Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
620/12.0TBGMR.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INSOLVÊNCIA
CIRE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A declaração de insolvência não determina a inutilidade superveniente da lide executiva conducente à extinção da instância executiva, mas, se for caso disso, à suspensão da instância, sem prejuízo do disposto no artº 88º, nº3, parte final, do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente: Administrador de Insolvência de AA, Lda.(exequente);
Recorrido (s): BB e esposa (executados);
*****
Nos autos de execução comum que Administrador de Insolvência de AA Lda., intentou contra BB e esposa foi proferido despacho pela Mmª Juiz a quo a determinar a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, com o seguinte teor:
«Resulta da certidão de fls. 186 e ss que os executados foram declarados em estado de insolvência, tendo realizada a liquidação do (s) respectivo (s) activo (s). ---
O desfecho do processo de insolvência só pode, face à tramitação legalmente prevista, passar pelo rateio final ou, até ao mesmo, pelo encerramento, por se constatar em momento posterior ao da assembleia, que os bens apreendidos não vão ser suficientes para o pagamento das custas e outras dívidas da massa. ---
Queremos com isto dizer que, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 88º, nº 3 e 230º, nº 1, als. a) e d) do CIRE (na redação em vigor desde 21/5/2012), sempre a presente execução terá de ser extinta.---
Julgamos, por isso, que a manutenção da suspensão até ao rateio final consubstancia um acto inútil e, por isso, proibido (cfr. art. 130º do Cód. Proc. Civil).---
Em suma, entendemos que se verifica, in casu, uma inutilidade superveniente do prosseguimento da lide, nos termos da supra citada disposição legal conjugada com a alínea e) do art. 277º do Cód. Proc. Civil. (na redacção da Lei nº 41/2013, de 26/6, aplicável por força do art. 6º do último diploma citado).----
Pelo exposto, declaro extinta a presente execução.»

Com ele não se conformando, veio interpor recurso o exequente, em cujas alegações conclui do seguinte modo:
1ª – A Sentença impugnada declarou extinta a execução e, complementando-a, Despacho subsequente, da mesma data, também impugnado, julgou prejudicado o pedido de insistência na conversão em penhora do arresto do crédito bancário dos Executados, entretanto declarados insolventes.
2ª – Embora o artº 88º.3 do CIRE só determine a extinção das execuções suspensas nos termos do seu n.º 1 – e esta ainda não fora declarada suspensa – quando o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos no artigo 230.º.1-a) do mesmo diploma, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto, a sentença esqueceu que nos autos se configurava situação de exercício de reversão legal (artº 88º.3 do CIRE) e considerou que a extinção deveria decretar-se logo que pudesse saber-se que aquele encerramento haveria de vir a ocorrer, por isso a decretou, em 2014-05-12, por antecipação.
3ª - E entendendo que, não fora o atraso da secretaria na movimentação do processo, essa antecipação teria sido maior, anterior, mesmo, ao requerimento de 2013-12-23, pelo qual a Exequente insistia no pedido, já formulado no requerimento inicial, em 2012-02-08, de conversão em penhora do arresto de um crédito bancário julgou prejudicado o requerido.
4ª – Demonstra-se que depois que o Banco nada disse depois que foi notificado para cumprir a ordem do arresto ou apreensão daquele crédito bancário logo que verificado o seu vencimento e que, não cumprindo o Arresto, quando ocorreu o vencimento do crédito entregou o respectivo quantitativo aos Requeridos, Executados nestes autos e, depois, inapelavelmente insolventes.
5ª – Tendo entregue a quantia que devia ter retido, para garantia do crédito da Exequente, o Banco não cumpriu a obrigação que o vinculava, devendo considerar-se verificada a previsão do artº 860º.3 do CPC então em vigor e do artº 777º.3 do atual CPC, da reversão legal da execução: Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
6ª - E porque esse incumprimento (pela entrega da quantia aos Arrestados/Executados) se verificou antes do trânsito da sentença de insolvência destes mesmos, quando deveria ocorrer o efeito suspensivo desse trânsito sobre os autos de execução já o Banco poderia também ser neles o “outro” executado – facto impeditivo da suspensão, os termos do artº 88º.1 do CIRE.
7ª - Aliás, em obediência ao princípio do mesmo que o incumprimento do Banco ainda não estivesse demonstrado nos autos, bastaria que na Execução estivesse, como está, configurada a possibilidade de reversão legal para que a mesma não devesse ser declarada extinta, em obediência aos princípios “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae
8ª - A sentença impugnada violou os normativos dos artºs 88º.3 e 230º.1-a) do CIRE, ao antecipar a extinção da execução para antes de encerrado o processo de insolvência dos executados, com o invocado fundamento (sem apoio legal) de já saber que aquele encerramento haveria de ocorrer.
9ª - E ao qualificar, com aquele mesmo fundamento, a pendência da execução como ato inútil, na previsão do 130º do CPC, a sentença violou também este normativo, pois o legislador não pretendeu estabelecê-lo para desrespeitar prazos e procedimentos regulados por outras normas legais, ao mesmo tempo que violou o normativo do artº 777º.3, por impedir a utilização e a utilidade da pendência para o prosseguimento dos autos de execução visando a execução da responsabilidade do revertido devedor/incumpridor do arresto.
10ª – É falacioso o fundamento em que assentou o doutro Despacho impugnado, ao justificar o não conhecimento do pedido de 2013-12-23, a fls. 197 e ss, de insistência no pedido, já constante do RI de 2012-02-08, de conversão em penhora do arresto do crédito bancário, pois, entendimento de que, não fora o atraso da secretaria, teria antecipado a declaração da Execução a data anterior a 2013-12-23, esquece que esse pedido de 2013-12-23 é uma insistência do por falta de cumprimento oportuno do já requerido quase 2 anos, e que, não fora esse atraso do Tribunal, já há muito podiam os autos ter sido encaminhados para a execução da responsabilidade do Banco, em cumprimento do disposto nos artºs 860º.3 do CPC então em vigor ou 777º.3 do atual.
11ª - Impedindo o prosseguimento dos autos, o Despacho e a Sentença impugnados omitiram atos prescritos na lei, visando a execução da responsabilidade do Banco que desrespeitou o Arresto e que teriam determinado solução diferente da tomada na sentença de extinção da execução (artº 195º.1 do CPC); e a sentença deixou de pronunciar-se sobre questão que devia conhecer (618º.1-d) do CPC).
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, concedendo provimento ao recurso e revogando a sentença e o despacho impugnados, para que os autos prossiga, visando a configurada execução da responsabilidade do Banco devedor do crédito arrestado,

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***

II – Factos Provados
A factualidade a considerar é a descrita no Relatório I supra.

III – O Direito

A questão que se suscita no presente recurso resume-se ao seguinte:
a) É legalmente possível ou não a extinção da execução por inutilidade superveniente da lide, resultante da declaração de insolvência da executada, mas antes de ter sido proferida a decisão de encerramento no processo de insolvência?

Apreciando:
O tribunal recorrido fundamenta a declaração de extinção da execução na inutilidade superveniente da lide.
O artº 287º, al. e), do Código de Processo Civil (doravante CPC) estatui que a instância se extingue com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide verifica-se “quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio” J.Lebre de Freitas, CPCivil Anotado, 2ª Ed., pág. 555..
In casu, justifica-se essa inutilidade superveniente da lide no facto de ter sido declarada a insolvência dos executados, de o processo de insolvência se encontrar na fase de liquidação do activo e em conformidade com o estatuído no artº 88º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).

Ora, o citado artº 88º, do CIRE, prescreve que a declaração de insolvência determina a “suspensão de quaisquer diligências executivas”, “obstando à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva”.
Por seu turno, a nova redacção dada pela Lei nº 16/2012, de 20.04, introduziu os nºs 3 e 4, sendo que naquele se consignou que “ as acções executivas suspensas nos termos do nº 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado, nos termos previstos nas alíneas a) e d) do nº 1, do artº 230º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto”.
Como decorre claramente da letra da lei, a declaração de insolvência acarreta a suspensão da execução e não a sua extinção, o que, aliás, o apontado nº3 ao artº 88º veio reforçar: a extinção da acção executiva suspensa ocorre quando o processo de insolvência seja encerrado.
Contudo, no caso em apreço, o processo de insolvência ainda não se mostra encerrado nem tal foi declarado, apesar de se encontrar em fase de liquidação do activo da executada insolvente.
Atente-se precisamente que uma das causas de encerramento do processo de insolvência se reporta ao momento após a realização do rateio final - a prevista na alínea a) do nº1, do artº 230º - e não à circunstância de haver a fase de liquidação em si.
Acresce que é entendimento maioritário da jurisprudência Entre outros os recentes acórdãos desta RG, de 15-09-2011, proc. 71/11.4TBPCR, in dgsi.pt e da RP, de 19.04.2012, proc.915/10.8TBPVZ.P1, in dgsi.pt, e ainda os Acs. Tribunal da Relação de Lisboa de 21.09.2006, processo n.º 0826304 e de 10.7.07, Proc. 6414/2007-6; Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 05.06.2008, proc.º n. 825/08.1; Acs. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.10.2010, procº nº 169/08.6TBVLF-F.C1 e de 3.11.09, Proc. 68/08.1TBVLF-B.C1; e Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 21.06.2010, procº 1382708.1TJVNF.P1, todos in www.dgsi.pt. que a declaração de insolvência do executado, na pendência de acção executiva, implica a suspensão da instância executiva e não a sua extinção. Esta ocorre com a declaração de encerramento do processo de insolvência.
Segue-se assim uma interpretação literal do preceituado naquele normativo legal - o de o artº 88º do CIRE – que não pode deixar de se acolher.

