Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
406/13.5TBPTL.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL
PRAZO
TRIBUNAL COMUM
BANCO NACIONAL DE ARRENDAMENTO
DESPEJO
RENDAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. . Não havendo lugar a despacho saneador nem à realização de audiência prévia nem a julgamento, por ausência de contestação dos RR., sendo a revelia operante, o tribunal pode oficiosamente conhecer da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria na sentença final.
2. . É o tribunal judicial o competente em razão da matéria para as acções em que se pretende a entrega do locado e a condenação dos devedores principais e do devedor subsidiário no pagamento das rendas em dívida, porquanto o procedimento especial de despejo não permite a dedução de pedidos de pagamento de rendas contra o devedor subsidiário.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
AA e BB, instauraram a presente acção de declaração, sob a forma de processo sumário, contra CC, DD e EE, todos melhor identificados nos autos, efectuando os seguintes pedidos:
- decretar-se a resolução imediata do contrato de arrendamento descrito nos autos, por incumprimento contratual dos 1°s RR
- condenarem-se os 1°s RR a restituírem e a entregarem, de imediato, aos AA, o imóvel arrendado;
- condenarem-se todos os RR ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, e despesas de electricidade, acrescida da indemnização legalmente prevista, e respectivos juros de mora.
Em síntese, alegaram que, são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artº 1° da petição inicial.
Mais alegaram que por contrato escrito celebrado no dia 21.5.2011, cederam aos 1°s RR o gozo e fruição, para sua habitação, do referido prédio, pelo prazo de 1 ano, com inicio em 01.6.2011, mediante o pagamento, por aqueles do montante de 150,00€ mensais, a pagar até ao dia 8 de cada mês, tendo a R. EE outorgado tal contrato na qualidade de fiadora, nos termos e com as obrigações constantes do contrato.
Invocaram ainda que os 1ºs RR. deixaram de pagar a renda acordada em Julho de 2012, assim como deixaram de pagar a energia eléctrica, despesa que os AA têm vindo a suportar.
Regularmente citados os réus não deduziram contestação.
Por despacho exarado a fls. 37, consideram-se confessados os factos articulados pelos AA., dando-se cumprimento ao disposto no artº 567°, nº 2 do CPC.
Após foi proferida sentença que julgou o Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção, por ser competente o Balcão Nacional de Injunções para a sua tramitação e que absolveu os AA. da instância por não haver possibilidade de aproveitamento do articulado deduzido.
Os AA. não se conformaram e interpuseram o presente recurso, onde ofereceram as seguintes conclusões:
1) Na sentença recorrida entendeu o tribunal a quo, não obstante só o ter feito um (01) ano e e cinco (05) meses após a entrada da petição inicial em juízo, mesmo depois de várias diligências ordenadas pelo mm. Juiz do mesmo Tribunal, que, afinal, este tribunal era incompetente em razão da matéria.
2) A Acção de despejo segue a tramitação do processo comum, pelo que não tendo sido tal incompetência decretada no despacho saneador ou até início do julgamento, vide art.595º nº1 al. a) do CPC conjugado com o art. art.97º nº2 e 98º do CPC, já não era possível declará-la na sentença como aqui foi feito.
3) Não foi aplicado o art.592º nº1 a) e nº2 que remetem para o 593º nº2 todos do CPC, ou seja, nas acções não contestadas, “[…] nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, o juiz profere:
a)despacho saneador nos termos do n.º1 do artigo 595º;”, pelo que poderia ter o tribunal a quo decidido de imediato a causa (cfr. art. 595º nº1 a) do CPC.
4) Ao não ter elaborado despacho saneador e só tendo declarado a incompetência em razão da matéria na sentença, ficou vedado o conhecimento oficioso da competência em razão da matéria nos termos dos artigos supracitados.
5) A Lei n.º31/2012, de 14 de Agosto, introduziu no NRAU o procedimento especial de
despejo, que corre os seus trâmites no Balcão Nacional do Arrendamento (BNA).
6) Contudo, são específicas e estão legalmente previstas as situações concretas que podem permitir o recurso ao procedimento especial de despejo (nomeadamente art.15º-B do NRAU).
7) Assim, se estiver em causa a resolução do contrato pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento de rendas, serve de base ao procedimento o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário prevista no n.º 2 do art. 1084º do CC – art. 15º n.º2 al. e) do NRAU.
8) O BNA tem competência exclusiva para a a Acção ESPECIAL de Despejo (Art.15º NRAU), mas não para a Acção de Despejo (Art. 14º do NRAU), sendo que esta última é que foi intentada, pois o procedimento “extrajudicial”/especial de despejo e a acção de despejo são meios alternativos ao dispor do senhorio.
9) A não apresentação de algum dos documentos tem como consequência a recusa do
requerimento do procedimento especial de despejo a apresentar no BNA – art. 15º-C, n.º1 al. b) do NRAU.
10) A Lei não prevê que os arrendatários possam ser citados editalmente, nem obriga a que se esgotem todos os tipos de notificação previstos no art.9º nº7 do NRAU (art.1084º nº2 CC), como também não obriga a que se tenham de efectuar as comunicações e a esgotar os prazos dos arts.10º nº5 a) e b) do NRAU, e sem estes elementos não é possível recorrer ao BNA (nestes termos vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. 747/13.1TBPVZ.P1, de 06-05-2014).
11) Daí não restar aos A.A., no caso sub judice, outro meio para a resolução do contrato e arrendamento com base na falta de pagamento de rendas e subsequente despejo, senão a via judicial por meio da acção de despejo sediada no art. 14º do NRAU.
12) A acção declarativa de condenação por falta de pagamento de rendas no âmbito de um contrato de arrendamento continua a constituir meio que pode ser utilizado pelo senhorio para fazer cessar a relação de arrendamento, uma vez que a resolução extrajudicial do contrato com base em tal fundamento encontra-se prevista na lei, enquanto mera faculdade concedida ao senhorio.
13) A não ser assim, carecendo os ora A.A., como senhorios, de um meio de tutela, não o teriam, pois estes não são obrigados por Lei a efectuar várias tentativas de comunicação pessoal, que in casu se frustraram, também não foi convencionado domicílio no contrato de arrendamento, ou a aguardar o decurso dos prazos de comunicações previstos no NRAU para os arrendatários se considerarem notificados.
14) Pelo que os arts. 20.º n.º1 e n.º4 da CRP e 3.º n.º 2 impõem uma leitura restritiva do âmbito literal do art. 14º n.º 1 e 15º e ss. do NRAU.
15) E assim sendo, não se verifica no presente caso a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial de Ponte de Lima.
16) A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 14º n.º 1; 15º n.º 2 al.e) e 15º-A n.º1, todos do NRAU, art. 96º, al. a) do CPC e art. 20º n.º 1 e n.º4 da CRP, pelo que é nula e sem nenhum efeito.
17) Foi coarctado ilegitimamente o direito de acção dos AA., pois as vias judiciais e extrajudiciais apenas podem ser consideradas como alternativas e não como excludentes uma da outra; ou seja, a possibilidade de resolução extrajudicial nunca pode ser encarada como susceptível de eliminar o direito à resolução judicialmente exercido.
18) A Lei, a Jurisprudência e a Doutrina são unânimes no sentido de considerar que a pretensão dos AA. é válida e legal, e, portanto, o Tribunal Judicial de Ponte de Lima é competente em razão da matéria.
19) Conclui-se, pois, pelo pedido de revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue competente o tribunal recorrido.

II – Objecto do recurso

Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se o tribunal podia conhecer a incompetência em razão da matéria na sentença; e,

. se o tribunal judicial de Ponte de Lima é competente para os termos da presente acção.

III – Fundamentação

A situação factual é a supra descrita.

1ª questão: se a excepção de incompetência pode ser conhecida na sentença quando os réus não contestaram e a revelia é operante

Defendem os apelantes que a incompetência em razão da matéria não poderia ser conhecida na sentença, mas apenas até ao início da audiência final, por força do disposto no artº 595º nº 1 alínea a) conjugado com o artº 97º nº 2, ambos do CPC.

Dispõe o nº 2 do artº 97º do CPC que a violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este até ao início da audiência final.

O nº2 consagra uma restrição à regra geral do nº 1, aplicável apenas nos casos em que a acção é instaurada em determinado tribunal judicial com preterição da competência de outro tribunal judicial.

Não sendo conhecida até esse momento, o vício fica sanado, tornando-se o tribunal competente Cfr. defendem José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artº 102º do CPC que antecede o actual artº 97º do NCPC..

No caso não está em confronto a competência de dois tribunais judiciais. O Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) não é um tribunal, mas sim uma secretaria judicial (artºs 79º, 81º e 83º da Lei 62/2013 de 26/8), pelo que se cairia no âmbito de aplicação do nº 1 do artº 97º.

Mas ainda que se entenda que se aplica o disposto no nº 2 do artº 97º do CPC, não assiste razão ao apelante.

É que, no caso, não há lugar à realização de uma audiência prévia nem à prolação de despacho saneador, por não se aplicar o disposto no artº 593º,nº 2 do CPC, pois que os RR. não contestaram e a revelia é operante. O nº 2 do artº 593º aplica-se às acções em que, embora não tenha havido contestação, as acções tenham que prosseguir, por a revelia ser inoperante (cfr. artº592º, al. a), 568º alíneas b) e d) e 593 º nºs 1 e 2).

Não tendo os RR. contestado e tendo sido citados na sua própria pessoa, por força do disposto no nº 1 do artº 567º do CPC, foram considerados confessados os factos articulados pelos AA.

Seguidamente o processo foi facultado para alegações, e após foi proferida sentença (567º nº 2 do CPC), não havendo lugar à realização da audiência final, pois que inexistem factos controvertidos.

Não havia assim lugar a despacho saneador, nem à realização da audiência prévia nem da audiência final. Assim apenas na sentença a Mma juíza a quo podia conhecer da incompetência em razão da matéria, como conheceu, pelo que a decisão da Mma. Juíza sobre esta questão, não merece censura.

2ª questão: competência do tribunal judicial para os termos da presente acção

O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) aprovado pela Lei 6/2006, de 27/02, em 2012 foi objecto de reforma pela Lei 31/2012, de 14.08 que alterou também diversos preceitos do Código Civil e do Código do Processo Civil. Esta reforma entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, no dia 12 de Novembro de 2012 (artº 15º da Lei 31/2012) e aplicam-se as novas disposições a todos os contratos de arrendamento quer celebrados antes, como é o caso do contrato dos autos, quer posteriormente, abrangendo os contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais e não habitacionais.

Adicionalmente foi publicado um pacote de legislação complementar, previsto no artº 15º-S, nº 9 da Lei 31/2012 que a seguir se refere:

.Decreto-Lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro – Instalação e definição das regras de funcionamento do balcão nacional de arrendamento (BNA) e do procedimento especial de despejo que entrou em vigor em 8 de Janeiro (cfr. artº 27º do DL 1/2013).

. Portaria 7/2013, de 7 de Janeiro – Composição do mapa de pessoal do Balcão Nacional de Arrendamento que entrou em vigor em 11 de Janeiro e produzindo efeitos retroactivos à data da entrada em vigor do Decreto-lei 1/2013, de 7 de Janeiro, ou seja desde 8 de Janeiro (cfr. artº 2º da Portaria 7/2013).

. Portaria 9/2013, de 10 de Janeiro – Vários aspectos do procedimento especial de despejo que entrou em vigor em 11 de Janeiro (cfr. artº 38º da Portaria 9/2013).

Com as medidas introduzidas, no que ao presente caso importa, foi criado um procedimento especial de despejo do local arrendado. Assim a lei prevê a acção judicial de despejo regulada no artº 14º e 14º-A da Lei 6/2006 (alterada pela Lei 31/2012) que segue a forma do processo comum declarativo e um procedimento que se pretende mais célere, de forma a agilizar o mercado de arrendamento, o procedimento especial de despejo, criado pela Lei 31/2012.

O nº2 do artº 15º refere quais os casos que servem de base ao procedimento especial de despejo, referindo entre eles, os casos de resolução pelo senhorio do contrato de arrendamento, devendo o requerimento de despejo (para o qual existe um formulário próprio) ser acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº 2 do artº 1084º do CC (artº 15/2 do CC) (alínea e).

É discutível se em caso de falta de pagamento de rendas, o senhorio está obrigado a proceder à resolução do contrato de arrendamento, mediante a comunicação a que se refere o nº 2 do artº 1084º do CC ou se pode recorrer à acção declarativa comum, sendo que, se pretender socorrer-se do procedimento especial de despejo terá que obrigatoriamente ter posto fim ao contrato, mediante a comunicação prevista no nº 2 do artº 1084º do CC.

Mas no caso não há que discutir essa questão, pois que não é desde logo possível o recurso ao procedimento especial de despejo.

Quando se recorre ao procedimento especial de despejo e seja deduzido pedido de pagamento de rendas, este apenas pode ser deduzido contra os arrendatários. Não é possível deduzir no procedimento especial de despejo um pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas contra devedores subsidiários da obrigação do arrendatário (artº 7º do Decreto-Lei 1/2013 e preâmbulo do respectivo diploma, parágrafo 10º).

Ora, no caso, os AA. instauraram a presente acção contra os arrendatários – o 1º e 2º RR – CC e DD – e ainda contra EE que também subscreveu o contrato de arrendamento, intitulando-se fiadora Para que se possa concluir que uma determinada garantia é uma fiança, a obrigação a que o garante se vincula tem que revestir as características deste instituto, não sendo suficiente o nomen iuris atribuído., obrigando-se a responder pela falta de pagamento das rendas quando os 1ºs RR não as pagarem dentro do prazo (cláusula nona do contrato).

Ora, pretendendo os AA. também a condenação da devedora subsidiária e assim obter também título executivo contra a devedora subsidiáriaTrata-se aqui de subsidariedade, face aos termos em que a 3ª outorgante se obrigou, e não de acessoriedade como é característico da fiança. O artigo 14º A da Lei 61/2006, aditado pela Lei 31/2012, apenas prevê que constitua título executivo o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, não prevendo a constituição de título executivo, nos mesmos termos, contra o garante. , não poderiam nunca recorrer ao procedimento especial de despejo, por só permitir a dedução do pedido de pagamento de rendas contra os arrendatários, e excepcionalmente contra os respectivos cônjuges, no caso de não terem intervido no contrato na qualidade de arrendatários e o arrendamento tenha por objecto a casa de morada de família.

E não faria sentido que o locador tivesse que recorrer ao procedimento especial de despejo para obter título contra os locatários e instaurar acção declarativa comum No caso foi instaurada acção sob a forma sumária porque a acção foi instaurada antes da entrada em vigor do NCPC. para obter título contra o devedor subsidiário, sendo que, se for deduzida oposição no procedimento especial de despejo, também este será remetido ao tribunal, distribuído e submetido a julgamento (artº 9º nº 2 do Decreto-Lei 1/2013 e 15º H e 15º I da Lei 2006.

Se o propósito do legislador foi agilizar o processo de despejo, nos casos em que não é deduzida oposição, retirando-os dos tribunais, não foi decerto sua intenção impor a instauração de dois processos distintos, constituindo uma situação comum a intervenção de um garante no contrato de arrendamento.

Assim, é o tribunal judicial o competente para conhecer dos termos da presente acção, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas.

Sumário:

. Não havendo lugar a despacho saneador nem à realização de audiência prévia nem a julgamento, por ausência de contestação dos RR., sendo a revelia operante, o tribunal pode oficiosamente conhecer da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria na sentença final.

. É o tribunal judicial o competente em razão da matéria para as acções em que se pretende a entrega do locado e a condenação dos devedores principais e do devedor subsidiário no pagamento das rendas em dívida, porquanto o procedimento especial de despejo não permite a dedução de pedidos de pagamento de rendas contra o devedor subsidiário.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em declarar competente o Tribunal Judicial de Ponte de Lima para os termos da presente acção.

Custas pela parte vencida a final.

Guimarães, 14 de Maio de 2015

Helena Melo

Heitor Gonçalves

Manso Rainho