Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3061/08.0TBGMR.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
ABUSO DE DIREITO
COLISÃO DE DIREITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O direito de propriedade não é um direito absoluto, podendo o seu exercício sofre limitações de ordem pública ou particular, estando neste último caso a situação prevista no art. 1366º, nº 1, do CC, que permite ao proprietário a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do seu prédio, conferindo, porém, ao dono do prédio vizinho a faculdade de arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e tronco ou ramos que sobre ele propenderem, caso o dono da árvores, solicitado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentre de três dias.
II - Não constitui abuso do direito a recusa dos réus em cortar as árvores do seu prédio que confina com os dos réus, apesar das folhas, ramos e detritos das mesmas sujarem constantemente o telhado de cada uma das casas dos autores e o chão, deteriorarem a pintura dos muros e das casas e entupirem as caleiras, sabendo-se que o prédio dos réus - um terreno de mato e floresta -, existia já como tal em data anterior aos pedidos de licenciamento dos lotes onde os autores construíram as casas, acrescendo o facto dos prédios loteados comporem anteriormente um único prédio rústico constituído por terrenos de mato e floresta.
III – Não se verifica colisão de direitos de propriedade a resolver com recurso ao instituto da colisão de direitos previsto no art. 335º do Código Civil sempre que existam normas preventivas do conflito entre esses direitos, ou que definam regras próprias para solucionar esse mesmo conflito.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
José… e mulher Rosa… , Adriano… e mulher Ana… , e Maria… , esta última na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seu marido Manuel… , intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra Ramiro… e mulher Ema… , pedindo que os réus sejam condenados:
a) a proceder à limpeza de uma faixa exterior de protecção de largura mínima não inferior a 100 m a contar dos muros de vedação das habitações e logradouros dos AA.; ou caso, assim, não se entenda de 30 m a contar dos muros de vedação para os eucaliptos;
b) a pagar aos primeiros AA. a quantia de € 3.650,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros vincendos e a quantia de € 50,00 por cada mês pela limpeza da sua habitação, a partir de Agosto de 2008;
c) a pagar aos segundos AA. a quantia de € 3.650,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros vincendos e a quantia de € 50,00 por cada mês pela limpeza da sua habitação, a partir de Agosto de 2008;
d) a pagar à terceira A. a quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros vincendos e a quantia de € 50,00 por cada mês pela limpeza da sua habitação, a partir de Julho de 2008;
e) a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 500,00 a título de danos morais, acrescida dos respectivos juros vincendos.
Alegaram, para tanto, que:
- os autores são os donos e possuidores dos prédios urbanos que identificam nos arts. 1º, 2º e 3º da petição inicial, sendo que o prédio identificado neste último artigo pertence à herança do falecido Manuel… , a qual foi deixada em comum e sem determinação de parte ou direito, sendo os réus, por sua vez, donos e possuidores dum terreno confinante com cada um dos prédios dos autores e no qual têm plantados dezenas de eucaliptos e outras árvores de grande porte, nomeadamente, pinheiros, estando as mais próximas dos prédios dos autores a uma distância inferior a 5 metros de cada um dos muros que divide os prédios dos autores e o dos réus, sendo que o muro que delimita o logradouro dos lotes também se encontra a poucos metros de cada uma das casas dos autores.
- as raízes dos eucaliptos provocaram já fissuras nos muros e levantamentos do piso que nessa parte reveste cada um dos logradouros dos autores e, para além disso, os eucaliptos sujam constantemente o telhado e o chão de cada uma das casas dos autores com folhas, ramos e detritos, bem como deterioram a pintura das casas e dos muros e entopem as caleiras, pelo que o telhado tem de ser limpo várias vezes ao ano, o piso do logradouro tem de ser limpo diariamente e os muros e as paredes das casas voltadas a nascente têm de ser pintados a cada dois anos, a que acresce o facto dos eucaliptos e dos pinheiros estarem de tal forma inclinados sobre cada uma das habitações dos autores que invadem as respectivas propriedades, cobrindo os seus ramos parcialmente aquelas casas e provocando a queda de ramos e pinhas nos seus logradouros, pinhas essas que quando “fechadas” partem telhas e amolgam automóveis, impedindo que o sol incida sobre o lado nascente das casas dos autores, e provocam a entrada de humidades nos tectos e paredes das habitações de cada um dos autores devido ao entupimento das caleiras de escoamento das águas das chuvas.
- para impedir que isso aconteça, os 1ºs e 2ºs autores contrataram, desde Setembro de 2006, uma pessoa para regularmente proceder à limpeza do logradouro e do telhado das suas habitações, gastando com isso, cada um, a quantia de 50,00 € por mês, sendo que a 3ª autora, como reside na sua habitação, despende diariamente pelo menos 20 minutos na limpeza exterior das folhas, ramos e pinhas.
- os 1ºs autores têm já um orçamento para refazer a pintura exterior da sua habitação, no valor de 2.500,00 €, valor que os 2ºs terão também de gastar com a mesma operação; já a 3ª autora teve que pintar a sua habitação no ano de 2006, mas tem já de pintá-la novamente, no que despenderá também a quantia de 2.500,00 €.
Os réus contestaram, excepcionando e impugnando.
Por excepção, defendem que os autores são parte ilegítima em virtude da 3ª autora estar desacompanhada na acção dos demais herdeiros do falecido Manuel… .
Por impugnação, contrapõem que os prédios dos autores foram construídos após 14-10-1985 (o dos 1ºs), 16-08-1993 (o dos 2ºs) e 06-07-1989 (o da 3ª), sendo que até 10-07-1984 tais prédios compunham um único prédio rústico constituído pelos terrenos de mato e floresta, o qual confrontava de nascente com o prédio dos réus, e só em 10-07-1984 é que esse prédio foi vendido a uma sociedade que posteriormente o submeteu a um processo de loteamento e, seguidamente, vendeu três dos lotes então constituídos aos autores ou antepossuidores destes, no caso dos 2ºs autores, tendo estes procedido à construção dos respectivos prédios urbanos.
Reconhecem, por outro lado, a existência no seu prédio de pinheiros e eucaliptos, mas afirmam que os mesmos lá se encontram desde tempos imemoriais, inclusive, há mais de 150 anos, e apesar de se tratar de árvores da família das mirtáceas, de origem Australiana, as mesmas estão já legalmente qualificadas como espécies indígenas, pelo facto de serem de germinação espontânea ou de rebentação e com populações auto-sustentadas durante várias décadas neste país, e não invasoras, sendo ainda os eucaliptos legalmente qualificados como espécies com interesse para a arborização, sem qualquer risco ecológico conhecido, fazendo os réus a limpeza periódica do terreno.
Responderam os autores, opondo-se à procedência da excepção da ilegitimidade invocada pelos réus e alegando ser falso que as árvores em questão nos autos tenham a idade indicada pelos réus que, além de eucaliptos, também têm plantado pinheiros.
Após convite aos autores para fazerem intervir nos autos como seus associados, os restantes herdeiros de Manuel… , vieram aqueles deduzir o incidente de intervenção provocada de Abílio… e Emília… .
Admitida a requerida intervenção, vieram os chamados fazer seus os articulados apresentados pela 3ª autora.
Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória.
Instruído o processo, teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida a decisão de fls. 353 a 358 sobre a matéria de facto controvertida.
Proferida a sentença, foi a acção julgada improcedente e absolvidos os réus do pedido.
Inconformados com o assim decidido, interpuseram os autores o presente recurso de apelação (a que foi fixado efeito meramente devolutivo) cuja motivação culminaram com as seguintes conclusões:
(…)

Contra-alegaram os réus, rebatendo os argumentos dos recorrentes e concluindo pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), coloca como questões decidendas:
- limitação ao direito de propriedade;
- abuso do direito;
- colisão de direitos.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
A) Os primeiros AA. José e Rosa são donos e possuidores do prédio urbano denominado por Lote n.º 2 (parcela de terreno com 520 m²), composto por habitação e logradouro, sito na Rua da Bela Vista (anteriormente, Lugar de Moreiro), a confrontar do Norte com o Lote n.º 1, do Sul com o Lote n.º 3, de Nascente com os RR. e do Poente com a Rua da Bela Vista, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00044/141085 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 1049, conforme demonstra com certidão predial junta aos autos como documento n.º 1 [al. A) da matéria assente].
B) Os segundos AA. Adriano e Ana são donos e possuidores do prédio urbano denominado por Lote n.º 3 (parcela de terreno com 410 m²), composto por habitação e logradouro, sito na Rua da Bela Vista (anteriormente, Lugar de Moreiro), a confrontar do Norte com o Lote n.º 2, do Sul com o Lote n.º 4, de Nascente com os RR. e do Poente com a Rua da Bela Vista, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00045/141085 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 836, conforme demonstra com certidão predial junta aos autos como documento n.º 1 [al. B)].
C) A terceira A. Maria é a cabeça de casal por óbito do seu marido Manuel… , sendo a herança deixada em comum e sem determinação de parte ou direito a dona e legítima possuidora do prédio urbano denominado por Lote n.º 4 (parcela de terreno com 370 m²), composto por habitação e logradouro, sito na Rua da Bela Vista (anteriormente, Lugar de Moreiro), a confrontar do Norte com o Lote n.º 3, do Sul com o Lote n.º 5, de Nascente com os RR. e do Poente com a Rua da Bela Vista, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00177/060789 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 777, conforme demonstra com certidão predial junta aos autos como documento n.º 1 [al. C)].
D) Os RR. são donos e legítimos possuidores dum terreno confinante com cada um dos três prédios supra descritos [al. D)].
E) No terreno dos RR. existem pinheiros e eucaliptos [al. E)].
F) Os RR. são donos e possuidores das árvores referidas em E) [al. F)].
G) Os RR. têm plantados no prédio referido em D) dezenas de eucaliptos e outras árvores de grande porte, nomeadamente, pinheiros [resposta ao art. 1º da base instrutória].
H) As árvores referidas em E) e F) estão plantadas em várias fileiras, sendo que as mais próximas dos prédios dos AA. estão a uma distância inferior a 5 metros de cada um dos muros que divide os prédios dos AA. e o dos RR. [resp. ao art. 2º].
I) O referido muro – que delimita o logradouro dos Lotes – encontra-se a poucos metros de cada uma das casas de habitação dos AA. [resp. ao art. 3º].
J) Os eucaliptos sujam constantemente o telhado de cada uma das casas dos AA. e o chão com folhas, ramos e detritos vários, deterioram a pintura dos muros e das casas, entopem as caleiras [resp. ao art. 7º].
K) Existem ramos e folhas das árvores dos RR. que cobrem parcialmente as casas dos AA. [resp. ao art. 8º].
L) Das árvores dos RR. caem nas habitações dos AA. folhas, ramos e até pinhas [resp. ao art. 9º].
M) As folhas, ramos e outros detritos - das árvores dos RR. – que caem em cada um dos telhados das habitações dos AA., entopem as caleiras de escoamento das águas das chuvas [resp. ao art. 12º].
N) Apesar de muito e repetidamente instado, os RR. não cortaram nem querem cortar tais árvores [resp. ao art. 23º].
O) Os pedidos de licenciamento dos lotes nºs 2, 3 e 4, deram entrada nos serviços da CMG em 05.02.1999; 20.05.1984 e 29.01.1981 [resp. ao art. 26º].
P) Até 10/07/1984 tais prédios compunham um único prédio rústico constituído pelos terrenos de mato e floresta denominados “Bouça da Vinha”, “Sorte de Mato do Pinheiral”, “Sorte de Mato das Vinhas” e “Sorte de Mato do Moreira de Lá”, prédio esse que pertencia a Fernando… e confrontava de Nascente com o prédio do RR. [resp. ao art. 27º].
Q) Em 10/07/1984 o mesmo prédio, ainda como rústico, foi vendido, pelo respectivo proprietário, à sociedade Carlos… , Lda. que, por seu turno, o submeteu a um processo de loteamento e, posteriormente, vendeu 3 dos lotes então constituídos aos AA. ou antepossuidores destes no caso dos 2ºs AA. [resp. ao art. 28º].
R) O terreno de mato e floresta identificado em D), já existia como tal em 10/07/1984 [resp. ao art. 29º].
S) Algumas árvores em causa encontram-se no terreno dos RR. desde há quarenta anos [resp. ao art. 30º].
T) Alguns dos eucaliptos existentes no terreno dos RR. são de germinação espontânea ou de rebentação [resp. ao art. 31º].
U) Os RR. limpam a mata com tractor com regularidade não apurada [resp. ao art. 32º].

B) O DIREITO
Da limitação ao direito de propriedade
O direito de propriedade tem assento constitucional – art. 62º - aí se consagrando o direito à propriedade privada e a sua transmissibilidade inter vivos ou mortis causa.
Por sua vez, “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas.” (art. 1305º do CC).
O direito de propriedade não é, pois, um direito absoluto, já que a lei prevê situações em que é necessário impor limites ao seu exercício.
A par das limitações de interesse público de que sobressai, desde logo, a expropriação (art. 62º, nº 2, da Constituição, Código das Expropriações e 1310º do Código Civil), sofre também o direito de propriedade de limitações de interesse particular.
Neste âmbito, e para o que aqui nos interessa, importa ter presente o disposto no art. 1366º do CC, o qual permite ao proprietário a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do seu prédio, sendo, porém, permitido ao dono do prédio vizinho arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e tronco ou ramos que sobre ele propenderem, caso o dono da árvores, solicitado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentre de três dias.
No caso em apreço pretendem os autores que os réus procedam à limpeza de uma faixa exterior de protecção de largura mínima não inferior a 100 metros a contar dos muros de vedação das habitações e logradouros dos autores ou, caso assim não se entenda, de 30 metros a contar dos muros de vedação para os eucaliptos.
Será que a proximidade dos eucaliptos e pinheiros dos prédios dos autores lhes confere o direito de exigirem aos réus a referida limpeza?
Face ao que dispõe o art. 1366º do CC a resposta só pode ser negativa.
De acordo com o disposto neste preceito, apenas seria permitido aos autores arrancar e cortar as raízes que se tivessem introduzido nos respectivos terrenos e o tronco ou ramos que sobre eles propendessem, caso estes, notificados judicial ou extrajudicialmente, não o fizessem no prazo de três dias.
Em virtude da faculdade que a lei confere ao proprietário lesado de corte dos ramos, não seria sequer lícito impor aos réus, donos do prédio onde crescem as árvores, o pagamento de qualquer indemnização (cfr., neste sentido, o Acórdão desta Relação de 19.11.2009, proc. 2194/07.5TBFAF.G1, in www.dgsi.pt).
Ora, apesar de ser lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios, isso “(...) não prejudica as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias ou outras árvores igualmente nocivas nas proximidades de (...) prédios urbanos (...)” [nº 2 do art. 1366º do CC].
Constitui uma dessas restrições aos direitos do proprietário o disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 28.039 de 14/09/1937, considerando que esta norma define quais as árvores (eucaliptos, acácias da espécie dealbata e ailantos) cuja plantação ou sementeira, a menos de 30 metros de muros e de prédios urbanos pertencentes a outrem, é proibida para aquele, sabendo-se que “não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade (...) senão nos casos previstos na lei (...)” – [art. 1306º nº 1, do CC].
Refere o artigo 2º do mencionado Decreto-Lei, que “As plantações ou sementeiras feitas em contravenção do disposto no artigo anterior e § único do artigo 5º do Decreto nº 13.658, de 20 de Maio de 1927, poderão ser arrancadas a requerimento dos interessados (...)”.
Sobre esta matéria escreveu-se o seguinte no Acórdão desta Relação de 22.03.2006, processo 2479/05-1, in www.dgsi.pt:
Resulta dos referidos preceitos que só é proibida a plantação ou sementeira de eucaliptos nas distâncias indicadas, em relação a prédios urbanos ou a terrenos cultivados, quando esses terrenos obedeçam já aos requisitos em que se baseia a proibição.
E esta reporta-se ao acto de plantação ou sementeira e não à existência de eucaliptos, conforme se decidiu no Ac. do S.T.A. de 25/3/1971 (Acs. Douts. 114.º, pág. 869). Assim, se tal proibição não foi violada, ou seja, se a plantação ou sementeira no prédio dos RR. se fez quando o prédio dos AA. ainda não era urbano ou agricultado, não pode impor-se com base naquelas normas, o arrancamento dos eucaliptos e acácias (Acs. do S.T.A. de 25/3/71 já citado e 8/XI/84, in Acs. Douts. 284/285.º, pág. 907) (…)”.
Ora, como resultou provado, os prédios urbanos dos autores foram construídos após 10.07.1984 (alíneas P) e Q) dos factos provados), já que até àquela data tais prédios constituíam um único prédio rústico constituído pelos terrenos de mato e floresta [al. P) dos factos provados].
Foi nessa data, em 10.07.1984 que esse mesmo prédio, ainda como rústico, foi vendido pelo respectivo proprietário, à sociedade Carlos Penafort, Lda. que, por sua vez, o submeteu a um processo de loteamento e, posteriormente, vendeu 3 dos lotes então constituídos aos autores ou antepossuidores destes no caso dos 2ºs autores [al. Q) dos factos provados].
Ademais, algumas daquelas árvores estão há quarenta anos no terreno dos réus [al. S) dos factos provados].
Não se provou, pois, a violação por parte dos autores das disposições legais citadas.
O mesmo se diga, aliás, relativamente às medidas e acções estabelecidas no Decreto-lei nº 124/2006, de 28 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 1772009, de 14 de Janeiro, a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta, como bem se demonstrou na sentença recorrida.
Assim, antes da Câmara Municipal executar os trabalhos de limpeza a expensas do proprietário do terreno florestal, existe um processo administrativo que é preciso observar, sendo que quaisquer medidas ou acções a tomar no âmbito da defesa da floresta teriam de ser objecto de um dos planos de defesa desta contra incêndios referidos nos arts. 7º a 11º do Decreto-lei 124/2006, o que não se mostra que tenha sucedido.

Do abuso de direito
Entendem os Réus que o caso dos autos configura uma situação de abuso do direito, “(…) atendendo a que manutenção da situação e a possibilidade de plantação dos eucaliptos e dos pinheiros, apesar de inicialmente legitimada por lei, é no entanto, no caso concreto abusiva, (…)”.
Nos termos do art. 334º do CC, o abuso de direito ocorre apenas quando o respectivo titular o exerce excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo respectivo fim social ou económico.
Daí se infere, por isso, que o exercício de um direito só poderá taxar-se de abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou, o mesmo é dizer, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pág. 299; Vaz Serra, Abuso de Direito, in BMJ nº 85, pág. 253).
Prevê o citado art. 334°, sobremaneira, a boa fé objectiva: "não versa sobre factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem. Nessa qualidade, concorre com outros elementos normativos, na previsão legal dos actos abusivos: o sujeito exerce um direito - move-se dentro de uma permissão normativa de aproveitamento específico - o que, já por si, implica a incidência de realidades normativas e deve, além disso, observar limites impostos pelos três factores acima isolados, dos quais um a boa fé (os demais serão os bons costumes e o fim social e económico do direito). O sentido desta implica a determinação do conjunto" (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Coimbra 1984, pág. 662.
E assenta, essencialmente, no princípio (cláusula geral) de que "as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros" (Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Coimbra, 1983, pág. 55).
Princípio esse que reside no pressuposto ético-jurídico fundamental de que "a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Assim tem de ser, pois poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica)" – cfr. Batista Machado, Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium, in Obras Dispersas, vol. I, Braga, 1991, pág. 352.
Consequentemente, o abuso de direito supõe a existência de um lesado pelo respectivo exercício, tendo este o poder de exigir que o exercício do direito se exerça com moderação, equilíbrio, lógica e racionalidade, mas não o de requerer que o direito não seja reconhecido (Acs. do STJ de 29.06.1989, in BMJ nº 388, pág. 250, e de 29.01.2004, Proc. 03B3986, acessível in www.dgsi.pt).
