Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1026/05-2
Relator: MIGUEZ GARCIA
Descritores: OFENSAS AO BOM NOME
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Sendo comum a outros ordenamentos próximos do nosso, de as pessoas colectivas serem sujeitos passivos de crimes contra a honra, e reconhecendo que no artigo 187º, nº 1, não é a honra, enquanto interesse essencialmente intrínseco e inerente à dignidade da pessoa, mas antes a credibilidade, o prestígio e a confiança que aí se tutelam, não pode deixar de se seguir a doutrina do Prof. Faria Costa que explica esta protecção específica por uma especial característica do ofendido que exerce autoridade pública, até porque de outra maneira se estaria a proteger mais intensamente uma qualquer pessoa colectiva do que uma pessoa singular, com o que se cairia num regime legal ofensivo da imposição constitucional de inexistência de desigualdades não justificadas pela especial natureza das coisas.
II – Por isso, o artigo 187º, nº 1, ao contrário do sustentado pela assistente, não tem assim aplicação no presente caso, uma vez que a assistente é uma pessoa colectiva com fins lucrativos e que não exerce autoridade pública.
Decisão Texto Integral:
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães


Os presentes autos iniciaram-se com queixa de A e Ab, Limitada, contra C. D, E, F e G, por factos que o MP entendeu poderem ser assim resumidos: “No dia 24 de Junho de 2002, no âmbito de uma providência cautelar intentada contra a Ab, no 3º Juízo Cível de ---, os denunciados foram ouvidos como testemunhas e, sob juramento, mentiram acerca da situação económica dizendo que a mesma estava falida, que não pagava salários a empregados, tinha débitos na banca, já não tinha bens e património, querendo denegrir e enxovalhar o bom nome daquela e sabendo que tais factos não correspondiam à verdade”.
Terminado o inquérito, o MP determinou o arquivamento por crime de falsidade de testemunho, “nos termos do nº 1 do artigo 277º do CPP quanto aos arguidos C e D; e nos termos do nº 2 quanto aos arguidos E,F e G”. Mandou além disso que se notificasse a assistente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285º, nº 1, do CPP.
Vieram então A e Ab, entretanto constituídos assistentes, requerer a abertura da instrução quanto aos factos relacionados com o crime de falsidade de testemunho, deduzindo a Ab acusação particular e pedido de indemnização civil contra os indicados denunciados por crime do artigo 187º, nº 1, do Código Penal. O MP fez saber que não acompanhava a acusação particular deduzida pela Ab “por considerar que não se encontram reunidos os elementos subjectivos do tipo de crime imputado aos arguidos”. Os arguidos E, F e G requereram por sua vez a abertura da instrução.
Procedeu-se ao debate instrutório, após o que o despacho de fls. 333 e segs.
Reconhecendo que a assistente Ab tinha sido admitida como assistente mas só quanto aos crimes de natureza particular denunciados, no que toca aos factos susceptíveis de integrarem crime de testemunho falso do artigo 360º, nº 1, do Código Penal, entendeu não poder proceder a pretensão da mesma assistente ( O despacho de que agora tratamos nada diz relativamente ao outro assistente, que também requerera a abertura da instrução, pedido que lhe fora deferido, como se vê de fls. 267, primeira parte.) ‘por falta de legitimidade da ofendida em prosseguir os seus termos’, tendo-se nesse âmbito ‘declarado extinto o procedimento criminal’.
No mais, depois de apreciar os elementos probatórios recolhidos no inquérito, o JIC teve por indiciado que no dia 24 de Junho de 2002, os arguidos ---- foram ouvidos como testemunhas no âmbito de uma providência cautelar que correu termos no 3º Juízo Cível em que foi requerida a aqui assistente; que esses arguidos não disseram a verdade sobre a situação financeira da assistente, tendo referido que esta estava falida, não pagava os salários aos empregados, tinha débitos na banca, já não tinha bens e património. “No entanto, resulta também indiciado que estes arguidos disseram aquilo que ouviram dizer a terceiros, nunca tendo afirmado que tinham conhecimento directo dos factos”. “No caso dos autos”, escreve-se ainda no despacho, “nada existe quer permita concluir que os arguidos agiram sem aquele fundamento sério para, em boa fé, reputar verdadeiros os factos que propalaram — antes, em face da dívida de que a assistente era titular, disseram aquilo que ouviram dizer, designadamente, uns aos outros e nos cafés”. Conclui-se assim pela inexistência de indícios suficientes de que os arguidos tenham praticado o crime de ofensa a pessoa colectiva do artigo 187º, nº 1, do CP. Por conseguinte, não foram os arguidos pronunciados.
