Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1957/10.9PBGMR-A.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: NULIDADE ABSOLUTA
NULIDADE INSANÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A nulidade insanável do art. 119 al. b)do CPP – falta de promoção do Ministério Público, nos termos do art. 48… – verifica-se quando tiver sido entidade diferente for Ministério Público a promover o processo penal e não quando o Ministério Público não investigar um crime que lhe foi denunciado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No processo comum com intervenção do tribunal singular 1.957/10.9PBGMR do 3º Juízo Criminal de Guimarães, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido João M... pela autoria de um crime de furto qualificado.
Após ter sido designado dia para o julgamento, a assistente Ana L..., arguiu a existência da nulidade insanável prevista no art. 119 al. b) do CPP, por, no final do inquérito, o MP não se ter pronunciado quanto à eventual prática por parte da empresa “Cais do Ouro, Unipessoal”, dos seus gerentes e funcionários, do crime de receptação p. e p. pelo art. 231 do Cod. Penal.
Foi proferido despacho que indeferiu a requerida declaração de nulidade.
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A assistente Ana L... interpôs recurso desta decisão.
A questão a decidir é a de saber se o processo enferma da invocada nulidade.
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Respondendo a magistrada do MP junto do tribunal recorrido defendeu a manutenção da decisão impugnada.
Nesta instância, a sra. procuradora geral adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO
O Ministério Público acusou o arguido João M... da autoria de um crime de furto qualificado.
Após ter sido designado dia para o julgamento, a assistente Ana L... requereu nos seguintes termos:
Os bens furtados foram vendidos à empresa “Cais do Ouro, Unipessoal”. Ora, o certo é que o Ministério Público, aquando da prolação do despacho final de inquérito, não se pronunciou quanto à eventual comissão por parte dessa empresa, dos seus gerentes e funcionários, do crime de receptação p. e p. pelo art. 231 do Cod. Penal”.
Isso importaria a existência da nulidade insanável do art. 119 al. b) do CPP – “a falta de promoção do Ministério Público, nos termos do art. 48…”.
Porém, esta nulidade não tem o enquadramento que lhe é atribuído pela recorrente/assistente, segundo a qual existiria quando o MP não fizesse a investigação (e a acusação) de um crime que lhe foi denunciado.
Verifica-se quando for entidade diferente do MP a promover o processo penal. Com excepção dos crimes de natureza particular, é ao MP, e só a ele, que compete a titularidade da acção penal. Tempos houve em que outras entidades partilhavam essas funções – PSP, GNR, autoridades administrativas, e alguns organismos do Estado. A simples remessa a juízo dos autos de notícia ou dos corpos de delito devidamente organizados equivalia, para todos os efeitos, à acusação em processo penal (cfr. art. 2 do Dec.-Lei 35.007 de 13-10-45). Estas entidades podiam «promover» o processo penal.
Actualmente, sendo o MP quem tem legitimidade para o efeito, a sua falta é geradora da nulidade insanável do art. 119 al. b) do CPP. A norma do art. 119 al. b) do CPP deve ser conjugada com a do art. 48, para a qual, aliás, remete expressamente. Dispõe esta que “o MP tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições...”. Trata-se aqui da “legitimidade” para o impulso processual.
Foi este enquadramento que levou a que o STJ tivesse fixado jurisprudência no sentido de que “integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal a adesão posterior do Ministério Público à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública ou semipública e fora do caso previsto no artigo 284.º, n.º 1, do mesmo diploma legal” – ac. 1/2000 DR SÉRIE I-A, de 2000-01-06. Também o ofendido, mesmo quando constituído assistente, não tem legitimidade para promover a acção penal nos crimes de natureza pública e semipública, ainda que obtenha a posterior adesão do MP à sua acusação.
Acresce que a declaração de nulidade implicaria a devolução dos autos ao MP para que fosse investigado um crime que não foi objecto do despacho final do inquérito. Tal extravasaria o âmbito dos poderes de cognição do juiz do julgamento, pois o art. 311 nº 1 do CPP dispõe que “recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa” (apenas as que obstam ao conhecimento do mérito da causa e não outras). No caso destes autos, a «causa» submetida ao julgamento do juiz é decidir se o arguido João M... cometeu o crime de furto que lhe foi imputado. Está-lhe vedado distrair-se com outros crimes, eventualmente praticados por outras pessoas. Ou seja, o juiz do julgamento só podia decidir sobre nulidades ou questões prévias que afectassem o julgamento do João M... pelo crime de furto. É uma norma harmoniosa com o princípio do acusatório, segundo o qual o julgador só investiga e julga dentro dos limites que lhe são postos pela acusação.
Cai fora do âmbito deste recurso indicar-se os caminhos que poderiam ter sido percorridos pela assistente para obter o escopo desejado.

DECISÃO
Os juízes deste Tribunal da Relação negam provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
A recorrente pagará 3 UCs de taxa de justiça.