Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
80/12.6TBBCL-G.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: TEMAS DA PROVA
CASO JULGADO FORMAL
DIREITO DE RETENÇÃO
EMBARGOS DE TERCEIRO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
INSOLVÊNCIA
ARRENDATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: 1. . Constituindo os temas da prova, tal como já se entendia relativamente aos factos assentes e à base instrutória, um suporte de trabalho para o julgamento, estabelecendo as linhas mestras da discussão, não se forma sobre o mesmo caso julgado formal, nada impedindo que o juiz, no início do julgamento, restrinja os temas da prova, se entender que é inútil para a decisão da causa um dos temas em discussão.
2. . E no início do julgamento em 1ª instância, se o juiz considerar que não foram indicados todos os temas da prova, poderá ainda fazê-lo, concedendo às partes um prazo para, se assim o entenderem, indicarem novas testemunhas. A expectativa das partes tem sempre que ser acautelada , de modo a permitir o amplo exercício do contraditório e de defesa.
3. . O direito de retenção, direito real de garantia não concede ao seu titular a faculdade de embargar de terceiro no processo de insolvência, assim como não lhe concede o direito de embargar de terceiro na execução movida contra o proprietário do bem, mas apenas o de reclamar o respectivo crédito nessa execução, onde será exercido com prevalência aos demais credores (artºs 786 nº 1 b) e 788º nº 1 do CPC). O titular do direito de retenção deverá reclamar o seu crédito na insolvência no prazo fixado para a reclamação (artº 128º do CIRE) ou posteriormente, nos termos do artº 146º do CIRE e não pode socorrer-se de embargos de terceiro para obstar à entrega do bem, com fundamento no direito de retenção.
4. . Os embargos de terceiro são o meio processual adequado para o arrendatário do bem vendido a terceiro no processo de insolvência, deduzir oposição à ordem judicial para entregar o bem.
Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Guimarães
1ª Secção Cível
Largo João Franco – 4810-269 Guimarães
Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt

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Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
Veio AA deduzir embargos de terceiro contra a massa insolvente de BB e CC e Banco DD, SA. reagindo contra a ordem de desocupação e entrega dos bens imóveis que identifica no artº 2º da sua petição, adquiridos pelo embargado Banco DD, no âmbito do processo 80/12.6YBBCL-E respeitante à liquidação do activo da massa insolvente dos referidos BB e CC, alegando ser arrendatária dos referidos bens. Mais invocou ter realizado obras no locado que importaram em valor superior a 100.000,00, pelo que lhe assiste direito de retenção sobre os identificados prédios enquanto não lhe for pago o preço das benfeitorias.
Os embargos foram recebidos, após inquirição das testemunhas indicadas, em 25.02.2014.
Os embargados deduziram contestações separadas, mas ambos pugnaram pela inexistência de um contrato de arrendamento entre a embargante e os insolventes, mas de um comodato, defendendo ainda que não assistia à embargante qualquer direito de retenção sobre os referidos bens.
No início da audiência de discussão e julgamento pela Mma. Juíza a quo foi proferido despacho que alterou os temas da prova fixados pelo despacho de fls 56 dos autos, restringindo-os.
Realizou-se o julgamento e a final foi proferida sentença que absolveu os embargados do pedido por entender que os embargos de terceiro não eram o meio processual adequado para a defesa do direito de retenção e para o reconhecimento do direito invocado pela embargante.
A embargante não se conformou e interpôs o presente recurso, onde formulou as seguintes conclusões:
1. A embargante/apelante deduziu embargos à notificação datada de 17-01-2014, com a referência 8443565, emanada do Proc. n.º 80/12.6TBBCL-E (liquidação), do 2.º Juízo Cível, através da qual Tribunal Judicial de Barcelos ordenava à apelante para, no prazo de 10 dias, proceder à desocupação imediata da propriedade denominada “Casal do Agro” e “Bouça Anexa”, composta pelos prédios identificados no requerimento inicial dos presentes embargos, sob pena de se proceder à entrega judicial se a entrega voluntária não se verificar.
2. E deduziu embargos a tal notificação ou ameaça judicial com fundamento no disposto no artigo 342.º/1 do CPC (se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro), em virtude daquela ordem ou ameaça ofender a sua posse enquanto arrendatária de tais prédios.
3. A embargante/apelante não deduziu embargos à sentença de insolvência, nos termos do art. 40.º do CIRE, nem deduziu embargos à apreensão de bens efectuada pela administradora da insolvência nos termos dos artigos 149.º a 152.º do CIRE, mas apenas, repete-se, para se opor àquela notificação e ameaça de entrega judicial dos bens
que traz arrendados há mais de 50 anos.
4. Ao deduzir embargos para aquele fim por si pretendido (defender a posse de arrendatária contra uma notificação “contra legem”), a embargante serviu-se do meio legalmente adequado.
5. Na douta sentença recorrida violou-se o disposto no art. 342.º/1 do CPC, aplicou-se indevidamente o n.º 2 do citado artigo e interpretou-se incorrectamente a pretensão da apelante.
6. O tribunal “a quo” ao proferir, no início da audiência de julgamento do dia 12-09-2014, pelas 14:30 horas, o despacho constante da acta com a referência 134597738 do processo electrónico, supra transcrito sob o ponto II das alegações do recurso, que aqui se dá por reproduzido, conheceu parcialmente do mérito da causa, atentou contra o despacho, já transitado em julgado, proferido pelo tribunal judicial de Barcelos de fls. 56 dos autos, onde se tinha já identificado o objecto do litigio e determinado os temas de prova, violou os artigos 579.º, 580.º e 581.º do CPC e aplicou indevidamente o art. 130.º do CPC, sendo a sua decisão nula e de nenhum efeito.
7. Na douta sentença não se deu cumprimento ao disposto no art. 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, não tendo o tribunal referido na sentença quais os factos que julgou provados nem os factos que julgou não provados, nem tendo fundamentado a sua decisão de facto.
8. Tais omissões constituem nulidades processuais, com influência na boa decisão da causa, prescritas nos artigos 615.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC, que expressamente se vêm arguir.
9. Independentemente da procedência ou não dos embargos, devem os documentos 1 e 2 juntos com a petição inicial de embargos servir ao tribunal para julgar sem efeito aquela notificação datada de 17-01-2014, com a referência 8443565, a qual não tem qualquer sustentação legal e antes ofende, claramente, o referido art. 109.º do CIRE.”

II – Objecto do recurso
Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se a sentença é nula por ausência de fundamentação de facto;
. se se formou caso julgado sobre o despacho de fls 56 que fixou os temas da prova, não podendo os mesmos ser restringidos pelo despacho de fls 103 e 104 por violação do caso julgado que se formou sobre o primeiro despacho e se o Tribunal aplicou indevidamente o artº 130º do CPC; e,
. se os embargos de terceiro são o meio próprio para a embargante reagir contra a ordem de entrega imediata ao adquirente dos bens imóveis adquiridos por venda no processo de insolvência e para pedir o reconhecimento do direito de retenção por benfeitorias realizadas no imóvel.

III – Fundamentação

A situação factual a considerar é a supra descrita.

Da alegada nulidade por falta de fundamentação
Entende a apelante que a decisão recorrida é nula por não ter sido dado cumprimento ao disposto nos nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC.
A sentença, acto jurisdicional, pode violar as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou atentar contra o conteúdo e limites legalmente impostos, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615º do CPC, cominando a lei com a nulidade, designadamente, a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (nº 1, alínea b) do artº 615º). E bem se entende que assim seja, desde logo porque a parte vencida tem o direito de saber porque é que a decisão lhe é desfavorável, para efeitos de recurso. E, caso seja interposto recurso, por a parte vencida não se conformar com as razões apontadas, a fundamentação de facto e de direito é também necessária para que o tribunal superior possa apreciar as razões determinantes da decisão.

Como é sabido, a falta de fundamentação não se confunde com a deficiente ou errada fundamentação. Estes vícios não são causa de nulidade. Poderão importar a revogação da decisão, mas não a tornam nula.

Efectivamente na decisão recorrida a Mma. Juíza a quo não fixou os factos provados e não provados que resultaram da discussão da causa.
E não os fixou por considerar que existia uma questão prévia que importava conhecer e decidir.
A Mma. Juíza a quo entendeu que os embargos de terceiro eram um meio impróprio para a defesa do direito de retenção e para o reconhecimento do direito invocado pela embargante, pelo que o declarou e absolveu os embargados do pedido.
Tendo a Mma. Juíza considerado a existência de uma questão prévia que, em seu entender, conduzia à absolvição do pedido não tinha que fixar os factos que resultaram provados e não provados da discussão da causa.
Impõe-se assim que nos pronunciemos primeiramente sobre se mostra correcto o entendimento da Mma. Juíza ao não conhecer do mérito da causa, ficando prejudicada esta questão, se se entender que a acção deve prosseguir.

Da alegada violação do caso julgado
Entende a apelante que a Mma Juíza ao alterar os temas da prova violou o caso julgado que se tinha formado sobre a decisão de fls 56.
No despacho de fls 56 foram delimitados os seguintes temas da prova, invocando-se o disposto nos artigos 593º nº 2 alínea c) e 596º nº 1 CPC;
I – Uso e fruição pela embargante da propriedade denominada “Casal do Agro” e bouça anexa até aos dias de hoje;
II – Obras realizadas pela embargante na casa de habitação há 26 anos atrás;
III – Montante do custo dessas obras.
No despacho de fls 103 proferido no início da audiência de discussão e julgamento determinou-se a alteração dos temas da prova que passou a ser o seguinte: Uso e fruição pela embargante da propriedade denominada “Casal do Agro” e bouça anexa até aos dias de hoje e qualificação jurídica do mesmo.
A enunciação dos temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com relevo para a decisão da causa.
Não obstante a eliminação efectuada pela Lei 41/2013 do despacho a fixar os factos assentes e a base instrutória, a instrução continua a ter, como não podia deixar de ser, por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que constituam, impeçam, modifiquem ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados.

A enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique Conforme defende Paulo José Reis Alves Pimenta - Os temas da prova (19/04/2013), acessível no sítio do Centro dos Estudos Judiciários, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil..

A questão que se levanta é se era permitido à Mma Juíza restringir posteriormente os temas da prova.
Apreciando expressamente tal questão, a propósito da especificação, o Assento do STJ nº 14/94, publicado no DR de 04.10.1994, pronunciou-se no sentido de que “a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”.
Até à prolação de tal Assento, chegou a entender-se que a especificação, uma vez transitada em julgado, fazia caso julgado formal positivo, mas não negativo. Faria caso formal positivo no sentido de que tendo o juiz, mal ou bem, considerado certo facto como confessado, admitido ou documentado, e por isso provado, transitada a especificação, não poderia mais ser posto em causa. Já não faria caso formal negativo, não ficando assente que os factos não insertos nela se não encontravam já provados no momento da elaboração do despacho.
O referido assento veio resolver quaisquer dúvidas suscitadas quanto a tal questão, nele se afirmado expressamente que a especificação não faz caso formal positivo nem negativo.
Quanto à base instrutória, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto defendem a ausência de caso julgado formal “porque a base instrutória não é mais que um acervo de questões (sobre se os factos nela insertos se verificaram ou não) que hão-de obter resposta ulterior do tribunal, não tendo a natureza de decisão mas de peça preparatória da decisão, é indiscutível que, mesmo depois de decididas as reclamações, ela não constitui caso julgado. Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2001, p.382 e 383.”. Igual posição assumem quanto aos factos assentes Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2001, p. 383..

Transpondo o raciocínio exposto para o actual Código de Processo Civil , entende-se que os temas da prova também poderão ser alterados pelo juiz do julgamento e pelo juiz do tribunal de recurso. Dúvidas não haverá que a Relação poderá aditar novos temas da prova se entender necessária a ampliação da matéria de facto (artº 662º nº 2 alínea c)).
No início do julgamento em 1ª instância, se o juiz considerar que não foram indicados todos os temas da prova, poderá ainda fazê-lo, concedendo às partes um prazo para, se assim o entenderem, indicarem novas testemunhas. A expectativa das partes tem sempre que ser acautelada , de modo a permitir o amplo exercício do contraditório e de defesa.
Também os temas da prova poderão ser alterados mediante reclamação das partes (artº 596/2 do CPC).
E dentro deste entendimento dos temas da prova como um suporte de trabalho para o julgamento, estabelecendo as linhas mestras da discussão, nada impedirá que o juiz no início do julgamento restrinja os temas da prova, se entender que é inútil para a decisão da causa um dos temas em discussão. Tal acontecerá por exemplo nos casos em que ao preparar o julgamento e após uma análise mais profunda das questões suscitadas nos autos, se convenceu da sua inutilidade. Aqui, como se trata de diminuir e não aumentar os temas, já não se coloca a questão das partes não terem arrolado testemunhas para serem inquiridas aos novos temas.
E foi o que a Mma. Juíza fez, não atentando o despacho proferido no início da audiência de discussão e julgamento contra o caso julgado, pois que não se formou caso julgado formal sobre o mesmo.
Questão diferente é se mostra correcto o entendimento de que a produção de prova sobre aqueles temas da prova seria inútil.
A decisão sobre esta questão também se prende com a apreciação da terceira questão que há ainda que conhecer e cuja decisão influenciará decisivamente a decisão a tomar.
Do erro na forma do processo
O erro na forma do processo que é de conhecimento oficioso, conforme resulta do artigo 196º do CPC, afere-se pela pretensão jurídica expressa, isto é, pelo pedido formulado na acção. Há erro na forma do processo quando o autor, para fazer valer a sua pretensão, usa uma forma de processo inadequada. Será, pois, em função do pedido formulado que se aquilata do acerto ou do erro na forma de processo escolhida pelo autor. Isto é, o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo reside em apurar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para que foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor.
E, como tem sido entendimento na jurisprudência, só haverá erro na forma do processo quando o autor para fazer valer a sua pretensão, usa de uma forma de processo inadequada, independentemente das razões de procedência ou improcedência da acção V.g. Acs. do STJ de 15.02.1990, BMJ 394, 426 e de 30.06.1988, (Pº 076394), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt..
Mediante embargos de terceiro concede-se ao embargante a possibilidade de impugnar a legalidade de acto judicialmente ordenado e provocar o seu levantamento (artº 351 nº 1 do CPC).
Na sentença recorrida entendeu-se que a petição inicial foi autuada como embargos de terceiro e não o deveria ter sido, porque na petição inicial a embargante apenas diz que vem deduzir embargos. Por outro lado, a embargante também não invoca qualquer dos fundamentos de embargo previstos no artº 40º do CIRE.
A final, depois de discorrer sobre o direito de retenção, referindo que o mesmo tem que ser exercido através da reclamação de créditos, a Mma Juiz a quo julgou improcedente a acção nos seguintes termos” Posto isto, e porque em nosso entender os embargos de terceiro não são o meio processual adequado, para a defesa do direito de retenção, nem para a afirmação/reconhecimento do direito invocado pela embargante, indefere-se o pedido formulado. “ e absolveu os embargados do pedido.
Na petição inicial efectivamente a embargante não refere que está a deduzir embargos de terceiro, mencionando apenas que deduz embargos contra a massa insolvente e o Banco adquirente. Ao longo da sua petição inicial não é referido qualquer preceito legal.
No entanto, da leitura da mesma resulta com clareza que através do meio processual utilizado a embargante pretendeu opôr-se à entrega dos bens imóveis que identificou, requerendo expressamente a final que seja sustada a entrega dos bens, invocando ser arrendatária dos mesmos desde há mais de 50 anos e pretendeu que lhe fosse reconhecido o direito de retenção sobre os mesmos bens, enquanto não lhe forem pagas as benfeitorias que realizou.
Em momento algum a embargante refere pretender opôr-se à sentença declaratória da insolvência, pelo que é manifesto que não quis usar o mecanismo previsto no artº 40º do CIRE.
Face aos termos em que deduziu a sua pretensão, bem andou a Mma Juiz a quo que recebeu a petição ao tramitar os autos como embargos de terceiro, pois que a embargante pretendeu reagir contra uma ordem de entrega judicial de bens e requereu a sua sustação O actual CPC estabelece que o erro na qualificação do meio processual é corrigido oficiosamente pelo juiz (nº 3 do artº 193º do CPC).
. O nº 2 do artº 342º do CPC não admite a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de insolvência. Se tiverem sido apreendidos bens de terceiro para a massa insolvente, o meio de reacção é o previsto no artº 141º do CIRE, devendo o terceiro deduzir reclamação contra a indevida apreensão dos bens.
No caso dos autos, o que está em causa não é a apreensão de bens para a massa insolvente, mas sim, a entrega de bens já vendidos a terceiro, em sede de liquidação do activo. E não se vislumbra que o arrendatário, a quem a lei faculta os meios de defesa concedidos ao possuidor (1037/2 do CC), não possa prevalecer-se deste modo de defesa dos seus direitos, posto que o nº 3 do artº 109º do CIRE expressamente estabelece que a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil.
Já quanto ao direito de retenção que se pretende fazer valer, efectivamente, tal como é referido no despacho recorrido, não é através desta forma de processo que o terceiro pode fazer valer o seu direito, independentemente de se saber se lhe assiste ou não o direito de retenção sobre as benfeitorias realizadas.
O direito de retenção, direito real de garantia não concede ao seu titular a faculdade de embargar de terceiro no processo de insolvência, assim como não lhe concede o direito de embargar de terceiro na execução movida contra o proprietário do bem, mas apenas o de reclamar o respectivo crédito nessa execução, onde será exercido com prevalência aos demais credores (artºs 786 nº 1 b) e 788º nº 1 do CPC). O titular do direito de retenção deverá reclamar o seu crédito na insolvência no prazo fixado para a reclamação (artº 128º do CIRE) ou posteriormente, nos termos do artº 146º do CIRE e não pode socorrer-se de embargos de terceiro para obstar à entrega do bem.
Assim, tendo a apelante deduzido embargos de terceiro com dois fundamentos, constituindo os embargos o meio próprio para reagir contra a entrega da bem, pelo embargante que invoca a qualidade de arrendatário dos bens adquiridos pelo embargado Banif, deve a presente acção prosseguir para a apreciação do seu direito, devendo a Mma Juiz fixar os factos provados e não provados e apreciar o direito invocado pela embargante à luz desses factos, não podendo o despacho recorrido manter-se.
Sempre se dirá que o erro na forma do processo não determina a absolvição do pedido, como se decidiu na sentença recorrida.
O erro na forma do processo é uma nulidade que importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados (artº 193º do CPC). Se não for possível aproveitar quaisquer actos então o erro importará a nulidade de todo o processo, constituindo uma excepção dilatória, cuja procedência determina a absolvição do réu da instância e não do pedido (artº 577 al b) e 576/ 2 do CPC), sendo que os efeitos da absolvição da instância e do pedido são diferentes, acarretando a absolvição do pedido consequências mais gravosas para a embargante.
Em conformidade com o que ficou dito, não merece censura a decisão recorrida, na parte que restringe os temas da prova, mas a acção deve prosseguir os seus termos, devendo a Mma. Juiz fixar os factos provados e não provados, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas.

Sumário:
. Constituindo os temas da prova, tal como já se entendia relativamente aos factos assentes e à base instrutória, um suporte de trabalho para o julgamento, estabelecendo as linhas mestras da discussão, não se forma sobre o mesmo caso julgado formal, nada impedindo que o juiz, no início do julgamento, restrinja os temas da prova, se entender que é inútil para a decisão da causa um dos temas em discussão.
. E no início do julgamento em 1ª instância, se o juiz considerar que não foram indicados todos os temas da prova, poderá ainda fazê-lo, concedendo às partes um prazo para, se assim o entenderem, indicarem novas testemunhas. A expectativa das partes tem sempre que ser acautelada , de modo a permitir o amplo exercício do contraditório e de defesa.
. O direito de retenção, direito real de garantia não concede ao seu titular a faculdade de embargar de terceiro no processo de insolvência, assim como não lhe concede o direito de embargar de terceiro na execução movida contra o proprietário do bem, mas apenas o de reclamar o respectivo crédito nessa execução, onde será exercido com prevalência aos demais credores (artºs 786 nº 1 b) e 788º nº 1 do CPC). O titular do direito de retenção deverá reclamar o seu crédito na insolvência no prazo fixado para a reclamação (artº 128º do CIRE) ou posteriormente, nos termos do artº 146º do CIRE e não pode socorrer-se de embargos de terceiro para obstar à entrega do bem, com fundamento no direito de retenção.
. Os embargos de terceiro são o meio processual adequado para o arrendatário do bem vendido a terceiro no processo de insolvência, deduzir oposição à ordem judicial para entregar o bem.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra, onde sejam fixados os factos provados e não provados, decidindo-se depois em conformidade.

Custas pela parte vencida a final.

Notifique.
Guimarães, 29 de Janeiro de 2015
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Manso Rainho