Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3607/06.9TBBRG.G1
Relator: ANTÓNIO COSTA SOBRINHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RISCOS COBERTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - No domínio do art. 433º do Código Comercial, o fundamento da regra proporcional está na insuficiência do prémio do infra ou sub-seguro.
II - Tal normativo aplica-se no caso de o valor da coisa ser superior ao declarado no contrato devido unicamente ao aumento do seu preço.
III - Havendo destruição ou desaparecimento total da coisa, o segurado considera-se segurador de si mesmo do valor da coisa não abrangido pelo seguro, tendo direito a receber do segurador o valor declarado, por ser esse o limite máximo da indemnização contratado.
IV - Tendo as partes clausulado a actualização automática e anual do capital seguro, esta indexação do seguro, que visa o seguro pleno, afasta a aplicação da dita regra.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente: Companhia de Seguros… , S.A. (Ré);
Recorrida: B… (Autora);

Na presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário que a autora intentou contra a ré, pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 249.250,00, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento.

Causa de pedir:
Alega, em síntese, que celebrou com a Ré um seguro multi-habitação e, em 15 de Maio de 2005, desconhecidos introduziram-se na habitação e furtaram objectos colocados nas paredes, sobre os móveis e guardados em gavetas, no valor total de € 259.1540,00, tendo dependido € 750,00 na reparação da porta e substituição do canhão da fechadura arrombada, sendo certo que a cobertura base garantida para o conteúdo pelo contrato seguro é de € 249.250,00.

Na contestação, a ré contrapôs que parte dos bens descritos estariam fora do âmbito da cobertura do contrato de seguro e os demais estão excessivamente valorizados pela autora, que, quanto às jóias e objectos de metal precioso, apenas poderia ser responsável até ao limite máximo de € 15.000,00, a máquina fotográfica, as quantias em dinheiro, a aparelhagem leitor de cd, o projector de computador marca HP não têm cobertura contratual e a ser responsável pelo restante, os prejuízos seriam de € 50.576,77.
Houve réplica.
Replicou a autora, mantendo o alegando na sua petição.

Realizada audiência preliminar, seleccionaram-se os factos assentes e controvertidos elaborando-se base instrutória.
Procedeu-se a julgamento e respondeu-se à matéria da base instrutória.

Seguidamente foi proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente e se condenou a Ré Companhia de Seguros… , S.A. a pagar à Autora:
a) a quantia que se vier a liquidar relativamente à substituição do canhão da fechadura e reforço da porta;
b) a quantia de € 122.958,00 (cento e vinte e dois mil novecentos e cinquenta e oito euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

*****

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a ré, em cuja alegação formulou, em suma, as seguintes conclusões:
(…)

*****

A autora apresentou contra-alegações a pugnar pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

As questões suscitadas pela recorrente são, em resumo:

a) Impugnação da matéria de facto;
b) Redução da indemnização com base no sub-seguro dos objectos furtados;

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1. Por contrato de seguro multi-habitação, válido e vigente em 15.05.2005, titulado pela apólice n.º9934508298, de que é tomadora a autora, a ré garantiu a cobertura dos danos directamente causados nos bens que constituem o edifício e recheio do imóvel sito na Rua Dr. Frederico da Fonseca, lote 5, Nogueiró, em Braga, nos termos e com as condições gerais e particulares e valores descritos no documento de fls. 20 a 43, cujos integrais termos aqui se dão por reproduzidos – al. A dos Factos Assentes (FA).
2. Com data de 24 de Maio de 2005 a A. remeteu aos serviços da ré a participação que constitui o documento de fls. 48, cujos termos aqui se dão por reproduzidos – al. B dos FA.
3. No dia 15 de Maio de 2005, cerca das 4h00, terceiros introduziram-se na residência aludida em 1º, através de arrombamento da porta lateral da cozinha existente no rés-do-chão e de arrombamento do canhão da fechadura da referida porta – respostas aos factos 1º a 3º da Base Instrutória (BI)
4. Uma vez no interior da residência os aludidos terceiros apropriaram-se de objectos que se encontravam na cave e no rés-do-chão e que aí se encontravam colocados nas paredes, sobre os móveis e guardados em gavetas e nas respectivas caixas- respostas aos factos 4º e 5º da BI.
5. À hora do furto a A. dormia no primeiro andar com as suas filhas e apercebeu-se do sucedido no início da manhã, tendo de imediato efectuado a participação do furto à GNR – Bom Jesus – respostas aos factos 6º a 8º da BI.
6. Entre os objectos furtados constam:
duas estátuas em prata no valor de € 40.000,00 (resp.9º)
dois quadros no valor de € 47.385,80 (resp. 10º)
um plasma no valor de € 10.000,00 (resp. 11º)
um anel no valor de, pelo menos, € 3,500,00 (resp. 12º)
um relógio Rolex de homem (presidente) no valor de € 20.000,00 (resp. 13º)
um relógio de senhora Rolex de ouro com brilhantes no valor de € 10.000,00 (resp. 14º)
um colar com brilhantes no valor de € 25.000,00 (resp. 16º)
uma taça bombonier no valor de, pelo menos, € 1,500,00 (resp. 21º)
uma molheira em prata marca Guimarães Coroa no valor de € 3.000,00 (resp. 22º)
uma taça tipo fruteira marca Águia 1º título, 2Kg no valor de € 1.500,00 (resp. 23º)
uma salva de prata marca Javali 1,8kg no valor de € 2.000,00 (resp. 24º) uma terrina em prata marca Porto coroa 3kg no valor de € 6.000,00 (resp. 25º)
uma taça em prata (pingadeira) marca Porto Coroa 300gr no valor de € 9.400,00 (resp. 26º)
seis castiçais solitários em prata marca Guimarães Coroa 1,2kg no valor de € 7.500,00 (resp. 27º)
dois castiçais solitários em prata marca Porto Coroa 950gr no valor de € 3.500,00 (resp. 28º)
dois castiçais de três velas marca Águia 4kg no valor de € 3.000,00 (resp. 29º)
um cesto de pão em prata marca Águia 1,3kg no valor de, pelo menos, € 1.000,00 (resp. 31º)
uma bilheteira em prata no valor de € 1.500,00 (resp. 32º)
um relicário em ouro no valor de € 4.500,00 (resp. 33º)
um prato em estanho de decoração no valor de € 250,00 (resp. 34º)
uma chaleira em estanho de decoração no valor de € 250,00 (resp. 35º)
um conjunto de 4 copos e garrafa de licor marca Atlantis no valor de € 300,00 (resp. 36º)
uma Balança de cozinha Casa Alegre no valor de € 200,00 (resp. 37º)
um faqueiro em caixa por abrir no valor de, pelo menos, € 300,00 (resp. 38º)
uma aparelhagem (leitor só de CD de 100) no valor de € 500,00 (resp. 39º)
cem CD’s introduzidos no leitor de CD no valor de € 500,00 (resp. 40º)
um projector de computador HP de valor não apurado (resp. 41º)
um relógio de bolso em ouro marca Roskof com cordão de ouro no valor de € 2.500,00(resp. 42º)
uma caixa Camilo Castelo Branco do século XVIII no valor de € 2.000,00 (resp. 43º)
uma máquina de café automática de valor não apurado (resp. 44º)
uma fruteira de Cristal Atlantis no valor de € 320,00 (resp. 45º)
uma colecção de dez cinzeiros Vista Alegre no valor de € 2.500,00 (resp. 46º)
dez cigarreiras de colecção em prata no valor de € 2.000,00 (resp. 47º)
7. A A. adquiriu as duas estatuetas em prata em 06.06.2002 a Francisco Andrade de
Carvalho pelo preço aludido em 6º, o que fez mediante prévia visualização por fotografia das suas características constantes dos documentos de fls. 51 – resp. 48º e 49º.
8. A A. adquiriu em 31.07.2000 dois quadros com motivos marítimos de finais do século XVIII a Alfredo Manuel da Silva Viana, o que fez mediante pagamento do preço de € 47.385,80 e após visualização dos mesmos por fotografia cujas fotocópias constam de fls. 54 - resp. 50º a 52º.
9. A A. adquiriu ao referido Alfredo Viana um Cristo em marfim, trabalho europeu do século XVIII com cerca de 70cms de altura pelo valor de € 19.951,92 que havia sido encaixilhado e assim foi roubado e que tinha as características constantes da fotografia de fls. 56 – resp. 53º a 55º.
10. O relógio Rolex de homem foi adquirido pela autora em 10.01.2003 a Eduardo Armando Ribeiro Garcia Araújo – resp. 56º.
11. O relicário em ouro foi adquirido após visualização da fotografia constante e fls.60
– resp. 57º.
12. A A. substituiu o canhão da fechadura e reforçou a porta, no que despendeu quantia não concretamente apurada – resp. 58º.

*****

2. Apreciação fáctico/jurídica;

a) Impugnação da matéria de facto:
(…)
Porquanto se deixa aduzido, a valoração da prova levada a cabo pela 1ª instância mostra-se adequada, razoável e conforme com o conteúdo global dos meios de prova produzidos nos autos – razão por que não se altera a matéria de facto.

b) Redução da indemnização com base no sub-seguro dos objectos furtados;

Esgrime a recorrente o argumento de que a indemnização é excessiva (não deveria ser superior à de 91.114,65€) com base na regra proporcional a que alude o artº 433º do Código Comercial, o qual estatui: “Se o seguro contra riscos for inferior ao valor do objecto, o segurado responderá, salva convenção em contrário, por uma parte proporcional das perdas e danos”.
Isto porque, segundo a apelante, nos termos do artigo 23º das Condições Gerais da Apólice, “o capital do seguro deverá corresponder ao custo de substituição dos bens objecto do contrato pelo seu valor em novo” e se estabeleceu no artigo 26º das mesmas Condições Gerais que, “se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao determinado nos termos da cláusula 23º, o segurado responderá pela parte proporcional dos prejuízos, como se fosse segurador do excedente”.
Nesta problemática, perfilha-se a posição acolhida na sentença e que se consubstancia no seguinte: o fundamento da regra proporcional está na insuficiência do prémio do infra ou sub-seguro.
Como se defende no Ac. do STJ de 03-12-2002, proc.03A1605, in dgsi.pt, o artº. 433º do C.Comercial aplica-se no caso de o valor da coisa ser superior ao declarado no contrato devido unicamente ao aumento do seu preço.
Havendo destruição ou desaparecimento total da coisa, o segurado considera-se segurador de si mesmo do valor da coisa não abrangido pelo seguro, tendo direito a receber do segurador o valor declarado, por ser esse o limite máximo da indemnização contratado.
É que variando o prémio do seguro com o risco e a indemnização a pagar, o segurador deve pagar a indemnização correspondente aos prémios que recebeu.
Com o mesmo entendimento, pode consultar-se o Ac. do STJ de 22-09-2011, proc. 710/06.9TCGMR.G1.S1, in dgsi.pt, que, citando José Vasques José Vasques, Contrato de Seguro, p. 146, nota (293). , dá o seguinte exemplo:
“Figure-se um seguro garantindo um edifício e respectivo recheio, valendo respectivamente, 100 e 50 contos, seguros por metade do seu valor: 50 e 25. Em caso de sinistro de que resultem danos de 30 no edifício e a perda total do recheio, as indemnizações seriam de 15 (30 x 50 : 100) e de 25 (50 x 25 : 50) – o facto de a indemnização em caso de perda total corresponder ao valor seguro leva alguns autores a dizer que neste caso não se aplica a regra proporcional Pinheiro Torres, in Ensaio sobre o Contrato de Seguro,, sustenta, ao invés, expressamente que a regra proporcional é tanto de aplicar ao sinistro total como ao parcial.”.
É ainda de sublinhar que as partes clausularam especificamente a actualização automática e anual do capital seguro e, concomitantemente, do respectivo prémio, de acordo com os índices referidos na condição especial 06 das condições especiais e o artº. 24º das condições gerais (doc. de fls. 25vº e 29vº).
Em suma, também esta indexação do seguro, que visa o seguro pleno, afasta a aplicação da regra proporcional nos termos defendidos pela seguradora, ou seja, que a regra proporcional, a qua alude o artº. 433º, do C. Comercial, nos casos de perda total, corresponde, não ao valor seguro e em função do qual pagou o respectivo prémio, mas sim a um montante inferior, resultante da percentagem de infra-seguro aplicada ao próprio valor seguro.
Dir-se-á aqui que tal solução defendida pela recorrente/seguradora beliscaria os ditames de boa fé contratual e o princípio do equilíbrio das prestações dos contraentes (ínsito à equivalência entre o risco coberto e o prémio efectivamente pago), o que se traduziria então numa evidente desproporção em desfavor do segurado, quando é certo que, a indemnização recebida incide já sobre o valor seguro e não sobre o valor da coisa perdida, que é superior.
Em resumo, tratando-se no caso sub iudice de perda total, a indemnização a pagar pela seguradora pode sintetizar-se na seguinte fórmula: valor do objecto perdido (dano) x valor do seguro : valor do objecto = valor a pagar.
Reportando-nos agora aos referidos objectos furtados - quadros, estátuas de prata, relógios “Rolex”, jóias e outros objectos de metal precioso - a sentença recorrida fixou a indemnização dentro destes parâmetros, ou seja, tendo como limite o valor do seguro, já que o valor do dano o excedia, pelo que se mantém o decidido.

IV – Decisão;

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta secção cível em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.



Guimarães,............/......../.........,

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