Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1560/10.3TBVVD.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: TRANSACÇÃO JUDICIAL
NULIDADE
ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A relevância do erro sobre o objecto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende, nos termos dos artigos 247º e 251º do Código Civil, da reunião de três requisitos.
1º - Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro.
2º - Que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro.
3º - Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante
II – A cláusula inserida em transacção efectuada pelas partes em acção anterior de que «com o pagamento da quantia de € 2.500,00, o autor considera-se integralmente ressarcido de todos os danos passados, presentes ou futuros, seja a que título for, emergentes do acidente de viação discutido nos referidos autos, nada mais tendo a receber do réu», tem inequivocamente o significado de que o autor não reclamará do réu qualquer outra quantia, além dos 2.500,00 acordados, a título de danos emergentes do acidente de viação em causa.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra BB, pedindo que seja declarada nula a transacção efectuada na acção sumaríssima nº 669/10.8 TBVVD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, e que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 8.683,78, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como o montante de € 25,00 diários pela paralisação do veículo de que é proprietário até integral pagamento da referida quantia.
Fundamenta este pedido em acidente de viação ocorrido no dia 20.09.2009, cerca das 20h50, na E.M. 1195, no Lugar de Larim, freguesia de Soutelo, concelho de Vila Verde, no qual foram intervenientes o ciclomotor com a matrícula ..-HD-69, conduzido pelo autor, e o veículo ligeiro com a matrícula espanhola …-7441-BC, propriedade de CC e conduzido por DD, por conta e direcção daquele, atribuindo a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do veículo PO, em consequência do qual resultaram os danos que descreve e de que se quer ver ressarcido, além de uma indemnização pela privação do uso do respectivo veículo.
Como questão prévia alegou o autor que sobre o mesmo objecto da presente lide instaurou contra o réu a acção sumaríssima acima identificada, a qual terminou com uma transacção homologada por sentença, na qual o autor aceitou receber a quantia de € 2.500,00, quando o pedido inicial era de € 4.699,93, sucedendo, porém, que após o acordo realizado, recebeu do Hospital de Braga facturas para liquidar resultantes dos tratamentos a que foi sujeito, as quais totalizam a quantia de € 3.983,85, sendo que apesar das facturas em causa serem de data anterior, o autor apenas as recebeu após a transacção, pelo que soubesse que as mesmas tinham sido emitidas em seu nome nunca teria aceitado o acordo celebrado na acção sumaríssima referida, pelo que existiu um erro sobre o objecto do negócio que justifica a declaração de nulidade da dita transacção.
O réu contestou, impugnando os factos alegados pelo autor, quer quanto aos fundamentos relativos à pretendida nulidade da transacção operada nos autos de acção sumaríssima nº 669/10.8 TBVVD, quer no respeitante à dinâmica do acidente, atribuindo ao autor culpa exclusiva na sua ocorrência.
Foi proferido despacho saneador tabelar, tendo-se dispensado a selecção da matéria de facto.
Instruído o processo, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o réu do pedido.
Inconformado, recorreu o autor da sentença, culminando as alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde a acção declarativa, sob a forma de processo sumaríssimo com o nº 669/10.8TBVVD intentada pelo Autor/Recorrente AA contra o BB, nos termos do qual o primeiro pedia a condenação do segundo no pagamento da quantia global de € 4.699,93 acrescida de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, com vista ao ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como na quantia de € 25,00/dia pela paralisação do veículo de que é proprietário, na sequencia de acidente de viação ocorrido no dia 20/9/2009, cerca das 20h50, na E.M. 1195 no Lugar de Larim, freguesia de Soutelo, concelho de Vila Verde, no qual interveio o ciclomotor com a matricula …-HD-69 (doravante designado por HD) conduzido pelo Autor e o veiculo ligeiro com a matricula espanhola …-7441-BC (doravante designado por PO), propriedade de CC e conduzido por DD, por conta e direcção daquele, alegando que o mesmo se ficara a dever, única e exclusivamente, ao condutor deste segundo veículo;
2. No âmbito da referida acção, em 02.07.2010 foi proferida sentença nos termos da qual foi homologada transacção levada a cabo por A. e R., segundo a qual o primeiro reduziu o pedido à quantia de € 2.500,00, tendo-se o segundo comprometido a pagar a referida quantia no prazo de 30 dias, contra recibo, por meio de cheque a remeter para o Ilustre Mandatário do Autor;
3. No dia 20.09.2009, cerca das 20h50, na E.M. 1195 no Lugar de Larim, freguesia de Soutelo, concelho de Vila Verde, no qual interveio o ciclomotor com a matrícula …-HD-69, conduzido pelo Autor e o veículo ligeiro com a matrícula espanhola …-7441-BC propriedade de CC e conduzido por DD;
4. Na data referida em 4. a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo PO encontrava-se transferida para a Seguradora Espanhola Mútua Madrilena através da apólice nº 02635167;
5. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 4., o HD circulava na referida EM 1195, no sentido Prado-Vila Verde, a uma velocidade inferior a 60 km/hora, ao passo que o PO seguia em via que entronca pelo lado direito com a EM em sujeito, atento o sentido do ciclomotor;
6. O embate deu-se quando o PO chegou ao dito entroncamento o qual entrou na EM 1195 sem ter parado junto à respectiva zona de intercepção de ambas as vias;
7. Na data mencionada em 4. a via por onde circulava o PO servia de acesso à zona industrial do Soutelo, na altura parcialmente em funcionamento e edificação;
8. A referida via veio, por força da aprovação da toponímia da freguesia de Soutelo, em 04.10.2010 a ser integrada como caminho público;
9. O PO embateu com a respectiva lateral direita na parte frontal do HD, tendo este sofrido danos orçados em € 449,93;
10. O HD era, à data, o único veículo que o A. possuía para fazer face às suas deslocações diárias, bem como do respectivo agregado familiar;
11. Na sequência do embate, o A. foi projectado para o asfalto, tendo vindo a fracturar a perna direita, pelo que foi transportado até ao Hospital de Braga, onde permaneceu internado durante um período de quatro dias, tendo sido submetido a cirurgia ao referido membro inferior;
12. Regressado a casa, o A. sentiu fortes dores no membro inferior direito e um mal-estar generalizado, dores aquelas que ainda hoje se fazem sentir, principalmente no final do dia;
13. Por força do internamento hospitalar, da intervenção cirúrgica e dos tratamentos prestados, o A. veio a ser informado, em data posterior a 02.07.2010 ser devida ao Hospital de Braga, a título de despesas, a quantia global de € 3.983,85.
14. Na sequência dos danos sofridos em resultado do embate, o HD esteve imobilizado por um período de 90 dias;
15. A circunstância de ter sido internado em unidade hospitalar e submetido a intervenção cirúrgica não significa, nem pode significar, que, aquando da celebração do acordo de transacção, o A. soubesse ou devesse saber de todos os custos/prejuízos /danos decorrentes do acidente em crise nos presentes Autos;
16. Só depois de celebrado o acordo de transacção, e não antes, é que o A. veio a tomar conhecimento da existência de despesas hospitalares em dívida;
17. A vontade do A. para efeitos de acordo de transacção formou-se em consequência da circunstância de não ter conhecimento, na altura, que teria de pagar o que quer que fosse ao Hospital de Braga, pois, doutro modo, jamais teria celebrado a transacção, pelo menos nos moldes em que o foi;
18. O acordo de transacção celebrado e que se pretende anular teve em vista, como elemento essencial, os danos no ciclomotor e os da privação de uso, em prazo superior a 6 meses;
19. A essencialidade do ponto anterior (nº 18) não era do desconhecimento do Réu;
20. O erro sobre o objecto do negócio cessou em meados de 2010, data em que o A. tomou efectivamente conhecimento que tinha uma dívida ao Hospital de Braga;
21. Andou mal o Tribunal a quo a considerar que não sobrevieram razões para declarar nula a transacção efectuada no processo nº 669/10.8TBVVD do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, ficando por isso prejudicada a apreciação da restante matéria e conhecimento dos pedidos subsidiários;
22. A Sentença recorrida violou o artigo 291º do CPC e os artigos 247º e 251º do Código Civil.»
Termina pedindo a revogação da sentença, declarando-se a nulidade da transacção efectuada na acção sumaríssima nº 669/10.8TBVVD do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Verde e, em consequência, se condene o réu a pagar o montante indemnizatório peticionado, de acordo com a matéria dada como provada.
Não se mostra terem sido oferecidas contra-alegações pelo réu.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão a decidir é a de saber se a transacção realizada pelas partes no âmbito da acção sumaríssima identificada, é susceptível de ser anulada por o autor estar em erro sobre o seu objecto.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1. Correu termos neste 2º Juízo do T.J. Vila Verde a acção declarativa, sob a forma de processo sumaríssimo, com o nº 669/10.8 TBVVD, intentada por AA contra o BB, nos termos da qual o primeiro pedia a condenação do segundo no pagamento da quantia global de € 4.699,93, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, com vista ao ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como da quantia de € 25,00/dia pela paralisação do veículo de que é proprietário, na sequência de acidente de viação ocorrido no dia 20.09.2009, cerca das 20h50, na E.M. 1195, no Lugar de Larim, freguesia de Soutelo, concelho de Vila Verde, no qual interveio o ciclomotor com a matrícula …-HD-69 (doravante designado por HD), conduzido pelo A., e o veículo ligeiro com a matrícula espanhola …-7441-BC (doravante designado por PO), propriedade de CC e conduzido por DD, por conta e direcção daquele, alegando que o mesmo se ficara a dever, única e exclusivamente, ao condutor deste segundo veículo.
2. No âmbito da acção id. em 1., foi, aos 02.07.2010, foi proferida sentença nos termos da qual foi homologada transacção levada a cabo por A. e R., segundo a qual o primeiro reduziu o pedido à quantia de € 2.500,00, tendo-se o segundo comprometido a pagar a referida quantia no prazo de trinta dias, contra recibo, por meio de cheque a remeter para o Ilustre Mandatário do autor.
3. Ainda nos termos da transacção descrita em 2., pelo então autor foi declarado que com o pagamento da referida quantia de € 2.500,00 se considerava ressarcido de todos os danos passados, presentes ou futuros, seja a que título for, emergentes do acidente de viação discutido nos referidos autos, nada mais tendo a receber do réu.
4. No dia 20.09.2009, cerca das 20h50, na E.M. 1195, no Lugar de Larim, freguesia de Soutelo, concelho de Vila Verde, no qual interveio o ciclomotor com a matrícula …-HD-69, conduzido pelo A., e o veículo ligeiro com a matrícula espanhola …-7441-BC, propriedade de CC e conduzido por DD.
5. Na data referida em 4., a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo PO encontrava-se transferida para a Segurada Espanhola Mútua Madrilena através apólice n.º 02635167.
6. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 4., o HD circulava na referida EM 1195, no sentido Prado – Vila Verde, a uma velocidade inferior a 60 km/hora, ao passo que o PO seguia em via que entronca pelo lado direito com a EM em sujeito, atento o sentido do ciclomotor.
7. O embate deu-se quando o PO chegou ao predito entroncamento, o qual entrou na EM 1195 sem ter parado junto à respectiva zona de intercepção de ambas as vias.
8. Na data mencionada em 4., a via por onde circulava o PO servia de acesso à zona industrial de Soutelo, na altura parcialmente em funcionamento e edificação.
9. A referida via veio, por força da aprovação da toponímia da freguesia de Soutelo em 04.10.2010, a ser integrada como caminho público.
10. O PO embateu com a respectiva lateral direita na parte frontal do HD, tendo este sofrido danos orçados em € 449,93.
11. O HD era, à data, o único veículo que o A. possuía para fazer face às suas deslocações diárias, bem como do respectivo agregado familiar.
12. Na sequência do embate, o A. foi projectado para o asfalto, tendo vindo a fracturar a perna direita, pelo que foi transportado até ao Hospital de Braga, onde permaneceu internado durante um período de quatro dias, tendo sido submetido a cirurgia ao referido membro inferior.
13. Regressado a casa, o A. sentiu fortes dores no membro inferior direito e um mal-estar generalizado, dores aquelas que ainda hoje se fazem sentir, principalmente no final do dia.
14. Por força do internamento hospitalar, da intervenção cirúrgica e dos tratamentos prestados, o A. veio a ser informado, em data posterior a 02.07.2010, ser devida ao Hospital de Braga, a título de despesas, a quantia global de € 3.983,85.

E considerou-se não provado que:
a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 4. dos factos provados, DD exercesse a condução da viatura ali identificada sob as ordens e direcção de CC.
b) Na sequência dos danos sofridos em resultado do embate, e com vista à efectiva reparação, o HD esteve imobilizado por um período de 90 dias.

O DIREITO
Da nulidade da transacção realizada no processo nº 669/10.8TBVVD
«Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões» - artigo 1248° do Código Civil[1].
Segundo o artigo 251°, «O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, tornam este anulável nos termos do artigo 247°».
«Quando, em virtude do erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro» (citado artigo 247°).
Temos, assim, que a relevância do erro sobre o objecto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende da reunião de três requisitos.
1º - Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro.
2º - Que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro.
3º - Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante»[2].
No ensinamento do Prof. Mota Pinto[3], «o erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou.
Trata-se, pois, de um erro nos motivos determinantes da vontade (…)».
Entendemos, porém, que no caso em apreço não se verificam todos os enunciados requisitos do erro, que fundamentam o pedido de anulação da transacção efectuada pelas partes no outro processo, sabendo-se, ademais, que cabia ao autor a prova desses requisitos.
Na verdade, mostra-se provado o seguinte:
«1. Correu termos neste 2º Juízo do T.J. Vila Verde a acção declarativa, sob a forma de processo sumaríssimo, com o nº 669/10.8 TBVVD, intentada por AA contra BB, nos termos da qual o primeiro pedia a condenação do segundo no pagamento da quantia global de € 4.699,93, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, com vista ao ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como da quantia de € 25,00/dia pela paralisação do veículo de que é proprietário, na sequência de acidente de viação ocorrido no dia 20.09.2009, cerca das 20h50, na E.M. 1195, no Lugar de Larim, freguesia de Soutelo, concelho de Vila Verde, no qual interveio o ciclomotor com a matrícula …-HD-69 (doravante designado por HD), conduzido pelo A., e o veículo ligeiro com a matrícula espanhola …-7441-BC (doravante designado por PO), propriedade de CC e conduzido por DD, por conta e direcção daquele, alegando que o mesmo se ficara a dever, única e exclusivamente, ao condutor deste segundo veículo.
2. No âmbito da referida acção, foi, aos 02.07.2010, foi proferida sentença nos termos da qual foi homologada transacção levada a cabo por A. e R., segundo a qual o primeiro reduziu o pedido à quantia de € 2.500,00, tendo-se o segundo comprometido a pagar a referida quantia no prazo de trinta dias, contra recibo, por meio de cheque a remeter para o Ilustre Mandatário do autor.
3. Ainda nos termos da transacção descrita em 2., pelo então autor foi declarado que com o pagamento da referida quantia de € 2.500,00 se considerava ressarcido de todos os danos passados, presentes ou futuros, seja a que título for, emergentes do acidente de viação discutido nos referidos autos, nada mais tendo a receber do réu.
12. Na sequência do embate, o A. Foi projectado para o asfalto, tendo vindo a fracturar a perna direita, pelo que foi transportado até ao Hospital de Braga, onde permaneceu internado durante um período de quatro dias, tendo sido submetido a cirurgia ao referido membro inferior.
14. Por força do internamento hospitalar, da intervenção cirúrgica e dos tratamentos prestados, o A. veio a ser informado, em data posterior a 02.07.2010, ser devida ao Hospital de Braga, a título de despesas, a quantia global de € 3.983,85».
Para se afastar a existência do erro vício escreveu-se na sentença:
«Resulta que o erro vício invocado pelo demandante se trata de um erro quanto ao objecto do negócio/transacção, resultando ainda apurada a essencialidade para aquele (declarante) do elemento sobre o qual o mesmo incide. Sucede que, segundo entendemos, não resulta provado – nem era sequer alegado – a correspectiva cognoscibilidade pelo declaratário, ou seja que o demandado conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro, tanto mais e atentarmos que nos autos onde foi celebrada a transacção, era já alegada pelo (então e ora) autor a circunstância de ter sido internado em unidade hospitalar e submetido a intervenção cirúrgica, levando a crer na consideração de todos os parâmetros de prejuízos/custos/danos advenientes do acidente objecto daquela lide para efeitos da celebração da transacção que ali veio a ser homologada».
Subscrevemos este entendimento, o qual se afigura ser o único defensável face à matéria de facto provada.
Ademais, constitui entendimento sedimentado na jurisprudência o de que a sentença proferida num processo judicial – ainda que, in casu, com particular incidência nos termos que corporizam a celebrada transacção que veio a ser objecto de homologação judicial - constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (art. 295º), de tal modo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença ou de um acórdão[4]. Impondo-se, pois, recorrer, nesta sede, aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos, os quais encontram guarida nos arts. 236º e segs..
Ora, como é sabido, o critério previsto no art. 236º, nºs 1 e 2, consagra a teoria da impressão do destinatário: o sentido das declarações negociais será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Tratando-se de negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – art. 238º nº 1.
Como elementos essenciais, haverá a considerar na interpretação «a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e costumes por ela recebidos»[5].
Estamos, no caso vertente, perante um negócio jurídico oneroso e formal, pelo que o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratório normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante das cláusulas inseridas na transacção realizada pelas partes no outro processo.
A interpretação da cláusula segundo a qual «com o pagamento da quantia de € 2.500,00, o autor considera-se integralmente ressarcido de todos os danos passados, presentes ou futuros, seja a que título for, emergentes do acidente de viação discutido nos referidos autos, nada mais tendo a receber do réu», tem inequivocamente o significado de que o autor não reclamará do réu qualquer outra quantia, além dos 2.500,00 acordados, a título de danos emergentes do acidente de viação em causa.
Um declaratório normal, colocado na posição do réu, interpretaria a referida cláusula contratual no sentido ora exposto, pois não só não foram ressalvadas despesas futuras em que o autor viesse a incorrer, como não está demonstrado que o réu soubesse da existência de facturas hospitalares a liquidar pelo réu, a que acresce ainda o referido na sentença de que «era já alegada pelo (então e ora) autor a circunstância de ter sido internado em unidade hospitalar e submetido a intervenção cirúrgica, levando a crer na consideração de todos os parâmetros de prejuízos/custos/danos advenientes do acidente objecto daquela lide para efeitos da celebração da transacção que ali veio a ser homologada».
Improcedem, assim, todas conclusões formuladas pelo recorrente, não se mostrando violadas as normas legais por si indicadas ou quaisquer outras.

Sumário:
I – A relevância do erro sobre o objecto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende, nos termos dos artigos 247º e 251º do Código Civil, da reunião de três requisitos.
1º - Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro.
2º - Que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro.
3º - Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante
II – A cláusula inserida em transacção efectuada pelas partes em acção anterior de que «com o pagamento da quantia de € 2.500,00, o autor considera-se integralmente ressarcido de todos os danos passados, presentes ou futuros, seja a que título for, emergentes do acidente de viação discutido nos referidos autos, nada mais tendo a receber do réu», tem inequivocamente o significado de que o autor não reclamará do réu qualquer outra quantia, além dos 2.500,00 acordados, a título de danos emergentes do acidente de viação em causa.

IV - DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Guimarães, 16 de Abril de 2015
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves
_____________________________
[1] Serão deste Código todos os artigos adiante citados sem menção de origem.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 22.01.2008 (Moreira Camilo), proc. 07A4326, in www.dgsi.pt.
[3] Teoria Geral do Direito Civil, 4ª reimpressão, Coimbra Editora – 1980, p. 386.
[4] Cfr., inter alia, os Acs. do STJ de 18.09.03 (Ferreira Girão), proc. 03B1993, de 24.02.05 (Lucas Coelho), proc. 04B4144, de 22.03.07 (Alves Velho), proc. 06A4449 e de 20.03.2014 (Fernandes do Vale), proc. 392/10.3TBBRG.G1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 3ª ed., p. 416. Ver também E. Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, pp.146 e ss..