Ademais, na decisão recorrida, não se arredando a previsão normativa contida no mencionado preceito, para se extinguir a presente execução, motiva-se no facto de considerar que a manutenção da suspensão da execução até ao encerramento do processo por uma das hipóteses previstas nas alíneas a) e d) do nº 1 do artº 230º do CIRE, é um acto inútil, sem, contudo, fundamentar tal.

Ora, o que resulta daqueles assinalados normativos – artºs 88º e 230º - conjugados com os demais mecanismos legais no âmbito da insolvência (plano de insolvência, liquidação, exoneração do passivo restante), é que a extinção da execução pressupõe a declaração de encerramento do processo de insolvência, de modo a acautelar uma multiplicidade de situações que não afectem também o legítimo direito de crédito do exequente.
Assim, após a liquidação da massa insolvente podem ainda sobrevir rendimentos e, desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante ou venha entretanto a ser revogada tal concessão podem os credores, que não obtiveram no processo de insolvência o ressarcimento integral do seu crédito, prosseguir a execução relativamente a esse novo e autónomo património.
Nada obsta assim a que a credora não possa prosseguir com o presente procedimento executivo, destinado à cobrança coerciva do seu crédito.
A lide executiva poderá continuar a ser possível, sendo que o princípio da economia processual aconselha a que a execução se mantenha até que o processo de insolvência se encerre, de forma a obstar a que haja necessidade de se iniciar um processo novo.
Realce-se que o artº 870º, do CPC, prevê a suspensão da execução por qualquer credor no caso de insolvência, designadamente para impedir os pagamentos.
Por outro lado, verificando-se a liquidação da massa insolvente, o seu encerramento não é prejudicado pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa (artº 182º, nº1, parte final, do CIRE), podendo os credores atacar o novo património adquirido pelo devedor, susceptível de penhora, seja qual for a fonte da aquisição, salvo nos casos de o devedor beneficiar da exoneração do passivo restante ou haver lugar à homologação de um plano de insolvência com a estatuição de que o cumprimento exonera o devedor Neste sentido, vide Luís Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, pág. 602..
Por último ocorre dizer que, não sendo conhecido, à data da decisão recorrida, que tivesse sido proferida decisão a encerrar o processo de insolvência, impunha-se a aplicação da disposição normativa contida no artº 88º, nº1, do CIRE, que determina a suspensão da execução, quanto aos executados/insolventes, uma vez que não foi suscitada qualquer inconstitucionalidade dessa ou de outra norma legal.

Ademais, no caso sub iudice, foi apresentado pelo exequente o requerimento de fls. 197 a requerer a conversão do arresto em penhora e a ordenar a notificação do devedor “BES” para depositar a quantia de €20.000,00, nos termos do artº 777º, nº 1, al. a), do CPC, poderá estar em causa, no caso de haver incumprimento dessa obrigação, a exigência do exequente nos próprios autos de execução de que esta prossiga contra aquele devedor, por força do estatuído no artº 777º, nº 3, do CPC.
Daí que inexista fundamento para julgar neste momento processual a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e se justifique o prosseguimento da instância executiva para apreciação do requerimento de fls. 197 e 198.
De realçar que não colhe de todo a argumentação plasmada na decisão recorrida de que fica prejudicado o conhecimento de tal requerimento por via da declaração de extinção da execução ora proferida, declaração esta que antecederia a apresentação daquele, não fora a inércia da secretaria.
Porém, não só tal requerimento reitera um outro apresentado em 2012, o qual não foi conhecido por atraso do Tribunal, como a omissão dos actos praticados pela secretaria judicial não pode prejudicar as partes – artº 157º, nº6, do CPC.

Sumariando:
1. A declaração de insolvência não determina a inutilidade superveniente da lide executiva conducente à extinção da instância executiva, mas, se for caso disso, à suspensão da instância, sem prejuízo do disposto no artº 88º, nº3, parte final, do CIRE.

Deste modo, procede a apelação no que concerne à revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento da execução para conhecer e julgar o pedido formulado no requerimento de fls. 197 e 198 pelo exequente.

Decisão;

Em face do exposto, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida de extinção da execução, a qual deverá ser substituída por outra que declare o prosseguimento da execução para conhecer e julgar o pedido formulado no requerimento de fls. 197 e 198 pelo exequente.

Sem custas.



Guimarães, 14.05.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira