Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
376/10.1TAPTL.G1
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
VALOR
JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) A lei não fixa as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível.
II) Face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º, do C. P. Penal, deve entender-se que tal depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro
Decisão Texto Integral: No processo comum com intervenção de Tribunal singular n.º 376/10. 1TA PTL, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, foi proferida sentença na qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu o seguinte (transcrição):
“III. Decisão
Tudo visto, decide-se:
1. Condenar a arguida Rosa R..., pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º n.º 1 do Cód. Penal na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 7.00 no montante global de € 980.00.
2. Condenar a demandada Rosa R... no pagamento à demandante Elizabele M..., da quantia de € 850.00 a titulo de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórias computados à taxa lega e anual de 4% desde a data da prolação desta decisão até efectivo e integral pagamento
3 Absolver a demandada do pedido de indemnização civil contra si formulado em tudo quarto nele se excede o âmbito da condenação ora imposta.(…)”.

**
Inconformada com a supra referida decisão a arguida Rosa R..., dela interpôs recurso (cfr. fls. 139 a 145), terminando a motivação com as conclusões constantes de fls. 142 e 145, seguintes:
“1.a
A arguida foi condenada pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de € 7,00, no montante global de € 980,00.

2.a
A arguida foi ainda condenada a pagar à demandante civil a quantia de € 850,00, a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal e anual de 4% desta a data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento.
3.a
O presente recurso versa sobre matéria de facto e matéria de direito.
4.a
Na douta sentença recorrida, com interesse para o presente recurso, consideraram-se provados os seguintes factos:
a) Em data e hora não concretamente apurada do mês de Maio de 2010, mas anterior ao dia 12 desse mesmo mês, a arguida Rosa R... disse no talho explorado pela Rosa P..., silo em G..., Ponte de Lima, que a Sandra "andava" com o gerente do Banco onde trabalhava.
b) Tal afirmação foi ouvida, pelo menos, pela Carminda P..., que, por sua vez, contou o sucedido a Maria C..., que, por sua vez, contou à Adosinda O..., que, por sua vez, contou aos sogros da assistente, João R... e Adosinda R....
5.a

As testemunhas da acusação Carminda P... e Rosa P... negaram ter ouvido o quer que fosse da arguida.
A testemunha da acusação Adosinda O... Pereira só soube o que ouviu dizer da Maria C....
A testemunha da acusação Esmeralda F..., prima da assistente, depôs sobre factos em outras circunstâncias de tempo e lugar (cf. motivação da sentença, que aceitamos nesta parte, razão porque nos permitimos não fazer a remissão prevista no artigo 412.°, n.º 4, b), do Código de Processo Penal).
Os factos provados referidos na conclusão quarta tiveram como suporte o depoimento da testemunha de acusação Maria C....
7.a

A testemunha Maria C... prestou um depoimento indireto.
8.a

Esta testemunha referiu ter ouvido da testemunha Carminda P..., no talho explorado por Rosa P..., que a arguida aí disse que a assistente "andava" com o gerente do Banco onde trabalhava (cf. motivação da sentença, que aceitamos nesta parte, razão porque nos permitimos não fazer a remissão prevista no artigo 412.°, n.º 4, b), do Código de Processo Penal).

9.a
Nos termos do disposto no artigo 128.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, "A testemunha é inquirida sobre jactos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova".
10.a
Excecionalmente, o artigo 129.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, permite o depoimento indireto, do que ouviu dizer a pessoa determinada.
11.a
O depoimento indireto é um meio de prova que só pode ser utilizado nas situações em que a fonte original não possa ser encontrada (vide Acórdão TRG, de 28-04-2004, Relator: Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva, in JusNet 2284/2004).
"(. .. )0 depoimento por ciência indireta só depois de ser confirmado é que se torna válido como meio de prova" (vide Acórdão TRG, de 27-10-2010, Relator: Ana Teixeira, in JusNet 5041/2010).

12.a
A fonte original que originou o depoimento da testemunha Maria C... foi a testemunha Carminda P....
13.a
A testemunha Carminda P... negou ter ouvido o que quer que fosse da arguida.
Aliás, na sessão de julgamento de 8 de abril de 2011, considerados os depoimentos de ambas as testemunhas, procedeu-se à sua acareação, negando a referida Carminda P... ser verdade o que a testemunha Maria A... Cunha afirmou em Tribunal.
14.a
Não houve confirmação do depoimento da Maria C..., pelo que o seu depoimento não pode ser valorado.
15.a
Salvo melhor opinião, o depoimento da testemunha Maria C... não devia ser admissível, atento o disposto no artigo 128.°, n.º 1, do Código de Processo Penal e a circunstância de a sua alegada fonte ser testemunha indicada na acusação.
16.a
Em consequência, terão de ser considerados não provados os factos que foram considerados provados com base no depoimento da testemunha Maria C..., ou seja, as alíneas a) e b) do ponto 1.1.1. dos factos provados.

17.a
Os concretos pontos de facto que a arguida considera incorretamente julgados sãos os referidos na conclusão quarta.

18.ª

As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida são as mencionadas nas conclusões quinta, sétima, oitava, décima segunda, décima terceira e décima quarta.
19.3
A douta sentença recorrida violou os artigos 128.°, n.º 1 e 129.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, dando-se como não provados os factos vertidos nas alíneas a) e b) do ponto 1.1.1. dos factos provados, por ausência de prova e absolvendo-se a arguida da prática do crime de difamação e do pedido de indemnização civil, assim se fazendo Justiça!”.

*
O M. P. respondeu, concluindo que o recurso da arguida não merece provimento (cfr. fls. 148).
*
O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 149.
*
O Ex.mº Procurador Geral Adjunto, nesta Relação no seu parecer (constante de fls. 156 e 157) conclui igualmente que o recurso da arguida não merece provimento.

*

Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, não veio a ser apresentada qualquer resposta.

*

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

**

- Cumpre apreciar e decidir:
- A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.
- B - No essencial, a arguida no seu recurso suscita a questão seguinte:
- Discorda da matéria de facto fixada na sentença, referindo ter sido violado o disposto nos artigos 128º, n.º 1 e 129º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.
Termina pedindo a sua absolvição.
*
- C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação (transcrição):
II— Fundamentação.
1. De facto.
1.1. Factos provados.
1.1.1. da acusação e do pedido cível
a) Em data e hora não concretamente apurada do mês de Maio de 2010 mas anterior ao dia 12 cesse mesmo mês a arguida da Rosa R... disse no talho explorado pela Rosa P... sito em Gandra, Ponte de Lima, que a Sandra andava com o gerente do Banco onde trabalhava.
b) Tal afirmação foi ouvida pelo menos pela Carminda P...que, por sua vez, contou o sucedido a Maria C... que, por sua vez, contou á Adosinda O..., que, por sua vez contou aos sogros da assistente, João R... e Adosinda R....
c) A assistente, Sandra, é casada, sendo conhecida pelas pessoas referidas na alínea anterior e pelas demais pessoas da freguesa de Gondufe, onde reside.
d) Ao proceder conforme o supra descrito, a arguida actuou de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de pôr em causa a honra da assistente, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
e) No ignorava, além do mais a arguida que ao apregoar tal facto, podia pôr em causa a harmonia familiar do casal composto pela assistente e pelo marido.
f) Por lhe ter sido dado a conhecer a afirmação propalada pela arguida, o marido da assistente mostrou-se vacilante no que respeita à confiança que tinha depositado na esposa.
g) Mercê do que foi dito pela arguida. a assistente sentiu-se envergonha e humilhada, bem como desgostada com a situação e psicologicamente abatida.
1.1.2. outros factos com relevo para a decisão da causa.
h) A arguida é cozinheira e aufere o vencimento mensal de cerca de € 560.00 mensais; o marido é motorista e aufere mensalmente cerca € 550.00; têm dois filhos de 21 e 23 anos, que moram com a arguida e marido tem o 4º ano de escolaridade. Não tem antecedentes criminais.
1.2. Factos não provados.
Com possível relevo para a decisão da causa nenhum outro facto se demonstrou.
13. Motivação.
Pese embora a arguida tenha negado a prática dos factos que lhe são imputados certo é que o Tribunal se convenceu de que a mesma propalou a afirmação supra referida, naquelas circunstâncias de tempo e lugar.
Mas vejamos.
A assistente limitou-se a informar o Tribunal da forma corno teve conhecimento do boato que sobre si se vinha espalhando: assim, a sua sogra, Adosinda Roque, confrontou-a com o que ouvira dizer por intermédio da Adosinda O..., que por sua vez teve noticia, através da Maria C..., que por sua vez ouvira da Carminda P..., o que a arguida havia dito. Por outra banda, referiu ainda que a sua prima, a Esmeralda F..., também ouviu da arguida, ainda que noutras circunstâncias, a afirmação daqueles mesmos factos a seu respeito. Demonstrou, finalmente, a assistente o desagrado e incómodo que a situação lhe provocou.
Já a testemunha Carminda P... veio negar ter ouvido o que quer que fosse da arguida Rosa R..., afirmando que a sua sobrinha, a testemunha Maria C... “sonhou” com o que foi dito.
Manteve o depoimento quando reinquirida na ultima sessão de julgamento.
Ora, a primeira pergunta que importa nesta altura, fazer é saber que motivo tinha a testemunha Maria C... — Que, diga-se, se mostrou inclusivamente desagradada por ter sido “incomodada” para vir ao Tribunal — para “sonhar” com (leia-se, inventar aquilo que a sua tia, a Carminda P..., lhe havia dito?
A resposta objectiva que encontramos, em conjugação com outros elementos que a seguir se analisarão, e que não existe qualquer motivo para tal.
Refira-se que, sem que tal seja um argumento decisivo mas apenas mais um colhido da imediação que serve para o Tribunal formar a sua convicção demo-nos conta do distanciamento desta testemunha das demais “facções” que se foram agrupando na sala de audiências à medida que o julgamento prosseguia (uma vez que se não dispensaram nenhuma das testemunhas antes do julgamento terminado). Quer dizer enquanto as testemunhas que se relacionavam melhor com a assistente e com a arguida, respectivamente se agrupavam foi findo o afastamento desta e relativamente a esta testemunha, a qual, reitera-se. não demonstrou ter qualquer interesse no desfecho da causa.
De facto, e ao contrário do sustentado pela defesa na contestação que apresenta não se vê por que razão a testemunha que nos vimos de referir se decidiu a “fabricar os factos trazidos a julgamento. Que interesse tinha a dita testemunha nisso? E por que razão a testemunha decidiu construir tal “efabulação” chamando á causa tantas pessoas (quando, como bem se sabe e nos ensina a experiência de outros casos que somos chamados a conhecer o mais simples é imputar directamente o que se ouviu ao acusado)?
Mais.
Em sustento da versão da acusação, veio a testemunha Esmeralda F... prima da assistente, referir que — pese embora noutras circunstâncias de tempo o lunar — a ora arguida também lhe contou exactamente o que havia dito no talho Isto pese embora admita esta testemunha que já havia ouvido o mesmo boato da boca de Outra pessoa.
Ora, não obstante a arguida mais urna vez haja negado ter dito á Esmeralda F... que a assistente andava metida com o gerente do banco em que trabalhava — pois que na versão da arguida, as coisas passaram-se precisamente ao contrário — a verdade é que também aqui se não descortina porque razão também esta testemunha havia de mentir. De tacto, se a testemunha Esmeralda quisesse mentir para “ajudar” a prima na presente acção, estamos em crer que haveria de omitir que a noticia lhe havia sido transmitida primeiramente pela terceira pessoa (uma tal de Eunice). Por outra banda, se esta mesma testemunha tivesse querido propalar a história, certamente que não iria dizer ã prima o que tinha ouvido da arguida: seria, aliás, contraproducente tal actuação (no suposto da versão trazida pela arguida), pois que o interesse da Esmeralda F... seria antes que a prima não soubesse que ela andava a falar dela.
Perguntar-se-á, então, por que razão a testemunha Carminda P... decidiu negar o que havia contado à sobrinha e, desta forma, mentir em Tribunal?
A resposta à simples: porque não queria ficar de má relação com a arguida Rosa R...,
de quem é, aliás, companheira no rancho” da freguesia.
Na verdade, como surge do depoimento desta testemunha, a arguida e a testemunha demonstraram ter relações efectivas de amizade, partilhado inclusivamente interesses/actividades comuns
Por outra banda, refira-se que a circunstância de a dona do talho onde a arguida anunciou a dita noticia a testemunha Rosa P... não haver escutado (ou não ter querido escutar, ficamos na duvida) a afirmação que a arguida vem acusada de ter proferido, não faz prova o contrário, isto é, que a arguida não tivesse dito o que disse relativamente a Sandra.
De resto, das testemunhas de defesa arroladas, só uma se pronunciou sobre os factos (porquanto as testemunhas Almerinda O... e Mana C... logo anunciaram nada saber sobre a matéria em discussão, apenas atestando da personalidade da arguida e em termos que mesmo assim, não lograram convencer definitivamente o Tribunal, face ao que antes se disse).
De facto, a testemunha Rosa B..., além de referir “não conhecer as pessoas”, por um lado, não se coibiu de, de forma vaga e pouco convincente dizer ter ouvido na farmácia ser dito, por duas pessoas que (convenientemente acrescentamos nós) não sabe quem são, que a Sandra andava metida com o gerente.
Sem que este depoimento tivesse a torça de, por muito credível que se afigurasse mudar o convencimento do Tribunal. apenas se refira a ilogicidade do que vem de se dizer é que diz-nos mais uma vez a experiência, não é costume memorizarmos factos atinentes a pessoas que “não conhecemos” e, por outro lado, se as conhecemos e achamos que esses factos são tão relevantes que até os memorizamos, e normal que saibamos a fonte dos mesmos (com maior ou menor esforço cfr neste aspecto, a diferença entre este depoimento e o depoimento da testemunha Esmeralda F..., para mais facilmente se perceber a razão da credibilização de um em detrimento do outro).
Em síntese e sem necessidade de grandes considerações, logo se atinge, a nosso modesto ver, das razões porque nos convencemos da veracidade da versão sustentada na acusação e trazida pelas testemunhas (que nem sequer pela assistente que a nada assistiu!).
Por outro lado, também facilmente se atinge a razão por que a versão da defesa acaba por naufragar: é que, ao contrário da “opinião” da testemunha Carminda P..., o caso de estarmos perante “a palavra (desta) contra a palavra da Maria A...” não obsta a que o Tribunal, socorrendo-se de outros elementos que corroboram a versão de uma em detrimento da de outra, apure a verdade que emerge do conjunto da prova e, cumprindo o seu munus fixe os factos de acordo com aquilo que do julgamento surge demonstrado.
Na verdade, e ao contrário do que parece ter ficado implícito na defesa, não ficou demonstrado existir qualquer motivo para que a assistente ou as testemunhas que esta arrolou tivessem o que quer que seja contra a arguida de sorte a prejudicá-la
Uma última nota se impõe para referir que, e para além do que é normal nestes acontecimentos e do que foi dito pela assistente, as consequências/danos por esta sofridos foram dados a conhecer, entre o mais pelo depoimento da testemunha Adosinda Pereira que mostrou saber da reacção, inclusivamente, do marido daquela.
As declarações complementarmente prestadas pela arguida serviram para motivar a convicção do tribunal no que concerne à respectiva situação económica.
Relativamente aos antecedentes criminais relevou o certificado juntos aos autos e, quanto aos factos não provados, cumpre finalmente reiterar que não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros para lá dos que nessa qualidade se descreveram.”.

*

- Quanto às questões suscitadas no recurso:

No essencial, quanto á questão em apreço, refere-se no recurso:

Na douta sentença recorrida, com interesse para o presente recurso, consideraram-se provados os seguintes factos:
a) Em data e hora não concretamente apurada do mês de Maio de 2010, mas anterior ao dia 12 desse mesmo mês, a arguida Rosa R... disse no talho explorado pela Rosa P..., silo em G..., Ponte de Lima, que a Sandra "andava" com o gerente do Banco onde trabalhava.
b) Tal afirmação foi ouvida, pelo menos, pela Carminda P..., que, por sua vez, contou o sucedido a Maria C..., que, por sua vez, contou à Adosinda O..., que, por sua vez, contou aos sogros da assistente, João R... e Adosinda R....

As testemunhas da acusação Carminda P... e Rosa P... negaram ter ouvido o quer que fosse da arguida.
A testemunha da acusação Adosinda O... Pereira só soube o que ouviu dizer da Maria C....
A testemunha da acusação Esmeralda F..., prima da assistente, depôs sobre factos em outras circunstâncias de tempo e lugar (…)”.
Os factos provados referidos na conclusão quarta tiveram como suporte o depoimento da testemunha de acusação Maria C....

A testemunha Maria C... prestou um depoimento indireto.

Esta testemunha referiu ter ouvido da testemunha Carminda P..., no talho explorado por Rosa P..., que a arguida aí disse que a assistente "andava" com o gerente do Banco onde trabalhava (…)”.
Nos termos do disposto no artigo 128.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, "A testemunha é inquirida sobre jactos de que possua conhecimento direto e que constituam objecto da prova".
Excecionalmente, o artigo 129.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, permite o depoimento indireto, do que ouviu dizer a pessoa determinada.
O depoimento indireto é um meio de prova que só pode ser utilizado nas situações em que a fonte original não possa ser encontrada (vide Acórdão TRG, de 28-04-2004, Relator: Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva, in JusNet 2284/2004).
"(... )0 depoimento por ciência indireta só depois de ser confirmado é que se torna válido como meio de prova" (vide Acórdão TRG, de 27-10-2010, Relator: Ana Teixeira, in JusNet 5041/2010).
A fonte original que originou o depoimento da testemunha Maria C... foi a testemunha Carminda P....
A testemunha Carminda P... negou ter ouvido o que quer que fosse da arguida.
Aliás, na sessão de julgamento de 8 de abril de 2011, considerados os depoimentos de ambas as testemunhas, procedeu-se à sua acareação, negando a referida Carminda P... ser verdade o que a testemunha Maria A... Cunha afirmou em Tribunal.
Não houve confirmação do depoimento da Maria C..., pelo que o seu depoimento não pode ser valorado.
Salvo melhor opinião, o depoimento da testemunha Maria C... não devia ser admissível, atento o disposto no artigo 128.°, n.º 1, do Código de Processo Penal e a circunstância de a sua alegada fonte ser testemunha indicada na acusação.
Em consequência, terão de ser considerados não provados os factos que foram considerados provados com base no depoimento da testemunha Maria C..., ou seja, as alíneas a) e b) do ponto 1.1.1. dos factos provados. (…)”(o sublinhado é nosso).
Refere a arguida que a sentença recorrida violou os artigos 128.°, n.º 1 e 129.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

*
Vejamos.
Dispõe o art. 128º, nº 1, do C. Processo Penal que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova.
Uma testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, através dos seus próprios sentidos. Mas no depoimento indirecto, “a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos.” (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Ed., 158).
Por sua vez, dispõe o art. 129º, nº 1, do C. Processo Penal:
Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.”.
Daqui resulta, em primeiro lugar, que a regra é a do testemunho directo.
Mas, por outro lado, a lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indirectos.
O que o código proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal. No entanto, o depoimento indirecto pode ser valorado sempre que a inquirição da fonte não seja possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.
Assim, chamando o juiz a fonte a depor, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que a aquela se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz de nada se recordar já (cfr. Ac. da R. do Porto de 07/11/2007, proc. nº 0714613, in http://www.dgsi.pt).
É que nesta situação é possível o exercício do contraditório na audiência de julgamento, através do interrogatório e do contra-interrogatório, quer da testemunha de ouvir dizer, quer da testemunha fonte, assim se assegurando o respeito pela estrutura acusatória do processo criminal, imposto pelo art. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.
E a conformidade do art. 129º, nº 1, do C. Processo Penal, ao admitir, nas circunstâncias aí previstas, a valoração do hearsay evidence, com a Lei Fundamental tem vindo a ser afirmada pelo Tribunal Constitucional, nos seguintes termos: “Ora, entende-se que a regulamentação consagrada na norma do nº 1 do artigo 129º do Código de Processo Penal se revela como proporcionada, nela se precipitando uma adequada ponderação dos interesses do arguido em poder confrontar os depoimentos das testemunhas de acusação, os da repressão penal, prosseguidos pelo acusador público, e, por último, os do tribunal preocupado com a descoberta da verdade através de um processo regular e justo (due process of law). (…)
Tão-pouco se pode afirmar que a estrutura acusatória do processo criminal, que impõe que a audiência de julgamento e mesmo os actos instrutórios determinados por lei estejam subordinados ao princípio do contraditório, ponha em causa a regulamentação do segmento da norma em causa. A lei processual penal veda, em princípio, a admissibilidade do testemunho de ouvir dizer, impondo que seja chamada a depor a pessoa determinada invocada no testemunho prestado, assegurando-se a imediação, relativamente ao tribunal criminal e aos sujeitos processuais.
Só nos casos de total impossibilidade – em virtude de morte, anomalia psíquica superveniente ou de impossibilidade de ser encontrada – pode ser admitido e valorado o depoimento indirecto. E como já Bentham sustentou no início do século XIX, na falta de prova de superior qualidade, o testemunho de ouvir dizer pode revelar-se um modo válido de descoberta da verdade, sujeito sempre à apreciação do tribunal segundo as regras da experiência, tendo em conta o princípio legal da livre convicção do tribunal. (…)
A lei processual não veda, porém, a admissão e valoração do depoimento indirecto, no caso de impossibilidade de localização da pessoa determinada a quem imputa a afirmação reproduzida. Trata-se de uma solução excepcional, de evidente base racional, que só por si, e nos contados casos em que ocorre, não pode afectar intolerável ou desproporcionadamente os direitos do arguido, como atrás houve ocasião de referir.” (Ac. nº 213/94, de 2 de Março de 1994; cfr. no mesmo sentido, Ac. nº 440/99, de 8 de Julho de 1999, ambos in http://www.tribunalconstitucional.pt).
A lei não fixa as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro (cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 20/11/2002, CJ, X, III, 232, Ac. da R. do Porto de 07/11/2007, já citado e Ac. da R. de Évora de 30/01/2007, proc. nº 2457/06-1 in http://www.dgsi.pt; contudo, em sentido contrário, cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 349 e ss.).
Neste sentido vide nomeadamente o Ac. do TRC, de 01-10-2008, proferido no Proc. 3/07.4GAVGS.C2, em que foi relator Simões Raposo, com o sumário seguinte:
“I. - Quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer. (…)” (in www.dgsi.pt.
E ainda o Ac. do TRP, Rec. Penal nº 195/07.2GACNF.P1 - 1ª Sec., 09/02/2011, relatora Eduarda Lobo, com o seguinte sumário:

I - No caso de depoimento indirecto, se o juiz chama a fonte a depor, aquele (depoimento indirecto) pode ser valorado, mesmo nos casos em que a fonte se recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento, ou simplesmente diz que já não se recorda dos factos.

II - O critério operativo da distinção entre depoimento directo e depoimento indirecto é o da vivência da realidade que se relata: se o depoente viveu e assistiu a essa realidade, o seu depoimento é directo; se não, é indirecto.

III - Não constitui depoimento indirecto o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer.”.

Tendo deposto a pessoa a quem se ouviu dizer, desaparece a proibição de prova de valoração do depoimento de ouvir dizer.

Nenhum impedimento existia, pois, a que o tribunal valorasse, como valorou, todo o depoimento da testemunha Maria A... Monteiro Pita da Cunha, no processo de formação da sua convicção, uma vez que foi chamada a depor a testemunha Carminda P... (isto é, a testemunha fonte foi chamada a depor), pelo que a sentença recorrida não violou o disposto nos artigos 128.°, n.º 1 e 129.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.

*

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto.
***
- Decisão:
Pelo exposto, decide-se nesta Relação em julgar o recurso como improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Notifique
D. N.

Guimarães, 05 de Março de 2012