Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
290/08.0TBMNC-E.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
SUBSIDIARIEDADE
SUB-ROGAÇÃO
MONTANTE DA PENSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- A substituição da prestação de alimentos a que o progenitor está obrigado a favor do menor em razão do seu incumprimento, pela prestação a que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores nos termos da Lei nº 75/98, de 19 de novembro, alterado pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, e do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio, alterado pelo Decreto-lei nº 70/2010, de 16 de junho e pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro, pese embora a subsidiariedade desta e a sub-rogação legal do Fundo nos direitos do menor e o seu direito ao reembolso contra o obrigado originário, não constitui uma substituição incondicional de obrigados, mas uma nova prestação, autónoma e independente, de origem constitucional e natureza social, com pressupostos legais e conteúdo de determinação próprios.
2- Daí que tal prestação social possa ser fixada em montante diverso da prestação de alimentos a que o progenitor incumpridor está obrigado, seja de valor superior, seja de valor inferior, em função do critério legal e dos fins previstos naqueles diplomas legais na prossecução da proteção mínima indispensável do interesse das crianças a um desenvolvimento integral da sua vida, saúde e da sua personalidade, conforme às garantias constitucionais (art.ºs 24º e 69º da Constituição da República).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
Em incidente de Incumprimento de Regulação das Responsabilidades Parentais, que V.., divorciado, residente no lugar.., Monção, deduziu, por apenso ao processo principal, contra E.., divorciada, residente na Rua.., Viana do Castelo, veio o mesmo requerer que se declare a requerida, mãe do menor V.., em situação de incumprimento, se ordene a sua notificação para que proceda ao pagamento das prestações alimentícias devidas ao menor, em falta (janeiro, fevereiro e março de 2013), no total de € 450,00, e que seja condenada a pagar multa e indemnização a favor do filho, em montantes a definir pelo tribunal.
Mais requereu que, “após a realização de todas as diligências tidas por indispensáveis e inquérito (COM APROVEITAMEMTO DE TODOS AS DILIGENCIAS E INQUÉRITOS CONSTANTES DO PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES N° 430/09.2TBMNC) se digne proferir decisão definitiva sobre a quantia a pagar mensalmente pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em valor nunca inferior a 150,00€ mensais, em substituição da mãe do menor, enquanto se mantiver o incumprimento daquela, como preceitua o artigo 3°, n° 3 da Lei n°75/98 e os artigos 3° e 4° do Decreto-lei nº n°164/99 de 13 de maio, comunicando-se tal decisão ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, em conformidade com o disposto no cit. Artigo 4, n°3 do Decreto-lei nº nu 164/99”. (sic)
Notificada pra o efeito previsto no art.º 181º, nº 2, da Organização Tutelar de Menores, a requerida alegou que não consegue pagar a quantia mensal de alimentos fixada (€ 150,00), por ter como único rendimento a quantia de € 264,00, proveniente do fundo de desemprego que afeta à sua sobrevivência. Entende que deve ser condenado o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a pagar os alimentos que são por ela devidos.
Realizados inquéritos sociais às condições de vida dos progenitores da criança, o Ministério Público emitiu parecer pelo qual concluiu assim:
“Tendo em consideração o teor dos relatórios sociais juntos aos autos, nos quais se dá conta que ambos os progenitores se encontram desempregados e não beneficiam de rendimentos de valor superior ao salário mínimo nacional, mais se promove que se determine a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, ao abrigo do disposto no artigo 3°, n.º 1 do Decreto-lei nº n.º 164/99, de 13 de Maio, entendendo-se que deverá ser fixada a quantia de € 200,00, atentos os critérios previstos pelo n.º 3 do mesmo preceito legal”.
Notificada que foi a promoção ao requerente e à requerida, apenas aquele se pronunciou, alegando que concorda com a posição ali defendida, requerendo que seja proferida decisão que verifique o incumprimento por parte da progenitora e, na impossibilidade desta pagar, se condene o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a pagar ao menor o valor de € 200,00 mensais, em substituição daquela.
Foi então proferida sentença fundamentada que culminou com o seguinte dispositivo:
“Deste modo, decide-se:
- Julgar o incidente de incumprimento procedente, por provado.
- Fixar em 200 € (duzentos euros) o montante da prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores, nos termos do disposto nos arts. 2° e 3° n° 1 da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro.
Custas pela requerida.
Registe e notifique.
***
Notifique o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para que este providencie junto do Centro Regional de Segurança Social da residência do menor e do pai, com vista a iniciar o respectivo pagamento (forneça todos os elementos necessários (nomeadamente o NIB indicado pelo requerente a fls. 2 verso e 15).” (sic)

Inconformado, recorreu o I.., IP, na qualidade de gestor do FGADM, produzindo alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«I. Na douta decisão recorrida foi dado como provado que “2) No âmbito da acção nº 290/08.0 TBMNC-C a mãe ficou obrigada a pagar a quantia mensal de 150 a título de alimentos para o seu filho (acordo que foi homologado por sentença de 30 de Novembro de 2012).

4) A sentença transitou em julgado em 18/01/2013.”.
II. Como decorre da douta decisão em recurso, na sentença homologatória não foi fixada ao progenitor obrigado a alimentos a obrigação de actualização da pensão de alimentos, nem sequer é estabelecido que tal pensão seria alvo de actualização.
III. Como se disse supra, foi decidido na decisão em crise “Fixar em 200 (duzentos euros) o montante da prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores…, “.
IV. Verifica-se, assim, que pelo Tribunal a quo foi agora atribuída uma prestação alimentar a ser suportada pelo FGADM (H 200,00) de valor bem diferente do fixado judicialmente ao progenitor em incumprimento (H 150,00).
V. Pela Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, alterada pelo art. 183º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro, foi constituído o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), o qual se encontra regulado pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio, com a redacção dada pela Lei 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012.
VI. Resulta daqueles normativos que a obrigação do FGADM é a de assegurar/garantir os alimentos devidos a menores, quando - entre outros requisitos - a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189º do DL 314/78, de 27 de Outubro.
VII. Verifica-se, assim, que a obrigação legal de prestar alimentos pelo FGADM é diferente da obrigação judicial de os prestar, sendo que só existe obrigação judicial desde que o tribunal constitua alguém como devedor de alimentos, isto é, que condene alguém em determinada e quantificada prestação alimentar.
VIII. Dos normativos que regulam a intervenção do Fundo, resulta que o Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado judicialmente para esta.
IX. Tal significa que o FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação “a forfait” de um montante por regra equivalente – ou menor – ao que fora judicialmente fixado. – cfr. Remédio Marques, in “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos A Menores”).
X. Quer isto dizer que o FGADM – tal como decorre quer da letra quer do espírito da lei - apenas assegura/garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados, pelo que,
XI. O FGADM não poderá ser condenado no pagamento de uma prestação substitutiva de valor superior à fixada ao devedor originário.
XII. Nos casos em que o FGADM paga ao menor/credor a prestação substitutiva de alimentos verifica-se uma situação de sub-rogação legal, concretamente prevista no nº 1 do art. 5º do DL 164/99, de 13 de Maio, com a redacção dada pela Lei 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012, e não uma situação de exercício de direito de regresso contra o devedor da prestação alimentícia.
XIII. É certo que, não obstante constituírem realidades jurídicas distintas, o exercício quer do direito de sub-rogação, quer do direito de regresso pressupõe sempre, por parte do respectivo titular, o cumprimento da obrigação.
XIV. No entanto, a sub-rogação, como forma de transmissão das obrigações, atribui ao sub-rogado solvens o mesmo direito do credor, enquanto que o direito de regresso é um direito nascido ex novo na esfera jurídica daquele que extinguiu, ou à custa de quem foi extinta a obrigação, e esta distinção é importante para o caso dos autos.
XV. A prestação paga pelo FGADM é autónoma relativamente à do obrigado a alimentos, e, para a sua fixação, é necessária a verificação do incumprimento e da impossibilidade da sua satisfação por este último, pelo que,
XVI. É que forçoso concluir que o FGADM, enquanto entidade sub-rogada, quando procede ao pagamento da prestação de alimentos, o faz no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia, e, assim sendo, o Fundo deve substituir-se ao devedor originário apenas desde a notificação da decisão que determina a sub-rogação.
XVII. A este respeito, é jurisprudência dominante que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pela fixada ao progenitor do menor, como bem decidiram recentemente o Tribunal da Relação de Coimbra – Proc. 3819/04 – 2ª Secção Cível - Acórdão de 19/02/2013 - e o Tribunal da Relação do Porto - Proc. 30/09 – 5ª Secção - Acórdão de 25/02/2013.
XVIII. Depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.
XIX. Tal significa que o FGADM é apenas um substituto do devedor dos alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o mesmo.
XX. Acresce que a sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
XXI. Dito de outra forma, não pode o terceiro, satisfazendo o credor, aumentar o montante do crédito contra o devedor – vide Vaz Serra in BMJ 37/56 – o que implica que, se o terceiro pagou mais do que era devido pelo devedor, no excesso não opera a sub-rogação e, portanto, o direito ao reembolso, como se retira do disposto no nº 1 do art. 593º do CC.
XXII. Se a prestação social pudesse ser fixada em valor superior não se justificaria racionalmente que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas e tão só as necessidades actuais do menor.
XXIII. Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do art. 10º do Decreto-lei 164/99, com a redacção introduzida pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro.
XXIV. Assim, não tem suporte legal a fixação de uma prestação alimentícia a cargo do FGADM de valor superior à fixada ao progenitor ora devedor, pelo que o FGADM apenas se deverá considerar obrigado a assumir essa mesma prestação em substituição do progenitor incumpridor, nos precisos termos em que a este foi aquela judicialmente fixada.
XXV. Não se pode, assim, concordar com o decidido pelo Tribunal a quo na parte em que se altera a prestação substitutiva de alimentos de responsabilidade do FGADM, por diferente da fixada judicialmente à progenitora, demonstrando-se como impossível a satisfação da prestação por falta de preenchimento de requisito legal,
XXVI. Sendo que, caso se mantenha tal decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável à progenitora incumpridora passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM, o que de todo se demonstra impossível pelas razões supra descritas.
XXVII. Ao decidir como decidiu, violou o Mmo. Juiz a quo, o disposto no nº 2 do art. 2º, e no nº 1 do art. 5º do DL 164/99, de 13 de Maio, ambos com a redacção dada pela Lei 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012.» (sic)
Termina, assim, a requerer que se declare que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pelo valor da prestação fixada judicialmente à progenitora do menor, e, consequentemente, se revogue a decisão recorrida na parte que estabelece uma prestação substitutiva de alimentos a pagar pelo FGADM superior à fixada judicialmente para a obrigada a alimentos.

O Ministério Público respondeu em contra-alegações, com as seguintes conclusões:
«1. No âmbito da ação n.º 290/08.0 TBMNC-A, por sentença homologatória datada de 30 de Novembro de 2012, transitada em julgado em 18.01.2013, ficou acordado que a progenitora do menor ficava obrigada a pagar a quantia mensal de €150,00 a título de alimentos para o seu filho.
2. Acresce que, por decisão datada de 27 de Junho de 2013, proferida nos autos à margem melhor identificados, foi decido julgar o incidente de incumprimento procedente, por provado, e fixar em 200 € (duzentos euros) o montante da prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores, nos termos do disposto nos arts. 1°, 2° e 3° n° 1 da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro.
3. Contudo, e não se conformando com o teor daquela sentença, na parte que estabelece uma prestação substitutiva de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devida a Menores (doravante designado FGADM) superior à fixada judicialmente para a obrigada a alimentos, veio o requerente interpor recurso, alegando, em síntese que, o FGADM não poderá ser condenado no pagamento de uma prestação substitutiva superior à fixada ao devedor originário, porquanto estamos perante uma verdadeira sub-rogação, violando assim o Tribunal a quo o disposto no art.º 2.° n.º 2 e art.º 5.°, n.º l do D.L 164/99 de 13 de Mio, ambos com a redação dada pela Lei n." 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012.
4. Não olvidamos que a jurisprudência divide-se nesta matéria, conforme veremos mais adiante, contudo entendemos que não assiste razão ao recorrente.
5. O artigo 1.º da Lei n." 75/98, de 19 de Novembro determina que o Estado (através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores) deve assegurar os alimentos devidos a menores, quando a pessoa judicialmente obrigada a fazê-lo não satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
6. Esta Lei foi regulamentada pelo DL n.º 164/99, de 13 de Maio, cujo artigo 3.° determina, no seu n.º 1, que o FGADM assegura o pagamento das referidas prestações de alimentos quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
7. De acordo com o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 4.° deste DL n.º 164/99 o IGFSS deve, após a notificação da decisão proferida pelo tribunal, comunica-la de imediato ao centro regional de segurança social da área de residência do alimentado, que inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
8. A fixação da prestação de alimentos é feita atendendo às condições actuais do menor e do seu agregado familiar, podendo, assim, ser diferente da anteriormente fixada.
9. Aqui chegados, e no que respeita ao objeto do recurso, e conforme já referimos a Jurisprudência divide-se.
10. Assim, em sentido afirmativo, e a título exemplificativo encontrámos os Acórdãos, em www.dgsi.pt, da Relação do Porto de 18/6/2007, Pº 0733397 (relator José Ferraz); da Relação de Lisboa, de 12/7/2007, Pº 5455/2007-6 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 22 de Março de 2007 e de 20 de Setembro de 2007; da Relação de Évora de 17/4/2008, Pº 3137/07-2 (relator Sílvio Sousa); e da Relação de Coimbra de 24/6/2008 (relator Jacinto Meca), e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datada de 26-06-2012, a ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 04-06-2009.
11. Em sentido negativo, veja-se, no mesmo endereço, os seguintes Acórdãos: da Relação de Guimarães de 1211/2005, Pº 2211/04-1 (relator António Gonçalves); da Relação de Lisboa de 13/12/2007, Pº 10407/2007-8 (relator Salazar Casanova); da Relação de Coimbra de 6/6/2006, Pº 419/06 (relator Virgílio Mateus), de 31/1 /2008, Pº 10848/2007-6 (relator Ezaguy Martins) e de 6/3/2008, Pº 1608/2008-6 (relator Granja da Fonseca).
12. Propendemos a seguir de perto a primeira corrente.
13. Na verdade, e na esteira daqueles Acórdãos entendemos que se trata de uma prestação nova que não tem de ser, necessariamente, equivalente à que estava a cargo do progenitor, e que deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 2.° da Lei n.º 75/98 de 19/11, com um montante máximo aí definido. Ou seja, é criada uma nova "prestação social".
14. Na verdade, pode ler-se naquele Acórdão proferido pelo STJ datado de 04-06-2009 que: "o montante das prestações cujo pagamento incumbe ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores é determinado em função da capacidade económica do agregado familiar, do montante da prestação de alimentos que foi fixado e das necessidades específicas do menor, mas não da capacidade do obrigado, como em regra sucede. 2. Pode, assim, ser superior, igualou inferior ao da prestação judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado. 3. Esse critério e a imposição da diligências prévias destinadas a apurar as necessidades do menor revela que o objectivo da lei é o de assegurar ao menor a prestação adequada às suas necessidades específicas.
15. Entendemos que apenas esta interpretação é consentânea com o espirito e letra da lei.
16. Conforme se dá conta no preâmbulo do Decreto-Lei n° 164/99, foi em execução da tarefa constitucionalmente definida de proteger as crianças "com vista ao seu desenvolvimento integral" (artigo 69°) que a Lei nº 75/98 veio garantir que o Estado assegura o direito a prestações de alimentos a menores em caso de incumprimento do correspondente dever, judicialmente fixado (artigo 1°), através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo ora recorrente.
17. Assim, determinou que, verificadas as condições para que coubesse ao Fundo o pagamento das referidas prestações (artigo Iº da Lei n° 75/78 e n° 1 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 164/99), o montante correspondente fosse fixado tendo em função da "capacidade económica do agregado familiar, [d]o montante da prestação de alimentos fixada e [das] necessidades especificas do menor" (n° 2 do artigo 2° da Lei n° 75/78 e n° 3 do artigo 3° do Decreto-Lei nº 164/99).
18. Esclareceu ainda, com o objectivo manifesto de garantir a adequação do montante apurado, que "a decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público" (n° 1 do artigo 4° do Decreto-Lei nº 164/99 e n" 2 do artigo 3° da Lei n° 75/78).
19. Resulta da leitura conjunta das diversas disposições referidas que a lei se preocupou em assegurar ao menor a prestação de alimentos adequada às suas necessidades específicas, que devem ser avaliadas tendo naturalmente em conta o agregado familiar em que esteja integrado (nomeadamente a capitação de rendimentos de que o mesmo disponha, como esclarece o n° 2 do artigo 3° do Decreto-Lei nº 164/99).
20. O montante dos alimentos a prestar pelo Fundo não depende da quantia em que o obrigado tenha sido condenado. nem da capacidade que este tenha de prestar alimentos.- neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.06.2009, publicado em www.dgsi.pt.
21. Esta capacidade, naturalmente, e como em geral sucede com a obrigação de prestar alimentos no âmbito das relações familiares (cfr. a disposição geral do n° 1 do artigo 2004° do Código Civil), foi tida em conta quando o tribunal os fixou; mas não releva agora a não ser indirectamente, e apenas na medida em que o "montante da prestação de alimentos fixada" (n° 2 do artigo 2º da Lei n° 75/78) é um dos elementos a ponderar para o efeito de definir a extensão da obrigação do Fundo.
22. Isto significa que a intenção de adequação à situação concreta do menor conduz a que a prestação posta a cargo do Fundo possa ser de valor inferior, igualou superior ao daquela que vem substituir.
23. Na verdade, o Fundo de Garantia não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida a menor. Pelo contrário, reveste natureza subsidiária, sendo seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, através das formas previstas no artigo 189.° da OTM.
24. A obrigação de alimentos a cargo do Fundo é independente ou autónoma, conquanto subsidiária, da do primitivo obrigado, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas sim, a suportar os alimentos fixados ex novo. Ou seja, a prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto legitimador da intervenção subsidiária do Estado para satisfazer uma necessidade actual do menor.
25. O Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor originário não pague, ficando onerado com uma prestação nova, devendo ser reembolsado do que pagar - cfr. Remédio Marques, in «Algumas Notas sobre Alimentos (devidos a menores) versus o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (em especial filhos rnenores)», Coimbra Editora, 2000, pág. 230.
26. O Estado garante um mecanismo legal para suprir a falta ou carência de meios de subsistência dos menores e do seu direito a alimentos, sendo certo que o garante através dos citados diplomas legais - Lei n.º 75/98 de 19/11 e DL n.º 164/99 de 13/05 - assegurando, assim, o direito das crianças à protecção e desenvolvimento integral, bem como o direito a alimentos, pressuposto do direito à vida, sendo certo que o faz de acordo com as possibilidades do Estado e consagrando aquele entendimento jurídico supra referido da independência e autonomia da prestação do FGADM, em relação ao incumprimento do progenitor faltoso. - neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.06.2009, publicado em www.dgsi.pt.
27. Continuando a acompanhar de perto as doutas considerações vertidas naquele Acórdão, e de acordo com o disposto no art. 6.°, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 75/98 e no art. 2.°, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 164/99, o FGADM foi constituído, não para garantir o pagamento da prestação de alimentos que cabe à pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, mas tão só a de assegurar o pagamento de uma prestação social, a que aludem os arts. 1.º e 2.° da Lei n.º 75/98, que visa suprir o incumprimento do obrigado e tem por fim satisfazer as necessidades básicas de subsistência e desenvolvimento do menor em matéria de alimentos.
28. Finalidade que se contém no âmbito do direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado tendo em vista o seu desenvolvimento integral, consagrado no n." 1 do art. 69.° da Constituição da República Portuguesa.
29. Neste contexto, a função do FGADM é a de cumprir a função constitucional que compete à sociedade e ao Estado de assegurar à criança, na falta de cumprimento do ou dos obrigados, a satisfação do direito a alimentos, que se traduz "no acesso a condições de subsistência mínimas" e na faculdade de requerer "as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna", como é referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 164/99.
30. Deste modo, entendemos que a prestação a cargo do FGADM é independente e autónoma da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos. Autonomia que se manifesta quer em relação aos requisitos de atribuição, quer em relação aos parâmetros de fixação, mas que assenta na valorização daqueles princípios constitucionais.
31. Assim sendo, entendemos que, e face ao teor do relatório social junto aos autos e que foi tido integralmente em conta na decisão agora posta em causa, verifica-se que o progenitor do menor durante muitos anos exerceu a profissão de construtor civil por conta própria, pelo que a fixou-se em €150,00 a prestação de alimentos a suportar pela progenitora do menor.
32. Contudo, aquando da decisão que determinou o pagamento da quantia de 200 euros a suportar pelo FGADM o progenitor do menor encontrava-se desempregado, situação que se mantém.
33. Na verdade, apenas com a ajuda dos familiares é que progenitor do menor consegue fazer face às despesas inerentes ao sustento do seu filho menor.
34. Lê-se ainda no relatório social junto aos autos que o progenitor do menor reduz os gastos ao mínimo indispensável.
35. Com efeito, o menor V.. sobrevive graças à ajuda dos familiares do progenitor que o vão auxiliando na satisfação das necessidades básicas.
36. Lê-se ainda no relatório social junto aos autos que o agregado familiar do pai do menor e onde este se encontra acolhido apresenta limitações económicas graves que condicionam a sua capacidade para satisfazer todas as necessidades do menor.
37. Ademais, resulta ainda dos factos dados como provados que a progenitora encontra-se desempregada, reside sozinha num apartamento arrendado, suportando uma renda de €250,00, encontrando-se a receber uma prestação de desemprego de €274,00.
38. Pelo exposto, entendemos que se afigura como adequado a fazer face às necessidades do menor, tendo em conta, por um lado as dificuldades apresentadas pelo agregado familiar onde se encontra integrado e por outro a incapacidade da progenitora devedora em cumprir com o pagamento das prestações acordadas.
39. Do que fica dito, considerámos que não foram violados os art.º 2.° n.º 2 e art.º 5.°, n.º 1 do D.L 164/99 de 13 de Maio, ambos com a redação dada pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro de 2012.» (sic)
Fez decorrer que deverá negar-se provimento à apelação, mantendo-se a decisão sentenciada.
Respondeu também o requerente, formulando as seguintes conclusões:
«1. A Digníssima Magistrada do Ministério apresentou as suas doutas e esclarecedoras alegações que conclui pedindo a manutenção da sentença. Cujo conteúdo, tomamos a liberdade de dar como, aqui integralmente reproduzido e com as quais concordamos na integra.
2. De facto O FGADA deve assegurar os alimentos devidos a menores, quando a pessoa judicialmente obrigada a fazê-lo não tiver rendimento seus, ou ao seu dispor que lhe permita satisfazer as quantias em divida.
3. A fixação da prestação de alimentos é feita atendendo às condições actuais do menor e do seu agregado familiar, podendo assim, ser diferente da anteriormente fixada.
4. O montante dos alimentos a prestar pelo Fundo não depende da quantia em que o obrigado tenha sido condenado, nem da capacidade que este tenha de prestar alimentos.
5. A prestação a cargo do FGADM deverá ser fixada tendo em conta as condições actuais do menor e do seu agregado familiar, podendo assim, ser diferente da anteriormente fixada.
6. Tendo em conta os factos dados como assentes na decisão in recuso, impôs-se e impõe-se que se fixe a prestar a pagar pelo no montante de 200€ mensais.
7. Não podendo por isso ser feita qualquer censura à douta sentença em crise.» (sic)
Pugna pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Nas questões a decidir a Relação considerará a delimitação dada pelas conclusões das alegações do recorrente, acima transcritas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2 e 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, atualmente, art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho).

Está para decidir se é legalmente admissível fixar o valor da prestação social de alimentos a cargo do FGADM em quantia diversa (no caso, superior) daquela que foi fixada a cargo do progenitor obrigado à prestação quando aquele organismo se substitui a este em razão de insuficiência económica para os prestar.
III.
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1) O requerente e a requerida são os pais do menor V.., nascido em 22 de Outubro de 2007.
2) No âmbito da ação nº 290/08.0 TBMNC-C a mãe ficou obrigada a pagar a quantia mensal de € 150,00 a título de alimentos para o seu filho (acordo que foi homologado por sentença de 30 de novembro de 2012).
3) Ficou ainda acordado que as despesas médicas, medicamentosas e escolares seriam suportadas em partes iguais pelos progenitores.
4) A sentença transitou em julgado em 18/01/2013.
5) A progenitora não efetuou ainda qualquer pagamento.
6) O progenitor reside com o seu filho em habitação própria.
7) O progenitor encontra-se atualmente desempregado, tendo trabalhado, durante vários anos, na construção civil, por conta própria.
8) O progenitor dispõe do apoio de familiares na organização das tarefas domésticas e no pagamento das despesas básicas de sobrevivência.
9) O abono de família é de € 35,19, existindo uma majoração por ser uma família monoparental de € 7,04.
10) A progenitora reside sozinha num apartamento arrendado, encontrando-se a receber uma prestação de desemprego de € 274,00.
11) A renda mensal suportada pela progenitora é de € 250,00.
*
A Lei nº 75/98, de 19 de novembro, alterada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, determinou a constituição do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores [1] destinado a assegurar o pagamento das prestações fixadas nos termos da mesma lei (art.º 6º, nºs 1 e 2).
O art.º 1º, nº 1, daquele diploma legal estabelece que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação”.
Regulamentando aquela lei, o Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio, reafirma aquela competência do FGADM, sob a gestão do aqui recorrente Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., na falta do pagamento das prestações por alimentos devidas a menores por parte das pessoas judicialmente obrigadas a prestá-los (art.ºs 2º, nºs 1 e 2 e 3º, nº 1, al. a)[2] ).
As partes não discutem o critério de determinação da situação de carência enquanto pressuposto de intervenção social do FGADM, a que se referem os art.ºs 1º e 2º da Lei nº 75/98, de 19 de novembro e o art.º 3º do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio, na redação dada pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro, mas apenas a possibilidade das prestações sociais do Fundo poderem divergir (no sentido de ultrapassar) do valor das prestações alimentares a que a requerida está obrigada a favor do filho menor, conforme acordo judicialmente homologado, já que, estando aquela obrigada ao pagamento da quantia mensal de € 150,00, o FGADM foi condenado na 1ª instância a pagar ao favor do menor prestações com igual periocidade, porém no valor de € 200,00 por mês.
Para o recorrente o valor da pensão não poderia ultrapassar o valor da pensão de alimentos fixada na 1ª instância, de € 150,00, por ser uma pensão substitutiva e garantia de pagamento dos alimentos judicialmente fixados, de tal modo que o Fundo fica, nos termos da lei, numa situação de sub-rogação legal nos direitos do menor a quem sejam atribuídas as prestações, tendo em vista a garantia do respetivo reembolso, ao abrigo do art.º 5º, nº 1, do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio. Embora reconhecendo que a prestação de alimentos a cargo do FGADM é autónoma relativamente à prestação de alimentos a que o devedor está obrigado e que é lícito exigir dele uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver satisfeito o interesse do menor, o recorrente conclui que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pela fixada ao progenitor do menor, não podendo reembolsar mais do que aquilo de que este é devedor.
Divergem o Ministério Público e o requerente, no sentido de que a fixação da prestação de alimentos a cargo do FGADM é feita atendendo às condições atuais do menor e do seu agregado familiar, podendo, assim, ser diferente da anteriormente fixada.
Vejamos.
Na nota preambular ao Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio, faz-se notar que a Constituição da República Portuguesa, no art.º 69º, consagra expressamente o direito das crianças à proteção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral. Tem, assim, o Estado o dever de assegurar que as crianças tenham uma vida digna, traduzindo-se tal dever, para além do mais, na garantia do direito a alimentos. Ao regulamentar a Lei nº 75/98, de 19 de novembro, que consagra a garantia de alimentos devidos a menores, aquele decreto-lei cria uma nova prestação social que visa a efetiva satisfação do direito a alimentos, reforçando a proteção social devida a menores, assim se traduzindo numa manifestação concretizadora da referida norma constitucional de cariz programático.
Este direito social da criança à proteção transparece também em diversos instrumentos de direito internacional, designadamente as Recomendações do Conselho da Europa R (82) 2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R (89) 1, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais, e a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia-Geral da ONU em 20.11.1989 (assinada por Portugal em 26.01.1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 de 12.9 e ratificada pelo Decreto do Sr. Presidente da República n.º 49/90, ambos publicados no DR, lª série, n.º 211/90, de 12.10.1990), que no seu art.° 6°, n.ºs 1 e 2, impõe aos Estados Partes que reconheçam à criança o direito inerente à vida e assegurem, na medida máxima possível, a sobrevivência e o desenvolvimento da criança, assim os obrigando a prestarem, em caso de necessidade, auxílio material para a concretização deste direito (art.° 27°, n.ºs 1 a 3) e a adotarem as medidas adequadas a assegurar a cobrança de alimentos (n.º 4 do mesmo artigo).
Verificados que estejam os pressupostos de que depende a atribuição dos alimentos a cargo do Fundo (art.º 3º do Decreto-lei nº 164/99[3]), a lei não determina que este novo obrigado, por substituição do devedor originário que foi judicialmente obrigado, deve satisfazer a pensão anteriormente fixada. Antes enuncia um critério para a fixação do montante a pagar pelo FGADM, estabelecendo até, para o efeito, um limite máximo [4], com recurso à produção de provas (art.º 2º, nº 1, da Lei 75/98 e art.º 4º, nºs 1 e 2 do Decreto-lei nº 164/99). De modo diferente do previsto no art.º 2004º do Código Civil, a lei não prevê aqui diretamente, como elemento de critério definidor da medida dos alimentos, a ponderação dos meios daquele que houver de prestá-los ou do obrigado originário, mas apenas a prestação de alimentos fixada e as necessidades específicas do menor, assim como a capacidade económica do agregado familiar (art.º 2º, nº 2, da lei nº 75/98, de 19 de novembro), numa fórmula que, não descurando de todo a capacidade do devedor originário (em função da qual também fora estabelecida a pensão originária e incumprida [5]), se preocupa, sobretudo com a adequação da nova pensão às necessidades da criança, com a atualidade da situação e a efetiva realização do seu interesse (proteção e desenvolvimento integral – art.º 69º da Constituição). Por isso, esta obrigação de alimentos, apesar de subsidiária, é nova, atual, independente e autónoma relativamente à anterior; o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo, a título de prestação social que tem pressupostos legais próprios; é uma obrigação própria, e não alheia, e o seu conteúdo poderá ser diferente da obrigação de alimentos do originário devedor. Ocorre como que uma substituição subordinada à existência de pressupostos legalmente enunciados e, como tal, sindicáveis, maxime, pelo agora adstrito à satisfação da nova pensão encontrada.
Como resulta dos fundamentos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2009, de 7 de julho [6], a prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade atual do menor. Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar (art.ºs 5º e seg.s do Decreto-lei nº 164/99) [7]. E nem os vários votos de vencido proferidos quanto à uniformização ali em causa negam as referidas caraterísticas desta prestação de alimentos. Veja-se, por exemplo, a parte final do voto da Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Beleza: “A natureza «independente e autónoma, embora subsidiária» da obrigação do Fundo, que não se discute, não se opõe a esta solução; se não fosse «independente e autónoma», o Fundo haveria de responder pelas prestações que o obrigado aos alimentos não realizou, desde o momento do incumprimento, e não apenas desde a data do requerimento da sua intervenção.”. Ou ainda o voto de Ex.mo Conselheiro Fonseca Ramos: “…O facto de o garante poder ser responsabilizado em medida não coincidente com a prestação do devedor inadimplente não se afigura relevante.”
E se a hermenêutica o justificasse em razão da dúvida, sempre teria que se fazer a interpretação mais consentânea com a Constituição, pois que estão em causa direitos sociais constitucionalmente garantidos. Parafraseando ainda o Ex.mo Conselheiro Fonseca Ramos, “na dúvida, os direitos devem prevalecer sobre as restrições --- «in dubio pro libertate»” ou ainda, citando Gomes Canotilho[8], “o princípio da interpretação conforme a constituição é um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei.
Desta forma, o princípio da interpretação conforme a Constituição é mais um princípio de prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-normativa de que um simples princípio de conservação de normas”.
É com esta conformidade que Helena Melo, João Raposo, Luís Carvalho, Manuel Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade d’Oliveira [9] referem que o “pagamento levado a cabo pelo Fundo é independente do montante fixado ao obrigado que não cumpriu, embora esse valor seja uma referência para o tribunal das necessidades do alimentado, podendo ser inferior, igual ou superior, devendo o Tribunal atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”. E ainda que o FGADM visa “propiciar uma prestação autónoma de segurança social, uma prestação a «forfait» de um montante, por regra equivalente ao que fora fixado judicialmente – mas que pode ser maior ou menor, sendo certo que as prestações atribuídas não podem exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidades de conta de custas”. “A prestação do Fundo de Garantia pode ser superior ou inferior à que tenha sido anteriormente fixada (…) Se assim não fosse, seria inútil e supérfluo ordenar-se a realização de diligências probatórias e o inquérito social acerca das necessidades do menor (…)”.[10]
Não olvidamos a corrente jurisprudencial contrária, para a qual ocorre uma substituição incondicional da pensão originária pela pensão a suportar pelo FGADM e não pode ser fixada pensão superior à que é substituída e se mostra incumprida [11]. Todavia, não são os seus argumentos, mas aqueles que acabámos de expor os que mais nos impressionam e melhor se enquadram na letra e no espírito da legislação aplicável e efetivamente abordada. É com esta perspetiva que também alinhamos com os fundamentos expressos no citado acórdão uniformizador e com a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores, dando assim o nosso contributo para a tão necessária e desejável segurança do Direito.
Esgotada que fica a única questão da apelação, resta-nos confirmar a decisão recorrida.

SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
1- A substituição da prestação de alimentos a que o progenitor está obrigado a favor do menor em razão do seu incumprimento, pela prestação a que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores nos termos da Lei nº 75/98, de 19 de novembro, alterado pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, e do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de maio, alterado pelo Decreto-lei nº 70/2010, de 16 de junho e pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro, pese embora a subsidiariedade desta e a sub-rogação legal do Fundo nos direitos do menor e o seu direito ao reembolso contra o obrigado originário, não constitui uma substituição incondicional de obrigados, mas uma nova prestação, autónoma e independente, de origem constitucional e natureza social, com pressupostos legais e conteúdo de determinação próprios.
2- Daí que tal prestação social possa ser fixada em montante diverso da prestação de alimentos a que o progenitor incumpridor está obrigado, seja de valor superior, seja de valor inferior, em função do critério legal e dos fins previstos naqueles diplomas legais na prossecução da proteção mínima indispensável do interesse das crianças a um desenvolvimento integral da sua vida, saúde e da sua personalidade, conforme às garantias constitucionais (art.ºs 24º e 69º da Constituição da República).
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Guimarães julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isento o recorrente (Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de gestor do FGADM - art.º 4º, nº 1, al. g), do Regulamento das Custas Processuais).
Guimarães, 10 de dezembro de 2013
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Adiante designado por FGADM.
[2] Com a redação introduzida pelo Decreto-lei nº 70/2010, de 16 de junho e, posteriormente, pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro.
[3] Com a atual redação introduzida pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro.
[4] Segundo o art.º 2º, nº 1, da Lei nº 75/98, de 19 de novembro, na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, “as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores”.
[5] Esta passa a ser apenas um índice de que o julgador deve servir-se, um elemento a ponderar, para efeito de definir a extensão da obrigação do FGADM.
[6] DR, 1ª série, nº 150, de 5 de agosto de 2009.
[7] Em sentido semelhante, v.g. recentes acórdãos da Relação de Lisboa de 18.12.2012, proc. 5270/08.3TBALM-A.L1-7 da Relação de Coimbra de 22.10.2013, proc. 2441/10.6TBPBL-A.C1, in www.dgsi.pt.
[8] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição, pág. 1294.
[9] Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, Quid Juris, 2ª edição, pág. 110.
[10] Cf. acórdãos da Relação de Lisboa de 11.7.2013, proc. 5147/03.9TBSXL-B.L1-2, in www.dgsi.pt, onde aqueles autores também são citados. Neste sentido, cf. acórdão da Relação do Porto de2.12.2008, proc. 0826018, de 17.2.2009, proc. 20003/00.4TBVRL, de 8.9.2011, proc. 1645/09.9TBVNG.1.P1, subscrito pelo ora relator, então na qualidade de adjunto da Ex.ma Desembargadora Maria Catarina Gonçalves, citando-se ali o acórdão da mesma Relação de 18.6.2007, nº convencional JTRP00040499, ambos in www.dgsi.pt, os acórdãos desta Relação de Guimarães de 26.6.2012, proc. 1805/10.0TBGMR-A.G1, e ainda, da Relação de Coimbra, os acórdãos de 9.2.2010, proc. 415/05.8TBAGD.C1, de 10.11.2011, proc. 3712/09.OTBGMR-A.G1, de 17.11.2011, proc. 263/09.6TMBRG.G1 e o já citado aresto de 22.10.2013todos in www.dgsi.pt, sendo que último e mais recente, numa expressão feliz, refere que “o Estado não se substitui ao progenitor/devedor de alimentos no cumprimento da obrigação alimentar, antes visa satisfazer as necessidades básicas de subsistência e desenvolvimento do menor, sempre que tal não possa ser assegurado pelos seus progenitores; esta prestação social reveste, assim, carácter autónomo em relação à prestação alimentar incumprida pelo progenitor a ela obrigado, apenas encontrando na impossibilidade da realização coactiva desta (arte.° 189° da OMT) o seu pressuposto legitimador” e, mais adiante, “é que não se trata de garantir o pagamento da prestação de alimentos que a pessoa judicialmente obrigada não satisfez, mas sim, e após a verificação de vários pressupostos cumulativos, e o tribunal fixar um «quantum» que pode ser diferente, sendo esse novo montante que o Fundo garante, agora já como prestação social. A nova prestação não tem necessariamente de coincidir com o que estava a cargo do primeiro obrigado [e, estando-se ou não perante um incidente de incumprimento, há que apurar, além do mais, os rendimentos actuais do alimentando e do seu agregado de facto – cf., designadamente, os art.°s 2°, n.º 2 e 3°, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 75/98 e 4°, n.º 1, do Decreto-lei nº n.º 164/991”.
[11] Vejam-se, por exemplo, os acórdãos da Relação de Lisboa de 8.11.2012, proc. 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, da Relação de Lisboa de Coimbra de 19.2.2013, proc. 3819/04.0TBLRA-C.C1, numa posição que atualmente nos parece ser minoritária.