Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/11.8GBFLG.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: AMEAÇA
MAL FUTURO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PNAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – É requisito do crime de ameaça o anúncio de um mal futuro.
II – Há o anúncio de um mal futuro sempre que as palavras suscetíveis de provocar medo ou intranquilidade não tiverem sido proferidas na iminência da «execução» do crime anunciado, no sentido em que esta expressão é tomada para os efeitos de tentativa.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
MANUEL G... veio interpor recurso da sentença que pela prática de 1 crime de ameaça, agravado, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1, e 155º, nº1, al. a), do CP, o condenou na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00, e no pagamento à assistente-demandante Isaura C... da indemnização de €300,00.
O arguido expressa as seguintes conclusões:
I – A sentença recorrida viola o artigo 153 do C.P., porquanto integrou na previsão da norma uma conduta que a não preenche;
II – A ameaça tem como requisito que o mal ameaçado não possa ser iminente, mas tenha que ser um mal futuro dependente apenas da vontade ou resolução do ameaçador.
III – Tal ameaça não se pode esgotar no momento em que é proferida.
IV – A expressão “eu mato-te, sua puta, ponho-te as tripas cá fora” é uma expressão de absoluto presente e não admite qualquer interpretação de ameaça para o futuro.
V – De resto, o tribunal não equacionou tal requisito nem se convenceu de que essa ameaça era para futuro.
VI – Apenas se convenceu do “susto imediato”.
VII – Os factos dados por provados nos pontos 1 a 6 da decisão da matéria de facto partiram da afirmação e dedução desse susto imediato, sendo, por isso, erradamente fixados, com violação da al. c) do nº 2 do artigo 410 do C.P.P..
VIII – É da experiência e lógica comum que não havendo ameaça para futuro, não pode haver adequado medo para futuro, pelo que a fixação de tais factos viola também o artigo 127 do C.P.P.
IX – A sentença recorrida viola os artigos 127 e 410 nº s al. c) do C.P.P. e artigo 153 do C.P..
O Ministério Público respondeu, concluindo pela absolvição do arguido.
A assistente-demandante respondeu, pugnando pela confirmação da sentença.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto aderiu àquela posição, emitindo parecer que o recurso merece provimento.

II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
As razões da suscitada discordância:
1ª) o “erro notório na apreciação da prova”;
2ª) o errado enquadramento jurídico dos factos como crime de ameaça.

2. A SENTENÇA RECORRIDA.
No que ora releva, apresenta o seguinte teor:
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 - Factos Provados:
1) No dia 26 de Janeiro de 2011, cerca das 12h15, quando a ofendida Isaura C... caminhava na Rua P, Lixa, área desta comarca, juntamente com a sua filha, Lúcia T..., o arguido que circulava numa viatura automóvel, ao passar pelas mesmas, e porque passou muito rente às mesmas, a ofendida efectuou um gesto (pondo a mão no ar e aberta, a simbolizar e, como se costuma dizer na gíria que era “tolinho”), e perante tal gesto, o arguido, parou a sua viatura uns metros à frente, saiu da mesma e dirigiu-se à elas e virando-se para a ofendida Isaura e abeirando-se desta proferiu a seguinte expressão: “Eu mato-te, sua puta, coloco-te as tripas cá fora”.
2) A expressão proferida é um meio idóneo a provocar medo e inquietação, o que aconteceu, na medida em que a ofendida, em consequência da mesma, ficou a temer pela sua vida e integridade física.
3) O arguido sabia que a sua conduta era apta a causar medo e inquietação na ofendida e prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis, não se abstendo de agir do modo descrito.
4) O arguido agiu livre e conscientemente, bem conhecendo que a sua conduta é punível por lei.
5) Com a conduta referida em 1) e praticada pelo arguido, a ofendida sofreu um susto, e desde então que receia que o demandado e arguido concretize tal ameaça, vivendo perturbada e com medo, receando pela sua própria vida.
6) A Demandante evita frequentar locais públicos e caminhar sozinha pela ruas da localidade onde reside, com medo de se encontrar com o arguido.
7) O arguido Manuel:
a) trabalhava na construção civil, mas devido a um problema de saúde, encontra-se à espera de vir a ser reformado por invalidez, não recebendo, por ora, qualquer subsidio ou reforma;
b) é casado e vive com a ajuda da sua mulher, a qual está desempregada, mas recebe um subsídio de desemprego de cerca de € 325,00 por mês;
c) têm 3 filhos maiores;
d) habitam em casa própria;
e) tem a 4ª classe;
f) Do seu CRC mais actualizado não constam antecedentes criminais.
2- Factos não Provados:
Não se provou que:
1) o arguido, na altura referida em 1) dos factos dados como provados tivesse exibido uma arma à ofendida.
2) os factos referidos em 1) tivessem ocorrido perante outras pessoas que, naquele momento passassem na referida rua, o que a fez sentir vexada e humilhada.
3) nos dias posteriores ao sucedido a ofendida tivesse tido vergonha de sair de casa, para qualquer lado, uma vez que era reiteradamente questionada sobre os factos ocorridos no dia 26.01.2011.
4) à data dos factos, a demandante era uma pessoa saudável e alegre que gostava de conviver com os amigos, e a partir daí, passasse a ter um comportamento triste, introvertido, deixando de conversar normalmente com os familiares, amigos e vizinhos;
5) o facto referido em 1) agudize ainda mais o seu sofrimento;
6) a ofendida tenha sofrido sequelas psicológicas e que as mesmas perdurem por muito tempo e condicionem a sua vida normal, dada a violência de actuação do demandado;
7) quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, contestações, pedido de indemnização civil ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
(…)
IV – ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
Enquadramento jurídico-penal dos factos
Vem o arguido acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, nº1 e 155º, nº1 al. a) do Código Penal.
Estipula o n.º 1 do art. 153.º, que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Por outro lado o art.155.º, n.º1, al. a) estabelece que quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados por meio de ameaça de prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”.
São, assim, elementos constitutivos deste crime, na previsão prevista pelo n.º 1, da referida norma:
a) o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime;
b) que o agente tenha actuado com dolo (em qualquer das suas definições, constantes do art. 14º do Código Penal).
c) que o anúncio seja objectivamente (ou seja, do ponto de vista do homem médio) adequado a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação;
E, quanto a este requisito, no Código Penal de 1995, passou a exigir-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar, lesar a paz individual ou liberdade de determinação, não sendo necessário sequer que em concreto se tenha provocado medo ou inquietação no ofendido ou tenha o mesmo ficado afectado na sua liberdade de determinação (neste sentido Figueiredo Dias, Actas, 1993, 500); deixou assim, este crime de ser um crime de resultado ou dano, como sucedia no Código Penal de 1982, para passar a ser um crime de mera acção ou perigo (Comentário Conimbricence, dirigido pelo mesmo autor, tomo I, 1999, p. 348).
Com efeito, como se refere no dito Comentário “o critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das “sub-capacidades do ameaçado”.
Ora, no presente caso, a expressão proferida pelo ofendido e dirigida à ofendida e constante do item 11) dos factos dados como provados, foi uma ameaça do arguido para com a ofendida da prática de uma crime de homicídio da referida ofendida; sendo certo que tal expressão, atento o contexto em que a mesma foi efectuada, foi claramente ameaçador, e afigurou-se ser adequada, segundo um critério exclusivamente objectivo, a provocar medo e inquietação na referida ofendida, e de acordo com a experiência comum tal expressão era, neste caso concreto, e configurou uma ameaça susceptível de ser tomada a sério, como foi, pela ameaçada, atento o contexto e a forma como decorreu (em virtude de problemas anteriores).
Assim sendo, e com a sua conduta, e referida nos itens 1) e 2) dos factos dados como provados e altamente reprovável, o arguido preencheu os elementos objectivos deste tipo de ilícito, na forma agravada, atenta a ameaça da ofendida com um crime de homicídio, crime este punível com uma pena de prisão superior a 3 anos, e tendo agido como referido nos itens 3) e 4) dos factos dados como provados, ou seja, tendo ainda o arguido agido de forma livre, deliberada e consciente, no claro intuito de, através da sua conduta e e expressão proferida, causar temor e medo na ofendida, como efectivamente causou, apesar de bem saber que a sua atitude era adequada a causar na visada tais sentimentos de medo e de receio, para além de mais saber que a sua conduta era punida e proibida por lei, preencheu, igualmente, o elemento subjectivo deste tipo de ilícito.

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. O vício
Parece ao arguido que os factos dados por provados nos pontos 1 a 5 (ou 6 Acrescento nosso: na Motivação, referem-se os Factos Provados 1 a 5, mas nas Conclusões, adita-se o 6 – v. fls. 171vº e Conclusão VII.) da decisão da matéria de facto deveriam ser dados por não provados, porque essa não prova resulta de texto da decisão recorrida, havendo, por isso, erro notório da apreciação da prova, com violação da al. c) do nº 2 do artigo 410 do C.P.P.”.
Estatui o citado artº 410º, nº2, al. c), do CPP: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: Erro notório na apreciação da prova”.
Do transcrito preceito decorre, claramente, que este vício da matéria de facto tem de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações e depoimentos exarados ou a documentos juntos ao processo.
O erro notório na apreciação da prova (…) verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Acórdão do STJ de 02/02/2011, proc. 308/08.7ECLSB.S1, in www.dgsi.pt..
O sustentáculo da pretensão do Recorrente é algo ininteligível, misturando, sem fio condutor, “factos não provados”, a “convicção do tribunal” e a “fundamentação do aspecto jurídico da causa”.
Nem se compreende, aliás, a tese aflorada de que o Tribunal a quonão se convenceu de que essa ameaça era para futuro, apenas se convenceu do «susto imediato» Conclusões V e VI., perante, designadamente, a factualidade narrada sob os nºs 2, 5 e 6.
Certo é que, analisada a sentença na sua integralidade, não se descortina tal vício, ou seja, que tenha sido dado por provado ou não provado um ou mais factos que contrariem patentemente “a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Para usar a expressão do STJ, no ac. supra-citado.
O que o arguido verdadeiramente pretende é refutar a decisão sobre matéria de direito proferida pelo Tribunal a quo, traduzindo as respectivas alegações uma desconformidade de entendimentos jurídicos entre a decisão do 1º Juízo de Felgueiras e aquela que teria sido a sua própria.
Semelhante discordância com o enquadramento jurídico efectuado pelo Mmº Juiz a quo não se confunde com os vícios da sentença previstos na lei adjectiva e é inócua para prefigurar o vício em análise, uma vez que, objectivamente, nada resulta do conteúdo da sentença que constitua “erro notório” na apreciação da prova.
3.2. O enquadramento jurídico
Considera o Recorrente que a sentença integrou na previsão da norma do artº 153º do C.P. uma conduta que a não preenche, uma vez que “a ameaça tem como requisito que o mal ameaçado não possa ser iminente, mas tenha que ser um mal futuro” e “a expressão «eu mato-te, sua puta, ponho-te as tripas cá fora» é uma expressão de absoluto presente e não admite qualquer interpretação de ameaça para o futuro”.
Não oferecendo dúvida que ameaçar é anunciar a alguém um mal, necessariamente futuro, o “pomo da discórdia” jurídica (comum ao Recorrente e ao Ministério Público) cinge-se àquilo que se deve entender por “mal futuro”.
Ora, essa característica essencial do crime de “ameaça” – o mal ameaçado ter de ser futuro – está presente no caso em apreço.
As circunstâncias em que são descritas a acção e o querer do arguido –…quando a ofendida Isaura C... caminhava na Rua… juntamente com a sua filha, Lúcia T..., o arguido que circulava numa viatura automóvel …passou muito rente às mesmas … parou a sua viatura uns metros à frente, saiu da mesma e dirigiu-se à elas e virando-se para a ofendida Isaura e abeirando-se desta proferiu a seguinte expressão: “Eu mato-te, sua puta, coloco-te as tripas cá fora”… a ofendida, em consequência da mesma, ficou a temer pela sua vida e integridade física… O arguido sabia que a sua conduta era apta a causar medo e inquietação na ofendida e prejudicar a sua liberdade de determinação, o que quis, não se abstendo de agir do modo descrito… O arguido agiu livre e conscientemente… a ofendida sofreu um susto, e desde então que receia que o demandado e arguido concretize tal ameaça, vivendo perturbada e com medo, receando pela sua própria vida… A Demandante evita frequentar locais públicos e caminhar sozinha pela ruas da localidade onde reside, com medo de se encontrar com o arguido Factos Provados 1 a 6. - são indicativas do aviso de uma ofensa contra a vida que estás prestes a acontecer, que irá concretizar-se, logo, “futura”.
Sobre a interpretação de mal “futuro”, já esta Relação se pronunciou, de forma exaustiva e proficiente, nos arestos que passamos a citar e a cuja fundamentação aderimos.
I – Tudo o que não seja execução iminente ou em curso – caso de uso de violência – é futuro, em termos de anúncio de causação de um mal, sendo indiferente que a expressão usada seja “agora”, “hoje”, amanhã ou para o ano.
II – Futuro é todo o tempo compreendido naquele em que é proferida a expressão que anuncia o mal que o seu autor diz que será causado, não acompanhada, esta, de actos correspondentes à sua simultânea ou absolutamente imediata concretização.
III – Ou seja, sempre que alguém dirija a outrem uma expressão verbal – ou de outra natureza – de anúncio de causação de um mal, não acompanhando essa acção com os actos de execução correspondentes – permanecendo inactivo em relação à execução do mal anunciado –, todo o tempo que durar essa inacção e se mantiver a possibilidade de o mal anunciado se concretizar é o futuro, em termos de interpretação da expressão em causa.” (ac. de 07/01/2008, relatado pelo Desemb. Ricardo Silva no proc. 1798/07-2 Acessível em www.dgsi.pt.).
Com efeito, o Prof. Taipa de Carvalho assinala que “O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex, haverá ameaça, quando alguém afirma hei-de-te matar: já se tratará de violência quando alguém afirma “vou-te matar já” (Comentário Conimbricence do Código Penal, Tomo I, cit., pág. 343).
Mas, salvo o devido respeito, este trecho do texto do Prof. Taipa de Carvalho tem de ser cuidadosamente ponderado e aquelas palavras não podem ser aplicadas acriticamente, sob pena de intoleráveis atropelos à legalidade democrática, criando áreas de impunidade criminal onde o legislador as não autoriza, para além de se atraiçoar o pensamento daquele Mestre.
Antes do mais, é manifesto que o mal objecto da ameaça tem de ser um mal futuro.
Ameaçar “é anunciar a alguém um grave e injusto dano, necessariamente futuro” (Ac. da Rel. do Porto de 17-1-1996, proc.º n.º 9540886, rel. Fernando Frois, in www.dgsi.pt).
Mal futuro que se contrapõe a um mal passado. O anúncio de um mal que se projectaria no passado não constitui ameaça. Assim, a expressão “eu já no dia 24 deste mês era para o matar com uma carrinha”dirigido pelo arguido ao ofendido, por ser uma ameaça de acção em tempo passado não tem objectivamente, de forma inequívoca, o sentido de uma ameaça para o futuro, pelo que não integra o crime de ameaça”(Ac. da Rel. do Porto de 6-7-2000, proc.º n.º 0010392, rel. Marques Pereira, in www.dgsi.pt).
Mas o futuro é o tempo que há-de vir, aquilo que vai ser ou acontecer num tempo depois do presente (Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da língua Portuguesa Contemporânea, I vol., 2001, pág. 1846), o tempo que se segue ao presente, o que está por vir, que há-de ser, que deverá estar, que há-de acontecer, suceder (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa, 2003, tomo IV, pág. 1828), aquilo que há-de ser (Cândido de Figueiredo, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 25ªed, vol. II, 1996, pág.1225), que há-de vir (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 170), que está para ser, que está por acontecer (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2004, pág. 803).
Que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o este seja curto ou longo é irrelevante (Taipa de Carvalho, cit, §7, pág. 343).
O mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer.
Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, que há-de ser, que há-de vir, embora esteja próximo, prestes a acontecer.
É claro que sendo o mal iminente poderemos estar perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal, já que segundo a alínea c) do artigo 22º do Código Penal, o anúncio daquele mal pode, segundo a experiência comum, ser de natureza a fazer esperar que se lhe sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores, isto é, actos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime, ou que sejam idóneos a produzir o resultado típico.
Mas daí se não segue, necessariamente, que deixe de existir uma ameaça.
Quando alguém afirma que “vou-te matar”, poderemos estar perante uma tentativa de homicídio, de tentativa de coacção, que consomem naturalmente a ameaça, ou perante um crime de ameaças. Tudo depende da intenção do agente.
É que, para haver tentativa não basta a prática de actos de execução é necessário que esses actos sejam de execução de um crime que o agente “decidiu cometer” (art. 22º, n.º1).
Aliás, algumas linhas à frente do excerto acima citado e que tantas incompreensões tem gerado, o próprio Prof. Taipa de Carvalho esclareceu que “Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf. art. 22º-2-c) – op. cit. § 7, pág. 343 (itálico nosso).
Se, por exemplo, o agente não tem intenção de matar, aquela expressão, não integra um acto de execução de um crime de homicídio, mas integra claramente um crime de ameaças, verificados os demais pressupostos deste tipo de crime, nomeadamente a consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade [cfr. neste sentido, v.g., o Ac. da Rel. de Lisboa de 17-6-2004,proc.º n.º 3525/04, rel. Almeida Cabral “(…) o agente que no calor de uma discussão, de natureza familiar, diz para a vítima em tom sério ‘mato-te’, comete o crime de ameaças previsto no art.º153º do Cód. Penal)”,in www.pgdlisboa.pt), o Ac. da Rel. do Porto de 5-1-2000, proc.º n.º 0040533, rel. Pinto Monteiro, em que estavam em causa as expressões “sua filha da puta, eu rebento-te os cornos” e “mato-vos a todos, seus filhos da puta” dirigidas pela arguida à assistente, o Ac. da Rel. do Porto de 25-8-1999, proc.º n.º 9910861 em que estava em causa a conduta da arguida que intimidou a assistente, encostando à cabeça desta uma pistola que sabia não estar municiada, ao mesmo tempo que disse que a matava e que já tinha sete palmos à conta dela de sepultura”, ambos in www.dgsi.pt,], sendo certo que a motivação da ameaça como crime autónomo é irrelevante (…)” (ac. de 18/05/2009, relatado pelo Desemb. Cruz Bucho no proc. 349/07.1PBVCT www.dgsi.pt.).
Em suma, no caso sub judice, a matéria de facto provada integra a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de ameaça, agravado, p. e p. pelos artº 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a), do CP, pelo que não merece reparo a subsunção jurídica operada pelo Tribunal a quo.

Em conclusão: não se vislumbra “erro notório na apreciação da prova”; e está correcto o enquadramento dos factos como ilícito de ameaça agravada.
III - DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido MANUEL G....
2. Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça devida.
18 de Novembro de 2013