Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2768/12.2TJVNF.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PERDA DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A jurisprudência dominante nos tribunais superiores vai no sentido que de que o artigo 41 do DL. 291/2007 de 21/08 se enquadra num conjunto de regras e procedimentos que as seguradoras deverão tomar, na fase extrajudicial, para apresentarem uma proposta razoável ao credor, em caso de acidente rodoviário, não substituindo as regras gerais do cálculo da indemnização previstas nos artigos 562 a 572 do C.Civil.
2. A doutrina e jurisprudência consideram que a prestação é excessivamente onerosa quando haja uma desproporção flagrante, manifesta, entre o interesse do credor na reconstituição e o custo da reparação que se impõe ao devedor.
3. Como não foi considerado perda total da viatura sinistrada é irrelevante a notificação da apelada do montante que a ré estava disposta a pagar pelo valor da viatura, que considerou o correspondente ao seu preço de mercado, para efeitos de desresponsabilização pelos danos da paralisação.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

A… demandou a seguradora G… – Companhia de Seguros SPA, pedindo que fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 6.249,63€ a título de danos patrimoniais sofridos, sendo 2.799,48€ da reparação e 3.450,15€ relativos ao aluguer de viatura de substituição, tudo acrescido dos juros legais desde a citação até integral pagamento, emergente dum acidente com um veículo segurado na ré, sendo o único responsável.
A ré defendeu-se por impugnação, aceitando a dinâmica do acidente e impugnando o valor dos danos, porque considerou que era um caso de perda total, que foi comunicado à autora, que não aceitou a proposta de 1.823€, não se sentindo responsável pelos danos emergentes da privação do uso do veículo.
Realizado o julgamento e proferida sentença foi a ré condenada a pagar à autora a quantia peticionada.

Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso de apelação formulando conclusões.
Não houve contra-alegações.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:
1Impugnação na vertente do facto
1.1Alteração das respostas positivas para negativas aos pontos de facto 24 a 28 da decisão recorrida.
2 Impugnação na vertente do direito
2.1 Se há perda total do veículo, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro.
2.2 Se há direito à indemnização pela privação do uso da viatura; qual o período de tempo a ter em conta e o valor a fixar.

