Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2479/05-1
Relator: PEREIRA DA ROCHA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
PRÉDIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE A APELAÇÃO INTERPOSTA PELOS AUTORES; JULGADA PROCEDENTE A APELAÇÃO INTERPOSTA PELOS REUS
Sumário: I. O n.º 1 do art. 1366.º do C. Civil nada mais reconhece ao dono do prédio senão o direito de arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, por si próprio e à sua própria custa, em vez de transferir o respectivo ónus para o dono das árvores ou arbustos.
II. Se à data da aquisição de um prédio rústico pelos AA. esse prédio não era um terreno cultivado ou murado, não foi violada a proibição de plantação ou sementeira de eucaliptos ou acácias a menos de 30 metros das extremas prédio em relação a árvores que nesse momento aí existiam. E nessas circunstâncias, nenhuma norma ou princípio geral de direito lhes confere o direito de impor o respectivo arrancamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

Francisco «« e Conceição «, residentes na Rua «««, propuseram contra A««« e B «««, residentes na Rua «««, a presente acção com processo comum sumário, pedindo a condenação dos a:
a) cortar a copa dos seus pinheiros que se estendem ou propendem sobre a propriedade dos AA.;
b)arrancar os eucaliptos e as austrálias existentes na sua propriedade e que distam menos de 30 m da propriedade dos AA.;
c) fazer limpeza e arrancar o mato e as silvas que crescem na sua propriedade e que passam para o lado da propriedade dos AA.;
d) indemnizar os AA. com a quantia de 500 euros por ano, desde 01/01/2000 até ao integral cumprimento dos pedidos referidos.
Alegam, em síntese, serem proprietários de um prédio urbano de rés-do-chão, anexos e quintal de lavradio, sito na morada do seu domicílio, que confronta do Norte, Nascente e Poente com um prédio dos RR., prédio este a bravio, com pinheiros, eucaliptos, austrálias e mato, encontrando-se os eucaliptos e as austrálias plantadas a menos de 30 mts da propriedade dos AA.; os RR. há muito não cortam os pinheiros, pinheiros, eucaliptos austrálias e silvas, permitindo que as suas copas se estendam para o espaço aéreo da propriedade dos AA., nem fazem a limpeza das silvas e do mato, pelo que caem no quintal folhas e faúlhas das referidas árvores e invadem-no raízes das mesmas, e cresce mato e silvas para o lado da propriedade dos AA., provocando danos.
Citados os RR. contestaram, excepcionado a sua ilegitimidade para acção, e impugnando, no essencial dizendo que os AA. podem, eles próprios, cortar as árvores em causa e que as mesmas já têm mais de 100 anos, existindo no local muito antes de os AA. terem adquirido o prédio. Concluem pela improcedência total da acção.
Os AA. responderam à excepção de ilegitimidade, pugnando pela sua improcedência.
No despacho saneador - sem organização da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória -,foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelos RR..
Efectuada inspecção ao local e realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova nela produzida, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando os RR. a proceder, sempre que tal se revele necessário, à limpeza do terreno descrito no facto 6.º da matéria de facto e a arrancar o mato e silvas que nele se encontrem, e absolvendo-os RR. quanto a todo o restante peticionado.
Inconformados com o decidido, interpuseram os RR. recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
l. A decisão recorrida na parte em que condena os réus "a proceder, sempre que tal se revele necessário, à limpeza do terreno descrito no facto 6.° da matéria de facto e a arrancar o mato e silvas que nele se encontrem, constitui uma condenação em quantidade superior à pedida pelos autores;
2. Com efeito, os autores, pediram apenas que os réus fossem condenados " a fazer a limpeza ou a cortar o mato e silvas que crescem na sua propriedade e que passam para o lado da propriedade dos AA., sendo aquele " e" uma locução conjuntiva (v. alínea c) do pedido), não tendo pedido que fossem os réus condenados a proceder, sempre que se revele necessário, à limpeza do seu prédio e a arrancar o mato e silvas que nele se encontrem;
3. O DL. N.° 156/2004, de 30/6 não tem qualquer aplicação ao prédio e ao caso dos autos, pois, conforme decorre dos seus artigos 1.° e 2.° tem por objecto " as medidas e acções a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra incêndios" e " a levar a cabo pelas entidades públicas com competências na defesa da floresta contra incêndios e entidades privadas com intervenção no sector florestal." :
4. O DL. 156/2004 também só tem aplicação em determinadas ZONAS de país e em períodos críticos, onde existam constituídas Comissões Municipais de Defesa da Floresta e onde exista um Plano de Defesa das Floresta (v. art. 16.° e 8.° do DL 156/2004 Cfr. o documento l junto com a petição inicial), não criando as respectivas normas obrigações de limpeza aos proprietários de prédios florestais, mas antes ás entidades que tenham a sua administração dentro daquele Sistema;
5. Ao decidir com fundamento legal nas normas do referido DL 156/2004 e ao condenar os RR. na limpeza, sempre que se revele necessário, dos matos e silvas que nasçam no seu prédio, o tribunal recorrido conheceu duma questão que não lhe foi colocada;
6. A decisão recorrida retira aos réus a possibilidade de beneficiar do disposto no referido artigo 1366.° do Código Civil, pois não lhes permite deixar nascer no seu prédio, espontaneamente, matos e silvas, nem lhes permite que deixem que tais matos e silvas invadam a propriedade dos autores, para que estes, após os notificar, procedam, no prazo de 3 dias, ao corte das partes que invadam a sua propriedade, sendo certo que o mato é um arbusto e a silva uma planta silvestre que dá fruto, sendo o mato e as silvas incluídas no universo das árvores e arbustos previstos no referido artigo 1366.° do C.C.;
7. A decisão recorrida decorre, no nosso entendimento, duma incorrecta interpretação do âmbito e do objecto do DL. n.° 156/2004, de 30/6, decorre duma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 1366.° do Código Civil, violando tal preceito legal, decorre ainda do facto do tribunal conhecer de questões que não lhe foram colocadas (risco de incêndio), constitui uma condenação em quantidade superior à que foi pedida pelos autores, tendo o tribunal " a quo" , consequentemente, incorrido, ao proferir a sentença em apreço, nas nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.° l, do artigo 668.° do Código Civil, que se argúem, constituindo finalmente tal aresto um erro de julgamento.
Igualmente inconformados com o decidido, apelaram também os AA. da sentença, formulando as seguintes conclusões:
a) O item 6° da decisão terá de ser alterado, dando-se como provado que os recorridos são donos e possuidores do prédio invocado no item 9° da petição, por força da doação feita em 1972, por conta da quota disponível; e da metade plena do mesmo prédio desde 25-10-1997 e da metade da raiz até 20-08-2003, data em que se tomaram legítimos proprietários e possuidores de tal prédio;
b) Dando como assente que as copas dos pinheiros cresceram e estenderam-se para o espaço do prédio dos recorrentes, impende sobre os seus donos o dever de as cortar, já que ao vizinho não é possível ou fácil fazê-lo, sem que tenha de invadir o prédio vizinho onde se inserem.
c) E verificando-se as situações a que se aludem os itens 11° e 15° da decisão, o tribunal não pode deixar de emitir decisão conforme foi pedido.
d) E que o artigo 1° de dec. Lei 28.039 de 14-09-1937, ao referir a plantação ou sementeira, tem um alcance completamente diferente e no sentido de não ser permitida a manutenção dessas situações ainda que para o caso o reclamante tenha de indemnizar.
e) É esta a interpretação dada pelo senso comum, e pela jurisprudência.
f) Por isso, a decisão violou o artigo 1366° do Cód. Proc. Civil e do n° l do Dec. Lei 28.039 de 14-09-1937.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1.º - Os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano de rés do chão, anexos, quintal e lavradio, denominado «««, omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz sob o art. «««.
2.º - Esse prédio foi adquirido por escritura pública de compra e venda, celebrado no dia 08/06/1977 a António««« e mulher.
3.º Os AA. construíram a casa com dinheiro próprio e sob as suas ordens, direcção e interesse.
4.º Há mais de 20 e mais anos vêm usufruindo o referido prédio, fazendo-o de forma contínua, com conhecimento de toda a gente, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja.
5.º Sempre os AA. cuidaram do referido prédio, nele fazendo obras, aí vivendo de noite e dia, criando animais e pagando os respectivos impostos.
6.º Pelo menos desde 31/05/2004 são os RR. possuidores de um prédio rústico, a bravio, com pinheiros, eucaliptos, austrálias e mato a confrontar - este dos RR. - do norte e do nascente com o prédio dos AA.;
7.º Os AA. possuem no seu prédio a casa de habitação de rés do chão, um anexo, árvores de fruto, onde durante o ano fazem plantio de várias culturas de natureza hortícola, plantas para a produção de flores, tendo já tido uma ramada;
8.º Os proprietários do prédio id. em 6.º, à data da propositura da acção, há muitos anos que não cortavam os pinheiros, eucaliptos, austrálias e silvas que espontaneamente se desenvolviam na sua propriedade;
9.º Algumas das copas dos pinheiros cresceram e estenderam-se para o espaço aéreo propriedade dos AA.;
10.º Os quais permitem a queda constante de folhas e das águas das chuvas quando chove;
11.º Existem eucaliptos e austrálias a menos de 30 metros da propriedade dos AA.;
12.º Numa das estremas da propriedade dos AA. existia uma ramada de videiras;
13.º E no quintal plantam nas respectivas épocas produtos hortícolas;
14.º As folhas e faúlhas das árvores caiem sobre a propriedade dos AA.;
14.º (bis) Essas folhas e faúlhas danificam as plantas e sementeiras e danificavam a ramada;
15.º As raízes dos eucaliptos e das austrálias invadem a propriedade dos AA.;
16.º Não sendo feita limpeza no prédio id. em 6.º o mato e as silvas crescem e caiem para o lado da propriedade dos AA. danificando a rede;
17.º E são um foco infeccioso onde se desenvolvem toda a espécie de animais (cobras, ratos, mosquitos e caracóis) que invadem a propriedade dos AA.;
18.º Os AA. já solicitaram aos RR. para removerem todas estas situações e também o fizeram por escrito, em 04/08/2000, 20/09/2000 e 21/09/2001, mas sempre sem êxito;
19.º As ramadas acabaram por não produzir uvas;
20.º O quintal acaba por não produzir artigos hortícolas que sempre plantaram;
21.º Os AA. têm de fazer limpeza à propriedade sobretudo das folhas e faúlhas que caiem e apodrecem;
22.º Os pinheiros existem há pelo menos 50 anos.
23.º Os pinheiros e eucaliptos já existiam antes da aquisição do prédio pelos AA..
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Face a tal matéria, cumpre apreciar, começando pelo recurso interposto pelos AA., de fls. 161, em função das respectivas conclusões, que delimitam o objecto do recurso (cfr. art.ºs 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC).
Insurgem-se, desde logo os apelantes AA. contra a decisão da matéria de facto quanto ao item 9.º da petição incial, sustentando dever dar-se como provado que "os RR. são donos e possuidores do prédio invocado nesse item, por força da doação feita em 1972, por conta da quota disponível; e da metade plena do mesmo prédio desde 25-10-1997 e da metade da raiz até 20-08-2003, data em que se tomaram legítimos proprietários e possuidores de tal prédio".
Nos termos do artigo 690.º-A, n.º 1, do CP Civil, o recorrente que impugne a decisão de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Devendo ainda, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, igualmente sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.
No caso vertente, muito embora a audiência de julgamento houvesse sido gravada, não consta da alegação dos apelantes AA. a menção a qualquer meio de prova que a Mma. Juiz houvesse apreciado no uso dos seus poderes de livre apreciação, de acordo com o princípio consagrado no n.º 1 do art.º 655.º do CPCivil, e que, na sua perspectiva determinasse decisão diversa da impugnada. E não tendo os AA. cumprido o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, imposto pelo citado artigo 690.º-A do CP Civil, terá a apreciação de tal questão de ficar restrita aos elementos de prova documental juntos aos autos que gozem de probatória plena quanto a tal matéria (art.º 376.º, n.º 1 e 2, do CCivil). Para tal, fornecem apenas os autos certidão de escritura de doação com reserva de usufruto feita pelos anteriores proprietários aos RR. em 29/8/1972, de fls. 30/42, e certidão extraída do processo de inventário n.º 1179/03.5TBEPS, por óbito dos doadores, constando das declarações de cabeça de casal que o doador pai faleceu em 25/10/1997 e que a doadora mãe faleceu em 20 de Agosto de 2003 (fls. 124/133v.º). Sendo certo que óbito dos doadores fazia extinguir o usufruto reservado pelos doadores, importava recolher elementos de prova quanto à data dos dois óbitos, para dar como assente que os RR. são donos da metade plena do prédio desde 25-10-1997 e da metade da raiz até 20-08-2003, data em que se tomaram legítimos proprietários e possuidores de tal prédio. Sucede, contudo, que, nos termos do artigo 4.º do Código do Registo Civil, a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios nele previstos, ou seja, por meio de certidão, boletim ou bilhete de identidade - artigo 211.º. De onde que, sendo o óbito facto sujeito a registo, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, al. j), do Código do Registo Civil, as declarações do cabeça de casal não são meio idóneo e não valem como meio de prova do óbito e respectiva data. Bem ajuizou, assim, a decisão recorrida ao dar apenas como provado que pelo menos desde 31/05/2004 os RR. são possuidores do prédio rústico em causa, improcedendo, como tal, a conclusão a) da alegação dos apelantes AA..
Pretendem ainda os mesmos apelantes que impende sobre os RR., enquanto donos dos pinheiros, o dever de cortar as copas dos pinheiros que cresceram e se estenderam para o espaço do prédio dos recorrentes AA.. Tratando-se de plantação lícita, de espécie não sujeita a restrições legais, ao dono do prédio vizinho só é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias, tal como dispõe a segunda parte do n.º1 do art. 1366.º do C. Civil. Contrapõem os AA. que, tendo as copas dos pinheiros crescido e estendido para o espaço aéreo propriedade dos RR., é evidente que os recorrentes não podem valer-se do direito que lhes assiste para cortarem as copas, por se tornar para tal necessário invadir a propriedade dos RR., dada a altura dos ramos ou as copas que propendem sobre o prédio dos recorrentes. Será assim? Nenhum dos factos considerados provados na decisão recorrida alude à impossibilidade do corte dos ramos ou copas por parte dos AA. ou à sua especial dificuldade, pelo menos em medida consideravelmente superior àquela que os RR. experimentariam, caso executassem eles próprios tais operações a partir do respectivo prédio. Em termos de senso comum, são conhecidos meios técnicos que as permitem executar a partir de qualquer ponto atravessado pela ramagem da árvore - escadas telescópicas autotransportadas ou plataformas elevatórias, entre outros. Poderá tratar-se de meios onerosos, mas nem isso permite subverter o comando legislativo formulado na segunda parte do n.º1 do art. 1366.º do C. Civil, que nada mais reconhece ao dono do prédio, senão o direito de arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem. Agindo por si próprio e à sua própria custa, em vez de transferir o respectivo ónus para o dono das árvores ou arbustos. Improcede, igualmente, a conclusão b) da alegação dos AA..
Sustentam ainda os AA. que a existência de eucaliptos e austrálias, ou as respectivas raízes, a menos de 30 metros ou que invadam a propriedade dos AA., é o bastante para o reconhecimento do pedido que formularam, do seu corte e arranque. Vejamos se assim é.
O Decreto n.º 13.658, de 20/5/1927, no § único do seu art.º 5.º proibiu a plantação de eucaliptos a menos de 20 metros de campos agricultados, quando entre estes e o local da plantação se não interpusesse estrada, rio, ribeiro, edifício ou no caso de os referidos terrenos de cultura se encontrarem a nível superior em 4 metros ao da base da plantação. Depois de algumas alterações introduzidas pelo Decreto n.º 16.953, de 8/6/1929, surgiu a Lei n.º 1.951, de 9/3/1937, que alargou a proibição às acácias e substituiu a multa pelo arrancamento como forma de reacção contra a plantação ilegal. Posteriormente, tal regime foi alterado pelo Dec-Lei n.º 28.039 e pelo Decreto n.º 28.040, os dois de 14 de Setembro de 1937. O art.º 1.º do DL. n.º 28.039 proibia a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, conhecida por acácia mimosa, a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos. No art.º 2.º do mesmo Decreto-Lei atribui-se competência à Câmara Municipal para ordenar o arrancamento de plantações ou sementeiras feitas em contravenção do disposto no art.º 1.º e do § único do art.º 5.º do Decreto n.º 13.658. E estatui-se no § único deste art.º 2.º que "quando se trate de plantações ou sementeiras feitas anteriormente à vigência da Lei n.º 1.951, de 9 de Março de 1937, e ao abrigo das disposições legais anteriores, é reconhecido ao lesado o direito de requerer o arrancamento, nos termos deste decreto, pagando, porém, a indemnização que for justa".
Resulta dos referidos preceitos que só é proibida a plantação ou sementeira de eucaliptos nas distâncias indicadas, em relação a prédios urbanos ou a terrenos cultivados, quando esses terrenos obedeçam já aos requisitos em que se baseia a proibição. E esta reporta-se ao acto de plantação ou sementeira e não à existência de eucaliptos, conforme se decidiu no Ac. do S.T.A. de 25/3/1971 (Acs. Douts. 114.º, pág. 869). Assim, se tal proibição não foi violada, ou seja, se a plantação ou sementeira no prédio dos RR. se fez quando o prédio dos AA. ainda não era urbano ou agricultado, não pode impor-se com base naquelas normas, o arrancamento dos eucaliptos e acácias (Acs. do S.T.A. de 25/3/71 já citado e 8/XI/84, in Acs. Douts. 284/285.º, pág. 907).
Ora, resulta da matéria de facto considerada provada que os AA. adquiriram por escritura pública de compra e venda, celebrada em 08/06/1977, o prédio urbano de rés do chão, anexos, quintal e lavradio, denominado Eirado, sito na Rua da Barrosa n.º1, Fão, omisso na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz sob o art. 1253, que era à data, um prédio rústico, conforme consta da escritura junta pelos AA., de fls. 8/11; nesse prédio construíram os AA a casa com dinheiro próprio (factos 1.º a 3.º); os AA possuem no dito prédio a casa de habitação de rés do chão, um anexo, árvores de fruto, onde durante o ano fazem plantio de várias culturas de natureza hortícola, plantas para a produção de flores, tendo já tido uma ramada (facto 7.º); por sua vez, os pinheiros existem há pelo menos 50 anos e os eucaliptos já existiam antes da aquisição do prédio pelos AA. (factos 22.º e 23.º). De toda a transcrita factualidade pode concluir-se que já a plantação de eucaliptos cujo arrancamento os AA. reclamam já existia anteriormente à aquisição do prédio pelos AA., época à qual o prédio era rústico. Sendo rústico, a proibição só existia relativamente a uma distância de 30 metros de nascentes, terras de cultura de regadio e muros. Ora, nada consta da matéria de facto quanto a tratar-se, à data da aquisição do prédio pelos AA., de terreno cultivado ou murado. Diversamente, as culturas a que aos AA. aludem são todas realizadas por eles. A ser assim, nada existe de que decorra que a proibição tivesse sido violada, ou seja, que a plantação ou sementeira do prédio dos RR. se tivesse feito quando no prédio dos AA. já existiam aquelas culturas. Pode perfeitamente ter ocorrido que os AA. decidissem edificar e cultivar em terreno em cujo já existissem eucaliptos plantados a menos de 30 metros das respectivas extremas. E nessas circunstâncias, nenhuma norma ou princípio geral de direito lhes confere o direito de impor o arrancamento.
Do exposto decorre a improcedência das conclusões c) a f), ainda que com fundamentos algo diversos dos que constam da sentença recorrida. Aí considerou-se que, não tendo resultado demonstrado que tenham sido os RR. a plantar eucaliptos ou acácias junto à linha divisória do prédio dos AA., não lhes assiste o direito a exigir dos RR. o respectivo arrancamento. Ora, o que releva não é autoria do facto violador da proibição de plantação ou sementeira, mas antes a situação existente à época em que aquela plantação ou sementeira foi efectuada.
Passando agora à apreciação da apelação interposta pelos RR., vêm estes arguir a nulidade da sentença, invocando ter-se aí condenado em quantidade superior à pedida pelos autores, em infracção do estabelecido na alínea e) do n° 1 do artigo 668° do C.P. Civil. Dispõe, com efeito o art.º 668.º, n.º 1, al. e) do CPCiv.: "É nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido". Comina-se aí com a nulidade duas categorias distintas de vícios, a saber, a condenação em quantidade superior e a condenação em objecto diverso do pedido. Sobre o que deva considerar-se como pedido, para efeitos de aferir a conformidade da condenação aos limites impostos pelo citado preceito, rege o artigo 151.º, n.º 1, do mesmo diploma, nos termos do qual são os articulados as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes. E no que ora importa o pedido formulado pelos AA., ora também apelados, na conclusão da petição inicial, sob a alínea c) foi o seguinte: (serem os RR. condenados) "A fazer a limpeza ou a arrancar o mato e silvas que crescem na sua propriedade e que passam paro o lado da propriedade dos AA..". Não cabe a tal fórmula, pela qual os AA. expressaram a sua pretensão, outra qualquer interpretação que a não a de estes não pretendem a limpeza e arrancamento de todo e qualquer mato e silvas existente na propriedade dos RR., mas antes e apenas a daqueles que nela cresçam e passem para o lado da propriedade dos AA.. Assim, quanto às raízes e caules dessas espécies vegetais que cresçam inteiramente dentro da propriedade dos RR., nada pedem os RR., nem pode o tribunal estatuir, sob pena de violação do disposto no citado art.º 668.º, n.º 1, al. e) do CPCiv.. Assim, a sentença recorrida enferma, desde logo, do vício de "ultrapetição" (cfr. Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 298), gerador de nulidade.
Por outro lado, mesmo quanto aos matos e silvas que passam para o lado da propriedade dos AA.. falece fundamento para condenar os RR. na pretendida prestação de facto de limpeza ou arrancamento. Como acima se referiu, o n.º 1 do artigo 1366.° do Código Civil possibilita ao dono dos prédios arrancar e cortar raízes que invadam o seu terreno e o tronco das árvores ou ramos que sobre ele propendam, se o dono da árvore, rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias, por si e à sua própria custa; já não lhe possiblita transferir para o o dono da árvore ou arbusto os ónus decorrentes dessas operações. Nada altera disposto no DL. 156/2004, de 30/06, diploma aprovado para estabelecer medidas e acções a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra Incêndios, designadamente no seu art. 16.º. A aplicabilidade das restrições impostas pelos n.ºs 1, 3 e 4 desse art.º depende da inserção do terreno ou faixa numa área florestal, para o que falecem elementos de facto na matéria considerada provada. Quando muito, poder-se ia considerar a restrição consagrada no n.º 2 : "Nos espaços rurais a entidade ou entidades que, a qualquer título, detenham a administração dos terrenos circundantes são obrigadas à limpeza de uma faixa de largura mínima de 50 m à volta de habitações, estaleiros, armazéns, oficinas ou outras edificações". Entendendo-se por «limpeza» o corte ou remoção de biomassa vegetal, empregando as técnicas mais recomendadas com a intensidade e frequência adequada de forma a garantir a viabilidade técnica das áreas intervencionadas e a manutenção da diversidade florística e ciclo de nutrientes, a descontinuidade vertical e horizontal da carga combustível e a gestão da biodiversidade, tendo em vista a satisfação dos objectivos dos espaços intervencionados (art.º 3.º, al. e), do mesmo diploma. Contudo, nem tal preceito conduz ao reconhecimento da pretensão dos AA. formulada sob a alínea c). A "ratio" do preceito é o controle da quantidade de carga combustível nas áreas florestais, "enquanto potenciadoras da deflagração e progressão de incêndios florestais", como se escreve no respectivo preâmbulo. Para tal, impôs-se às entidades que, a qualquer título, detenham a administração dos terrenos, a obrigação de, numa faixa de largura mínima de 50 m à volta de habitações, estaleiros, armazéns, oficinas ou outras edificações, proceder ao corte ou remoção de biomassa vegetal. Ora, nem se encontra demonstrada a existência de habitações, estaleiros, armazéns, oficinas ou outras edificações a essa distância mínima de 50 metros - que se conta a partir da própria edificação, e não do respectivo logradouro -, nem o referido n.º 2 do art. 16.º estabelece que o corte ou remoção de biomassa vegetal deva ser efectuado pelo dono das espécies vegetais que a produziram, quando houvessem crescido ou propendido sobre prédio vizinho. E muito pouco se obteria em sede de prevenção de incêndios se às entidades que, a qualquer título, detenham a administração dos terrenos fosse lícito eximir-se à referida imposição a pretexto de se tratar de biomassa vegetal com origem em plantação em prédio vizinho.
Procedem, em conformidade, as conclusões do recurso interposto pelos RR..

Decisão.
Pelo exposto, acordam os juizes desta Relação em:
a) julgar improcedente a apelação interposta pelos AA.;
b) julgar procedente a apelação interposta pelos RR. e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, absolvendo os RR. de todos os pedidos contra eles formulados.
Custas em ambas as instâncias a cargo dos apelantes Autores.

Guimarães, 22/03/2006