Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
114/16.5T8FAF.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
AUDIÇÃO DA PROVA
PRESUNÇÃO REGISTRAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

II- Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.

III. As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal -, numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que esta é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO

Recorrente(s):- Maria e marido Eduardo;
Recorrido(a)(s): Alzira.
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Maria e marido Eduardo, intentaram a presente acção declarativa com processo comum contra Alzira, Manuel e mulher Alberta, pedindo que os Réus sejam condenados a:

a. Reconhecer que a Autora mulher é dona e possuidora do prédio descrito nos arts. 4º a 7º;
b. Reconhecer que tal prédio tem a configuração assinalada a amarelo fluorescente na planta junta sob o n.º 4 e n.º 8;
c. Reconhecer que o seu direito sobre o caminho acima identificado é de mera servidão de passagem, sendo esta restrita a peões, animais e veículos agrícolas (ou seja, não permite nem admite a passagem de veículos motorizados, sejam de passageiros sejam de mercadorias) e
d. Reconhecerem a extinção da servidão aludida nos autos por desnecessidade, ou, caso o assim não se entenda, pelo seu não uso no que toca ao uso não pedestre.

Alegam para tanto, em apertada síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio que descrevem no art. 1º, da petição inicial, o qual tem a configuração da planta que anexam; que pelo logradouro do seu prédio urbano está constituída uma servidão de passagem, por usucapião a favor do prédio dos Réus; que tal servidão deixou, há mais de 20 anos, de ser usada, excepto para uso a pé; que ainda que assim não se prove, tal servidão mostra-se, hoje em dia, ser desnecessária por ter o prédio outras entradas, sendo uma delas uma garagem para viaturas automóveis e outra uma entrada pedonal; acresce que, nesta entrada pedonal os Réus poderão, sem custo elevado, proceder à abertura de uma entrada para veículos.

Juntaram documentos e arrolaram testemunhas.

Os Réus contestaram, impugnando a matéria alegada pelos Autores, nomeadamente, a existência de uma servidão; alegam ainda, caso se conclua que a dita servidão exista, que a mesma ainda é útil e necessária ao prédio em questão, sendo certo, por outro lado, que não se mostra exequível a obra de abertura de nova entrada que os Autores propõem.
Juntaram documentos e arrolaram testemunhas.
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Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa, identificado o objecto do litígio e enunciads os temas da prova (cfr. fls. 116).
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Realizou-se a audiência de julgamento, com observância de todas as formalidades legais.
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:

“III. DECISÃO

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Condeno os réus a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., composto por casa de habitação, com logradouro, sito na Rua … (anteriormente Lugar …), da freguesia de ..., do concelho de Fafe
2. Absolvo os réus dos restantes pedidos contra si formulados…”.
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É justamente desta decisão que os Autores/Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

1.ª Foi dada como provada a existência do prédio dos AA com a configuração que dele consta quer na certidão da inscrição dele no registo predial quer do teor da respectiva matriz: prédio urbano composto por casa de habitação, com logradouro, sito na Rua ... (anteriormente Lugar ...), da freguesia de ..., do concelho de Fafe, a qual confronta a Norte com Emília, a Poente com os aqui Réus, a Sul e a Nascente com caminho público;
2.ª Os art.ºs 7.º e 8.º do Código do Registo predial estabelecem a presunção ilidível de que os factos registados existem com a titularidade e pela forma como estão descritos no registo predial e que se assim não for a impugnação judicial deles deve ser acompanhada com o pedido de cancelamento de registo.
3.ª Os Réus não ilidiram esta presunção, nem fizeram acompanhar a impugnação (que fizeram genericamente) da existência, forma e dimensões do logradouro do prédio dos Autores do pedido do cancelamento do registo.
4.ª A certidão predial e a certidão do teor matricial atestam e tornam público que o prédio dos Autores tem um logradouro com a área de 23m2.
5.ª A inspecção judicial ao local da questão, cuja acta se encontra entranhada nos autos, não revelou que a preocupação do douto julgador tenha sido a de determinar a existência, localização e área do logradouro da casa dos Autores.
6.ª Pelo menos da inspecção ao local, constante da referida acta de audiência realizada em 2 de Março de 2017, resulta que da descrição feita, dela não se afere com exactidão a existência dessa preocupação.
7.ª A acta refere a existência de parcela de terreno “ladeada pela casa dos autores, do lado oposto pela casa de uma irmã da autora e ao fundo por duas casas dos réus”.
8.ª que “A entrada para a casa dos réus é feita por um portão com cerca de 2,70 metros, pelo qual se acede a um pequeno logradouro da sua casa de habitação.”
9.ª que “nas traseiras da casa de habitação dos réus, no rés-do-chão ou cave, existe uma garagem pela qual se pode aceder ao interior da casa”.
10.ª E, ainda, que “existe ainda nas traseiras da dita casa dos réus um portão de acesso pedonal ao logradouro da casa dos réus a que se acede por dez (10) degraus.”
11.ª Como logradouro tem de haver e da inspecção não se afere da existência de outro logradouro na habitação, integrando o prédio dos Autores, o espaço a que o auto de inspecção se refere não pode deixar de ser outro senão aquele que está em discussão nos autos.
12.ª O auto dá conta da existência de outros acessos ao prédio dos Réus ao exterior e isso mesmo foi acolhido como matéria dada como provada nos pontos 1.12, 1.13 e 1.14 da douta sentença.
13.ª O auto permite também concluir que qualquer servidão de passagem pelo logradouro do prédio dos autores para acesso ao prédio dos Réus é desnecessária.
14.ª A simples inspecção ao local, materializada no auto que dela foi feita, permite concluir:

a) Não existe no local outro logradouro que integre o prédio dos AA que não seja o que está em discussão no processo.
b) Que o prédio dos RR dispõe de outros acessos para a via pública por onde podem passar, pessoas, veículos e animais.
c) O logradouro descrito como integrando o prédio dos AA, quer no Registo Predial, quer na matriz, quer nos autos é o que pertence efectivamente à habitação propriedade dos Autores.
d) Que para acesso ao prédio dos RR é desnecessária servidão de passagem pelo logradouro dos AA.
15.ª A reapreciação a estas luzes, do auto de inspecção ao local faz concluir que está mal julgada a matéria dos factos 2.1 a 2.6 e 2.8 da matéria de facto dada como não provada, a qual deveria ter sido dada como matéria provada.
16.ª Se assim não for, ou seja, se se entender que o auto de inspecção ao local não pode ser interpretado desta forma, então existe manifesto vicio de nulidade de sentença, porque existe oposição entre o teor do concreto meio de prova, auto de inspecção ao local, entre o concreto meio de prova certidão registral, entre o concreto meio de prova certidão matricial, por um lado e a concreta conclusão de improcedência aposta na sentença, porque aquelas colidem com esta (artigo 615º. nº. 1, alínea c) do CPC), vício este que cautelarmente também se invoca e que pode também ser arguido como fundamento deste recurso (n.º 4 do citado art.º 615º.).
17.ª Também os depoimentos de parte e de testemunha, bem como as declarações de parte impõem que se dê como provada aquela referida matéria.
18.ª Dão-se aqui por reproduzidas as transcrições acima feitas na alegação.
19.ª A análise conjugada dos documentos acima citados, das transcrições efectuadas e das regras da experiência comum e critérios de normalidade, permite concluir que aquela matéria de facto foi mal julgada, e mal julgada de forma evidente e notória, que não cabe no mero poder de livre apreciação dela do julgador e que se justifica seja sindicada.
20.ª É que o Tribunal a quo pelas regras de direito e pela apreciação criteriosa dos meios de prova acima indicados, documentos, actas e depoimentos, não podia deixar de dar como provado que:

a) O prédio dos Autores tem um logradouro – aliás a própria sentença contradiz-se entre si, porque no ponto 1.1 dá como provado o logradouro e no ponto 2.1 dá-o como não provado;
b) Que esse logradouro tem a área de 23m2 constante do registo e da matriz predial, documentos que fazem fé pública;
c) E que ele é a parcela de terreno identificada no levantamento topográfico, por não existir outro.
21.ª Os Réus na sua contestação impugnaram discursivamente os dizeres da petição por remissão para os correspondentes artigos dela.
22.ª Não pediram o cancelamento do registo da existência e da área do logradouro do prédio dos Autores constante da Conservatória do Registo Predial.
23.ª Cabia-lhes tê-lo feito em obediência ao disposto no art.º 8.º, n.º 2 do CRP, ao menos por pedido reconvencional.
24.ª A douta sentença recorrida nenhum relevo deu a esta imposição legal.
25.ª Tal como foi proferida acaba por privar o prédio dos Autores do logradouro e isto configura alteração da descrição do registo predial.
26.ª Também não especifica detalhadamente porque é que decidiu contra as menções registais e matriciais.
27.ª E fê-lo na ausência de qualquer prova que tenha ilidido a presunção registal e sem que tenha sequer sido pedida a alteração dele.
28.ª Estes vícios integram nulidade de sentença, porque constituem a não especificação dos fundamentos de facto de que deriva a decisão e ainda porque o Tribunal a quo se fundamentou também na certidão e decidiu em desacordo com o teor dela, donde os fundamentos estarem em oposição ao julgado.
29.ª No entender dos recorrentes os elementos constantes do processo, designadamente os documentais, bem como a inexistência de pedido de alteração das menções dos actos de registo, tudo conjugado com a experiência comum e ainda a existência dos factos 1.12, 1.13 e 1.14 que foram dados como provados, permitiam dar a acção como integralmente procedente e provada e consequentemente permitiam que fosse declarada a extinção de qualquer servidão de passagem sobre o logradouro do prédio dos autores, por desnecessária e os Réus condenados a reconhecê-lo.
30.ª Tanto mais que, o art.º 1569.º, n.ºs 2 e 3 do CC permitem que as servidões constituídas por usucapião ou as servidões legais, estas qualquer que tenha sido o titulo da sua constituição, sejam judicialmente declaradas extintas a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.
31.ª Cautelarmente os Autores vêm também arguir nos termos supra aludidos a nulidade da douta sentença proferida com os legais efeitos e consequências.
32.ª Mostram-se violados estes dois citados artigos, bem como os artigos 1.º, 7.º e 8.º do Código do Registo Predial, que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar existente o logradouro do prédio dos autores tal como vem definido na petição inicial e declarada a extinção, por desnecessária, da servidão de passagem por esse logradouro em benefício do prédio dos Réus, com os inerentes reconhecimentos por parte destes.

Deve, assim, na procedência deste recurso e respectivas alegações:

a) PRINCIPALMENTE - Revogar-se a douta recorrida sentença na parte em que deu como não provados e improcedentes os pedidos formulados pelos autores, substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente procedente, por provada, condenando-se os recorridos em todos os pedidos.
b) SUBSIDIARIAMENTE - Assim não se entendendo deve julgar-se procedente a arguição da nulidade da sentença com as legais consequências e efeitos...”.
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Foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida/ Ré Alzira, onde esta defende:

a) a rejeição do Recurso:

-por falta de indicação nas conclusões dos meios de prova.
-e, nessa sequência, não sendo admitido o recurso da matéria de facto, por extemporaneidade (já que deixaria de ser aplicável o prazo alargado de interposição do recurso previsto no art. 638º, nº 7 do CPC.
b) a improcedência do Recurso, considerando que o julgamento de facto e de Direito efectuado pelo Tribunal Recorrido deve ser mantido integralmente.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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A primeira questão (prévia) a decidir é a levantada pela Recorrida nas suas contra-alegações- Rejeição do Recurso de Impugnação da matéria de facto por falta de indicação nas conclusões dos meios de prova.
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No caso de tal pretensão não ser acolhida, então, importa que o presente Tribunal se pronuncie sobre o seguinte objecto do Recurso proposto pelos Recorrentes.
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1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, devem:

-considerar-se provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como não provados nos pontos 2.1 a 2.6 e 2.8 da matéria de facto não provada;
1.1. Subsidiariamente - saber se a sentença padece do vício de nulidade, porque existe oposição entre o teor dos concretos meios de prova valorados (auto de inspecção ao local, certidão do registo e certidão matricial), por um lado, e a concreta conclusão de improcedência aposta na sentença, porque aqueles colidem com esta (artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC) -não especificação dos fundamentos de facto de que deriva a decisão, e ainda porque o Tribunal a quo se fundamentou também na certidão e decidiu em desacordo com o teor dela, donde os fundamentos estarem em oposição ao julgado).
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2. Finalmente, saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelos Recorrentes, a presente acção tem de proceder quanto a todos os pedidos.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Factos provados
1.1. Está descrito na Conservatório do Registo Predial, sob o número ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., o prédio urbano composto por casa de habitação, com logradouro, sito na Rua ... (anteriormente Lugar ...), da freguesia de ..., do concelho de Fafe, a qual confronta a Norte com Emília, a Poente com os aqui Réus, a Sul e a Nascente com caminho público;
1.2. Tal prédio foi adjudicado à Autora mulher através de escritura de habilitação de herdeiros e partilha, por óbito do seu pai, António Fernandes, falecido em 13 de Outubro de 1998, celebrada no dia 28 de Novembro de 2006, no Cartório Notarial da Dr.ª M. C.;
1.3. A Autora, por si e antepossuidores, desde há mais de 20, 30 e 50 anos, se acha na sua posse, ocupando-o, usando-o e fruindo-o, pagando as contribuições e impostos que lhe respeitam,
1.4. Sem violência e na convicção de com ela se não lesarem direitos de outrem;
1.5. Sem oposição de ninguém, designadamente, da própria Ré;
1.6. À vista de toda a gente, de modo contínuo e ininterrupto e com ânimo de verdadeiros proprietários, no próprio nome destes.
1.7. Por sua vez, a 1ª Ré é usufrutuária e os 2os Réus são donos da raiz do prédio urbano composto por uma casa com a área coberta de 24 m2, tendo no 1º andar uma divisão, no 2º andar uma divisão e no 3º andar duas divisões, com um terreno de logradouro com a área de 66 m2, sito na Rua ... (anteriormente Lugar ...), da freguesia de ..., do concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., confrontando de Norte com B. V., de Sul e Poente com caminho público e de Nascente com a aqui Autora mulher
1.8. Nua propriedade e usufruto que foram adquiridos por compra a S. P. e mulher A. P.
1.9. O mesmo confronta, de Sul e de Poente, com um caminho público rural que entronca na Rua ... e que liga esta ao lugar de C., passando pelas Eiras Novas,
1.10. Sendo a referida Rua ... um caminho público municipal, que vai da freguesia de V. à Barragem,
1.11. Ambos os caminhos vindos de referir são utilizados livremente por todas as pessoas, sendo dotados, em toda a sua extensão (Rua ...), ou em parte dela (caminho que liga a Rua ... ao lugar de C.), de rede pública de electricidade, água e telefone.
1.12. Ora, o identificado prédio dos Réus já tem aberto para esse caminho público, na sua confrontação Poente, um acesso pedonal, criado aquando das obras de remodelação do edifício existente, ocorridas entre 1999 e 2000, através de uns degraus que terminam com uma cancela de ferro,
1.13. O prédio dos Réus tem ainda uma outra comunicação com o referido caminho público, na sua confrontação Sul, designadamente através de uma garagem que deita directamente sobre tal caminho;
1.14. Sendo que tal garagem já permite o integral acesso, por veículo automóvel, ao prédio dos Réus.
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2. Factos não provados

2.1. O prédio da Autora mulher corresponde à parcela de terreno assinalada no levantamento topográfico a amarelo fluorescente;
2.2. A Autora, por si e antepossuidores, desde há mais de 20, 30 e 50 anos, acha-se na posse desta parcela de terreno, ocupando-o, usando-o e fruindo-o, pagando as contribuições e impostos que lhe respeitam,
2.3. Sem violência e na convicção de com ela se não lesarem direitos de outrem;
2.4. Sem oposição de ninguém, designadamente, da própria Ré;
2.5. À vista de toda a gente, de modo contínuo e ininterrupto e com ânimo de verdadeiros proprietários, no próprio nome destes.
2.6. Sobre o prédio da A., existia há mais de 20, 30 anos um caminho duro de piso permanente e bem trilhado, com cerca de um metro e meio de largura, que se iniciava na, actualmente, denominada Rua ..., correndo no sentido Nascente/Poente, cerca de 12 metros, correndo todo este trajecto pelo prédio da A., até entroncar no contíguo prédio dos Réus.
2.7. E por onde os Réus e os seus antepossuidores passavam, para fins de agricultação, com pessoas, carros de bois e animais vindos desse prédio dos Réus para a aludida via pública, e desta para aquele;
2.8. Porquanto esse seu prédio não tinha, na altura, confrontação com qualquer via pública.
2.9. No limite do prédio dos RR., confrontante com o prédio da A., existia um portão em ferro, de cor avermelhada, com cerca de um metro e meio de largura que os RR. e seus antepossuidores abriam apenas para franquear a passagem das suas pessoas, animais ou carros de bois, voltando a fechá-lo após tal passagem,
2.10. Nunca estacionando em tal caminho ou nele colocando quaisquer obstáculos.
2.11. Aquando da realização de obras no prédio dos RR realizadas entre 1999 e 2000, o portão de cor avermelhada e de cerca de um metro e meio foi substituído por outro, de cor verde e com cerca de 2 metros e setenta centímetros de largura,
2.12. Limitando-se os RR., não obstante tal alargamento do portão, a fazer um uso meramente pedestre do caminho de servidão;
2.13. Os Réus por si e antepossuidores, vinham usando esse caminho, com um metro e meio de largura, há mais de 20 e 40 anos ininterruptamente, e com o conhecimento de toda a gente, incluindo os AA., sem oposição de ninguém, detendo a sua posse, que adquiriram na convicção de não lesarem direitos de outrem e sem violência alguma, e o vinham usando e fruindo à vista de toda a gente e dos próprios AA., de modo permanente, por aí transitando com os seus animais e veículos não motorizados para fins agrícolas sempre com o ânimo de quem exerce direitos próprio;
2.14. Porquanto, para além do prédio dos Réus agora ter um uso não agrícola, destinando-se apenas a habitação da Ré e seu agregado familiar,
2.15. Sendo tal acesso de fácil alargamento para acesso automóvel,
2.16. Sendo ainda possível criar o acesso para veículo automóvel em qualquer ponto do logradouro dos Réus que, ao longo de cerca de 14 metros, confronta com tal caminho público.
2.17. Na verdade, abrir um acesso para aquele caminho, no prédio dos Réus, implicaria apenas o alargamento do acesso (cancela) já existente, rampeando o terreno dos Réus na sua parte Poente ou a criação de uma outra abertura em tal logradouro, bastando, para o efeito, de rampear a largura pretendida, colocar dois pequenos muros laterais de suporte de terras e retirar o excesso de terra existente,
2.18. Sendo esta obra de baixo custo, tecnicamente simples;
2.19. No caminho em questão não existem quaisquer obstáculos;
2.20. Permitindo aos Réus, com toda a facilidade, acederem ao seu prédio e sem precisão do terreno da Autora;
2.21. O caminho em questão encontra-se devidamente asfaltado, ao longo de cerca de 30 metros, precisamente desde a Rua de ... até ao limite do prédio da Autora, tendo uma largura, nessa zona asfaltada, variável entre 5 e 6 metros;
2.22. O caminho de servidão supra aludido há mais de 20 anos que não é utilizado nem por animais, nem por quaisquer veículos agrícolas;
2.23. Permanecendo apenas a sua utilização pedestre por parte dos Réus;
2.24. Por desinteresse dos Réus e seus antepossuidores que abandonaram a exploração agrícola do seu prédio, nele tendo construído uma casa de habitação e um anexo, do tipo churrasqueira, colocando grandes lajes de pedra no seu logradouro, recortadas por relva, e que quando a ele querem aceder o fazem apenas a pé e, durante alguns meses do ano de 2014 e 2015, por veículo automóvel de passageiros.
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A demais factualidade alegada pelas partes não foi objecto de resposta por conter matéria conclusiva, irrelevante, instrumental e/ou de direito.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
Como se referiu, a Recorrida, no que concerne ao Recurso da matéria de facto apresentado pelos Recorrentes, levanta a questão prévia de saber se o mesmo não deve ser rejeitado, por falta de indicação, nas conclusões, dos meios de prova que fundamentam essa parte do Recurso.

Julga-se, no entanto, que não tem razão.

Na verdade, o legislador, como, de seguida, veremos, não impõe esse ónus aos Recorrentes, antes se satisfazendo com a menção desses concretos meios de prova no corpo das alegações.
Vejamos, então, de uma forma mais pormenorizada, quais são as exigências que o Legislador impõe, em termos de ónus processuais, à parte que pretenda impugnar o Julgamento de facto realizado pelo Tribunal de Primeira Instância.

Explicitando.

Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :

a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes(1), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;
Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»
Destarte, importa referir que, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.

Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (2), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»

Tem sido esse o entendimento constante da Jurisprudência do STJ, conforme decorre das seguintes considerações efectuadas no seu recente Acórdão de 27.10.2016 (3):

“Estabelece o art. 639º, nº 1, do CPC: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”
As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).

Este Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
Vejam-se, entre outros, os seguintes arestos deste Supremo Tribunal:
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Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):

I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
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Ac. STJ de 11.02.2016, proc. 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Mário Belo Morgado):

I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação.
(…)
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Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):
(…)
II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
(…)
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Ac. STJ de 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas):

I- As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.
II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado n fundamentação das alegações.
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
*
Ac. STJ de 26.11.2015, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1 (Leones Dantas):

(…)
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
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Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):

(…)
II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados.
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Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes):

“I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
*
Aqui chegados, fácil será de concluir que os Recorrentes cumpriram integralmente os ónus que sobre eles recaíam, já que, conforme decorre do exposto, quanto à indicação dos meios de prova, o legislador apenas lhes impunha que mencionassem os referidos meios de prova no corpo das alegações.
Com efeito, e quanto a esta menção, não é exigível que essa indicação fique plasmada também nas Conclusões.
Tanto basta para considerar que a Recorrida não tem razão, quando pretende a Rejeição do recurso com esta fundamentação (improcedendo, consequentemente, também, a argumentação no sentido da extemporaneidade do Recurso).
*
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, os Autores/ Recorrentes impugnaram a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, indicam (no corpo das alegações) os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2, al. a) do citado normativo).
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, os Autores/ Apelantes não concordam com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos factos dados como não provados pelo Tribunal de Primeira Instância constantes do ponto 2.1 a 2.6 e 2.8 da matéria de facto considerada não provada pelo Tribunal de Primeira Instância.

Quid iuris?

Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pelos Recorrentes, reforçar o que ficou dito quanto ao âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação, em sede de Recurso.
Como se referiu, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (4).
Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (5).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (6).

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (7), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que, em caso algum, podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (8).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (9).
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (10).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (11).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (12), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos Autores Apelantes neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por eles pretendidos.
Conforme já se referiu, importa que o Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo os Recorrentes/ Autores que, em face da prova produzida, e no que concerne aos factos constantes dos pontos 2.1 a 2.6 e 2.8 da matéria de facto não provada, devem esses factos considerar-se integralmente provados.

Aí ficaram mencionados como matéria de facto não provada os seguintes factos:

2.1. O prédio da Autora mulher corresponde à parcela de terreno assinalada no levantamento topográfico a amarelo fluorescente;
2.2. A Autora, por si e antepossuidores, desde há mais de 20, 30 e 50 anos, acha-se na posse desta parcela de terreno, ocupando-o, usando-o e fruindo-o, pagando as contribuições e impostos que lhe respeitam,
2.3. Sem violência e na convicção de com ela se não lesarem direitos de outrem;
2.4. Sem oposição de ninguém, designadamente, da própria Ré;
2.5. À vista de toda a gente, de modo contínuo e ininterrupto e com ânimo de verdadeiros proprietários, no próprio nome destes.
2.6. Sobre o prédio da A., existia há mais de 20, 30 anos um caminho duro de piso permanente e bem trilhado, com cerca de um metro e meio de largura, que se iniciava na, actualmente, denominada Rua ..., correndo no sentido Nascente/Poente, cerca de 12 metros, correndo todo este trajecto pelo prédio da A., até entroncar no contíguo prédio dos Réus.
2.8. Porquanto esse seu prédio não tinha, na altura, confrontação com qualquer via pública. “
*
Os Recorrentes não concordam com o julgamento destes pontos da matéria de facto, alegando que:

- A análise conjugada do teor do auto de Inspecção Judicial, dos documentos juntos aos autos (certidão do registo predial e da inscrição matricial), das transcrições efectuadas no corpo das alegações (depoimentos das testemunhas A. S. e Eduardo) e das regras da experiência comum e critérios de normalidade, permite concluir que aquela matéria de facto foi mal julgada, de forma evidente e notória.
*
Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

(incluindo-se a fundamentação geral com pertinência para a matéria de facto aqui em discussão)

“3. Motivação

O tribunal fundou a sua convicção na globalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento analisada à luz de critérios de experiência e da razoabilidade.
Foi ouvida a Ré Alzira em depoimento de parte e os Autores Maria e Eduardo, em declarações de parte.
Do depoimento de parte não resultou confissão de qualquer facto, como aliás se retira da acta da audiência em que o mesmo foi prestado; das declarações de parte, também nada de relevante se retirou porquanto, como se esperava, os Autores limitaram-se a reproduzir a posição assumida em sede de petição inicial.
Das certidões juntas aos autos resultaram provados os factos elencados em 1.1., 1.2. e 1.7. e 1.8.
(…)
Quanto ao mais, não resultou provada a este tribunal a matéria alegada pela Autora referente à existência de uma servidão a favorecer o prédio dos Réus, porquanto, não ficamos convencidos que o leito do alegado caminho seja pertença da autora.
Do que vimos no local, do que nos disseram as testemunhas não resultou, de forma alguma evidente, que a autora seja proprietária da parcela de terreno que reivindica como sendo sua e que, nesse pressuposto, os Réus ali passem no exercício de um mero direito de servidão.
Na verdade, o local em questão aparenta ser um pequeno logradouro comum (público?) às três casas que o circundam: a da autora, a da sua irmã e a dos Réus.

Em termos objectivos, nada naquele local sugere que pertença a um ou outro prédio e menos ainda que esteja dividido – entre os prédios da autora e da sua irmão- nos termos alegados. Não há muros, nem vedações de qualquer espécie e para o mesmo há aberturas (portas, janelas e portões) das três casas que o circundam, acedendo-se às três casas pelo mesmo. A autora alega ser proprietária de 23 m2 daquele logradouro, o que faz, bem se vê, com vista a respeitar as áreas constantes do registo predial e resulta, como se vê do desenho da planta apresentada, numa delimitação forçada e sem sentido. Mais sem sentido quando se ouve o vizinho da frente, cunhado dos autores, A. S., que afirma que dele não é tudo o resto que sobra para além da parcela reivindicada pela autora, mas apenas uma pequena parte, com 10 m2 (mais uma vez porque esta é a área que consta do seu registo, como o próprio afirma); perguntado sobre de quem é o restante diz que não sabe. Ou seja, na tese da autora e desta testemunha ficariam sem proprietário vários metros quadrados daquele logradouro, os quais não sabem a quem pertencem, sabendo apenas que não é aos Réus.
As demais testemunhas ouvidas, F. F., G. G. apenas puderam afirmar que sempre conheceram o local e que sempre viram os Réus passarem por ali; da propriedade da referida parcela de terreno nada sabem afirmar, sendo certo que se lembram de todos (mãe da autora, antigos proprietários do prédio dos Réus) ali guardarem matos. Lembram-se ainda de haver constantemente chatices entre a mãe da autora e a D. Laurinda, antes caseira do prédio de que hoje é arrendatária – por causa daquele espaço, da sua limpeza, etc, sendo a mãe da autora quem costumava reclamar com a Ré. Esta circunstância por si só, obviamente, não chega para concluirmos que aquela parcela de terreno pertence à autora.
A testemunha D. P. afirmou saber que o “eido” pertencia metade a uma casa (da Autora) e metade a outra (da irmã), o que sabe porque lhe foi afirmado pela tia, quando ainda era criança. Não só o tribunal estranha estas memórias tão precoces como estranha ainda mais que a testemunha ache – não obstante afirmar que aquilo pertence àquelas duas casas – que qualquer um ali pode passar.
A testemunha O. N. afirmou que aquilo é um largo, sempre lá se passou porque segundo entende aquilo é de todos.
A testemunha A. P., antigo Presidente da Junta de ..., afirmou que foi no seu mandato que pavimentaram a estrada que passa em frente à casa da autora e que nessa altura teve intenção de pavimentar o “largo” aqui em causa – achou que seria público - o que não fez por ter percebido que havia problemas acerca da titularidade do mesmo. Afirmou ainda que não pavimentou em frente à casa da autora porque esta também reivindicou a pequena parcela em causa.
Por último, o tribunal ouviu a testemunha E. R., filha e neta dos aqui Réus e que vive na casa de habitação cujo acesso os autores pretendem que se declare ser um caminho de servidão. Esta testemunha afirmou que apesar de só agora viver naquela casa sempre a frequentou com a sua avó que era caseira da mesma, dos campos da mesma. Referiu que sempre ali passou com a avó e que nunca esta pediu autorização a quem quer que fosse para passar. Refere ainda que a mãe da Autora implicava com a avó mas não era a propósito da propriedade daquela parcela, mas sim porque a mãe da autora não gostava que a Ré, avó da testemunha, sujasse aquele local quando passava com animais. Nunca teve conhecimento que aquele local pertencesse a quem quer que fosse sendo certo que chegou a falar com o Presidente da Junta para pavimentar o mesmo, o que não chegou a suceder.
Desta forma, e mesmo sem atender à prova trazida pelos Réus, foi manifestamente parca e pouquíssimo consistente a prova trazida pelos Autores, pelo que o tribunal não podia senão dar como não provada a matéria por eles alegada, o que fez. ”
*
Cumpre apreciar a Impugnação da matéria de facto, tendo em conta o que em cima já se referiu, quanto à tarefa que é imposta ao Julgador neste âmbito.

Conforme decorre do exposto, a questão que se mostra controvertida nos presentes autos diz respeito apenas ao alegado caminho de servidão de passagem que os AA. alegavam existir na área do seu prédio, e que serviria o prédio dos RR..

O Tribunal concluiu que, em face da prova produzida (“manifestamente parca e pouquíssimo consistente”), não se provou a matéria de facto alegada pelos Autores referente à existência de uma servidão a favorecer o prédio dos Réus, porquanto, não ficou convencido “que o leito do alegado caminho seja pertença dos Autores”.

Vêm os Recorrentes insurgir-se contra essa posição do Tribunal Recorrido, considerando que da prova produzida resulta que outra deve ser a conclusão.

Nesse sentido, fundamentam a sua posição na análise conjugada do teor do auto de Inspecção Judicial e dos documentos juntos aos autos (certidão do registo predial e da inscrição matricial), defendendo que destes elementos probatórios decorre que (parte d….) o logradouro aí mencionado integra o seu prédio, e é nessa área do seu prédio que se constituiu o discutido caminho de servidão de passagem.

Defendem, ainda, que nesse sentido aponta a prova testemunhal atrás identificada.
Como se referiu, o Tribunal concluiu justamente o contrário.
Ou seja, tendo efectuado a exigida análise crítica da prova produzida, e tendo ponderado, nomeadamente, os (mesmos) elementos probatórios que fundamentam o Recurso interposto pelos Recorrentes, decidiu que aqueles elementos probatórios eram inadequados e insuficientes para confirmar a matéria de facto que havia sido alegada por aqueles e que assim teve que julgar como não provada.

Cumpre decidir.

Ponderados os argumentos apresentados, julga-se que a decisão de Primeira Instância deve ser integralmente mantida,
Na verdade, efectuando, também, como nos é imposto, a referida análise crítica dos meios de prova produzidos (de todos, e não só daqueles que os Recorrentes indicam) não há dúvidas que o Julgamento de facto efectuado pelo Tribunal Recorrido se deve manter.
Com efeito, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, os meios de prova produzidos, mesmo que analisados, de forma conjugada- como aliás bem referem os Recorrentes- nunca poderiam apontar no sentido de se considerar como provada a matéria de facto aqui impugnada.

Senão vejamos.

Quanto à Inspecção Judicial realizada, é patente que do respectivo auto não se pode retirar qualquer elemento probatório de onde possa decorrer a comprovação da matéria de facto aqui questionada.
Na verdade, não decorre, do respectivo teor, qualquer menção de onde se possam retirar indícios de que a área do terreno aqui em discussão se integre no prédio dos Autores.
Neste ponto, importa dizer que o presente Tribunal se encontra particularmente limitado na sua apreciação por força do princípio da imediação atrás mencionado.
Nessa medida, e na sua ponderação, o presente Tribunal, na ausência de oportuna reclamação dos Recorrentes quanto ao teor do auto de Inspecção Judicial elaborado pelo Tribunal Recorrido (13), não pode deixar de se ater às constatações que o Tribunal Recorrido mencionou no referido auto.
Ora, como bem referiu o Tribunal Recorrido, dessas constatações plasmadas no respectivo auto (como de uma “forma viva” diz a Exma. Sra. Juíza na fundamentação apresentada: “Do que vimos no local”): “… não resultou, de forma alguma evidente, que a Autora seja proprietária da parcela de terreno que reivindica como sendo sua e que, nesse pressuposto, os Réus ali passem no exercício de um mero direito de servidão. Na verdade, o local em questão aparenta ser um pequeno logradouro comum (público?) às três casas que o circundam: a da Autora, a da sua irmã e a dos Réus.
Em termos objectivos, nada naquele local sugere que pertença a um ou outro prédio e menos ainda que esteja dividido – entre os prédios da autora e da sua irmão- nos termos alegados. Não há muros, nem vedações de qualquer espécie e para o mesmo há aberturas (portas, janelas e portões) das três casas que o circundam, acedendo-se às três casas pelo mesmo.”
No presente Recurso, os Recorrentes pretendiam pôr em causa estas constatações, alegando que o modo como a Inspecção Judicial foi realizada “…não revelou que a preocupação do douto julgador tenha sido a de determinar a existência, localização e área do logradouro da casa dos Autores…”.
Ora, se isso aconteceu- facto que se julga não ter acontecido (pois que resulta do auto que, tendo sido procurados os respectivos indícios, nada foi encontrado) - a verdade é que incumbia aos Autores “chamar a atenção do Tribunal para os factos que (só agora) reputam de interesse para a resolução da causa…” (cfr. citado preceito legal).
Aqui chegados, resta, pois, concluir com o Tribunal Recorrido que não decorre da Inspecção judicial realizada -do respectivo auto- que se possa dar como provado qualquer um dos factos aqui questionados.
Tal resposta positiva, como é pacífico em termos doutrinais e jurisprudenciais, também não pode ser alcançada pela mera junção aos autos das certidões prediais e fiscais dos prédios, pois que estas, quanto às áreas nelas descritas, não constituem meio de prova adequado a comprovar os limites e áreas dos prédios neles descritos.
Ora, como bem nota o Tribunal Recorrido, e decorre, de uma forma clara, da petição inicial (e das alegações apresentadas pelos Recorrentes), o principal argumento que estes apresentam tem justamente a ver com o facto de nas referidas certidões se mencionar uma determinada área e a existência de um logradouro.
Ou seja, a configuração da área do seu prédio, que aqueles pretendiam ver reconhecida, deriva principalmente das descrições constantes da inscrição registral e matricial do prédio- embora também aleguem que tal faixa de terreno teria sido igualmente adquirida por usucapião.
Ora, em sede do presente Recurso, os Recorrentes insistem em valorar essa descrição do prédio constante da referida prova documental.

Importa, no entanto, esclarecer os Recorrentes em que termos, neste âmbito, tais documentos poderão ser valorados.

Com efeito, importa aqui introduzir uma questão prévia que se julga ser esclarecedora quanto ao esforço probatório que, no caso concreto, incumbia aos AA. - esforço probatório que parece não ter sido entendido pelos Recorrentes, que insistem em fazer apelo à prova documental, como forma de demonstrar a configuração da área do seu prédio (para, nessa sequência, procurarem provar que o caminho de servidão se efectuaria por faixa de terreno que se integraria no seu prédio)
É que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, a verdade é que a questão que aqui se coloca não pode ser resolvida em função desses elementos formais.
Na verdade, a construção jurídica defendida pelos Recorrentes parte do pressuposto erróneo de que a inscrição registral ou matricial do prédio em seu favor permite(m) comprovar os limites, confrontações e áreas dos prédios em apreço.
Com efeito, uma tal prova documental, por si só, na ausência de qualquer outra prova produzida, não se reveste de idoneidade, suficiência e adequação à demonstração desse direito de propriedade, ou seja, a que se considere que uma determinada parcela de terreno se insere ou faz parte de um prédio mais amplo que se encontre aí descrito.
Na verdade, inexistindo qualquer outra prova directa, de onde inequivocamente resultasse demonstrada a delimitação ou a definição concreta do prédio dos Autores, e não abrangendo, para esse efeito, a inscrição registral ou matricial as características do prédio inscrito, nomeadamente, as áreas, os limites, as confrontações e a concreta linha divisória entre este prédio e os que com ele confinam, quem invoca que determinada parcela de terreno se integra num e mais amplo prédio, não está dispensado de fazer a prova da aquisição originária de tal parcela.
Com efeito, é lição pacífica da doutrina e da jurisprudência, que o nosso direito de propriedade não se baseia no registo (nem na inscrição matricial), mas antes na usucapião (14).
Aliás, é pacífica a jurisprudência que inclusivamente defende que a presunção que decorre do registo predial (e por maioria de razão, o mesmo sucede com a mera inscrição matricial do prédio (15)) se limita à titularidade do direito inscrito (presumindo-se no caso da inscrição predial, salvo prova em contrário, portanto, que o titular inscrito é o respectivo proprietário do prédio), mas não abrange as respectivas áreas, limites ou confrontações (16).
De facto, como bem se sabe, as referências atinentes à área, limites e confrontações feitas constar das inscrições matriciais e das descrições registrais são referidos ou invocados pelos próprios declarantes/interessados ou seus representantes, sendo tais declarações lavradas ou consignadas nos assentos ou nos livros de notas a que dizem respeito, sem que o oficial público averigúe, investigue, percepcione ou ateste a sua autenticidade intrínseca (17).

Assim, no caso concreto, torna-se patente que da inscrição matricial e da inscrição registral não resulta uma qualquer prova directa de que a faixa de terreno aqui em discussão se integre no prédio dos AA. e que assim possa constituir “o leito” do caminho de servidão de passagem aqui em discussão.

Assim, uma tal prova documental, por si só, na ausência de qualquer outra prova produzida (quanto à posse e usucapião, como iremos ver) não se reveste de idoneidade, suficiência e adequação à demonstração da configuração ou extensão do direito de propriedade, ou seja, a que se considere que uma determinada parcela de terreno se insere ou faz parte de um prédio mais amplo que se encontre inscrito na matriz ou no registo predial.

Sendo assim, não se podendo retirar de tais elementos documentais, a delimitação ou a definição concreta do prédio dos Autores, e não se podendo apurar, só por aí, as características do prédio inscrito, nomeadamente, as áreas, os limites, as confrontações e a concreta linha divisória entre este prédio e os que com ele confinam, quem invoca que determinada parcela de terreno se integra num e mais amplo prédio, não está dispensado de fazer a prova da aquisição originária de tal parcela.
Até porque, em geral, na acção de reivindicação “…não basta provar que adquiriu a propriedade do alienante; deve também provar que este a adquiriu, o que implica a necessidade de provar as aquisições dos sucessivos alienantes até à aquisição originária de um deles…”, sendo que esse facto jurídico de onde deriva o direito “… deve ser provado pelo demandante…” (18).

É exactamente o que sucede no caso concreto.

Ou seja, sendo a construção jurídica apresentada pelos AA. insuficiente ou inadequada para demonstrar, só por si, a referida integração da aqui reivindicada parcela de terreno – que constituiria “o leito” do caminho de servidão- no (seu) prédio, a prova dessa alegação teria necessariamente de passar pela invocação da aquisição originária dessa parcela com a configuração e delimitação pretendida pelos AA..
É aqui que poderia relevar a prova testemunhal apresentada (na ausência de outros elementos probatórios que tivessem decorrido da Inspecção Judicial).
Na verdade, se, como se julga ter evidenciado, a referida construção jurídica dos AA. (fundada na inscrição matricial e no registo) não constituía meio próprio para, só por si, demonstrar a configuração do seu prédio, tal alegação só poderia ser demonstrada através da prova da prática de actos de posse, por parte daqueles, sobre a aludida faixa de terreno, posse essa que, pelas suas características, poderia conduzir à prova da aquisição originária da reivindicada faixa de terreno.
Era, pois, este o esforço probatório que os AA. tinham que cumprir, e que o Tribunal Recorrido entendeu que aqueles não cumpriram.
Na verdade, esclarecida esta questão- que se nos afigura particularmente relevante para a análise crítica da prova que, conforme se referiu, terá que ser efectuada, também, pelo presente Tribunal- importa, finalmente, reapreciar os meios de prova produzidos na presente acção quanto aos pontos questionados, que, como se concluiu, contendem apenas com a possibilidade de a configuração do prédio dos AA. poder ser provada através da demonstração da Usucapião.
Isto significa que, no caso concreto, tendo em conta o percurso que até aqui já seguimos, tal prova só poderia ter sido efectuada pela prova testemunhal produzida pelas partes.
Neste ponto, importa recordar como deve ser distribuído o ónus da prova quanto a essa factualidade.
Ora, julga-se ser pacífico que incumbia aos Autores alegar e provar os factos que permitissem concluir que possuíam a aludida faixa de terreno, por si, e necessariamente pelos seus antepossuidores, durante o tempo exigido pela Usucapião, e com preenchimento dos demais requisitos previstos nos arts. 1287º e ss. do CC.

Só assim, através da alegação e prova desses requisitos (principalmente, posse e decurso de certo lapso de tempo), poderia ser reconhecido então que os AA. teriam adquirido, de uma forma originária, a propriedade sobre aquela faixa de terreno- sobre a qual se teria constituído a servidão de passagem.
Incumbia, pois, aos AA. cumprir esse ónus de prova que sobre eles apenas recaía, o qual, no caso concreto, exigia, além do mais, a alegação e prova dos factos que permitissem apurar a extensão ou conteúdo do seu direito de propriedade – tudo em conformidade com o disposto no art. 342º, nº 1 do CC.
Já quanto aos RR., tendo em conta a posição processual que assumiram, não recaía sobre eles qualquer ónus de prova de qualquer facto, pois que, como se referiu, esse ónus recaía apenas sobre os AA..

Ora, a verdade é que os AA. não lograram cumprir aquele ónus probatório com qualquer um dos elementos probatórios que produziram nos presentes autos.
Já vimos a insuficiência da Inspecção judicial realizada para o apuramento dos factos aqui questionados.
E, por outro lado, já referimos a inadequação da prova documental junta para comprovar esses mesmos factos.
Assim, aqui chegados, e como já se disse, só restaria aos Recorrente terem logrado provar essa factualidade através da prova testemunhal produzida na Audiência Final.
Ora, basta ponderar as transcrições (parciais) dos depoimentos indicados pelos Recorrentes (da testemunha A. S. e do declarante Eduardo -não é testemunha, contrariamente ao referido por aqueles) para se concluir, sem qualquer esforço, pela manifesta insuficiência desses meios de prova para comprovar os factos aqui em discussão.

Na verdade, em primeiro lugar, é nítida a sensação de que os referidos declarantes, nos seus depoimentos, tiveram a (única) preocupação de conformar o seu depoimento com a prova documental.
Por outro lado, nos depoimentos prestados, os referidos intervenientes processuais, além de não descreverem espacialmente a parcela de terreno, não identificam, de uma forma minimamente concretizada, actos de posse realizados ao longo dos tempos sobre a aludida faixa de terreno.

Ora, destas considerações resulta, assim, que também estas declarações não permitem que o tribunal possa ficar convencido de que a faixa de terreno aqui em discussão se integre no prédio dos AA. e que constitua o “leito” da servidão de passagem que se alegava existir na petição inicial.
Ora, é justamente este o ponto que importa aqui acentuar, e que o Tribunal Recorrido, de uma forma atenta, apontou como fundamento (principal) da improcedência da pretensão dos AA.

Com efeito, como ficou referido na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

“…das declarações de parte (inclusivamente das prestadas por Eduardo), também nada de relevante se retirou porquanto, como se esperava, os Autores limitaram-se a reproduzir a posição assumida em sede de petição inicial.(…)
(E, quanto à prova testemunhal)
…quando se ouve o vizinho da frente, cunhado dos autores, A. S., que afirma que dele não é tudo o resto que sobra para além da parcela reivindicada pela autora, mas apenas uma pequena parte, com 10 m2 (mais uma vez porque esta é a área que consta do seu registo, como o próprio afirma); perguntado sobre de quem é o restante diz que não sabe.”.

Destas considerações, que aqui se subscrevem integralmente por corresponderem à efectiva prova produzida, decorre que os AA. não lograram, de uma forma evidente, cumprir o aludido esforço probatório que sobre eles recaía, ou seja, incumbia-lhes alegar e provar que praticaram actos de posse (durante o tempo exigível a preencher os requisitos da Usucapião) sobre a aludida faixa de terreno sobre a qual alegadamente se teria constituído a servidão de passagem.

Ora, como se disse, e até se pode ver dos extractos dos depoimentos escolhidos pelos Recorrentes, nenhuma dos referidos Intervenientes relata, com suficiente convencimento e segurança, actos de posse praticados pelos AA. sobre a aqui em discussão faixa de terreno.

Um outro tanto, aliás, também não resulta dos depoimentos prestados pelas demais testemunhas ouvidas na Audiência Final que não lograram, nos seus depoimentos, esclarecer os pontos de matéria de facto aqui questionados.
*
Aqui chegados, e tendo-se procedido à ponderação dos elementos probatórios pertinentes à averiguação da matéria de facto aqui questionada, ou seja, tendo-se analisado de uma forma crítica e conjugada a prova produzida (nomeadamente, a prova por Inspecção judicial, a prova documental e a prova testemunhal pertinente à factualidade aqui em apreciação), da conjugação de todos estes elementos probatórios, a conclusão a que se tem chegar é justamente aquela a que chegou o Tribunal de Primeira Instância.
Na verdade, fazendo a análise crítica e conjugada dos aludidos elementos probatórios, não pode o presente Tribunal divergir do juízo probatório efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância.

Senão vejamos.

Quanto à prova documental, já se referiu o alcance probatório que dela se poderá retirar: são documentos que não têm idoneidade, nem são suficientes e adequados para à demonstração da área e limites do prédio dos AA. (nomeadamente, para afirmar que a faixa de terreno sobre a qual estaria constituída a servidão de passagem a favor dos prédios dos RR. se integrava no prédio dos AA.).
Como também se referiu, inexistindo qualquer outra prova directa de onde inequivocamente resultasse demonstrada aquela factualidade os AA. não estavam dispensados de fazer a prova da aquisição originária de tal parcela.

Tal prova não se pode atingir pela Inspecção Judicial realizada, atento o teor do respectivo Auto.
De igual forma, a prova por declarações de parte e a prova testemunhal produzida, também não lograran convencer-nos a dar uma resposta positiva à matéria de facto aqui impugnada.

Assim, em face destes elementos probatórios, pode o presente Tribunal concluir que o juízo fáctico efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância mostra-se conforme, em geral, com a prova produzida.

Na verdade, da valoração conjugada de todos estes elementos probatórios resulta que, contrariamente ao que pretendem os Autores, estes não lograram provar a factualidade aqui impugnada pelas razões já amplamente expostas.

Aqui chegados, pode-se, assim, concluir quanto à presente Impugnação da matéria de facto que, à luz do antes exposto, e com base nos meios de prova antes citados, a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto é, em absoluto, coincidente com a que formou o tribunal recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra, nomeadamente quanto aos pontos 2.1 a 2.6 e 2.8 da matéria de facto não provada.
Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelos ora Recorrentes, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.

Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, e conjugando os depoimentos das testemunhas atrás mencionadas com os demais elementos probatórios atrás referidos, não podem restar dúvidas que os aludidos factos constantes da matéria de facto não provada devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
*
Levantam os Recorrentes, em termos subsidiários, a questão de saber se a sentença proferida não padecerá do vício de nulidade previsto na al. c) do art. 615º do CPC.
Entendem os Recorrentes que a sentença padece do invocado vício de nulidade, porque existe oposição entre o teor dos concretos meios de prova valorados (auto de inspecção ao local, certidão do registo e certidão matricial), por um lado, e a concreta conclusão de improcedência aposta na sentença, porque aqueles colidem com esta (artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC -não especificação dos fundamentos de facto de que deriva a decisão, e ainda porque o Tribunal a quo se fundamentou também na certidão e decidiu em desacordo com o teor dela, donde os fundamentos estarem em oposição ao julgado).

Cumpre decidir.

Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. c)- do CPC, é “…nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível…”.

Interessa-nos só a primeira hipótese (contradição entre os fundamentos e a decisão).

Ora, a nulidade prescrita pelo legislador bem se compreende que exista, pois os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão funcionam, na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário.
Tratar-se-á, portanto, dito de outra forma, de a conclusão (decisão) decorrer logicamente das premissas argumentativas expostas na decisão, sendo esta última consequência lógica daquelas.

Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (ou do despacho) apenas quando os respectivos fundamentos conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
Ora, nesta matéria, e ponderando a argumentação exposta pelos Recorrentes é patente, a nosso ver, que o sobredito vício não existe.
Com efeito, ponderados de forma conjugada todos e cada um dos fundamentos de facto e de direito invocados na sentença proferida alcança-se, de forma clara e linear, que a decisão proferida colhe perfeito apoio lógico na argumentação ali avançada e, em particular, na ponderação que aí efectuou dos meios de prova produzidos, considerando como não provados os factos que haviam sido alegados pelos AA., por inadequação ou insuficiência daqueles para produzir a prova positiva daquela factualidade.

Nesta conformidade, fica evidente que não existe qualquer oposição entre a fundamentação de facto e de direito e a decisão proferida, que, no fundo, acaba por decorrer do soçobrar do cumprimento do ónus de prova que recaía sobre os AA..
Aliás, se os factos dados como não provados não estão de acordo com a prova produzida, o que poderia ocorrer era um erro de julgamento da matéria de facto, sindicável pela via da impugnação da matéria de facto -que como já se referiu não existiu- mas que, obviamente, não constitui causa de nulidade da sentença.
Ora, sendo assim, como é, estamos em crer, e assim o julgamos, que não existe qualquer contradição na sentença proferida, pois que a sua decisão decorre logicamente das suas premissas argumentativas e da interpretação do quadro legal aplicável, sendo ela absolutamente clara quanto a essa interpretação e aplicação do regime legal, ainda que possa essa sua aplicação ser discutível.
Significa, portanto, que a decisão em apreço não sofre da alegada contradição entre os fundamentos nela expostos e a decisão final nela contida (bem pelo contrário), assim como não sofre de qualquer ambiguidade ou obscuridade, sendo ela clara e linear quanto à interpretação e aplicação do regime legal convocado e quanto ao seu sentido decisório.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais alongadas considerações, julga-se improcedente a arguida nulidade da sentença.
*
Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos Recorrentes, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.

Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, já que aí bem se ponderou o ónus de prova que recaía sobre os Autores e que os mesmos manifestamente não lograram cumprir (art. 342º, nº 1 do CC).
Na verdade, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu:

“Em face desta factualidade é forçoso concluir que os autores adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio urbano supra referido pela usucapião. Por um lado, é manifesta a posse dos autores, uma vez que o corpus e o animus estão integralmente verificados. Por outro lado, sendo esta posse pública, pacífica e de boa fé a usucapião teve lugar ao fim de quinze anos e os autores, tal como resultou provado, possuem o prédio que descrevem, ininterruptamente, desde há mais de trinta, quarenta e cinquenta anos (art. 1258º, 1260º nº1, 1261º nº1, 1262º e 1296º do Cód. Civil).
O mesmo não se pode concluir em relação à parcela de terreno que está identificada na planta topográfica a amarelo fluorescente. Isto porque, como bem se vê quanto a esta parcela em específico o tribunal deu como não provados os factos relativos à usucapião.
Reconhecer-se-á o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano Conservatório do Registo Predial, sob o número ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., o prédio urbano composto por casa de habitação, com logradouro, sito na Rua ... (anteriormente Lugar ...), da freguesia de ..., do concelho de Fafe, improcedendo o dito reconhecimento, quanto à dita parcela.

Quanto à existência de uma servidão de passagem, temos que tal pedido também terá de improceder.
Na realidade, as servidões podem definir-se como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente e podem ser constituídas, além do mais, pela usucapião (art. 1543º e 1547º nº1 do Cód. Civil).
Ora, no caso, falha desde logo a existência de dois prédios pertencentes a donos diferentes pois não se apurou a quem pertence a parcela de terreno através da qual os Réus acedem ao se(u) prédio.
Improcede, pois, o pedido de declaração da existência de uma servidão de passagem a onerar o prédio dos Autores em benefício do prédio dos Réus”.
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Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, porque se concorda com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter a decisão proferida.
Improcede, também, nesta parte o Recurso interposto.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pelos Autores/Recorrentes totalmente improcedente;
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Custas pela Recorrente (artigo 527.º nº 1 do CPC);
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Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)

1. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
2. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
3. In Dgsi.pt (relator: Ribeiro Cardoso).
4. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
5. V. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
6. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
7. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
8. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
9. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
10. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, t. III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, t. I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
11. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
12. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”;
13. Lê-se no art. 491º do CPC que “as partes … podem, por si ou por seus Advogados, prestar ao Tribunal os esclarecimentos de que ele carecer, assim como chamar a sua atenção para os factos que reputem de interesse para a resolução da causa…”.
14. Vide, por todos, neste sentido, por todos, AC RC de 26.04.1994, CJ, t. II, pág. 294 e AC. do STJ de 14.11.2013 (relator Serra Baptista), e demais jurisprudência e doutrina referidas em nota 8. deste último aresto, disponível in dgsi.pt.
15. Como se refere, de uma forma esclarecedora, no ac. da RC de 1.10.2006 (relator: Hélder Almeida): “ Os documentos fiscais não têm por função garantir os elementos de identificação dos prédios descritos. A finalidade das inscrições matriciais é essencialmente de ordem fiscal, não tendo de modo algum potencialidades de atribuir o direito de propriedade sobre qualquer prédio.”.
16. Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 14.11.2013, antes citado, AC STJ de 17.06.1997, CJ, t. II, pág. 126 (relator Cardona Ferreira), AC STJ de 5.07.2001 (relator Pais de Sousa), AC STJ de 12.01.2006 (relator Duarte Soares), AC STJ de 28.06.2007 (relator Pereira da Silva), AC STJ de 15.05.2008 (relator Pereira da Silva), AC STJ de 19.02.2013 (relator Moreira Alves) e AC STJ de 27.03.2014 (relator Álvaro Rodrigues), todos in dgsi.pt.
17. V., por exemplo, o ac. da RC de 12.3.2013 (relator: Avelino Gonçalves), onde se concluiu que:” As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos neles definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial). A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa”.
18. A Santos Justo, in “Direitos Reais”, pág. 285; Menezes Leitão, in “Direitos Reais”, pág. 256; Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, pág. 276/7; José Alberto Vieira, in “Direitos Reais”, pág. 427 a 435.