Vamos conhecer das questões enunciadas.
1.1A apelante questiona a credibilidade dos depoimentos das testemunhas F… e J… porque a primeira referiu que a irmã, aqui autora, só tinha o veículo sinistrado no momento do acidente, tendo adquirido outro, posteriormente, e a testemunha J…, marido da autora, ter afirmado que à data do acidente já tinha dois veículos. O certo é que este ponto, em si, não descredibiliza os depoimentos em causa. Na verdade, o marido da autora explicou porque é que teve necessidade de alugar uma viatura. Apesar de ter duas viaturas, ambas eram necessárias para o transporte da esposa e de si para o trabalho, diariamente, para locais diversos e até em sentidos opostos. Ele ia para Famalicão e ela para Braga.
Para a questão do valor comercial do veículo sinistrado temos o depoimento da testemunha J…, comerciante de automóveis, conhecedor do ramo dos veículos usados, que de forma clara e convincente afirmou que o veículo de marca corsa, com as características do sinistrado, se vendia muito bem, porque era um veículo económico, com um motor fiável, e barato, muito procurado. Considerou que o seu valor comercial rondava os 3.000€ a 3.500€. E que era facilmente comercializado por este preço, porque se encontrava em bom estado de conservação, tanto a nível de chapa como de mecânica. Este depoimento é muito mais credível que o da testemunha F…, perito que interveio na perícia da viatura sinistrada, que se baseou no site Stand Virtual, onde encontrou uma viatura da mesma marca, do mesmo ano e quilometragem, que rondava os 1.990€. Daí que o tribunal recorrido e a Relação considerem que esse depoimento, na parte referente ao valor comercial do veículo, não seja credível, face aos fundamentos em que se baseou. Daí que os pontos de facto impugnados devam manter a resposta positiva porque a prova em que assentou o tribunal recorrido é credível e justificativa, face à desenvoltura e conhecimentos dos depoentes e isenção revelados.
Vamos fixar a matéria de facto consignada na decisão recorrida com interesse para a decisão do recurso, que passamos a transcrever:
19. Como consequência do embate supra descrito, o “MQ” ficou impedido de circular e com a parte frontal destruída, tendo ficado danificadas, designadamente, as seguintes peças: capot, para-choques frontal, suportes frontais, avental do parachoques, faróis da frente, grelha, emblema, radiador da água, termoventilador, suporte do ventilador, filtro de ar, depósito, buzina, airbag, módulo de airbag, pré tensor do cinto de segurança, matrícula.
20. Logo após o embate supra descrito, o “MQ” foi transportado para as instalações da oficina “F…., Lda”, que concluiu a respetiva reparação em 13/06/2011.
21. A reparação dos danos sofridos pelo “MQ” ascendeu à quantia de 2.799,48€,
22. que a Autora já pagou.
23. A Ré, por carta datada de 27/04/2011, comunicou à Autora que entendia que no caso em apreciação ocorria “perda-total” do veículo sinistrado, cujo valor venal estimou em 1823,00€ e em 77,00€ o valor do salvado.
24. O veículo da Autora tinha, à data aludida em 1., um valor venal de cerca de € 3.000,00/€ 3.500,00.
25. O veículo “MQ” encontrava-se, à data aludida em 1., em bom estado de conservação, quer de mecânica, quer de chapa.
26. O veículo “MQ” estava afecto ao uso diário da Autora e do seu agregado familiar, necessitando dele para as deslocações do dia-a-dia profissional, para se deslocar para o emprego, para levar os filhos à escola e para lazer.
27. Por esta razão, viu-se a Autora forçada a alugar uma viatura de substituição de 18 de Abril de 2011 a 07 de Junho de 2011.
28. A Autora, pelo aluguer de um outro veículo nos termos acima descritos, pagou a quantia global de 3.450,15€.
29. Por meio de contrato de seguro válido e titulado pela apólice n.º 008410217055000, o proprietário do veículo de matrícula …-SV transferiu para a R. a sua responsabilidade por danos causados a terceiros emergentes da circulação dessa sua viatura.

2.1 O tribunal recorrido considerou que face ao montante da reparação de 2.799,48€ e ao valor do veículo sinistrado antes do acidente (3.000/3.500€), não haveria perda total como o defendeu a ré seguradora ao abrigo do disposto no artigo 41 do DL. 291/2007 de 21/08, aplicando-se a doutrina consignada nos artigos 562 a 566 do C.Civil. E, assim, condenou a ré no pagamento da quantia despendida com a reparação.
A ré insurge-se contra o decidido, porque entende que é de se lhe aplicar o disposto no artigo 41 do DL. 291/2007 de 21/08 e não o disposto no artigo 566 do C.Civil, porque a reparação é excessivamente gravosa para a ré devedora.

A primeira questão que se coloca é saber se este normativo é aplicável ao caso sub judice, no que tange à determinação da perda total da viatura e ao cálculo da indemnização.
A jurisprudência dominante nos tribunais superiores vai no sentido que de que o artigo 41 do DL. 291/2007 de 21/08 se enquadra num conjunto de regras e procedimentos que as seguradoras deverão tomar, na fase extrajudicial, para apresentarem uma proposta razoável ao credor, em caso de acidente rodoviário. E estes procedimentos já estavam previstos no DL.83/2006 de 3/05, que alterou o regime jurídico do seguro obrigatório automóvel consagrado no DL.522/85 de 31 de Dezembro e que transitaram, com algumas alterações, para o novo diploma legal. Daí que a sua aplicação seja muito restrita e não tenha tido em vista a substituição das regras gerais sobre a determinação e cálculo da obrigação de indemnizar, consagradas nos artigos 562 a 572 do C.Civil (conferir – Ac. TRP. 14/06/2010; Ac. TRL 14/03/2013 e Ac. TRL 14/06/20012, todos www.dgsi.pt).
Não significa isto que não possam servir como elementos interpretativos ou integradores de cláusulas gerais constantes nos artigos do C.Civil, referentes à obrigação de indemnizar.
O artigo 562 do C.Civil, defende, como princípio, a restauração natural, isto é, a realização da prestação específica. O devedor tem de reconstituir a situação tal qual existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação. Este princípio tutela, simultaneamente, os interesses do credor e do devedor, por ser a forma mais eficaz de remover o dano real à custa do responsável. Ambos podem opor-se à sua concretização se se verificarem os pressupostos elencados no artigo 566 n.º 1 do C.Civil. O credor pode invocar que a reconstituição natural não repara integralmente os danos, enquanto o devedor pode alegar que a prestação específica é impossível ou é-lhe excessivamente onerosa.
A doutrina e jurisprudência consideram que a prestação é excessivamente onerosa quando haja uma desproporção flagrante, manifesta, entre o interesse do credor na reconstituição e o custo da reparação que se impõe ao devedor. Quando advenha, para o credor, um benefício injustificado e, consequentemente, um prejuízo para o devedor. Que haja um enriquecimento do credor à custa do devedor. Em que haja uma situação de substituir uma coisa velha por uma nova (Antunes Varela, C.Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, pag. 551 e 552, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, Almedina, pag. 714 e 715, e Ac. STJ 11/05/2000, Ac. STJ. 5/06/2008 e Ac.STJ. 21/04/2010, todos em www.dgsi.pt).
No caso em apreço a reparação não é excessivamente onerosa porque até é inferior ao valor comercial do carro, não se colocando, sequer, o valor superior a 120% do custo da reparação como o refere o artigo 41 do DL.291/2007 de 21/08, nem a manifesta desproporção entre o valor da viatura e a reparação. Na verdade o valor da viatura ronda os 3.000/3.500€ quando a sua reparação ficou por 2.799,48€. Daí que se imponha a restauração natural.

2.2 A questão colocada neste ponto pela apelante ficou ultrapassada pelo decidido em 2.1 em que se considerou que não houve perda total do veículo, pelo que a comunicação de que colocava à disposição da apelada a respectiva indemnização no montante de 1.823€, com o desconto dos salvados no montante de 77€, não se aplica ao caso, nem ao abrigo do disposto no artigo 42 do DL. 291/2007 de 21/08, nem ao abrigo do disposto nas regras gerais sobre o cálculo da indemnização, porque o valor venal do veículo sinistrado é superior ao apontado pela apelante, como já foi aludido.

Quanto ao montante da indemnização, esta deverá corresponder ao período em que a apelada esteve privada do uso da viatura. E está provado que não a pode utilizar entre a data do acidente e a sua reparação. E, como não lhe foi colocado à disposição um veículo de substituição, viu-se obrigada a locar um veículo com as mesmas características, pagando o respectivo aluguer. E o preço que pagou é da responsabilidade da apelante, uma vez que emerge dos danos do acidente.

Quanto ao tempo da paralisação da viatura incumbia à ré alegar e provar os factos que ultrapassou a normalidade para a sua reparação, e o momento em que assumia a responsabilidade pelo seu pagamento. Como nada foi alegado e muito menos provado, incumbe à apelante pagar o custo do aluguer suportado pela apelada.

Concluindo: A jurisprudência dominante nos tribunais superiores vai no sentido que de que o artigo 41 do DL. 291/2007 de 21/08 se enquadra num conjunto de regras e procedimentos que as seguradoras deverão tomar, na fase extrajudicial, para apresentarem uma proposta razoável ao credor, em caso de acidente rodoviário, não substituindo as regras gerais do cálculo da indemnização previstas nos artigos 562 a 572 do C.Civil.
2. A doutrina e jurisprudência consideram que a prestação é excessivamente onerosa quando haja uma desproporção flagrante, manifesta, entre o interesse do credor na reconstituição e o custo da reparação que se impõe ao devedor.
3. Como não foi considerado perda total da viatura sinistrada é irrelevante a notificação da apelada do montante que a ré estava disposta a pagar pelo valor da viatura, que considerou o correspondente ao seu preço de mercado, para efeitos de desresponsabilização pelos danos da paralisação.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Guimarães, 23/04/2015
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida