Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
285/09.7TBPTB-B.G2
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO RECORRENTE
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DA COISA
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- Em sede de impugnação da matéria de facto impende sobre o recorrente, além do mais, sob pena de imediata rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, o ónus de: a) especificar, nas conclusões, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que impugna; b) indicar, nas motivações, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto que impugna.

2- Não cumpre esses ónus o recorrente que se limita a requerer a “modificação da decisão da matéria de facto conforme concretamente referido nas conclusões 1ª a 5ª e 11ª”, sem indicar os concretos pontos da matéria de facto que impugna, sequer indicando qual a concreta decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria de facto.

3- O direito de retenção relativamente a contrato-promessa tem como pressupostos: a) a celebração de um contrato-promessa de transmissão ou constituição de um direito real; b) a traditio da coisa objeto desse contrato-promessa; e c) a existência de um crédito pecuniário do promitente-adquirente sobre o promitente-transmitente decorrente do incumprimento pelo último do contrato-promessa.

4- A traditio pode ser tanto material como simbólica, sendo suficiente a traditio ficta da coisa: a entrega de um objeto pelo promitente-transmitente ao promitente-adquirente que represente simbolicamente a coisa e permita ao último a atuação material sobre a coisa, como é o caso da entrega da chave de um prédio urbano ou de fracção de prédio urbano pelo transmitente-vendedor ao transmitente-comprador.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO.

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que Banco X, S.A., instaurou contra José e outros, veio Manuel, residente na Rua …, Porto, reclamar o seu crédito, pugnando pelo reconhecimento do mesmo, no valor de 49.918,00 euros, e requerendo que seja graduado no lugar que lhe competir.

Para tanto alega, em síntese, ter celebrado com os executados Maria e José, contrato-promessa de compra e venda do imóvel penhorado;

Esse contrato foi celebrado com tradição da fração a favor do reclamante;
Como os executados não cumpriram o contrato-promessa, aquele instaurou ação, a qual correu termos pela Instância Local Cível de Arcos de Valdevez sob o Proc. n.º 231/12.0TBPTB, cujo pedido consistia na restituição ao Autor da quantia de 49.918,00 euros;
Nessa ação foi outorgada transação, homologada por sentença, em que os executados reconheceram o incumprimento do contrato-promessa, pelo que o crédito do reclamante é de 49.918,00 euros.

Admitida liminarmente a reclamação, notificados a exequente e os executados para deduzirem, oposição, querendo, a exequente Banco X, S.A., apresentou a oposição de fls. 120 a 122, impugnando parte da factualidade alegada pelo reclamante.
Mais sustentou que o reclamante não alega qualquer materialidade constitutiva de eventual e atual direito de retenção sobre o imóvel, sequer o podia fazer, uma vez que o agente de execução tomou posse daquela fração em 11/09/2012;
Sustentou, ainda, que o caso julgado operado pela sentença homologatória da transação lavrada no Proc. 231/12.0TBPTB, não lhe é oponível, dado ser terceira juridicamente interessada e não ter sido chamada àquele processo.
Conclui pedindo que se julgue improcedente a reclamação.

O reclamante respondeu, alegando que a exequente Banco X apresentou a reclamação fora de prazo;
Sustentou que não era exigível ao reclamante fazer intervir a BANCO X naquele processo onde foi lavrada e homologada a transação que celebrou com os executados.

Dispensou-se a realização de audiência prévia e após proferiu-se decisão julgando improcedente a reclamação, com fundamento na circunstância do reclamante não possuir qualquer garantia real sobre o imóvel penhorado e não ter alegado qualquer materialidade constitutiva de eventual e atual direito de retenção sobre esse imóvel.

Inconformado com o assim decidido, o reclamante interpôs recurso de apelação para esta Relação, que por decisão sumária de fls. 239 a 246, revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.

Convidou-se o reclamante a concretizar os termos em que ocorreu a entrega (tradição) da fração que lhe foi feita, o que este acatou a fls. 258.

A exequente Banco X impugnou a matéria alegada pelo reclamante em sede de concretização daquela matéria fáctica.

Após várias diligências instrutórias realizadas pelo tribunal, fixou-se o valor da presente reclamação, proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações.

Realizada audiência final, proferiu-se sentença, julgando improcedente a reclamação, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Decide-se assim julgar a reclamação improcedente”.

Inconformado com o assim decidido, veio o reclamante interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

1- Nas declarações em depoimento de parte a promitente vendedora Maria afirmou que as chaves da fracção prometida vender foram entregues por seu pai ao promitente-comprador.
2- E que estipularam que os encargos com as prestações ao Banco, Condomínio e Impostos seriam da responsabilidade dele (cfr. transcrição que se junta).
3- O promissário contratou o fornecimento de água na Câmara Municipal em seu nome.
4- Enquanto possuidor apresentou protesto pela reivindicação no processo executivo.
5- Os depoimentos das testemunhas Armindo e Dino confirmam ter ido à fracção a convite do promissário e da intenção de realização de obras.
6- A posse da fracção só foi interrompida por ato de arrombamento por parte da Agente de Execução acompanhada de força pública (2012).
7- Os atos materiais e jurídicos praticados pelo promitente-comprador (Reclamante) configurou a posse.
8- Que confere ao seu titular o direito de retenção sobre a fracção.
9- Em face da sentença proferida no processo instaurado contra os promitentes vendedores ficou assente o incumprimento definitivo.
10- Da matéria provada consta no item 5) que o reclamante chegou a ter uma chave do apartamento.
11- Da prova produzida nos autos resulta que teve chave desde a data do contrato Outubro de 2006 até à data em que foi desapossado por posse violenta sobre a coisa uma vez que a porta foi arrombada e mudada as fechaduras, sem consentimento do seu possuidor.
12- A posse violenta configura esbulho.
13- A decisão em causa não especifica os fundamentos de facto e de direito e os fundamentos estão em oposição com a decisão.
14- Na parte relativa à convicção é referido que:

O reclamante afirma ter requisitado água e luz, mas não juntou aos autos qualquer comprovativo do alegado”.
15- Facto que se mostra contrariado pelo documento de fls. 11 vº e 12 onde consta precisamente a fatura da água em nome do reclamante.
16- Existe nulidade de sentença por não estarem especificados os fundamentos que justifiquem a decisão; de existir ambiguidade acerca do período em que o Reclamante (Recorrente) teve a posse da fracção e por o Tribunal se não ter pronunciado sobre os docs. de fls. 11 vº e 12.

Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente:

a) Modificada a decisão relativa à matéria de facto conforme concretamente referido nas conclusões 1º a 5º e 11º.
b) Reconhecida ao Reclamante a posse sobre a fracção.
c) O seu crédito graduado no lugar que lhe compete.

Normas Jurídicas violadas:

Artigo 1268º a) e b) do CC; artigo 615º nº 1 b), c) e d) do CPC.

A apelada e exequente Banco X, S.A., suscitou a questão prévia da rejeição do recurso, sustentando que o apelante não juntou aos autos o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, pelo que, na sua perspetiva, se impõe ordenar o desentranhamento das alegações.
Sustentou que as alegações apresentadas pelo apelante não preenchem os pressupostos elencados no n.º 1 do art. 637º do CPC, pelo que devem ser desentranhadas.

Para o caso de assim não se entender, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação, com as seguintes conclusões:

1- O ora Recorrente alega ter celebrado, com os Executados, um contrato-promessa de compra e venda com tradição da fracção;
2- Vem o ora Recorrente, reclamar um crédito sobre os Executados e o direito de retenção sobre a fracção;
3- Salvo merecido respeito não existe qualquer direito de retenção do ora Recorrente sobre a fracção, nem possui este qualquer garantia real sobre o bem imóvel penhorado nos presentes autos;
4- Essencialmente são três os pressupostos (cumulativos) de que dependem o direito de retenção: “a existência de um crédito emergente de promessa de transmissão ou constituição de uma direito real, que pode não coincidir com o direito de propriedade; a entrega ou tradição da coisa abrangida ou objecto da promessa; incumprimento definitivo da promessa imputável ao promitente, como fonte do crédito do retentor;
5- O Recorrente não conseguiu fazer prova, nem através de prova documental nem de prova testemunhal, da tradição sobre a fração, não preenchendo os pressupostos essenciais ao direito de retenção;
6- Ora, conforme ficou explanado por sentença do douto Tribunal, o ora Recorrente não conseguiu fazer prova da posse material da coisa, nomeadamente: não fez prova da entrega da fracção, da alegada entrega da chave da fracção, da mudança de fechaduras; da contratação de empresas de prestação de serviços de água e luz, não fez prova da colocação de recheio mobiliário na fração nem da posse da fração desde Outubro 2006;
7- Pelo que, novamente, não estão reunidos os pressupostos para o alegado direito de retenção sobre a fracção;
8- Ficou ainda provado que em 11/09/2012 a ilustre Agente de Execução do processo tomou posse do imóvel, tendo sido junto aos autos o correspondente auto de diligência, onde ficou patente que a fracção encontrava-se desabitada/desocupada, o que reforça e prova da não tradição da mesma;
9- É, s.m.o, inaceitável o recurso ao termo/figura do alegado “esbulho” da ilustre Agente de Execução por posse violenta;
10- A Agente de Execução cumpriu, rigorosamente, com as suas competências na tomada de posse da fracção estando nomeadamente acompanhada das autoridades policiais para a realização da diligência;
11- Ora, não será certamente intenção do Recorrente, sugerir que as entidades policiais que acompanhavam a ilustre Agente iriam permitir a posse violenta e ilegal da fração;
12- Ora, s.m.o o douto Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada a prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como a prova documental constante dos autos, de harmonia com o princípio consagrado no artigo 607º e ss do CPC;
13- No que se refere à prova testemunhal de Maria (“ficheiro 20171003161054_185485_2871823 “02,57 - 03,01”): “Portanto, o meu pai já tinha entregue as chaves a ele antes disso”, s.m.o a a mesma não faz prova da tradição, ao contrário do que o Recorrente quer fazer crer, nomeadamente: data da alegada entrega de chaves (da fracção?); em que circunstâncias ocorreu a alegada entrega da chave; quem terá assistido à entrega das chaves.
14- A expressão da testemunha “per si” não é suficiente para fazer prova da tradição da fração.
15- A apreciação da prova é realizada de forma prudente sobre toda a prova produzida segundo regras de ciência e de raciocínio e em máximas de experiência (artº 655 nº 1 do CPC).
16- Ora, a apreciação da prova, tanto documental como testemunhal, foi claramente insuficiente para o ora Recorrente fazer prova da alegada tradição da fracção.
17- Consequentemente, é convicção da ora Recorrida que o douto Tribunal decidiu em conformidade com o disposto na lei e de forma irrepreensível.
18- Salvo merecido respeito não existe qualquer nulidade de sentença.

Termos em que em que, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, não deverá ser dado provimento ao presente Recurso, devendo em consequência manter-se inalterada a presente instância Executiva, e consequentemente, indeferir todo o requerido pelo Recorrente.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se se impõe rejeitar o recurso interposto pelo apelante com fundamento na circunstância deste não ter junto aos autos o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso;
b- se a sentença recorrida é nula com fundamento na circunstância de nela:
b.1- não se especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nela proferida;
b.2- os fundamentos estarem em oposição com a decisão;
b.3- existir ambiguidade acerca do período em que o apelante esteve na posse da fração e
b.4- por omissão de pronúncia, dado que o tribunal não se pronunciou sobre os documentos de fls. 11 verso e 12;
c- se o apelante cumpriu com os ónus que sobre se impendem em sede de impugnação da matéria de facto e quais as consequências jurídicas decorrentes desse eventual incumprimento;
d- caso os ónus a que se alude em c) tenham sido cumpridos pelo apelante, se procede a impugnação da matéria de facto que aduz;
e- independentemente de proceder ou improceder a impugnação da matéria de facto, se a sentença recorrida padece de erro de direito ao julgar improcedente a reclamação.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:

Da decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1) Manuel, aqui reclamante, propôs acção ordinária contra José e Maria (executados nos autos), pedindo que fossem considerados inadimplentes do contrato-promessa consigo celebrado e condenados a restituir-lhe o dobro do sinal prestado no montante de 49.918,00 €.
2) Dita acção cessou por transacção, em que a Ré contestante Maria reconheceu o incumprimento do contrato.
3) Nessa mesma transacção, o A. comprometeu-se a negociar com a Banco X o pagamento dos créditos referidos na cláusula segunda do contrato promessa e assumiu o pagamento das despesas do condomínio desde Outubro de 2006 em diante.
4) Aceitaram as partes nada mais terem a exigir uma da outra além do que consta da transacção.
5) O reclamante chegou a ter uma chave do apartamento.
6) O apartamento seria para o reclamante uma casa de férias.
7) Em 11/09/2012, a AE tomou posse do imóvel, trocou a fechadura da casa e a chave está na sua posse desde então.
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Factos não provados:

- A entrega da fracção foi efectuada na data em que foi celebrado o contrato promessa de compra e venda em 4 de Outubro de 2006.
- Após essa data, o reclamante mudou as fechaduras, requisitou a água e luz em seu nome.
- Colocou lá mobília e passou a ser a sua habitação.
- Que se mantém desde Outubro de 2006.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

As questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação são as que acima se identificaram, de onde resulta que tendo a apelada suscitada a questão prévia da não junção pelo apelante do documento comprovativo em como pagou a taxa de justiça devida pela interposição do presente recurso, pugnando pelo desentranhamento das alegações de recurso, a primeira questão a tratar é precisamente essa, uma vez que a proceder, automaticamente impõe-se rejeitar o recurso interposto pelo apelante.

B.1- Da não junção pelo apelante do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça.

Sustenta a apelada que o apelante não juntou o DUC e/ou o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, concluindo que perante essa não junção, se impõe ordenar o desentranhamento das alegações de recurso apresentadas pelo mesmo.

Vejamos se assiste razão à apelada.
Nos termos do disposto nos arts. 1º, n.º 1 do RCP, todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados nesse Regulamento, acrescentando o seu n.º 2 que para efeitos do Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a tributação própria.
O art. 3º, n.º 1 daquele diploma estabelece que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
Por sua vez, o seu art. 6º, n.º1 estatui que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual e é fixada em função do valor e da complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, acrescentando o seu n.º 2 que nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B.
O art. 7º, n.º 4 daquele Regulamente preceitua que a taxa de justiça é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.

Finalmente, nos termos do art. 14º, n.º 1 do RCP, o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo, nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do art. 132º do CPC, e nas entregas em suporte de papel, o interessado deverá proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.
Resulta do regime legal que se acaba de enunciar que nos recursos é devido o pagamento de taxa de justiça, a calcular de acordo com a tabela I-B anexa ao RCP, devendo esse pagamento ser comprovado pelo recorrente mediante a junção aos autos do comprovativo do prévio pagamento dessa taxa com as alegações.

Acontece que este regime legal não é aplicável quando o recorrente beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, como é o caso do aqui apelante que, conforme decorre do documento junto aos autos pelo ISS, a fls. 148 a 151, beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

De resto, cumpre referir que caso o apelante não gozasse daquele benefício, nunca a não junção aos autos, com as alegações de recurso, do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, determinaria o desentranhamento automático das alegações de recurso que apresentou.

É que conforme decorre do n.º 1 do art. 642º do CPC, nessa situação, impunha-se que a secretaria o notificasse para, em dez dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

Decorrido aquele prazo, persistindo o apelante no incumprimento, não juntando aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, só então é que o tribunal poderia ordenar o desentranhamento dos autos das alegações de recurso que apresentou (art. 642º, n.º 2 do CPC).

Resulta do que se vem dizendo que perante o beneficio do apoio judiciário atribuído ao apelante, que o dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, improcede a questão prévia suscitada pela apelada.

B.2- Da nulidade da sentença.

Sustenta o apelante que a sentença é nula nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1, als. b), c) e d) do CPC, por: a) não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nela proferida; b) os fundamentos nela vertidos estarem em oposição com a decisão nela proferida; c) por padecer de ambiguidade quanto ao período em que o apelante teve a posse da fração e d) por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal a quo não se pronunciou sobre os documentos de fls. 11 verso e 12.

Expressa o art. 615º, n.º 1, que a sentença é nula quando:

a) …;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).

Os vícios determinativos de nulidade da sentença, que se encontram taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC., reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença.

Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) -falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (1).

Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando, atacáveis em via de recurso (2).

Acresce precisar que os vícios da decisão da matéria de facto nunca constituem causa de nulidade da sentença, designadamente por omissão de pronúncia, dado que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2 do art. 662º do CPC (3).

Posto isto, a primeira causa de nulidade que o apelante assaca à sentença recorrida é o da não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nela proferida, vício esse a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 615º e que se reconduz ao vício da falta de fundamentação.

B.2.1- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação.

O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência do art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Densificando esse comando constitucional, os arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC impõem ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a decisão.

Nos termos destes normativos, a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2 do art. 154º do CPC).

O dever de fundamentação tem como fundamento teleológico a circunstância de destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (art. 3º, n.º 1 do CPC), esse conflito só logrará efetiva resolução e alcançar a restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”. (4)

A fundamentação constitui, a nosso ver, igualmente fundamento legitimador do poder soberano constitucionalmente atribuído aos tribunais para “em nome do povo”, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1 da CRP).

Na verdade, não possuindo os tribunais uma legitimidade direta, mas antes indireta, posto que essa legitimidade lhes advém da constituição, essa legitimidade apenas será assegurada se através da fundamentação os tribunais lograrem demonstrar e convencer que as decisões que proferem não são meros atos arbitrários, mas antes a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto, contendo-se dentro dos limites constitucionalmente fixados para a atuação do poder judicial e que legitima o poder soberano que lhes é atribuído.

A fundamentação é ainda requisito de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes, assegurando-lhes que conheçam da razão ou razões do decaimento das suas pretensões, designadamente, a fim de ajuizarem da viabilidade de utilização dos meios legalmente previstos para sindicar e impugnar essas decisões.
Finalmente, a fundamentação é requisito para que os tribunais superiores possam controlar as decisões dos tribunais inferiores. É que à semelhança do que acontece com as partes, as instâncias superiores carecem de conhecer os concretos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal que proferiu a decisão que está a ser sindicada ancorou a mesma a fim de poderem cabalmente reapreciar esses fundamentos e ajuizar do bom ou mau fundamento da decisão (5).

Deste modo, é que em termos de matéria de facto, se impõe ao juiz a obrigação de na sentença discriminar os factos que considera provados e não provados, devendo, de forma clara e especificada, analisar criticamente as provas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 607º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPC.), explicitando desse modo, não só a respetiva decisão como, também, quais os motivos que a determinaram.

Em sede de fundamentação da matéria de direito, a lei faz impender sobre o juiz iguais obrigações, impondo-lhe o ónus de, na decisão, identificar as normas e os institutos jurídicos de que se socorreu e a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica ao caso concreto (n.º 3 daquele art. 607º).

Não obstante a importância angular da fundamentação, de acordo com a jurisprudência, só a falta, em absoluto, de fundamentação determina a nulidade da sentença a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito, e não apenas a mera deficiência da mesma (6).

Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença (despacho), geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, atacáveis em vias de recurso e não determinativos daquela invalidade.

Como referido, o vício determinativo da nulidade da decisão proferida com fundamento em ausência de fundamentação apenas ocorre quando se esteja perante uma absoluta e total ausência de fundamentação.

Já a deficiente fundamentação apenas consubstanciará erro de julgamento de facto e/ou de direito, em que apenas se assiste a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto.

A deficiente análise crítica da prova ou a deficiente enunciação das normas aplicáveis ou da interpretação daquelas ou saber-se se as mesmas são ou não aplicáveis ao caso concreto ou se a interpretação delas feita está ou não correta, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença, mas, reafirma-se, apenas mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso (7).

Acresce que como já aflorado, nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício carece de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.

Posto isto, apesar do apelante arguir a nulidade da sentença com fundamento na circunstância desta pretensamente não especificar os fundamentos de facto e de direito em que assentou a decisão nela proferida, verifica-se que o mesmo não indica o porquê desta sua imputação.

Por outro lado, analisados os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida e cotejados os mesmos com a fundamentação que nela se encontra exarada, verifica-se que o tribunal a quo expõe os concretos elementos de prova que servem de base à sua decisão, analisando-os e conectando-os entre si, de modo que basta a mera leitura dessa fundamentação para se apreender os concretos elementos de prova e as concretas razões que subjazem à decisão daquele tribunal em dar como provados e não provados os factos que assim julgou.

É certo que conforme decorre das alegações de recurso apresentadas pelo apelante, este não se conforma com o assim decidido pelo tribunal a quo, fazendo uma leitura distinta da prova produzida daquela que foi feita pelo tribunal a quo.

No entanto, essa sindicância que o apelante faz em relação à prova produzida coloca-se em sede de impugnação de matéria de facto, onde terá de ser apreciada, caso o apelante tenha dado cumprimento aos ónus enunciados no art. 640º do CPC, não consubstanciando essa diferente leitura da prova produzida pelo apelante qualquer vício de ausência ou deficiente fundamentação.
Em sede de matéria de direito, na sentença recorrida, explana-se as normas jurídicas aplicáveis aos caso concreto e de que depende a reclamação do crédito reclamado pelo apelante (art. 788º, n.º 1 do CPC), enuncia-se qual o concreto fundamento fáctico que por este vem invocado tendo em vista o preenchimento da previsão legal daquela norma (a celebração de contrato-promessa tendo por objeto a fração penhorada na execução, com traditio para o apelante dessa fração), indica-se sobre quem impende o ónus da prova da demonstração dessa traditio (sobre o apelante), e conclui-se que não tendo este feito prova da existência da traditio da fração, o mesmo não possui qualquer garantia real sobre o referido imóvel penhorado nos autos e, consentaneamente com o assim ajuizado, julgou-se improcedente a reclamação por ele apresentada.

Resulta do exposto, não ocorrer qualquer vício de falta de fundamentação, sequer de deficiente fundamentação da sentença recorrida, improcedendo, por conseguinte, a pretensa nulidade da sentença recorrida por alegada não especificação dos fundamentos de facto e de direito que serviram de base à decisão nela proferida.

B.2.2- Da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Alega o apelante que a sentença é nula por os fundamentos nela explanados estarem em oposição com a decisão nela proferida.
A este vício reporta-se a al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
O vício da nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os respetivos fundamentos, determinativo da nulidade da sentença pressupõe a existência de uma contradição lógica entre a decisão e os fundamentos de facto e/ou de direito avocados naquela para ancorar a decisão nela proferida, ou seja, o julgador seguiu determinada linha de raciocínio, que aponta para determinada conclusão, mas em vez de tirar essa conclusão, decide noutro sentido, oposto ou divergente.

Esta nulidade relaciona-se, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, e pelo art. 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz fundamentar as suas decisões e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal - premissa maior - com os factos - premissa menor.

Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”. Consequentemente, “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (8).

Esta oposição não se confunde, porém, com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir” (9).

Dito por outras palavras, a nulidade da sentença com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão traduz-se num vício real no raciocínio do julgador explanado na sentença, consistente em a fundamentação apontar num determinado sentido e a decisão proferida seguir outro caminho, oposto ou, pelo menos, diferente.

Esse vício distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas uma incorreta interpretação da lei ou uma indevida aplicação desta aos factos provados ou não provados no caso concreto ou um erróneo julgamento desses mesmos factos julgados provados ou não provados perante a prova produzida.

Por conseguinte, saber se a decisão de facto ou de direito está certa ou não, é questão de mérito e não de nulidade da sentença (10).

No caso, o apelante sustenta que a sentença padece de nulidade, nos termos da alínea c), do n.º 1, do art. 615º do CPC, por ocorrer oposição entre os fundamentos nela aduzidos e a decisão aí proferida.

Mais uma vez, o apelante não cuida em concretizar em que se traduz essa pretensa oposição entre os fundamentos explanados na sentença recorrida e a decisão nela proferida e mais uma vez verifica-se que o que subjaz a essa nulidade que assaca à sentença recorrida, agora com fundamento em pretensa contradição entre os fundamentos e a decisão nela proferida, está o inconformismo do apelante em relação ao julgamento da matéria de facto que nela foi feito pelo tribunal a quo, inconformismo esse que, caso assista razão ao apelante, reafirma-se, consubstancia mero erro de julgamento, a apreciar em sede própria, e não causa de nulidade da sentença.

De resto, lida a sentença recorrida, fácil é de concluir que não se descortina a existência de qualquer contradição lógica entre a parte disjuntiva daquela (a decisão nela proferida) e os fundamentos de facto e/ou de direito que nela foram avocados pelo tribunal a quo para ancorar essa sua decisão.

Com efeito, conforme se alcança da simples leitura dessa sentença, o discurso de facto e de direito nela prosseguido pelo tribunal desemboca logicamente na decisão nela proferida, de modo que podemos afirmar que o raciocínio fáctico e jurídico (certo ou errado) prosseguido e explanado pelo tribunal a quo na sentença apresenta-se como pressuposto lógico-jurídico da decisão nela proferida.

Termos em que, sem maiores delongas, improcede a pretensa nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo com fundamento em alegada oposição entre a decisão e os fundamentos em que aquela repousa.

B.2.3- Da nulidade da sentença por ambiguidade que torne a decisão ininteligível.

Invoca o apelante que a sentença é nula, ao abrigo do disposto no art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC, por pretensa ambiguidade que torna ininteligível a decisão nela proferida, alegando como fundamento deste pretenso vício a circunstância de existir ambiguidade acerca do período em que o apelante teve a posse da fração.

Mais uma vez o apelante confunde vícios determinativos da nulidade da sentença recorrida, com pretensos erros de julgamento de que padecerá a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, vícios estes que, reafirma-se, a verificarem-se, traduzem meros erros de julgamento, na vertente de error facti, que careciam de ser invocados pelo apelante em sede de impugnação da matéria de facto, onde caso aquele tenha dado cumprimento aos ónus enunciados no art. 640º do CPC, terão se ser apreciados e suprimidos por esta Relação ou, na impossibilidade de suprimento, poderá determinar a nulidade da decisão proferida nos termos do art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC.

O vício da ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível a que se reporta o art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC ocorre quando a parte decisória propriamente dita da sentença (com exclusão, portanto, dos fundamentos nela explanados para ancorar essa decisão) tem mais do que um sentido, tornando-se, consequentemente, incerto, duvidoso ou indefinido o respetivo comando para um declaratário normal. Essa decisão será ambígua quando o seu exato sentido não pode ser alcançado por esse declaratário médio, por este, quando confrontado com a decisão, interpreta-a em mais que um sentido e, consequentemente, desconhece qual o sentido a seguir. Já a decisão será obscura, quando esse declaratário médio/normal nem sequer consegue apreender o que o juiz quis dizer na parte decisória, por esta lhe ser ininteligível (11).

No caso, a parte decisória da sentença recorrida limita-se a julgar a reclamação improcedente, pelo que este comando é claro e inequívoco – a reclamação improcedeu e, consequentemente, o apelante viu a sua pretensão desatendida -, inexistindo, por conseguinte, qualquer vício de ambiguidade ou de obscuridade que afete a sentença recorrida, tornando-a nula por ininteligibilidade da decisão nela proferida.
Termos em que, sem maiores delongas, improcede o vício da nulidade da sentença recorrida, com fundamento em ambiguidade da decisão nela proferida, que a torne ininteligível.

B.2.4- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Finalmente, invoca o apelante que a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, sustentando que o tribunal a quo não se pronunciou sobre os documentos juntos aos autos a fls. 11 verso e 12.

Como é bom de ver, novamente o apelante incorre sempre no mesmo vício, qual seja o de confundir os vícios determinativos da invalidade da sentença, com os pretensos erros de julgamento em que terá incorrido o tribunal a quo na fixação da matéria que julgou como provada, ao pretensamente não valorar determinados elementos de prova.

Os vícios a que alude o art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608º do mesmo Código, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, segundo o qual “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido e da defesa, circunscreverem o thema decidendum (12).

Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).

Por sua vez, conhecendo o juiz de pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes não centralizaram o litígio, incluindo de exceções não suscitadas e que não eram do conhecimento oficioso, ocorrerá nulidade por excesso de pronúncia.

Acontece que, como é bom de ver, não é nada disto que acontece nos autos, em que o tribunal se limitou a conhecer da reclamação de créditos invocada pelo apelante e por ele fundada na existência do direito de retenção ancorado na existência de um contrato-promessa em que aquele figura como promitente-comprador e em relação ao qual alega ter existido tradição da fração objeto desse contrato e incumprimento desse contrato-promessa por parte dos promitentes-vendedores, concluindo o tribunal, na sequência da prova produzida, não ter o apelante logrado fazer prova da existência dessa tradição da fração e, consentaneamente, julgando a reclamação improcedente.

Ao assim decidir o tribunal limitou-se a conhecer da concreta questão que lhe foi submetida pelo apelante – se aquele era titular de direito de retenção sobre o prédio penhorado nos autos, decorrente da celebração daquele contrato-promessa, com alegada traditio desse prédio e no incumprimento desse contrato por parte dos promitentes vendedores – e não omitiu qualquer pronúncia.

A pretensa omissão de pronúncia que o apelante assaca à sentença recorrida não se coloca ao nível das questões que o mesmo colocou à apreciação do tribunal, mas ao nível dos elementos de prova, mais concretamente, dos documentos juntos aos autos a fls. 11 verso e 12, que refere não terem sido apreciados pelo tribunal aquando da ponderação da prova e da fixação da matéria factual que julgou provada e não provada.

Acontece que como referido, essa questão em nada contende com o vício da omissão de pronúncia, mas com um pretenso erro de julgamento em que terá incorrido o tribunal a quo na apreciação e ponderação da prova produzida, ao alegadamente omitir a apreciação de determinados elementos de prova – no caso, os documentos juntos aos autos a fls. 11 verso a 12.
Resulta do que se vem dizendo, improceder o vício da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

B.3- Da impugnação da matéria de facto.

O apelante impugna a matéria de facto, requerendo que se modifique a matéria julgada provada na sentença recorrida, conforme concretamente referido nas conclusões 1ª a 5º e 11º.

Antes de mais impõe-se verificar se o apelante cumpriu com os ónus de impugnação da matéria de facto a que se encontra adstrito, posto que para além dessa questão ser do conhecimento oficioso do tribunal, foi suscitada pela apelada, que sustenta como questão prévia, não ter o apelante cumprido com esses ónus e requerendo, inclusivamente, o desentranhamento das alegações por ele apresentadas.

Como é sabido, com a reforma introduzida pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, ao CPC, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.

Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este, que tido por absoluto, transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (13).

Deste modo, perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância.

Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (14).

Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.

Deste modo, com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (15), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da autorresponsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, o porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo
.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Note-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.

Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.

Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (16), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.

O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (17).

Como consequência do que se vem dizendo, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (18).
Os critérios que se acabam de enunciar têm sido aqueles que têm sido seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual, no entanto, tem operado uma distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados com o mérito ou demérito da pretensão; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.

Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente, se impõe a rejeição do recurso.

Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2 daquele art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, a jurisprudência considera que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” (19).

Argumenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento” (20).
Conforme se lê no acórdão do STJ, cujo excerto se acaba de transcrever e infra identificado, “na interpretação da norma que consagra este ónus (...), não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao atual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de um interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação – evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjetivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais”.

Não obstante ser entendimento unânime do STJ no sentido de que aquele ónus de impugnação secundário tem de ser apreciado à luz de um critério da proporcionalidade, não sendo de rejeitar a impugnação da matéria de facto quando não exista dificuldade relevante na localização dos excertos da gravação em que a parte tenha fundado a sua impugnação, já existe discordância sobre as concretas condições que têm de ser observadas para que à luz do enunciado critério de proporcionalidade se considere estar cumprido minimamente esse critério (21).

Enunciados que estão os ónus a que o apelante se encontra subordinado em sede de impugnação da matéria de facto, verifica-se desde logo, que o mesmo não deu cumprimento ao preceituado na al. a), do n.º 1 do art. 640º do CPC, que o obrigava, nas conclusões, a delimitar o objeto da impugnação da matéria de facto de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.

Com efeito, não cumpre manifestamente esse ónus, o mero requerimento do apelante no sentido de se modificar “a decisão relativa à matéria de facto conforme concretamente referido nas conclusões 1ª a 5º e 11º”, sem indicação dos concretos pontos da matéria de facto que impugna.

Aliás, ao assim proceder, o recurso interposto pelo apelante é claramente genérico, deixando ao tribunal, mas também à apelada, em sede de contra-alegações, a tarefa de verificar de entre os sete itens que constam do elenco dos factos julgados como provados pelo tribunal a quo, quais os factos que constam desses itens que, na perspetiva do apelante, se mostram desconformes com as conclusões 1ª a 5ª e 11ª das suas alegações de recurso, quando é seu ónus legal, sob pena de rejeição do recurso quanto à matéria de facto, indicar especificadamente, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, isto é, se é a matéria dada como provada sob os pontos 1, 2 e 3, ou antes sob os pontos 1, 5 e 7, etc..

Mais. O apelante também não cumpriu com o ónus a que alude a al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC, que o obrigava a expressamente, na motivação, a indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, isto é, no ponto 1 deu-se provado que (…), mas impunha-se que se desse provado o seguinte: (…).

Aliás, como referido, o apelante limita-se a requerer que se procede à modificação da decisão relativa à matéria de facto conforme concretamente referido nas conclusões 1ª a 5ª e 11ª, quando nessas conclusões se limita inclusivamente, não a indicar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, questões de facto essas que, reafirma-se, não cuidou sequer em concretizar, mas a indicar o que terá sido dito pela declarante Maria – parte e não testemunha (conclusão 1ª e 2ª), o que fez o apelante (conclusão 3ª e 4ª), o que foi alegadamente afirmado pelas testemunhas Armindo e Dino em audiência de julgamento (conclusão 5ª) e a extrair uma súmula da prova produzida (conclusão 11ª).

Note-se que quanto aos depoimentos das testemunhas Dino e Armindo, que o apelante invoca na conclusão 5ª, este também não dá cumprimento ao ónus enunciado na al. a), do n.º 2 do art. 640º do CPC, mesmo que se atenda aos critérios mais flexíveis seguidos pelo STJ, na medida em que se limita a fazer referência ao nome destas testemunhas, sustentando que os mesmos “confirmaram ter ido à fracção a convite do promissário e da intenção de realização de obras”, sem que tivesse cuidado em indicar as passagens da gravação dos depoimentos dessas testemunhas em que estas fizeram pretensamente aqueles confirmações (início e termo dos excertos dos respetivos depoimentos em que confirmaram aqueles factos que refere) ou de cujas passagens se extrai as mesmas.

De resto, o apelante, para além de assim proceder, nem sequer procedeu à transcrição dos depoimentos das identificadas testemunhas, o que numa interpretação mais flexível do STJ, poderia permitir que se considerasse aquele ónus a que alude o art. 640º,n.º 2, al a) do CPC, como suficientemente cumprido.

Resulta do exposto que não tendo o apelante dado cumprimento aos ónus enunciados no art. 640º, n.º 1, als. a) e c), sequer, quanto às testemunhas Armindo e Dino ao enunciado na al. a), do n.º 2 desse normativo, impõe-se rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Nesta conformidade, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, que assim se mantém inalterada.
*
B.4- Do direito.

Como se salienta na sentença recorrida, só o credor com garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar o seu crédito na execução, a fim de concorrer à distribuição do produto da venda (art. 755º, n.º 1 do CPC).

A garantia real sobre os bens penhorados pode resultar de penhor, hipoteca, privilégio creditório, direito de retenção ou outra garantia admitida por lei (art. 604º, n.º 2 do CC), incluindo a penhora (art. 822º, n.º 1 do CC) e o arresto (art. 622º, n.º 2 do CC) (22).

No caso, o apelante veio reclamar o seu crédito, no montante de 49.918,00 euros, requerendo que o mesmo seja graduado no lugar que lhe competir, alegando ter celebrado com os executados um contrato-promessa com traditio do prédio objeto desse contrato e ora penhorado na execução, em que figura como promitente-comprador, contrato esse que aqueles executados incumpriram, conferindo-lhe o direito àquele crédito e o direito de retenção sobre o prédio objeto desse contrato-promessa.

A reclamação de créditos apresentada pelo apelante funda-se, assim, no direito de retenção a que alude o art. 755º, al. f) do CC.
Enuncie-se que o direito de retenção encontra-se, em geral, previsto no art. 754º do CC, onde se estatui que: “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção, se estando obrigado a entregar a coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.

Trata-se de um direito real de garantia, não sujeito a registo, dado que deriva diretamente da lei, funcionando como espécie de penhora legal e que como direito real que é, vale ergo omnes, podendo ser defendido e ser oposto pelo respetivo titular perante terceiros, conferindo-lhe a faculdade de reter ou não restituir uma coisa alheia, que possui ou detém, até lhe ser pago o que lhe é devido por causa dessa coisa pelo respetivo proprietário, mas também, de executar essa coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores, prevalecendo o direito de retenção, quando incida sobre coisa imóvel, sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (art. 759º,n.º 2 do CC).

O direito de retenção desempenha uma dupla função: como direito real de garantia, garante que o crédito do seu beneficiário será satisfeito, não o sendo voluntariamente, a partir do valor da coisa; como meio coercivo, pressiona o devedor ao cumprimento, posto que, enquanto o não fizer, não logrará conseguir a entrega da coisa, ainda que esta valha mais que a dívida, cujo cumprimento garante (23).

O art. 755º do CC elenca um conjunto de casos especiais de direito de retenção, importando, no que ao caso presente interessa, chamar à colação a al. f) deste preceito, nos termos do qual: “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º”.

Conferiu, assim, a lei, com o objetivo expresso no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 236/80, de 18/7, de reforçar a posição jurídica do promitente-comprador, especialmente no campo das transações de imóveis urbanos para habitação, ao beneficiário de qualquer contrato-promessa com traditio rei um direito especial de retenção, destinado a garantir o cumprimento pelo promitente inadimplente dos créditos que assistem ao primeiro nos termos do art. 442º do CC., em caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do promitente-transmitente.

Os requisitos ou pressupostos do direito de retenção no contrato-promessa, como decorre do art. 755º al. f) reconduzem-se: a) à celebração de um contrato-promessa de transmissão ou constituição de um direito real; b) a traditio da coisa objeto desse contrato; e c) a existência de um crédito do promitente-adquirente sobre o promitente-transmitente decorrente do incumprimento pelo último do contrato-promessa.
Essa traditio tanto pode ser uma tradição material como puramente simbólica, em qualquer das modalidades: traditio longa manus, traditio ficta ou traditio brevi manus (art. 1263º, al. b) do CC).

Para que o direito de retenção se reconheça ao promitente-comprador é suficiente a traditio ficta, isto é, a entrega de um objeto que representa simbolicamente a coisa e permita a atuação material sobre ela. É o que ocorre frequentemente, no caso de prédios urbanos ou de frações de prédio urbano, em que basta para a realização da traditio a entrega das chaves (24).
O crédito que é garantido pelo direito de retenção não é o crédito à prestação de facto incumprida, isto é, à execução específica do contrato-promessa, mas o previsto no art. 442º do CC, ou seja, o crédito que assiste ao promitente adquirente receber da sua contraparte (promitente-transmitente) em caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa, ou seja, o sinal em dobro que prestou ao último ou a indemnização convencionada nos termos do n.º 4 do art. 442º do CC (25).

Como referido, o apelante alegou ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda bilateral com os executados, mediante o qual estes lhe prometeram vender o prédio ora penhorado na execução, e aquele lhes prometeu comprar esse prédio; que os executados lhe entregaram esse prédio e, bem assim ser detentor de um crédito pecuniário sobre os executados decorrente do incumprimento definitivo pelos mesmos desse contrato-promessa.

Acontece que, contrariamente ao que era seu ónus fazer (art. 342º, n.º 1 do CC), o apelante não logrou fazer prova da tradição para o mesmo do prédio objeto desse contrato-promessa.

É certo que se provou que o apelante chegou a ter as chaves do prédio (cfr. ponto 5 dos factos apurados), mas desconhece-se o período temporal em que tal aconteceu e, bem assim as circunstâncias em que o mesmo deteve essas chaves, designadamente, se tal aconteceu em virtude dos executados e promitentes-vendedores lhe terem facultado essas chaves para que aquele passasse um período temporal, nomeadamente, de férias, na fração, para que o apelante nela executasse determinados trabalhos que os executados lhe solicitaram, porque o apelante subtraiu essas chaves àqueles, porque as encontrou ocasionalmente na via pública ou se as mesmas lhe foram efetivamente entregues pelos promitentes-vendedores por via da celebração do contrato-promessa, última hipótese esta que é a única que lhe confere uma efetiva traditio da fração, já não assim se verificando em relação às restantes hipóteses atrás enunciadas.

E não tendo o apelante logrado fazer prova em como houve tradição do prédio operada pelos promitentes-vendedores para o mesmo na sequência do celebração do contrato-promessa, nada mais restava ao tribunal a quo se não julgar a reclamação improcedente, uma vez que aquele não fez prova ser titular do direito de retenção que invocou e em que estribou a sua reclamação de créditos, não obstante sobre si impender o respetivo ónus da prova (art. 342º, n.º 1 do CC).

Resulta do que se acaba de referir, que nenhum reparo nos merece a sentença recorrida quando julgou improcedente a presente reclamação.

Nestes termos, na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, impõe-se julgar improcedente a presente apelação e confirmar a sentença recorrida.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida
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Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 19 de abril de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha


1. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
2. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
3. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI.
4. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348.
5. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332.
6. Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014; pág. 736; e a título exemplificativo, Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RE. de 03/07/2014, Proc. 569/13.0TTFAR.E1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI.
7. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
8. Ac. da RG, de 14.05.2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G., in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Ac. RC, de 11.01.1994, BMJ nº 433, pág. 633, onde se lê: que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição”. Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, BMJ nº 464, pág. 524, e Ac. do STJ, de 22.06.1999, CJ, 1999, tomo II, pág. 160.
9. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; Ac. STJ. de 20/01/2004, Proc. 03S1697, in base de dados da DGSI.
10. Ac. do STJ, de 08.03.2001, Processo nº 00A3277, in base de dados da DGSI.
11. Abílio Neto, in ob. cit., pág. 739; Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, cit., pág. 333.
12. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
13. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
14. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
15. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153.
16. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
17. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
18. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
19. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs.
20. Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
21. No ac. do STJ. de 09/07/2015, proferido no Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1, considerou-se que “tendo o apelante, nas suas conclusões de recurso (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão no qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv), bem como referido qual o resultado probatório que no seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar”. Já no Ac. STJ. de 14/09/2006, Proc. n.º 06B1998, entendeu-se que: “Deve ser rejeitado o pedido de alteração da matéria de facto formulado na apelação que se refira unicamente aos depoimentos de determinadas testemunhas, mas omita os concretos pontos gravação das declarações daquelas que impunham uma decisão diversa sobre os trechos da matéria de facto impugnada”. No Ac. do STJ. de 19/01/2016, Proc. n.º 3326/10.4TBLRA.C1.S1, ponderou-se que: “ a falta de indicação exata e precisa do segmento da gravação em que se fundamenta o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação eletrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório. E no Ac. do STJ. de 19/02/2015, Proc. 405/09.1TMCBR.C1.S1, escreve-se que: “… que a apresentação das transcrições globais dos depoimentos não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640º do Cód. Proc. Civil”.
22. Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, pág. 355, nota 20.
23. Acs. STJ. 22/06/1989, AJ, 1º, 0-14; 24/02/199, Sumários, 28º, pág. 32; R.P. de 31/05/2016, Proc. 662/09.3TVPRT.P1, in base de dados da DGSI. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almedina, págs. 577 a 579, onde após escrever estar-se perante um verdadeiro real de garantia, que funciona como meio de coerção ao cumprimento, sustenta “… torna-se já possível definir o direito de retenção, com a necessária segurança, como o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores”.
24. Ac. R.C. de 15/01/2013, Proc. 511/10.0TBSEI.C1, in base de dados da DGSI.
25. Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, 12ª ed., pág. 181; e Ac. R.P. de 17/03/2016, Proc. 1690/10.1TBSCR-D.L1-2, in base de dados.