Vem interposto recurso pela Ab, considerando que o despacho recorrido não terá decidido bem quanto ao crime de falso testemunho. O arguido … apresentou os factos como tendo conhecimento directo, dizendo que o que ele sabia toda a gente sabia, e não que o tivesse sabido por esta; o arguido … sobre a situação da requerida depôs como se soubesse directamente sobre o que depunha; o 5º arguido: “até fui eu que avisei uma vez o doutor”; pelo que os arguidos em causa não só depuseram sobre factos falsos, como apresentaram os seus depoimentos como desses factos tendo conhecimento pessoal, apresentando inclusive razões de ciência para tal. Se se entendesse que eles não teriam “deposto”, pelo menos, pela forma descrita, teriam “dado informações”, o que seria o bastante para se encontrar configurada a prática, por eles, tanto do crime de falsidade de testemunho, como pelo menos os dois primeiros o crime de ofensa a pessoa colectiva do artigo 187º, nº 1, do CP. Indica como violados os artigos 68º, nº 1, alíneas a) e b), do CPP, e 360º, nº 1, e 187º, nº 1, do CP. Para a recorrente, deve revogar-se o despacho recorrido, face à possibilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada uma pena.
Na resposta, o MP tem por não violado o artigo 68º, nº 1, alínea a), do CPP, em ligação com o artigo 360º, nº 1, do CP, devendo o recurso ser rejeitado nesta parte por falta de interesse em agir. Quanto à não pronúncia pelo crime de ofensa a pessoa colectiva, é de parecer que deveria ter-se concluído antes pela não verificação do tipo de ilícito do artigo 187º, nº 1, do CP, uma vez que a assistente não exerce autoridade pública, e este elemento é essencial à aplicação do preceito. Nisso foi seguido pelas considerações do arguido …. Também o Ex.mo Procurador Geral Adjunto é de opinião que o recurso não merecerá provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Vê-se do despacho de fls. 124 que a admissão da Ab como assistente ficou expressamente circunscrita “aos crimes de natureza particular abstractamente indiciados”, dizendo-se igualmente que “relativamente ao crime público em discussão, o de falsidade de testemunho, o requerente não é titular de um interesse que a lei especialmente tenha visado proteger, não se verificando igualmente qualquer das circunstâncias a que aludem as alíneas b) e seguintes do nº 1 do artigo 68º do CPP.
Esse mesmo despacho não veio a ser impugnado, o que significa que transitou em julgado. Significa, por outro lado, que a Ab, não tendo, relativamente ao indicado crime do artigo 360º, nº 1, a qualidade de assistente, também não tem legitimidade para recorrer, por nessa parte não haver decisão contra ela proferida (artigo 401º, nº 1, alínea b), do CPP).

O recurso fica assim limitado a saber se quanto aos arguidos … e… o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que os pronuncie pela prática do crime de ofensa a pessoa colectiva do artigo 187º do CP.
Segundo esta disposição incriminatória, quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. Vem, na ordem sistemática, entre os crimes contra a honra. Nestes não se põem em geral problemas na definição do sujeito activo, podendo ser qualquer pessoa. Os problemas surgem quanto ao sujeito passivo, discutindo-se, por exemplo, se as pessoas jurídicas ou colectivas (universitates personarum) podem ser ofendidas pelos delitos em questão. Na Itália, sujeito passivo da injúria ou da difamação “pode ser uma sociedade ou uma pessoa jurídica”. Na Alemanha discute-se se as pessoas jurídicas são susceptíveis de ofensa à honra, mas a opinião maioritária admite-o enquanto desenvolvam uma função social juridicamente reconhecida e possam formar um querer unitário, como será, inclusivamente, o caso dos partidos políticos, dos sindicatos, das câmaras do comércio e indústria, a Cruz Vermelha, as faculdades e as associações religiosas. Em Espanha tem-se ultimamente decidido que o significado do direito à honra não pode nem deve excluir as pessoas jurídicas do seu âmbito de protecção. Na Suíça, a questão da protecção da honra das colectividades é discutida na doutrina, sendo a maioria dos autores no entanto de opinião que não basta limitar a protecção penal às pessoas físicas, já que há inúmeras formas associativas que na sociedade moderna desempenham um papel cada vez mais relevante ( Sobre estes aspectos, veja-se sucessivamente Luigi Delpini, Diritto penale, parte speciale, 1998, pág. 785; J. Wessels, Strafrecht BT-1, 17ª, ed., pág. 98; Bajo Fernández, Compendio de derecho penal (parte especial), vol. II, pág. 266; e José Hurtado Pozo, Droit pénal, partie spécial II, pág. 19.).
Entre nós, e como se constata das Actas da Comissão Revisora do Código Penal (Parte Especial), o projectado artigo 183º, sobre ofensas de pessoas colectivas, dispunha que quem afirmar ou propalar factos falsos, sem ter fundamento sério para, em boa fé, os reputar como verdadeiros, capazes de ofenderem o crédito ou a confiança que uma pessoa colectiva ou fundação merece do público, será punido com prisão até seis meses e multa até cinquenta dias. As Actas (pág. 102) revelam ainda que o Autor do Anteprojecto começou por referir a discussão que se tem travado na doutrina sobre se as pessoas colectivas podem ser sujeito passivo do crime de difamação, mas o facto é que “estas podem ser sempre detentoras de crédito e de confiança junto do público e estes valores devem ser criminalmente protegidos contra imputações de factos falsos que os ponham em causa”.
A redacção actual do artigo 187º, nº 1, não se limita, como se viu, a referir a pessoa colectiva; por outro lado, fala-se agora em credibilidade, prestígio e confiança. A introdução deste artigo, levada a efeito pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, teve a precedê-la os esclarecimentos do Prof. Figueiredo Dias que sublinhava não ter ele por base a ideia errada de que os artigos anteriores não cobrem as pessoas colectivas, não possíveis de titular o bem jurídico protegido pela difamação ou injúria. O objectivo deste artigo é diferente: “é criminalizar acções (os rumores), não atentatórias da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria”. Também o Prof. Figueiredo Dias teve ocasião de salientar que neste artigo se protege algo mais (ou algo de diferente) do que a honra, cobre-se também a informação falsa, por exemplo, de interesse patrimonial: determinado bem, produzido pela fábrica A, tem defeito e não funciona passado um ano (Actas e Projecto da Comissão de Revisão, 1993, págs. 279 e 504). A incriminação, contudo, não se assemelha às infracções contra o património em geral. De um modo especial, não tem na sua base comportamentos como os previstos por exemplo no artigo 152 do CP suíço, tido como um dos instrumentos de luta contra a criminalidade económica, em que o autor dá informações sobre empresas, por si ou por interposta pessoa, que têm de ser falsas e suficientemente importantes para determinar o destinatário a dispor do seu património de maneira prejudicial aos seus próprios interesses pecuniários. Por exemplo, quando da aquisição ou da subscrição de acções ou quando um dos sócios pode ser levado a vender a sua participação numa sociedade, cuja situação financeira lhe foi descrita mais favoravelmente do que ela é na realidade ( Cf. José Hurtado Pozo, Drot pénal, partie spécial I, 3ª ed., pág. 313.). Nestes casos, o destinatário da informação é quem corre o risco de uma operação financeira mal sucedida.

O MP, de algum modo em contraste com os fundamentos do despacho de arquivamento pronunciado logo após o encerramento do inquérito, e com a indicada intervenção do Prof. Figueiredo Dias — onde se sugere que o requisito “exercício de autoridade pública” se não refere a todos os agrupamentos descritos no artigo 187º, nº 1, mas que será de exigir apenas quanto a alguns, como sejam os organismos ou serviços — alinhou considerações em torno deste artigo 187º, nº 1, que em seu entender apela à necessidade de as entidades referidas exercerem autoridade pública ou seja, ‘poderes de imperium’, e esse não será o caso da assistente, que é uma sociedade comercial.
Trata-se de ideia com raízes em considerações doutrinárias do Prof. Faria Costa, por ex., na RLJ nºs 3927 e 3928, pág. 183. Escreve com efeito o ilustre Professor que “proteger — proteger penalmente — a credibilidade, o prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva quando ela não exerça autoridade pública e quando se sabe que essa mesma pessoa colectiva pode ser vítima de uma difamação ou injúria seria um alargamento a todos os títulos injustificado e insustentável. Pensar-se assim ou ajuizar-se desta forma seria dar maior protecção à pessoa colectiva do que à pessoa individual”.
O exercício da autoridade pública é nessa perspectiva um elemento condicionante para todas as entidades que o tipo descreve.
Também nos parece, em sintonia com o acórdão da Relação de Coimbra CJ 2000, tomo I, pág. 44, que “mais do que desenvolver argumentação fundada na letra da lei, de algum modo compatível com ambos os entendimentos, interessa atentar nos interesses em jogo para daí aferir a razoabilidade das soluções legais”. Ora, partindo da aceitação generalizada da possibilidade, que como vimos, é comum a outros ordenamentos próximos do nosso, de as pessoas colectivas serem sujeitos passivos de crimes contra a honra, e reconhecendo que no artigo 187º, nº 1, não é a honra, enquanto interesse essencialmente intrínseco e inerente à dignidade da pessoa, mas antes a credibilidade, o prestígio e a confiança que aí se tutelam, não pode deixar de se seguir a doutrina do Prof. Faria Costa que explica esta protecção específica por uma especial característica do ofendido que exerce autoridade pública, até porque de outra maneira se estaria a proteger mais intensamente uma qualquer pessoa colectiva do que uma pessoa singular, com o que se cairia num regime legal ofensivo da imposição constitucional de inexistência de desigualdades não justificadas pela especial natureza das coisas. Como se sustenta no citado acórdão, “se é certo que a concessão, a toda e qualquer pessoa colectiva, da protecção derivada do artigo 187º a beneficiaria em relação às pessoas singulares, desprovidas da protecção a interesses que, limitando-se à credibilidade, prestígio e confiança, não integram a sua honra e consideração — o que constituiria desigualdade não fundada em diferença relevante e, por isso, ofensiva do artigo 13º da Constituição — já parece haver fundamento para essa desigualdade se ela for estabelecida em favor de entidades que exerçam autoridade pública. Não se lhe opondo assim aquele princípio constitucional, a interpretação defendida por Faria Costa para esse artigo 187º dá-lhe o âmbito constitucionalmente permitido”. Por outro lado, sabendo-se que a ‘participação’ é o modo de uma autoridade, em certos crimes, conferir legitimidade à intervenção do MP, como se extrai dos artigos 49º, nº 4, e 53º, nº 2, alínea a), do CPP, nada de efectivamente relevante deriva do nº 1 do artigo 188º do CP, donde consta a menção simultânea à queixa e à participação, se se aceitar, no indicado contexto, que o que aí se refere à queixa terá de ser havido por não escrito, por ser impossível verificar-se essa alternativa.
O artigo 187º, nº 1, ao contrário do sustentado pela assistente Ab, não tem assim aplicação no presente caso, uma vez que a assistente é uma pessoa colectiva com fins lucrativos e que não exerce autoridade pública.
Note-se ademais que a lei civil, especialmente no artigo 484º CC, é expressa em afirmar a possibilidade de lesão do crédito ou do bom nome de quaisquer pessoas, singulares ou colectivas. Trata-se também aqui de uma das vertentes do bem jurídico honra, bem da personalidade e imaterial, como é geralmente reconhecido ( Veja-se, por ex., Maria Paula Gouveia de Andrade, Da ofensa do crédito e do bom nome — Contributo para o estudo do art. 484º do Código Civil.).
Nesta perspectiva, estava pois fora de questão pronunciar qualquer dos arguidos pelo crime do artigo 187º, nº 1, do CP, como vinha sendo pretensão da recorrente.

Como quer que seja, e partindo do princípio de que a tese contrária à que aqui se defende deve ter ganho de causa, que também as sociedades comerciais gozam da tutela conferida pelo artigo 187º, nº 1, parece-nos que, ainda assim, a razão se encontra do lado do despacho recorrido. Nele foram analisados os elementos probatórios obtidos na fase do inquérito, tendo o JIC como indiciado que os arguidos “disseram aquilo que ouviram dizer a terceiros, nunca tendo afirmado que tinham conhecimento directo dos factos”. No recurso opõe-se-lhe que “os arguidos em causa não só depuseram sobre factos falsos, como apresentaram os seus depoimentos como desses factos tendo conhecimento pessoal, apresentando inclusive, razões de ciência para tal”. E mais: se se entendesse que eles não teriam “deposto”, pelo menos pela forma descrita, teriam “dado informações”.
Ora, do depoimento de Maria de F..., o que se retira de útil é que em determinada altura “a Ab começou a ouvir calúnias sobre a situação financeira e imagem da empresa que não correspondia à realidade”; e que tais calúnias vinham da parte de Dias & ...o, sem que nisso apareça envolvida a pessoa de qualquer dos arguidos. Nos depoimentos seguintes, de Maria de F..., Maria G..., Maria de Fátima..., Ana da C... e João C... nada se retira que implique as pessoas dos mesmos arguidos.
Para apreciação ficam assim as declarações de Luís A... e Álvaro J.... Este, ouvido a fls. 45, confirmou ter sido testemunha na providência cautelar e que “teve conhecimento da situação financeira difícil da Ab por conversas tidas com o Carlos A...s e com o José A...”. O arguido Luís A..., ouvido a fls. 78, confirmou o depoimento prestado na providência cautelar e que teve “conhecimento público” da situação da Ab e inclusive de conversas com “arguidos nestes autos”. Nos autos há referências aos suportes de registos magnetofónicos com os depoimentos das testemunhas, e à sua audição. A própria motivação de recurso reporta-se, em boa medida, a esses mesmos depoimentos, transcrevendo passagens dos mesmos, que não podemos deixar de analisar. Já fls. 130, a ilustrar o despacho de arquivamento do MP, se vêem referências a tais depoimentos: “o arguido Àlvaro começou por dizer não ter conhecimento de causa efectivo’ dos factos, sendo que só depois de fazer tal ressalva relatou o que, segundo ele, tinha ‘ouvido dizer’; o arguido Luís Alberto também se limitou a afirmar que ‘toda a gente sabe em Barcelos’ e ‘consta’ que a Ab não paga aos funcionários, tem dívidas à banca e a fornecedores e está tecnicamente falida, nunca tendo afirmado que tais factos fossem do seu directo conhecimento e nunca tendo concretizado a sua razão de ciênci+a”.
Na parte expositiva da sua minuta, a recorrente alarga ainda mais as suas razões, chamando a atenção para o seguinte: o arguido Luís Alberto “não disse que sabia por essa toda a gente”, antes apresentou tais factos como deles tendo conhecimento directo. Todavia, lendo bem o que consta de fls. 347 verso e no primeiro parágrafo de fls. 348, ainda assim não pode deixar de se associar as afirmações produzidas ao que era a voz de ‘toda a gente’. Quanto ao depoimento do arguido Álvaro, a própria recorrente admite ter o mesmo advertido que não tinha ‘conhecimento de causa efectivo’. E embora numa leitura desligada se possa retirar a impressão de que o mesmo depôs ‘como se soubesse directamente’, a verdade é que não se pode deixar de associar o prosseguimento do depoimento a essa inicial advertência, tanto mais que este mesmo arguido, quando ouvido nos presentes autos, acentuou que “teve conhecimento da situação financeira difícil da Ab por conversas tidas com o Carlos Alberto Dias e com o José Alberto Costa Miranda”, sendo também certo que o teor das mesmas não foi revelado nem a origem do eventual conhecimento desses dois interlocutores. Mesmo quando deste arguido se diz que ele se remete a uma opinião pessoal e profissional, ou que adianta dados concretos, como se pode retirar do que a fls. 348 se escreve, ainda assim, e no contexto das declarações prestadas na providência cautelar, não é lícito esquecer que o depoente só dispõe da sua própria vivência para dizer o que sobre o tema probatório esta lhe oferece. Para ele, a falsidade da declaração só pode depender da circunstância de o respectivo conteúdo contradizer o seu próprio saber. Ora, quanto à origem deste, os dados que objectivamente se nos apresentam não levam à conclusão de ter o arguido deposto ‘como se soubesse directamente’.
Resta-nos acentuar que encerrado o debate instrutório o juiz, no caso de terem sido recolhidos indícios suficientes sobre a verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, profere despacho de pronúncia, sendo que, no caso contrário, haverá de emitir um julgado de não pronúncia (artigos 307° e 308°). “Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que foi cometido o crime pelo arguido. Esta possibilidade é uma possibilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido” ( Germano Marques da Silva, Curso III, p. 179.). Para que o facto seja submetido a julgamento exige a norma que da prova recolhida resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança (artigo 283º, nº 2).
Analisando as razões trazidas pela recorrente, fica mesmo assim a ideia de que o juízo de prognose realizado no final do debate instrutório é correcto e que da prova recolhida não resulta uma possibilidade razoável de a qualquer dos indicados arguidos vir a ser aplicada uma pena.

Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso de Ab -— Importação e Exportação de Vestuário, Limitada.

A cargo da recorrente fixa-se a taxa de justiça normal para os recursos na Relação.

Guimarães,