o facto (não interposição atempada do recurso), e a culpa está provada e demonstrada na Sentença de que se recorre.
NORMAS VIOLADAS:
Código Civil: Artigos 342.º n.º 2; 566.º n.º 3; 799.º e 801º».

A ré seguradora contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
«I. Embora em abstracto se possa equacionar que a mera violação do direito a apresentar testemunhas, ou interpor recurso consubstancia um dano em si, a violação de um direito é insusceptível de ser equiparada/reconduzida à existência de dano.
II. Na verdade, dano será outrossim, a repercussão dessa violação no património material e imaterial da Apelante.
III. Dito de outro modo, o objecto e conteúdo do conceito jurídico de dano, não é o bem ou direito afectado, mas sim, o interesse patrimonial ou não patrimonial afectado, associado àquele bem ou direito.
IV. Entendimento diverso resultaria na afirmação de que sempre que existir um facto ilícito existirá dano, porquanto, se dano é a ofensa/lesão de um interesse/direito juridicamente protegido, por definição todo o acto ilícito produzirá dano.
V. Sendo uma falácia retirar da violação do direito, o dano porquanto tratam-se de âmbitos distintos, determinando a violação do direito o preenchimento do pressuposto da responsabilidade civil, acto ilícito, e, as consequências no património material e/ou imaterial dos Apelantes, o pressuposto dano.
VI. Sustentam os Apelantes, que da “perda de chance” nasce, sem mais, uma obrigação de indemnizar, ou seja, que a mesma ter-se-á por indemnizável, sem qualquer outro requisito, dispensando o preenchimento dos demais requisitos da responsabilidade civil, designadamente em termos de probabilidade.
VII. Omitindo, de que forma, admitindo-se existir tal obrigação de indemnizar decorrente da perda de chance, deverá a mesma ser traduzida, ou seja, se a título de indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais, bem como de que forma quantificar tais danos.
VIII. Como temos por seguro, a perda de chance, não poderá ser entendida, com total desprendimento da teoria da causalidade adequada acolhida no direito Civil Português.
IX. De facto não bastará que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica da sua cliente o direito à indemnização por perda de chance, sem se exigir qualquer outro requisito.
X. Tal entendimento, de uma forma que se têm por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de danos e o nexo de causalidade entre a actuação e os danos.
XI. A perda de chance, a ser admitida, não podendo ser atendida de forma totalmente afastada da exigência do dano e do nexo causal, deverá sim, ter por base e enquanto simultaneamente pressuposto da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório, a probabilidade de vencimento.
XII. Nenhuma matéria, relativa a eventuais danos não patrimoniais directamente, decorrentes das omissões incorridas pelo Apelado, foi alegada pelos Apelantes ou dada como provada pelo Tribunal a quo.
XIII. Na verdade, pelos Apelantes foram tais danos reconduzidos exclusivamente, ao resultado do processo-crime contra si movido.
XIV. Pelo que, mesmo que se equacione a possibilidade de atribuição de indemnização por dano de perda de chance sem que aos Apelantes seja exigida a alegação e prova da seriedade da chance perdida, sempre, a falta de alegação de danos não patrimoniais directamente decorrentes da chance perdida, determinariam a inexistência de responsabilidade civil.
XV. Por tudo o alegado, não merece censura ou reparo a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual não julgando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil julgou a Acção intentada pelos Apelantes, totalmente improcedente, absolvendo os Apelados do pedido.»

II - ÂMBITO DO RECURSO
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, coloca como questão para apreciação no recurso saber se a actuação do réu, enquanto advogado e mandatário forense, traduzida na interposição fora de prazo de recurso da sentença penal que condenou os aqui autores, preenche os pressupostos da responsabilidade civil profissional daquele interveniente e da consequente obrigação de indemnizar os autores.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[1]:
1- O Réu Dr. N é Advogado, encontrando-se inscrito no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, com inscrição em vigor, sendo portador da Cédula Profissional n.º 6098p [alínea A) dos Factos Assentes].
2- Por contrato celebrado entre a Ré “A, Lda.” e a Ordem dos Advogados – Portugal, a primeira declarou assumir perante a segunda, no mesmo designada como “Tomador de Seguro”, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade profissional desenvolvida pelos advogados com inscrição em vigor, designados como “Segurados”, garantindo o eventual pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil dos mesmos, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da sua actividade [alínea B) dos Factos Assentes].
3- A Ré “A” e a Ordem dos Advogados estipularam que o contrato referido em 2 teria o período de vigência de 12 meses, automaticamente renováveis por um ano e seguintes [alínea C) dos Factos Assentes].
4- Mais estabeleceram que, anualmente, seria determinado nas condições particulares da apólice, o limite máximo de indemnização assegurado pela Ré “A” para cada “período de seguro” previsto no artigo 1.º, n.º 7 das Condições Especiais, o qual entretanto nunca poderia ser inferior aos € 50.000,00 [alínea D) dos Factos Assentes].
5- À data da participação à Ré “A” dos factos alegados pelos Autores, encontravam-se em vigor as Apólices DP/01018/10/B e DP/02416/10/B, cujos limites indemnizatórios máximos contratados para o seu período de vigência/ “período seguro”, de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2010, foram fixados em € 50.000,00 e € 100.000,00, respectivamente [alínea E) dos Factos Assentes].
6- Nos termos da cláusula 16.ª do artigo 1.º das Condições Especiais da Apólice de Seguro foi estipulado que “para as RECLAMAÇÔES apresentadas contra o SEGURADO que tenham como causa o incumprimento de qualquer tipo de prazo estipulado na legislação vigente, quer de âmbito processual, quer substantivo, fixa-se a FRANQUIA ESPECIAL estabelecida nas Condições Particulares, que será no valor pecuniário previsto que ficará a cargo do SEGURADO, sendo dedutível ao valor de indemnização que à SEGURADORA couber pagar” [alínea F) dos Factos Assentes].
7- Nas “Condições Particulares da Apólice” foi estipulado que a franquia especial por incumprimento de prazos ascende a € 3.000,00 – Cfr., a alínea G) dos Factos Assentes.
8- Em 06 de Outubro de 2009, no processo comum singular n.º 1825/07.1TAGMER, que correu termos no 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, o Mmo. Juiz de Instrução proferiu despacho nos termos do qual considerou improcedente o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos arguidos, os agora Autores, M e J, e manteve o teor da acusação proferida pelo Ministério Publico [alínea H) dos Factos Assentes].
9- Nesse mesmo despacho, o Mmo. Juiz de Instrução do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães pronunciou os agora Autores, M e J, pelos crimes (em co-autoria) de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal [alínea I) dos Factos Assentes].
10- Nesse mesmo despacho, o Mmo. Juiz de Instrução do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães pronunciou o agora Autor, J, pelo crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 2, e 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, 23.º, 73.º, em concurso aparente com o crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e 2, todos do Código Penal [alínea J) dos Factos Assentes].
11- Os Autores contrataram o Réu, Dr. N, para os representar no processo referido em 8 [alínea L) dos Factos Assentes].
12- A Ofendida e Assistente, Margarida (…), deduziu acusação particular e pedido de indemnização cível contra os arguidos, Autores na presente acção, concluindo pela procedência da acusação e do pedido cível formulado, peticionando um montante pecuniário a este título, nunca inferior aos € 15.000,00 [alínea M) dos Factos Assentes].
13- Em 07 de Abril de 2010, o Tribunal Judicial de Guimarães proferiu sentença que veio julgar procedente por provada a acusação pública deduzida pelo Ministério Público de Guimarães, condenando:
(i) A arguida, aqui Autora, M, pela prática, em co autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples (p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 9,00 (nove euros), num total de € 1.620,00 (mil seiscentos e vinte euros);
(ii) O arguido, aqui Autor, J, pela prática, em co-autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples (p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, e ainda, pela prática de um crime de coacção (p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 2, e 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, 23.º, 73.º, todos do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa;
(iii) Em cúmulo jurídico, condenou o arguido J, aqui Autor, na pena de 350 dias de multa, à razão diária de € 60,00, perfazendo uma multa de € 21.000,00;
(iv) Condenou ainda os arguidos, aqui Autores, no pagamento da taxa de justiça no montante de 2 UCs, fixando-se a procuradoria em ¼ da taxa de justiça devida, acrescida de 1% de taxa de justiça, nos termos do art. 13.º, n.º 3 do DL 423/91 de 30/10 [alínea N) dos Factos Assentes].
14- Relativamente ao pedido de indemnização cível deduzido pela Assistente e Ofendida, Margarida (…), o Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães julgou o mesmo parcialmente procedente por provado, condenando a arguida M, aqui Autora, a pagar à Assistente a quantia de € 600,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da notificação do pedido, à taxa legal [alínea O) dos Factos Assentes].
15- Condenando ainda o arguido, aqui Autor, J, a pagar à Assistente a quantia de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, igualmente acrescida de juros legais [alínea P) dos Factos Assentes].
