Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2155/16.3T8VCT.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1. Embora, perante a notícia de ter sido declarada a insolvência da devedora respectiva, a execução para pagamento de quantia certa deva ser suspensa nos termos do artº 88º, nº 1, do CIRE (segunda parte), tal suspensão deve ser decretada com carácter restrito no caso de ela ter por objecto bem imóvel da executada cuja penhora foi feita e registada mas depois esta vendeu a terceiro (que também registou a aquisição).

2. Com efeito, da suspensão deve ressalvar-se o prosseguimento dos autos relativamente a tal bem e quanto ao referido terceiro adquirente.

3. Não tendo tal negócio sido questionado pelos credores ou pelo administrador da insolvência, não podendo o bem penhorado/vendido ser apreendido para a massa insolvente respectiva nem integrá-la (por já não pertencer à devedora) e sendo tal venda inoponível ao exequente, quanto ao mesmo a execução deve prosseguir, nos termos do artº 819º, do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

O Condomínio do Prédio sito na Rua ..., em Viana do Castelo, representado pela respectiva Administração, instaurou, em 07-06-2016, no Tribunal dessa cidade, execução comum contra P. C., por dívida das suas quotas nas obras comuns e penalizações, enquanto Condómina e proprietária da fracção F (por si adquirida em 02-06-2010) de certo prédio, com base nas respectivas actas da assembleia geral.

Nesse processo, foi penhorada e registada, em garantia do pedido exequendo, apenas, a dita fracção F, em 15-09-2016.

Por decisão transitada em julgado (após recurso), foi indeferido requerimento, entretanto formulado pela executada, pedindo a rejeição da execução, nos termos do artº 734º, CPC.

O exequente, em 15-09-2017 (fls. 294 a 318 do “histórico” digitalizado), deu conta nos autos que tal fracção fora, pela executada, vendida, em 22-05-2017, a L. R., que registou tal aquisição em 14-06-2017, conforme, aliás, informação, obtida em 20-06-2017 e junta pelo Agente de Execução sobre os elementos quanto a tal prédio constantes registo predial (fls. 272 a 279).

O mesmo exequente pediu a condenação da executada como litigante de má-fé por ter vendido o bem penhorado sem comunicar tal facto aos autos, tendo esta sido sancionada, por isso, em multa de 3 UC´s, por decisão de 09-01-2018.

A referida adquirente (L. R.) foi notificada, pelo Agente de Execução, por carta de 11-01-2018, dos termos do processo e de que este prosseguiria para venda daquele imóvel (fls. 423 e 424).

Entretanto, nos autos foi feita constar a informação de que, por sentença, de 17-01-2018, no processo nº 121/18.3T8VCT, foi declarada a insolvência da executada P. C. e nomeado Administrador Judicial (fls. 458 e 459).

Na sequência, foi proferido, em 19-01-2018, o seguinte despacho (fls. 460):

“Atenta a declaração de insolvência da executada, nos termos do artigo 88º, nº 1, do C.I.R.E. suspende-se a presente execução.
Notifique.
d.s.”

Em 5-2-2018, a exequente apresentou requerimento do seguinte teor:

Por douto despacho de fls., decidiu V. Exa. o que segue: “Atenta a declaração de insolvência da executada, nos termos do artigo 88º, nº 1, do C.I.R.E. suspende-se a presente execução.”.
O número 1 do artigo 88º do CIRE estabelece o que segue: “1. A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.” (sublinhado nosso).
Na data em que o requerimento executivo deu entrada em juízo – dia 7 de junho de 2016 – a executada tinha registada a seu favor a fração autónoma melhor identificada no ponto 2 do requerimento executivo.
Sobre essa fração autónoma foi feita uma penhora pelo Sr. Agente de Execução nomeado no processo, conforme se comprova pela apresentação nº 1169, de 15/09/2016, constante da certidão da Conservatória do Registo Predial, já junta aos presentes autos pelo exequente através de requerimento com a referência 26766619, de 15/09/2017.
Após o registo da penhora, mais concretamente no dia 22 de maio de 2017, a executada vendeu a fração autónoma penhorada a L. R..
A compradora L. R. registou a aquisição a seu favor, conforme se comprova pela apresentação nº 1561, de 14/06/2017, constante da certidão da Conservatória do Registo Predial.
A penhora registada a favor do exequente não está cancelada, por nada ter sido pago até à presente data.
No dia 12 de janeiro de 2018 o Sr. Agente de Execução notificou a compradora, L. R., de que foi designada depositária do bem penhorado, conforme se comprova pelo documento com a referência citius 1798160, de 22/01/2018.
Pelo exposto, é legítimo afirmar que as diligências executivas subsequentes, diga-se, a venda da fração autónoma penhorada, não atingem os bens integrantes da massa insolvente, pois o imóvel penhorado já não pertence à executada/insolvente.
10º Daí que ao presente caso não deva aplicar-se o número 1 do artigo 88º do CIRE, para justificar a suspensão da execução.
11º De resto, na sequência da compra e venda acima identificada, e não obstante não se poder considerar que há qualquer modificação da instância, nomeadamente nos termos dos artigos 262º e 263º, ambos do CPC, a única forma do exequente poder executar o ónus que garante o pagamento da quantia exequenda e demais despesas do processo é através da venda nos presentes autos da fração autónoma penhorada.
Nestes termos, requer a V. Exa. se digne ordenar o prosseguimento das diligências executivas, com vista à venda da fração autónoma penhorada.”.

Sobre tal requerimento, em 01-03-2018, recaiu o seguinte despacho – que é o ora recorrido (fls. 540):

“Nos termos do artigo 88º, nº 1, do C.I.R.E., “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.”.
A executada foi declarada insolvente. Ora, a sua declaração de insolvência impede o prosseguimento da presente execução, ou seja, tem como consequência o não prosseguimento da acção executiva já em curso contra o insolvente. Actos praticados após a declaração de insolvência estarão feridos de nulidade. (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, anotação ao artigo 88º, páginas 361 e 362).

Nestes termos, mantém-se o despacho já proferido a fls. 104 e indefere-se o ora requerido pelo exequente.”

A exequente, insatisfeita, apelou a que esta Relação o revogue, tendo alegado e concluído assim:

A – No dia 22 de maio de 2017 a recorrida vendeu extrajudicialmente a fração autónoma penhorada, cuja propriedade estava registada a seu favor;
B – A compradora adquiriu a fração autónoma sem que a penhora registada a favor do recorrente – registada com data de 15 de setembro de 2016 – estivesse cancelada, factualidade que se mantém até à presente data;
C – A recorrida não informou o tribunal a quo da compra e venda da fração autónoma penhorada, o que a levou a ser condenada como litigante de má-fé, por decisão com data de 9 de janeiro de 2018;
D – No dia 18 de janeiro de 2018 foi publicado o anúncio da sentença que declarou a insolvência da recorrida;
E – O número 1 do artigo 88º do CIRE não se aplica no presente caso, uma vez que as diligências executivas subsequentes, diga-se, a venda da fração autónoma penhorada, não irão atingir os bens integrantes da massa insolvente, pois aquela já não pertence à recorrida desde o dia 22 de maio de 2017;
F – Por outro lado, e não obstante a alienação da fração autónoma penhorada, no presente caso não se pode considerar que há qualquer modificação da instância, nomeadamente nos termos dos artigos 262º e 263º, ambos do CPC, uma vez que somente ocorreu a transmissão do bem imóvel que contém o ónus que garante o pagamento da quantia exequenda e demais despesas do processo, cabendo à adquirente desse mesmo bem – L. R. – satisfazer as obrigações contidas naquele ónus;
G – De acordo com o disposto no artigo 819º do C.C., a alienação, pela recorrida, da fração autónoma penhorada é ineficaz em relação à execução;
H – O que significa que o bem penhorado garante o cumprimento da obrigação, ainda que seja transmitido, desde que o registo da transmissão seja posterior ao registo da penhora, o que se verifica no presente caso, sendo aquela consequência uma manifestação do direito de sequela;
I - Daí que a única forma do recorrente poder beneficiar do ónus que garante o pagamento da quantia exequenda e demais despesas do processo é alcançada através da venda, nos presentes autos, da fração autónoma penhorada, não devendo, também nesta parte, aplicar-se o número 1 do artigo 88º do CIRE;
J – No âmbito do processo de insolvência da recorrida foi proferido despacho de encerramento do processo nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 230º do CIRE;
K – A não ser permitido que a ação executiva prossiga contra a adquirente da fração autónoma penhorada, o direito do recorrente cobrar coercivamente o que lhe é devido estará irremediavelmente votado ao insucesso, por força do disposto no número 3 do artigo 88º do CIRE;
L – Não sendo a presente apelação julgada procedente, está descoberta a forma de prejudicar irremediavelmente o crédito do recorrente: a recorrida, esgotando todas as formas de defesa na execução, vendendo extrajudicialmente a fração autónoma penhorada seguida da sua apresentação à insolvência, consegue, num primeiro momento, a suspensão da execução (número 1 do artigo 88º do CIRE) e, num segundo momento, conseguirá a sua extinção (número 3 do artigo 88º do CIRE);
M – No entender do recorrente, e sob pena de lesão irreversível do seu direito, o número 1 do artigo 88º do CIRE deve ser interpretado no sentido da ação executiva movida contra um/a executado/a que entretanto se apresenta à insolvência, dever prosseguir contra o adquirente da fração autónoma penhorada que foi vendida extrajudicialmente pelo/a executado/a antes da sua apresentação à insolvência, não devendo, deste modo, a ação executiva ser suspensa;
N – É este o sentido com que o número 1 do artigo 88º do CIRE devia ter sido interpretado e aplicado pelo tribunal a quo.

Nestes termos, deverão V. Exas. revogar o douto despacho recorrido, ordenando o prosseguimento da execução contra a adquirente da fração autónoma penhorada, como é de inteira e esperada JUSTIÇA.”.

Com as alegações, juntou cópia de um anúncio publicado, em 07-03-2018, no dito processo de insolvência nº 121/18.3T8VCT, no qual, além do mais, consta:

“Ficam notificados todos os interessados, de que o processo supra identificado, foi encerrado.
A decisão de encerramento do processo foi determinada por: inexistência de bens nos termos do disposto nos artigos 230º, nº. 1, alínea d) e 232º do C.I.R.E..
Efeitos do encerramento: os previstos no artigo 233º do C.I.R.E..”.

Não houve resposta.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importa apreciar e decidir se à execução na qual foi feita penhora (registada) de bem imóvel propriedade da devedora/executada mas entretanto por esta vendido a um terceiro não é aplicável o disposto no artº 88º, nº 1, do CIRE, em consequência de, posteriormente, ter sido declarada a insolvência daquela.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Releva a factualidade relatada acima, emergente dos próprios autos.

IV. APRECIAÇÃO

Afigura-se-nos que o Condomínio apelante tem razão, em parte.

Como é sabido, o nº 1, do artº 88º, do CIRE (1), em que o tribunal recorrido se fundamenta, no âmbito dos apelidados efeitos processuais da declaração de insolvência e, em especial, no domínio das acções executivas, prevê duas hipóteses.

Na primeira, determina-se a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam bens integrantes da massa insolvente. (2)

Na segunda, impede-se o prosseguimento de qualquer acção executiva em curso intentada pelos credores da insolvência ou a sua instauração.

A tal norma subjaz a ideia de que, tratando-se agora de uma execução universal, visando-se, através dela, apreender e liquidar todos os bens pertença da devedor e, com o respectivo produto, pagar aos respectivos credores em função da garantia geral ou das especiais que deles emanem ou dos privilégios que sobre eles incidirem mas em condições de igualdade (pars conditionem creditorum), é àquele processo que todos eles devem ir reclamar os seus créditos a fim de nele serem verificados, graduados e pagos e é nele que todos os bens devem ser apreendidos (mesmo que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos noutro processo) para a respectiva massa e liquidados.

É o que se anuncia no longo preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, e se consagra, entre outras, nas normas dos artºs 1º, nº 1, 36º, nº 1, alínea g), 46º, nº 1, 47º, nº 1, 85º, 90º, 128º, nºs 1 e 5, 149º, etc..

Tanto assim que se reconhece tais razões (3) não ocorrerem no caso de a insolvência ser declarada com carácter limitado e de não haver complemento da sentença simplificada por não existirem bens no património do devedor (ou por serem insuficientes) para satisfação das custas do processo e dívidas da massa insolvente.

Nem no caso de haver outros executados e não se verificarem os pressupostos de apensação (precisamente por na execução não terem sido apreendidos nem detidos bens compreendidos na massa insolvente). (4)

Logicamente, como acabou por dispôr o nº 3, do artº 88 (introduzido pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril), as acções executivas naqueles termos suspensas extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado por realizado o rateio final e transitado em julgado o despacho inicial ou por o administrador ter constatado a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente (alíneas a) e d), do nº 1, do artº 230º) – o que bem revela a relação entre a suspensão, a pessoa do devedor insolvente e os bens do seu património integrados na massa a liquidar.

Aproximemo-nos agora do caso concreto.

Respondendo pela dívida em causa, nos termos dos artºs 601º e 817º, do CC, todos os bens integrantes do património da devedora, o prosseguimento da execução pode atingir qualquer deles, na medida necessária e suficiente à satisfação do crédito exequendo.

Logo, a suspensão ou não do processo executivo, à luz da segunda parte do nº 1, do artº 88º, do CIRE (5), deve aferir-se, por susceptível de implicar soluções diferentes, em função não só do já nela penhorado (mas, entretanto, vendido a terceiro) mas também de quaisquer outros (porventura existentes no património da devedora) e que nela pudessem ainda vir a ser penhorados.

Com efeito, se na primeira hipótese, como se verá, o prosseguimento (contra o terceiro adquirente) e a venda do bem penhorado não contendem com os fins do processo insolvencial por ele já não integrar o património da devedora e estar excluído da possibilidade de apreensão para a massa, na segunda, não pode liminarmente, ante a declaração de insolvência, afastar-se o cenário de o prosseguimento da execução (contra a devedora) vir a contender com o processo de insolvência e de, portanto, se perfilarem as razões justificativas da suspensão.

Ora, na situação aqui em apreço, não há dúvida que, quando, na sequência do conhecimento da declaração de insolvência da devedora, foi proferido neste processo executivo o despacho recorrido, resultava claro, dos respectivo autos, que mais nenhum bem estava penhorado nem tal fora requerido contra a primitiva devedora/insolvente P. C. e que o pretendido prosseguimento da execução visava, apenas, a venda do bem penhorado (fracção F) cujo domínio lhe pertencera, integrando o seu património responsável pelas suas dívidas, mas que, depois da penhora, fora por ela transmitido para a titularidade de terceiro (L. R.), deixando de estar na sua e de integrar aquele – artºs 408º, nº 1, e 879º, alínea a), do CC.

Consequentemente, tal bem não podia ser alvo de apreensão nem integrar a massa insolvente, deixando os credores da insolvência de, quanto ao mesmo, titular qualquer pretensão ou expectativa legítimas.

Falhando, por isso, motivo, à luz do artº 88º, nº 1, do CIRE, para a execução, quanto a ele, ser suspensa.

Mas não só por isso.

É que – recorde-se –, tendo ele sido penhorado na execução enquanto integrante, a título de direito de propriedade, do património da executada e porque, então, ele respondia pela sua dívida, nos termos dos citados artºs 601º e 817º, CC, apesar de ter sido vendido a terceiro, ele continua realmente afectado aos fins daquele processo e a sua adquirente L. R. pessoalmente impedida de obstar a que ele seja judicialmente vendido e com o respectivo produto pago o crédito exequendo.

Com efeito, tal compra é inoponível em relação ao exequente.

Apenas a este e não quanto aos demais credores.

É que, nos termos do artº 819º, do CC (6), “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.”.

Daí que, em tais termos, a terceira adquirente (L. R.) esteja obrigada a responder pela dívida, com o referido bem.

Tal significa que a execução deve prosseguir como se ele continuasse a pertencer à executada, embora tenha passado para o domínio de outrem e que, nesta medida, correrá contra a adquirente, nada obstando às diligências executivas subsequentes, mormente à venda judicial.

Significa também que, sendo o negócio superveniente de compra e venda oponível (na medida em que existente e válido) quanto aos demais credores, a fracção penhorada não pode integrar a massa insolvente nem responder pelas dívidas relativas àqueles.

Assim, como diz a apelante, a venda da fracção autónoma F penhorada nesta execução não irá afectar bens integrantes – ou integráveis – na massa insolvente e deve realizar-se.

Logo, para se atingir tal desiderato, a execução não pode ser suspensa.

Seria, aliás, paradoxal considerar suspensa a execução, quanto a tal bem, com o objectivo ou no pressuposto de viabilizar no processo de insolvência a apreensão e liquidação do bem penhorado quando, afinal de contas, jamais tal poderá suceder sabendo-se que ele a não integra e jamais pode ser afecto à execução universal.

Recorde-se, porém, o que já mais atrás se disse quanto à possibilidade de a lide executiva não se confinar a tal venda e, eventualmente, poder vir a atingir outros bens da devedora.

E recorde-se, ainda, que, apesar de tudo quanto se sabia e perspectivava no processo quando foi proferido o despacho recorrido – tendo em conta que apenas nas circunstâncias fácticas nele então apuradas o mesmo podia e devia basear-se e que é à luz destas que devemos apreciar o seu mérito –, não estava ainda averiguado, no processo de insolvência, se tais outros bens existiam, muito menos se se podia pressupor como certa a sua inexistência.

Não podendo, então, de todo, afastar-se ainda a hipótese de os haver susceptíveis de serem apreendidos para a massa, nem, por isso, a de a execução também os alvejar e, consequentemente, colidir com as supra referidas finalidades do processo insolvencial, parece que subsistiam, então, justificadamente as razões por que o artº 88º, nº 1, ad cautelam, impede o prosseguimento da execução susceptível de vir a atingi-los.

Naturalmente apenas e só quanto a tais bens hipotéticos.

Assim, se é certo que, quanto a estes, faz sentido a suspensão da execução e, por isso, o despacho recorrido é de confirmar, já quanto à fracção F penhorada mas vendida a terceiro, tal suspensão não se justifica, razão por que, relativamente à mesma, ele deve ser alterado, permitindo-se, apenas quanto a tal bem e nessa parte, o seu prosseguimento, com a respectiva venda judicial, se isso nada mais entretanto impedir.

Deste modo se harmonizam os regimes do artº 88º, nº 1, do CIRE, com o do artº 819º, do CC, e evita o efeito também paradoxal de, caso irrestrita e incondicionalmente se mantivesse suspensa a execução como decidiu o tribunal a quo, na hipótese de vir a ocorrer – como no caso se noticia nas alegações ter já entretanto ocorrido, embora só depois de proferida a decisão recorrida – a situação prevista no nº 3, daquela primeira norma (encerramento do processo, designadamente por se constatar a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente), a acção executiva suspensa vir necessariamente a extinguir-se in totum, desde logo ao arrepio da regra do artº 819º, do CC.

Poderia objectar-se que, deste modo, o exequente, em consequência da venda do bem penhorado a terceiro e em razão da dita regra, acabará por ser beneficiado em relação aos demais credores.

Se é verdade, porém, que tal decorre desta indisponibilidade relativa, o que é uma opção consagrada pelo legislador, não o é menos que, ao alcance daqueles, primeiro, e do administrador da insolvência, depois, estavam meios legais capazes de impedir o que naquela venda porventura houvesse de ilícito e reprovável, idóneos para remover tais efeitos e consequente objecção, questionando a existência e validade da transmissão ou a sua eficácia (resolução em benefício da massa, impugnação pauliana…), nada, que se saiba, tendo sido feito.

De outro modo, e ao invés, como refere o apelante, viabilizar-se-ia o irremediável prejuízo que ele refere temer na conclusão L) do recurso.

Não tendo o despacho recorrido, equacionado o problema nos termos acima expostos nem atendido à específica circunstância adveniente ao caso em razão do regime do artº 819º, CC, como, segundo pensamos, deveria ter acontecido e importa agora corrigir, há que dar razão à recorrente e revogá-lo, mas parcialmente.

Isto, sem prejuízo de, como se pretende deixar claro, relativamente à execução suspensa, em 1ª instância, se vir a decidir o que, em função dos termos posteriores da insolvência, designadamente do noticiado encerramento, for julgado oportuno quanto à suspensão, ressalvando o ora determinado em relação à venda do bem do terceiro.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar em parte procedente o recurso e, em consequência, dando parcial provimento à apelação, alteram a decisão recorrida, nos seguintes termos: confirma-se o despacho recorrido que determinou a manutenção da suspensão da execução mas ressalvando-se desta a parte em que, quanto à fracção penhorada F, entretanto adquirida por L. R., a mesma deve prosseguir contra esta (caso outras razões a tal não se oponham).
*

Custas da apelação por apelante e apelada, na proporção de metade cada – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Guimarães, 17 de Maio de 2018

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha



1. Cfr., ainda, artº 793º, do CPC. Também neste caso “é claro que a suspensão só opera relativamente à pessoa a que se reporta o pedido de declaração de insolvência”, como bem observa A. Dionísio Oliveira, na Revista Julgar, nº 9 (2009), página 174.
2. Tratando-se, na norma, de um efeito automático, consideram Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE, Anotado, 2008) que, na fórmula “quaisquer diligências executivas” se englobam as respeitantes a processos executivos, comuns, especiais ou cautelares. Em qualquer desses casos, acrescentam eles, a suspensão só se verifica em relação a diligências ou providências que tenham por objecto bens integrantes da massa insolvente.
3. Como observam os citados autores. No Acórdão da Relação do Porto, de 13-11-2006, proferido no processo nº 5707/06, relatado pelo então Desemb. Sousa Lameira (CJ, ano XXXI, Tomo V, página 177), nessa linha, entendeu-se que “A declaração de insolvência com carácter limitado e não tendo sido requerido o complemento da sentença, não determina a suspensão de quaisquer diligências executivas e não obsta ao prosseguimento de qualquer acção executiva”.
4. Nesta hipótese, a execução prossegue contra estes.
5. O segmento normativo aqui convocável, uma vez que não está ora em causa propriamente qualquer “diligência”, em curso ou em perspectiva, susceptível de atingir bens integrantes da massa.
6. Redacção do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.