Ora, na matéria de facto apurada não se surpreende qualquer comportamento abusivo por parte dos réus, não integrando esse comportamento a recusa destes em cortar as árvores do seu terreno cujas folhas, ramos e detritos sujam constantemente o telhado das casas dos autores e o chão, deterioram a pintura dos muros e das casas e entopem as caleiras, sabendo-se que o terreno de mato e floresta dos réus existia já como tal em data anterior aos pedidos de licenciamento dos lotes onde foram construídas as casas dos autores, a que acresce o facto desses lotes comporem anteriormente um único prédio rústico constituído por terrenos de mato e floresta.
Acresce que nenhum proprietário pode ser obrigado a alienar o que lhe pertence por isso ser mais vantajoso do ponto de vista económico, não colhendo assim o argumento invocado pelos recorrentes de que “os ciclos de corte devem ser efectuados entre os 10 e os 15 anos de idade de cada uma das árvores” tendo em vista uma maior rentabilidade.
Entendemos, pois, que o comportamento dos réus não é merecedor de qualquer censura ético-jurídica subjacente ao abuso de direito.

Da colisão de direitos
Resta, por último, equacionar se no caso se verificam os requisitos da aplicabilidade do instituto da colisão de direitos, ou seja, entre o direito de propriedade dos autores, traduzido em poderem viver tranquilamente sem verem os telhados e o chão das suas casas e que chegam mesmo a entupir as caleiras de escoamento das águas das chuvas, por contraponto ao direito de propriedade dos réus traduzido no interesse destes em manterem as árvores no seu terreno.
Nos termos do disposto no artigo 335º, nº 1, do CC, “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”.
“Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior” (nº 2 do mesmo artigo).
Sustentam os recorrentes que o seu direito “ao sossego, tranquilidade e bem-estar, à sua integridade física (…) e até o seu direito de propriedade”, deve prevalecer sobre o direito dos réus.
Esquecem, porém, os recorrentes/autores que no caso em apreço existem normas legais que resolvem o conflito no exercício dos dois direitos em causa. De um lado, temos a licitude do eucaliptal dos réus derivado do não preenchimento da previsão proibitiva do artigo 1º Decreto-Lei 28.039. De outro lado, temos a permissão do nº 1 do art. 1366º do CC que confere uma solução ao titular do prédio vizinho daquele onde existe a plantação e que lhe permite reagir contra a invasão aérea de troncos e ramos.
Nestas circunstâncias, “seja por existirem normas preventivas que obstam à verificação de um conflito de direitos, seja por não se verificar efectivamente uma impossibilidade de exercício simultâneo dos dois direitos de propriedade em confronto não se preenche a figura da colisão de direitos, não havendo por isso lugar à aplicação da terapêutica prevista legalmente para tais casos” (Acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011, processo 3018/08.1TBFIG.C1, in www.dgsi.pt).
Improcedem, em conformidade, todas as conclusões do recurso.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
I - O direito de propriedade não é um direito absoluto, podendo o seu exercício sofre limitações de ordem pública ou particular, estando neste último caso a situação prevista no art. 1366º, nº 1, do CC, que permite ao proprietário a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do seu prédio, conferindo, porém, ao dono do prédio vizinho a faculdade de arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e tronco ou ramos que sobre ele propenderem, caso o dono da árvores, solicitado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentre de três dias.
II - Não constitui abuso do direito a recusa dos réus em cortar as árvores do seu prédio que confina com os dos réus, apesar das folhas, ramos e detritos das mesmas sujarem constantemente o telhado de cada uma das casas dos autores e o chão, deteriorarem a pintura dos muros e das casas e entupirem as caleiras, sabendo-se que o prédio dos réus - um terreno de mato e floresta -, existia já como tal em data anterior aos pedidos de licenciamento dos lotes onde os autores construíram as casas, acrescendo o facto dos prédios loteados comporem anteriormente um único prédio rústico constituído por terrenos de mato e floresta.
III – Não se verifica colisão de direitos de propriedade a resolver com recurso ao instituto da colisão de direitos previsto no art. 3335º do Código Civil sempre que existam normas preventivas do conflito entre esses direitos, ou que definam regras próprias para solucionar esse mesmo conflito.

IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
*
Guimarães, 15 de Setembro de 2011

Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade