Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
79/10.7PTGMR.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: MINISTÉRIO PÚBLICO
INTERESSE EM AGIR
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
DESOBEDIÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: O Ministério Público não tem interesse em agir no recurso interposto de sentença condenatória na parte em que se cominou com a prática de um crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução para execução da sanção acessória.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No 3º Juízo Criminal de Guimarães, em processo sumário (Proc.nº 79/10.7PTGMR), foi proferida sentença que decidiu (transcreve-se):
Pelo exposto, condeno o arguido Nuno F..., pela prática, como autor material, de um crime p. e p. pelo art.º 292º n.º 1 do C. Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 8,00 (oito) euros, o que perfaz a quantia de 600,00 (trezentos e cinquenta) euros.
Mais vai o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses, devendo entregar a carta de condução no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo, incorrer em crime de desobediência.
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A magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido interpôs recurso desta sentença, suscitando as seguintes questões:
a) existe erro na apreciação da prova por se ter dado como provada a TAS de 1,74 gr/litro, quando esta devia ser de 1,49 gr/litro, por via do documento de fls. 9, documento cujo conteúdo em momento algum foi objectado;
b) a pena fixada, consequentemente, deverá ser reduzida – situar-se entre os 60 e 70 dias de multa à mesma taxa diária, sendo o período da sanção acessória fixado entre os 3 meses e 15 dias e os 4 meses;
c) não deverá determinar-se na sentença qualquer efeito cominatório para o caso do arguido não fazer a entrega da carta de condução para a execução da sanção acessória.
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Não houve resposta ao recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido do recurso merecer provimento.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
a) No dia 30 de Dezembro de 2010, pelas 2horas e 45 minutos, o arguido circulava na alameda Doutor Mariano Felgueiras, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula 51-...-74;
b) Foi submetido ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no ar expirado através do aparelho DRAGER ALCOTEST 7410 Plus, acusando a TAS de 1,74 g/l
c) De seguida o arguido foi submetido ao controlo de alcoolemia, através do analisador quantitativo “DRAGER”, modelo ALCOTEST 7110 MKIII P, apresentando uma TAS de, 1,49 gr/litro.
d) O arguido ingeriu, de forma voluntária e consciente, em momento anterior ao do início da condução, bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para apresentar aquela taxa de alcoolemia, bem sabendo que não podia conduzir na via pública nessas condições;
e) Fê-lo deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
f) O arguido é vendedor, auferindo mensalmente cerca de 550,00 euros;
g) O arguido é casado e não tem filhos a seu cargo;
h) a sua mulher é vendedora;
i) vive em casa própria, encontrando-se a amortizar o empréstimo que contraiu para a sua aquisição, pagando mensalmente cerca de 380,00 euros.
j) tem como habilitações literárias a 12º ano de escolaridade;
l) O arguido não tem antecedentes criminais. - - -

FUNDAMENTAÇÃO
1 – O erro na apreciação da prova
Alega o magistrado recorrente que “na sentença o juiz deu como provado os factos constantes da acusação que remete para o auto de notícia no qual consta, além do mais, que o arguido apresentou uma TAS de 1,74 g/l. Sucede porém que tal auto de notícia enferma de manifesto lapso de escrita, porquanto do talão emitido pelo aparelho Drager, modelo 7110MKIII P resulta a TAS de 1,49 g/l”.
Não é assim.
Do auto de notícia consta que o arguido foi, primeiro, submetido a um teste “qualitativo”, que acusou a TAS de 1,74 gr/litro e que, face a tal resultado, foi então foi submetido a novo teste através de analisador “quantitativo”, acusando a TAS de 1,49 g/l (fls. 3, verso).
A leitura do auto substituiu a apresentação da acusação – fls. 8.
Finalmente, na sentença oral o sr. juiz declarou: “Dão-se como provados os factos da acusação, mais os referentes à condição pessoal do arguido que constarão da acta”.
Ou seja, os factos provados traduzem aquela realidade de terem sido efectuados dois testes. Primeiro, um “qualitativo” e, depois, outro “quantitativo”, que tiveram os resultados indicados.
Não há, pois, qualquer lapso na redacção do auto de notícia, nem erro na matéria de facto que a primeira instância considerou provada, pelo que esta se mantém inalterada.
A questão é outra. Resulta da fundamentação da sentença que na determinação da medida pena foi considerado o valor do teste efectuado no analisador “qualitativo” (1,74 gr/l) e não o que resultou do teste “quantitativo” (1,49 g/l). Mas aqui já não se está em sede de “erro na apreciação da prova”, mas de erro na aplicação do direito aos factos apurados. Não é uma “questão de facto”, mas uma “questão de direito”.
Efectivamente, nestes casos, só é atendível o resultado do teste “quantitativo”. O teste “qualitativo” só serve como mero indiciador da presença de álcool no ar expirado (art. 1 nº 1 do Dec.-Regulamentar 24/98 de 30-10). A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por meio de teste no ar expirado efectuado em analisador quantitativo (nº 2 do mesmo artigo).
Tendo o teste quantitativo acusado 1,49 g/l, era este valor que devia ter sido considerado na aferição da ilicitude e não o de 1,74 gr/l.
Sendo significativa a diminuição do grau da ilicitude, são excessivos os 75 dias de multa (não vem questionada a opção pela pena não privativa da liberdade). Numa moldura de 10 a 120 dias de multa, sendo médias a culpa e as exigências de prevenção, mostra-se ajustada uma pena situada sensivelmente a meio daquela moldura abstracta, pelo que se fixa a multa em 60 (sessenta) dias.
Não vem questionada a taxa fixada para cada dia de multa.
Quanto à sanção acessória:
Os critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da sanção acessória são basicamente os mesmos: os do art. 71 do Cod. Penal. Na sanção acessória há ainda a considerar algum efeito de intimidação.
Por isso, apesar da alteração da TAS a atender, nenhuma razão há para mexer na medida concreta da sanção acessória (5 meses), que se situa já muito abaixo do meio da respectiva moldura abstracta.
2 – A cominação de prática de crime de desobediência em caso de não entrega da licença de condução no prazo de 10 dias
Na parte decisória da sentença, após a fixação do período de cinco meses da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, consignou-se a obrigação do arguido “entregar a carta de condução no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo, incorrer em crime de desobediência”.
Com excepção da cominação da prática do crime de desobediência, reproduziu-se, no essencial, a norma do nº 2 do art. 500 do CPP.
No recurso defende-se não haver lugar à cominação.
Porém, nesta parte, o Ministério Público carece de interesse em agir.
Dispõe o art. 401 nº 2 do CPP que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
Esta norma significa que o recorrente, além da legitimidade, deve, no caso concreto, ter necessidade de usar do meio processual que é o recurso para realizar o seu direito. Não existe interesse processual quando o recorrente apenas visa satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial a seu favor – Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pag. 171.
Daqui resulta que não deverá conhecer-se do recurso se o recorrente em nada vir alterados os efeitos da decisão recorrida, mesmo que procedam inteiramente as conclusões por si formuladas.
Ora, nestes autos o objecto do processo é só determinar se o arguido cometeu o crime que lhe foi imputado e, em caso afirmativo, quais as sanções e obrigações adequadas ao seu caso.
A cominação em causa é, pela sua própria natureza, uma mera advertência, que não contém nenhuma decisão, ainda que implícita, sobre o mérito de qualquer questão, designadamente quanto à questão da verificação do crime de desobediência, em caso de incumprimento. Nada distingue esta advertência das advertências similares que são feitas por entidades administrativas, por exemplo, num embargo de obra. O embargado não pode "recorrer" ou impugnar judicialmente a mera advertência (pode, naturalmente, impugnar a obrigação de parar a obra, o que é diferente).
Por outras palavras, se o arguido vier a não entregar a carta, não é neste processo, mas no processo crime que, eventualmente, for instaurado, que terá de ser discutido e decidido se, efectivamente, cometeu um crime de desobediência. A mera advertência não afecta qualquer direito do arguido, pois que, se tal sucedesse, a decisão já seria recorrível em conformidade com os arts 20º, nº 1 e 32º, nº 1, da CRP.
O que significa que, nesta parte, estamos perante um despacho de mero expediente, conquanto inserido na sentença, cuja irrecorribilidade está prevista no artº 400º, nº 1, al. a), do CPP.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento parcial ao recurso, fixam em 60 (sessenta) os dias de multa em que o arguido Nuno F... vai condenado.
No mais mantêm a sentença recorrida.
Sem custas nesta instância.
30-5-2011