16- Nessa sentença, o Tribunal entendeu resultarem provados os seguintes factos:
“No dia 15.08.2007, pelas 21,15 horas, a assistente Margarida (…) seguia a pé pela Av. Sociedade Musical de Pevidém, Selho S. Jorge, Guimarães, em direcção a sua casa (…);
Ao chegar junto da estrada da Fábrica do Moinho do Buraco, foi abordada pelos Arguidos M e J, que, em execução de plano prévio, de comum acordo e em conjugação de esforços, de imediato a atingiram com vários murros e pontapés em diversas partes do corpo, projectando-a ao solo, vindo esta a cair por trás de um camião ali estacionado (…);
Entretanto, e com a assistente Margarida prostrada no chão, a arguida M puxou-lhe os cabelos e agarrou-a também pelo rosto, apertando-o com força contra o solo, ao mesmo tempo que afirmava «andas a fazer magia negra connosco», até que foi interpelada pela testemunha Maria (…);
Nessa altura, e enquanto a arguida falava com esta testemunha, o arguido J atingiu de novo a assistente Margarida com inúmeros pontapés em várias partes do corpo (…);
A dado momento, o arguido J agarrou a assistente Margarida pelos cabelos e pelos braços, levantou-a do solo e, mantendo-a de pé com os braços abertos, apontou-lhe por duas vezes o seu punho fechado, ao mesmo tempo que afirmou por duas vezes para a mesma em tom de voz elevado e agressivo «se me levas a Tribunal mato-te» (…);
Com esta agressão os arguidos provocaram na assistente Margarida dores nas partes do corpo atingidas, equimose no hemitorax esquerdo e equimoses na região dos ombros e na região cervical anterior, que foram causa directa e necessária de doença por 20 dias, sendo um deles com afectação da capacidade geral e profissional (…);
Do mesmo modo, com a prolação da mencionada expressão nas descritas circunstâncias de forte agressividade, o arguido J pretendeu intimidar a assistente Margarida de forma a obrigá-la a não apresentar queixa contra ele e a mulher pela agressão corporal de que estava a ser vítima (…);
E, perante a agressividade manifestada pelo arguido J, a partir dessa data a assistente Margarida passou a recear que, no seguimento do afirmado e na concretização de tais propósitos, aquele ou terceiras pessoas sob suas ordens ou orientações, a procurassem em qualquer altura e em qualquer lugar e lhe provocassem lesões e ferimentos passíveis de lhe causar a morte (…);
Mas, apesar de temer a concretização de actos por parte do arguido contra a sua integridade física e a sua vida, a assistente M não acedeu às pretensões e exigências do arguido J e apresentou queixa no dia 28.08.2007 contra ele e contra a mulher pelos referidos factos ilícitos contra si praticados (…);
Os arguidos actuaram de forma concertada entre si com o propósito conseguido de atingir e molestar a assistente Margarida na sua integridade física e de lhe causar as mencionadas dores e lesões corporais;
Do mesmo modo, o arguido J actuou com o propósito de, mediante o anúncio de morte provocada para o futuro, amedrontar a Margarida, o que conseguiu, e, deste modo, de força-la a não apresentar queixa crime contra ele e a mulher, desiderato que só não conseguiu devido à forte determinação desta em não aceder a tal pretensão, apesar das consequências que lhe pudessem advir para a sua integridade física e vida, circunstância esta totalmente estranha à vontade daquele arguido (…);
Os arguidos agiram de vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas (…);
A assistente sofreu desgosto, medo, tristeza e vergonha por ter sido agredida nos termos descritos, na presença de outros (…);
O comportamento dos arguidos causou na assistente indignação, perturbação e inquietação (…);
A assistente, durante algum tempo, deixou de fazer as caminhadas que antes fazia, temendo outras tentativas e actos agressivos por parte dos arguidos” [alínea Q) dos Factos Assentes].
17- Da motivação da aludida sentença consta que:
A convicção do tribunal fundou-se, essencialmente, nos depoimentos da assistente e das testemunhas Maria (…), Vasco(…) e João(…), para além do declarado pelos arguidos quanto às suas condições pessoais, pois não desejaram prestar declarações quanto aos factos que lhes eram imputados.
A assistente, apesar de referir a existência de diferendo entre os arguidos e os seus filhos, relatou de forma tida como verdadeira o modo como os arguidos a agrediram e a ameaça proferida pelo arguido J, sendo patente no seu relato o medo que sentiu naquela circunstância, pois previu que algo ia acontecer, dado a forma como relatou ter sido seguida e controlada pela arguida, até ao momento em que viria a ser abordada e agredida, quando também se lhe juntou o arguido e a forma violenta como foi agredida, nomeadamente com murros e pontapés, quando se encontrava caída, tendo-lhe ainda puxado os cabelos. O seu depoimento foi sentido, revelando ainda um sentimento de tristeza, referindo as lesões e dores que sofreu e a necessidade de recorrer ao hospital, por duas vezes. Relatou ainda que as agressões aconteceram mesmo na presença da testemunha Maria (…), pessoa com quem costumava fazer as suas caminhadas, e com quem se encontrava normalmente naquele local, como aconteceu nesse dia. Referiu ainda que passou a ter receio de voltar a ser agredida pelos arguidos e que estes concretizassem a ameaça feita, tendo mesmo, durante algum período, o que viria a ser confirmado por outras testemunhas, deixado de fazer as suas habituais caminhadas, passando a andar acompanhada.
O depoimento da testemunha Maria (…) não deixou quaisquer dúvidas quanto à sua veracidade, depondo de uma forma emocionada e viva, parecendo mesmo estar a reviver o que se tinha passado, num depoimento sentido, referindo mesmo ainda estar a ver os sapatos com que o arguido dava pontapés à assistente, dizendo que eram «quadrados como os meus», apontando para os que usava, mostrando-se mesmo indignada com a agressão presenciada. Disse «deram-lhe muita porrada», e «era como se estivesse a dar num saco», dizendo que a assistente gritava. Referiu mesmo que a assistente, quando esta ainda se encontrava a caminhar e entraram em contacto visual lhe fez uns gestos com as mãos, que não entendeu como de pedido para que se aproximasse rápido, como depois veio a saber, já que a arguida vinha de carro a seguir a assistente. Também relatou que pediu que não agredissem a assistente, dizendo que ela tinha amputado um peito, mas continuaram a agressão, tendo o arguido abanado a assistente e dito, mais do que uma vez, que se esta o levasse a tribunal a matava. Disse ter visto o arguido sair do carro e dirigir-se para a assistente. Disse ter visto marcas das agressões no tronco, debaixo do braço esquerdo e também no braço e que a assistente sentiu dores, tendo deixado de a acompanhar nas caminhadas durante um tempo. Não teve qualquer hesitação em identificar os arguidos, que já conhecia.
As testemunhas Vasco (…) e João (…), dois jovens, primos, disseram conhecer de vista, quer os arguidos, quer a assistente. Depuseram de uma forma totalmente isenta e credível, referindo ter ouvido alguém a gritar quando se aproximavam do local.
A testemunha Vasco (…) referiu ter visto duas pessoas a ir cada uma para seu carro, um Jaguar e um “jipe” Volvo. Referiu mesmo que o Volvo se encontrava com as luzes acesas e a trabalhar e que o Jaguar arrancou com as luzes apagadas, referindo que o seu primo chegou a anotar a matrícula do Jaguar. Quando chegaram ao local onde estava a assistente viu que também lá estava a testemunha Maria (…), referindo que a assistente se queixava com dores.
O João (…) disse também que ouviu gritar, não tendo visto as agressões, mas referindo ter visto os dois arguidos sair de junto duns camiões que ali estavam estacionados, onde mais tarde constatou encontrar-se a assistente, e entrar cada um em seu carro, ele num Jaguar e ela num “jipe” Volvo. Anotou a matrícula do Jaguar, não tendo visto a matrícula do Volvo porque se encontrava de frente e com as luzes ligadas, a trabalhar, tendo o Jaguar as luzes desligadas. A assistente estava no chão e queixava-se dos braços e dizia que tinha dores. Disse ainda que a ambulância foi chamada por si.
Nenhum deles teve quaisquer dúvidas na identificação dos arguidos, que já conheciam anteriormente, por serem «donos» do Intermarché. Também a testemunha S (…), filha da assistente, depôs deforma credível, não quanto aos factos, a que não assistiu, mas referindo as lesões que a sua mãe apresentava, tendo ido ter com ela ao hospital, nesse mesmo dia, e que voltou ao hospital uns dias depois, tendo, no primeiro dia, ido à farmácia comprar os medicamentos prescritos à sua mãe. Disse ainda que a sua mãe sentiu muitas dores, que se prolongaram por mais de um mês, referindo ter receio que, pelos pontapés que levou, houvesse consequências pelo facto de ter cancro” [alínea R) dos Factos Assentes.
18- Da motivação da referida sentença consta ainda que:
Por outro lado, não mereceram credibilidade os depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa, ambas empregadas dos arguidos à data dos factos, uma na sua residência, onde tratava do jardim e dos cães, a outra como responsável de loja no supermercado, que referiram que os arguidos, no dia 15 de Agosto de 2007, se encontravam em casa, em hora que situam entre as 21h00 e 22h00, a testemunha Maria Rosa, às 21h30 a testemunha Carla(…). Desde logo não resultou explicado o facto de saberem que nesse mesmo dia foram a casa dos arguidos, não dando a testemunha Maria Rosa qualquer explicação, apesar de lhe ter sido perguntado, e dizendo a testemunha Carla (…) que sabia ter sido nesse dia, encontrando-se a arguida na cama, pois tinha feito um aborto voluntário no dia anterior. Não convenceu a sua tese de que ela e a arguida tinham uma grande amizade e que a arguida lhe contava absolutamente tudo, mesmo coisas muito pessoais e íntimas e que lhas contava de imediato, pois soube do aborto pelo menos no dia em que foi feito, só não a tendo visitado nesse dia por não ter tido disponibilidade.
Como já ficou referido, não resultaram quaisquer dúvidas quanto aos depoimentos das testemunhas da acusação, sendo seguro que os arguidos se encontravam na Av. Sociedade Musical de Pevidém, Selho S. Jorge Guimarães, no dia 15/08/2007, pelas 21,15 horas, pelo que não podiam estar em casa, o que não invalida que lá estivessem algum tempo depois. Refira-se ainda que não é o facto de a arguida ter feito uma IVG no dia 14 de manhã, que é impeditivo de ter estado no local em que ocorreram os factos no dia 15, à noite” [alínea S) dos Factos Assentes].
19- Em 19 de Julho de 2010 foi proferido, nos referidos autos de processo comum singular, despacho com o seguinte teor:
A sentença foi lida, na presença dos arguidos em 07/04/10, tendo sido depositada na mesma data, tendo da mesma sido interposto recurso em 18/05/10.
Assim, por ter sido interposto fora de tempo, não se admite o recurso dos arguidos, constante de fls. 420 e ss.
Notifique.” [alínea T) dos Factos Assentes].
20- Na data referida em 13 os Autores, logo que saíram da sala de audiência, manifestaram ao Dr. N a intenção de interpor recurso [resposta ao quesito 1.º da Base Instrutória].
21- O Dr. N concordou com os Autores [resposta ao quesito 2.º da Base Instrutória].
22- Referindo que considerava a pena excessiva [resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória].
23- E informando que a condenação ficaria a constar do registo criminal dos Autores [resposta ao quesito 4.º da Base Instrutória].
24- Foi referido pelo Dr. N que a prova era contraditória [resposta ao quesito 5.º da Base Instrutória].
25- Tudo o que o Dr. N pediu aos Autores, a título de honorários e despesas, foi pago [resposta ao quesito 7.º da Base Instrutória].
26- Os Autores confiaram na experiência e saber do Dr. N [resposta ao quesito 11.º da Base Instrutória].
27- Passado algum tempo, o Dr. N solicitou a presença da Autora no seu escritório, dizendo que necessitava falar-lhe com urgência [resposta ao quesito 13.º da Base Instrutória].
28- Nessa reunião o Dr. N comunicou à Autora que tinha interposto o recurso criminal fora de prazo [resposta ao quesito 14.º da Base Instrutória].
29- E que tal recurso havia sido indeferido por extemporaneidade [resposta ao quesito 15.º da Base Instrutória].
30- Nesse recurso, o Dr. N concluía pela absolvição dos arguidos, aqui Autores [resposta ao quesito 16.º da Base Instrutória].
31- E ainda no sentido de que, caso tal não ocorresse, deveriam baixar os autos ao Tribunal “a quo” para quantificação da situação dos arguidos, de forma a ser fixada no mínimo a medida da pena [resposta ao quesito 17.º da Base Instrutória].
32- Nas respectivas alegações de recurso, eram apontadas várias deficiências e contradições nos depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação [resposta ao quesito 18.º da Base Instrutória].
33- Os Autores pagaram as multas e custas em que foram condenados, no montante global de € 23.363,05 [resposta ao quesito 23.º da Base Instrutória].
34- Os Autores pagaram a indemnização em que foram condenados, no montante global de € 3.600,00 [resposta ao quesito 24.º das Base Instrutória].
35- Toda esta situação criou nos Autores desgosto e angústia profunda [resposta ao quesito 25.º da Base Instrutória].
36- Os Autores sofreram dor psíquica e sentiram-se ofendidos na sua honra e reputação [resposta ao quesito 26.º da Base Instrutória].
37- Pelo menos até à data em que foram conhecidos os factos os Autores eram pessoas conceituadas socialmente no local onde habitam e trabalham [resposta ao quesito 27.º da Base Instrutória].
38- Os Autores são administradores de um supermercado [resposta ao quesito 28.º da Base Instrutória].
39- E são conhecidos por todas as pessoas na região [resposta ao quesito 29.º da Base Instrutória].
40- Região na qual constou a condenação dos Autores [resposta ao quesito 30.º da Base Instrutória].
41- Pelo menos até à data e foram conhecidos os factos os Autores eram pessoas queridas e respeitadas no meio social e profissional em que estão inseridas [resposta ao quesito 31.º da Base Instrutória].
42- O facto de constar dos respectivos registos criminais a condenação, é para os Autores um vexame e uma humilhação [resposta ao quesito 32.º da Base Instrutória].
43- Constando na zona que os Autores bateram e ameaçaram a lesada nos autos criminais [resposta ao quesito 33.º da Base Instrutória].
44- O estado de espírito dos Autores foi e é de ansiedade e frustração [resposta ao quesito 34.º da Base Instrutória].

B) O DIREITO
Os autores, ora recorrentes, centram o fundamento da responsabilidade profissional do interveniente e, consequentemente, da obrigação de indemnizar em que assenta a sua pretensão, na intempestiva apresentação do recurso da sentença penal que os condenou, no qual eram apontadas várias deficiências e contradições nos depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação no qual se fundou a decisão de facto.
Na sentença recorrida e após aturada incursão doutrinária e jurisprudencial pelos contratos de mandato e de seguro e pelo conceito e limites do primeiro daqueles contratos, concluiu-se que «a intempestiva apresentação de recurso, com o consequente trânsito em julgado da sentença que condenou os autores, não pode deixar de ser considerada uma actuação que fica aquém do padrão de cuidado legalmente exigível e, consequentemente, um não cumprimento, ilícito e culposo, do contrato»[2].
Afigura-se totalmente correcto este enquadramento, já que o advogado que interpõe fora de prazo o recurso da sentença final tem uma atitude equiparada ao abandono de patrocínio.
E o ser, ou não, justificada a opção de não recorrer[3] (por ter liberdade de actuação técnica) já o que não pode é impor essa vontade ao cliente, antes devendo informá-lo em tempo de lhe possibilitar a constituição de novo mandatário que, eventualmente, aceite o patrocínio nos termos que o mandante pretende.
Não o fazendo (e note-se que aqui o interveniente só comunicou à autora a interposição fora de prazo do recurso após esta se ter consumado) incumpriu um dever contratual.
Fê-lo culposamente, já que não ilidiu a presunção do nº 1 do artigo 799º do Código Civil, incorrendo em responsabilidade se presentes os outros pressupostos: dano e nexo causal, já que, como vimos se perfilam o ilícito contratual e a culpa.
Importa por isso que nos debrucemos, então, sobre aqueles pressupostos.
Qual o dano que os recorrentes sofreram?
Tratando-se de um caso de interposição fora de prazo de um recurso – equivalente a não recorrer – há que fazer duas afirmações nucleares prévias: este Tribunal não pode sindicar a decisão não recorrida, aliás já transitada em julgado, em termos de aquilatar da eventual possibilidade de êxito do recurso; não pode garantir-se a procedência de um recurso nem tal afirmação pode sequer ser feita em termos de mera probabilidade[4].
Não obstante, o certo é que o interveniente violou, culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com os autores, deixando de satisfazer, cabalmente, a prestação a que estava vinculado, ao não apresentar o recurso em tempo, o que importa o cumprimento defeituoso da obrigação, e que o torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798º e 799º, nº 1, ambos do CC.
A não apresentação tempestiva do recurso foi causa do seu não conhecimento. No entanto, importa saber se ocorre a causalidade adequada pressuposta pelo artigo 563º do CC, ou seja, se pode ter-se como assente que, se o interveniente tivesse oportunamente interposto o recurso, provavelmente os autores não teriam sido condenados ou não teriam sido condenados nos termos em que o foram. Não se trata já de averiguar a causalidade naturalística, mas sim o critério legal de causalidade.
Como é evidente, uma resposta afirmativa exigiria que se pudesse ter como suficientemente provável que, se o recurso fosse interposto em tempo, o mesmo teria provimento, por serem fundados os respectivos fundamentos, pelo menos na perspectiva do tribunal de recurso[5], o que, como se viu, não é possível.
Mas os autores, ora recorrentes, fundamentam o pedido de indemnização, outrossim, na perda de oportunidade de verem a sua pretensão apreciada judicialmente (perda de chance), pelo que cumpre verificar se o dano consistente na perda da oportunidade do recurso obter provimento é indemnizável, em particular à luz da causalidade adequada e da teria da diferença, sendo que a resposta a esta questão não tem merecido um tratamento unívoco da nossa jurisprudência.
Segundo uns, a perda de chance de vencer a acção constitui um dano autónomo[6].
Para outros, a perda de chance, não sendo um dano presente, só pode ser qualificado como dano futuro mas eventual ou hipotético, «salvo se a prova permitir que com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida»[7].
Já outros consideram que a perda de chance não tem, em geral, apoio na lei que exige a certeza dos danos indemnizáveis e o nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante, pelo que só quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance pedida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos[8].
A doutrina também diverge no tratamento da questão.
Manuel Carneiro da Frada[9], a propósito das dificuldades do estabelecimento do nexo causal, afirma que, a par de outros caminhos possíveis (facilitação da prova, presunções de causalidade e consequente inversão do ónus da prova), um deles será o de «considerar a perda de chance um dano em si», quando esteja em causa uma «perda de oportunidade»[10].
Já para Paulo Mota Pinto[11], «não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance, sugerindo que «antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da ‘perda de chance’ como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios”.
No caso em apreço, o dano para os autores traduziu-se na impossibilidade de verem revogada a sentença penal que os condenou nos termos descritos nos pontos 13, 14 e 15 do elenco dos factos provados supra, embora nunca fosse possível saber qual o grau de probabilidade do êxito ou insucesso do recurso, caso o mesmo tivesse sido apresentado, tempestivamente, hipótese em que os autores tentariam, então, nas respectivas alegações, fazer prova das «deficiências e contradições nos depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação» (nº 32 dos factos provados).
Ora, não podendo embora afirmar-se o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do interveniente e os danos sobrevindos para os autores, «tal não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato»[12].
A chance ou oportunidade perdida merece a tutela do direito porque, à data da violação ilícita, integra o património jurídico do lesado, o seu património económico e moral, sendo ressarcível por consubstanciar «um dano certo, salvo quanto ao seu montante, onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade actual, e não de um resultado futuro»[13].
Trata-se de um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial, sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura, um bem jurídico digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado[14].
Parece por isso poder afirmar-se que no âmbito da responsabilidade contratual, «são juridicamente relevantes as violações das chances que constituem o objecto sobre que incide a prestação debitória», subsumíveis ao comando do artigo 483º, do CC, para efeito da reparação dos danos verificados[15].
Contudo, sendo o dano da perda de chance um exemplo da actual relevância da causalidade puramente probabilística, umas das maneiras de resolver este género de problemas é a de considerar a perda da oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final, elevando-se, desse modo, a chance a bem jurídico protegido pelo contrato[16].
In casu, estamos perante uma situação em que não se pode afirmar, com absoluta segurança, que o recurso obteria provimento, caso não tivesse interferido o aludido facto ilícito, nomeadamente, porque tal dependeria ainda do modo como o Tribunal da Relação valorasse a prova produzida em 1ª instância, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que os autores perderam uma oportunidade de obter essa decisão favorável.
Ora, o «juízo dentro do juízo», segundo o qual o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da acção “falhada”, ao qual se arrimou a sentença recorrida, não pode ter, evidentemente, no caso em apreço, o sentido que aí lhe foi atribuído, ao afirmar-se que «era indispensável que este tribunal – nas mesmas condições que estaria a segunda instância – pudesse ouvir a totalidade do registo dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento realizada no processo em que foram condenados os autores».
Como já se deixou dito, tratando-se de um caso de interposição fora de prazo de um recurso, não cabe a este tribunal – nem cabia ao tribunal recorrido - sindicar a decisão não recorrida, aliás já transitada em julgado, em termos de aquilatar da eventual possibilidade de êxito do recurso.
Neste caso, a representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, não pode traduzir-se numa sindicância à decisão penal condenatória dos réus, havendo apenas a considerar a perda de oportunidade dos autores verem aquela sentença revogada, acrescida do facto do próprio interveniente ter concordado com os autores na interposição do recurso, referindo que considerava a pena excessiva e que a prova era contraditória (cfr. pontos 20, 21, 22 e 24 do elenco dos factos provados).
Na verdade, a teoria do «trial within the trial» não pode, em casos como o dos autos, ser encarada como naquelas situações em que o advogado não propôs a acção, prescrevendo, entretanto o direito, não a contestou, ou não apresentou tempestivamente o requerimento probatório, pois nesta última situação, a sorte da acção “falhada”, caso não tivesse ocorrido o acto omisso, dependeria, em muito maior grau, do julgamento da matéria de facto, mais difícil de prever, sendo igualmente certo que não será fácil replicar na acção de responsabilidade civil movida contra o advogado, o julgamento que ocorreria naquela outra acção, e, desde logo, porque uma das partes da acção “falhada” não é, igualmente, parte na acção de responsabilidade civil, pelo que, em regra, poderá faltar, nesta última, todo o “apport” que por aquela parte seria levado para a “acção falhada”, mormente, ao nível dos meios probatórios, sendo, pois, mais difícil prever qual seria o desfecho da mesma[17].
Nas situações descritas, o cálculo da probabilidade de vitória na acção “falhada” encontra-se naturalmente mais dificultado do que naqueles casos, como o dos autos, em que o advogado não interpôs o recurso ou o fez intempestivamente, sendo aqui as possibilidades de procedência ou improcedência do recurso equivalentes, considerando até a ausência de quaisquer outros elementos relevantes, o que justifica prescindir do nexo de causalidade.
Admite-se, pois, no caso presente, que a chance de vencimento (procedência do recurso) é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).
O dano em que se consubstancia a perda de chance «deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização»[18].
Por outro lado, visto que o dano de perda de chance é distinto do dano final, a indemnização deve reflectir essa diferença, sendo esse reflexo dado pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado.
Assim sendo, a reparação da perda de uma chance deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, pelo que a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final: a indemnização deve, sim, corresponder ao valor da chance perdida[19].
Para tanto, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realizar a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual.
Uma vez obtidos tais valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda da chance[20].
Considerando a natureza do dano em análise, nunca a indemnização poderia atingir a totalidade da quantia inicialmente peticionada pelos autores, a qual corresponderia ao dano final em que se traduziu a não interposição do recurso pelo interveniente dentro do prazo legal, devendo apenas corresponder ao valor da chance perdida.
Ora, atendendo a que se não pode estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito do recurso, sem afastar, inclusive, a sua improcedência, com base na equidade, que é agora o critério de referência do estabelecimento da indemnização por equivalente a ter em conta, fixa-se o mesmo em 50%, devendo assim a ré seguradora ser condenada no pagamento da quantia de € 13.481,52, correspondente a metade das quantias pagas pelos autores em consequência da sua condenação (cfr. pontos 33 e 34 dos factos provados).
Saliente-se, contudo, que era sobre a ré e o interveniente que impendia o ónus de demonstrar que a não apreciação do recurso pelo Tribunal da Relação fora absolutamente indiferente o facto do interveniente ter interposto aquele fora de prazo, atento o disposto no artigo 342º, nº 2, do CC, dado que o recurso sempre seria julgado improcedente e confirmada a condenação dos autores.
Na verdade, no âmbito da responsabilidade contratual em que se move a causa de pedir da acção, uma vez que o lesado demonstre a existência dos respectivos pressupostos – vínculo contratual e nexo causal – o ónus da prova da diligência recai sobre o advogado, por força da respectiva presunção de culpa, a que se refere o artigo 799°, nº 1, do CC.
Quanto ao dano de natureza não patrimonial, reclamam os autores uma indemnização de € 10.000,00.
Constituindo entendimento jurisprudencial praticamente uniforme a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais por responsabilidade contratual[21], importa apurar se, in casu, se verificam os requisitos da indemnização e, em caso afirmativo, o quantum indemnizatório.
A lei admite a reparação dos danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496º do CC, ou seja, quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, e não em função de factores subjectivos, donde que os vulgares incómodos, contrariedades, transtornos, indisposições, por não atingirem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização.
Quanto ao montante da indemnização deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º do CC, ou seja, a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem (nº 3 do citado art. 496º).
Quer isto dizer, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[22], que o montante da indemnização «(...) deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida».
Como resulta da remissão da norma do nº 4 do artigo 496º para os critérios enunciados no artigo 494.º, devem ser tidas em conta, no julgamento de equidade, diversas circunstâncias – o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam, seguramente, a natureza e a gravidade do dano e os sofrimentos dele decorrentes.
Como tem sido entendido de forma uniforme, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico[23].
Importa, todavia, sublinhar que a indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias já enunciadas, referidas no artigo 494.º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”[24].
Na verdade, embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado[25].
No caso em apreço, não se suscitam dúvidas quanto a terem os autores sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo também inquestionável que estes danos assumem gravidade suficiente merecedora da intervenção reparadora do direito (cfr. os pontos 35 a 44 do elenco dos factos provados).
Ora, atenta essa factualidade e atendendo a todos os factores relevantes na formulação do juízo de equidade, sem perder outrossim de vista os padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência (e que constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade), afigura-se-nos justo e equitativo o montante de € 10.000,00 reclamado pelos autores (€ 5.000,00 para cada) a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Tendo, porém, em conta que se fixou em 50% o grau de probabilidade da amplitude do êxito do recurso, a indemnização por danos não patrimoniais terá de ser reduzida a metade, ou seja, € 5.000,00.
O recurso procede, assim, em parte.


V - DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogam a sentença recorrida, condenando a ré A, Lda. a pagar aos autores a quantia de € 15.481.50 [18.481,50 - € 3.000,00], deduzida da franquia especial convencionada no contrato de seguro, no montante de € 3.000,00, que fica a cargo do segurado que da apólice beneficia, ou seja, o interveniente, Dr. N, que é condenado a suportá-lo, ambos acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até efectivo pagamento.
Custas por recorrentes e recorridos, na proporção do decaimento.
*
Guimarães, 9 de Janeiro de 2014
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves
__________________________________
[1] Mantém-se a sequência dos factos constantes da sentença.
[2] Tratando-se de uma obrigação de meios, o devedor fica exonerado da sua prestação para com o credor, na hipótese de o cumprimento requerer uma diligência maior do que a prometida, constituindo causa liberatória da sua acção ou omissão, quer a impossibilidade objectiva, quer a impossibilidade subjectiva, a menos que aquele se possa fazer substituir por terceiro no cumprimento, que lhe não sejam imputáveis, nos termos das disposições combinadas dos arts. 790º, nº 1 e 791º, ambos do CC.
[3] A intempestiva interposição de recurso equivale na prática a não interpor o recurso.
[4] Cfr., assim, o Ac. do STJ de 29.04.2010 (Sebastião Povoas), proc. 2622/07.0TBPNF.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Fazendo notar as dificuldades de estabelecimento do nexo de causalidade, nomeadamente tendo em conta as diversas «opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores, indispensável à procedência de um pedido de indemnização por perda de chance, cfr. o Ac. do STJ de 29.04.2010 (Sebastião Povoas), proc. 2622/07.0TBPNF.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. os Acórdãos de 28.09.2010 (Moreira Alves), proc. 171/2002.S1, 10.03.2011 (Távora Victor), proc. 9195/03.OTVLSB.L1.S1, 05.02.2013 (Helder Roque), proc. 488/09.4TBESP.P1.S1 e 14.03.2013 (Maria Beleza), proc. 78/09.1TVLSB.L1.S1, defendendo-se neste último que para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de ser elevada, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. do STJ de 29.04.2010, citado na nota 4, proferido num caso semelhante ao presente (o recurso foi julgado deserto por falta de alegação).
[8] Ac. do STJ de 29.05.2012 (João Camilo), proc. 8972/06.5TBBRG.G1.S1 e de 26.10.2010 (Azevedo Ramos), proc. 1410/04.OTVLSB.L1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt.
[9] Direito Civil - Responsabilidade Civil - O Método do Caso, Coimbra, 2006, p. 100 e ss., em especial pp. 103 e 104.
[10] Em sentido idêntico, Patrícia Costa, O Dano da Perda de Chance e a sua Perspectiva no Direito Português, Dissertação de Mestrado, p. 101, in www.verbojurídico.com/doutrina/2011/patriciacosta_danoperdachance, para quem «a consagração da perda de chance como um dano autónomo alcança de forma mais satisfatória, e consentânea com o Direito constituído, a finalidade de fixação de uma indemnização adequada e proporcionada ao dano».
[11] Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, Coimbra, 2008, p. 1103, nota 3103.
[12] Ac. do STJ de 05.02.2013 (Helder Roque), proc. 488/09.4TBESP.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[13] Álvaro Dias, Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, 2001, p. 99.
[14]Armando Braga, A reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Extracontratual, Almedina, 2005, pp. 125 e 126, citado no Ac. do STJ de 05.02.2013 (Hélder Roque) referido na nota 12.
[15] Patrícia Costa, O Dano da Perda de Chance…, cit., p. 99.
[16] Manuel Carneiro da Frada, Direito Civil…, cit. pp. 103-104. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 05.02.2013 (Helder Roque), citado na nota 12.
[17] Patrícia Costa, O Dano da Perda de Chance…, cit., pp. 105-106.
[18] Ac. do STJ de 05.02.2013 (Helder Roque), citado na nota 12.
[19] Patrícia Costa, O Dano da Perda de Chance…, cit., p. 103.
[20] Patrícia Costa, O dano da Perda de Chance…, cit., p. 103; Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Coimbra Editora, 2008, pp. 227 a 232, citada no Ac. do STJ de 05.03.2013 (Hélder Roque) referido na nota 12.
[21] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 25.06.209 (Mário Pereira), proc. 08S4117, in www.dgsi.pt.
[22] Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra editora, p. 501
[23] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 19.04.2012, proc. 3046/09.0TBFIG.S1, in www.dgsi.pt.
[24] Cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 02/07/2009, in CJ/Acs.STJ, Ano XVII, Tomo II/2009, p. 156 e ss.
[25] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 1970, p. 426.