Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
288131/08.6YIPRT-A.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.º 713º-N.º7 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Só com a recente alteração da Lei n.º 23/96 (operada pela Lei n.º 12/2008) o serviço de comunicações electrónicas (comunicação de dados) integra a sua previsão.
Anteriormente a esta alteração e até 11.2.2004, aos serviços de comunicações electrónicas aplicava-se o disposto na Lei nº 91/97 de 01.08 e no Dec. Lei nº 381-A/97 de 30/12 e, a partir daquela data, o disposto na Lei 5/2004 de 10/02.
O citado Dec. Lei 381-A/97 previa, no art. 9º, nº4, que: “O direito a exigir o pagamento do preço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação”, e acrescentava no nº 5 que “Para efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”.
A Lei 5/2004, que revogou o referido Dec. Lei, nada previu em matéria de prescrição, pelo que, aos serviços de comunicações electrónicas prestados a partir da sua entrada em vigor (11.2.2004) e até à recente alteração da Lei 23/96 (em vigor a partir de 26.5.2008), aplicam-se as disposições do Código Civil em matéria de prescrição (artº 310º al. g)).

O prazo de prescrição previsto na Lei 23/96, com a redacção introduzida pela Lei 12/2008 aplica-se aos serviços de comunicações electrónicas prestados em data anterior a 26 de Maio de 2008, contando-se o prazo mais curto, por ela estabelecido, apenas a partir da sua entrada em vigor.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

A B..., S.A. requereu procedimento de injunção contra o Município de X... exigindo o pagamento de €52.781,01, por serviços prestados no âmbito de um contrato, celebrado com tal município, de serviços de sistemas de informação-Web side, com acesso a sistemas de infra-estrutura de telecomunicações e dados de voz, sistemas de informação, internet e comércio electrónico, que asseguram a ligação entre as instalações da autora e a rede geral. Mais discriminou as facturas, indicando as respectivas datas de vencimento e os preços correspondentes.

O município Réu contestou, excepcionando, além do mais, a prescrição do direito de exigir o pagamento, nos termos do artº 10º nº 1 da Lei 23/96.

A injunção, atento o seu valor, foi distribuída como acção declarativa com processo ordinário.

A Autora apresentou réplica, onde respondeu à excepção da prescrição.

Foi proferido despacho saneador no qual se decidiu pela regularidade da instância e validade do processado.

De seguida foi apreciada a excepção da prescrição, decidindo o Mmo Juiz a quo julgar verificada a excepção peremptória da prescrição relativamente aos pagamentos que se reportam aos serviços prestados até 26.11.07, reflectidos nas facturas juntas com datas compreendidas entre Maio de 2003 e Outubro de 2007, e, bem ainda, relativamente ao pagamento a que se reporta a factura nº 080210559, absolvendo o réu dessa parte do pedido. (art. 493º, nº3, do Código de Processo Civil).

O processo prosseguiu para apreciação do restante pedido (montantes titulados pelas facturas juntas com as datas compreendidas entre Abril de 2008 e Outubro de 2008).

Desta decisão parcial foi interposto o presente recurso pela Autora B..., em que formula as seguintes:

CONCLUSÕES
1. A Despacho Saneador recorrido deve ser revogado pois nele se fez, salvo o devido respeito, errada aplicação do direito.
2. Com a Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, o artigo 1.º da Lei n.º 23/96 foi alterado, tendo passado a fazer referência expressa a “serviços de comunicações electrónicas”.
3. Apenas com a recente alteração da Lei n.º 23/96 (operada pela Lei n.º 12/2008) se poderá afirmar que o serviço de comunicação de dados integra a sua previsão.
4. As alterações produzidas pela Lei n.º 12/2008 apenas entraram em vigor 90 dias após a sua publicação, ou seja, 26 de Maio de 2008
5. Nos termos do artigo 297.º do Código Civil a “lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
6. Pelo que o prazo de prescrição de seis meses só se contaria a partir da entrada em vigor da lei nova, completando-se apenas em 26 de Novembro de 2008.
7. O facto de a nova redacção da Lei n.º 23/96 se aplicar aos contratos «pendentes», não significa isso que a mesma tenha efeito retroactivo.
8. O artigo 3.º da Lei 12/2008 é a confirmação da regra geral prevista no artigo 12.º n.º 2 (in fine) do Código Civil.
9. O artigo 3.º da Lei n.º 12/2008, a exemplo da regra geral presente no artigo 12.º n.º 2 do Código Civil, ressalva sempre os efeitos já produzidos pelos factos que a Lei nova visa regular.
10. O artigo 3.º da Lei n.º 12/2008 deve ser interpretado, unicamente, no sentido de que as alterações por si produzidas são aplicáveis às relações constituídas anteriormente mas que ainda perdurem.
11. O artigo 3.º da Lei n.º 12/2008, a exemplo do artigo 12.º n.º 2 do Código Civil, não dispõe sobre sucessão de prazos legais ou judiciais, nem visa alterar ou suprimir o regime contido no artigo 297.º n.º 1 do Código Civil.
12. Assim, aos serviços prestados até 26 de Maio de 2008, aplica-se o prazo de cinco anos após a sua prestação.
Aos serviços prestados após 26 de Maio de 2008, aplica-se o prazo de seis meses.
Nestes termos e, nos melhores de Direito, e com o sempre douto suprimento de V. Exas, dever-se-á revogar o Despacho Saneador ora recorrido, com o que se fará a costumeira JUSTIÇA.

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Não foram proferidas contra-alegações.
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O recurso, instruído em separado dos autos principais, veio a ser admitido neste Tribunal da Relação como apelação parcial, a subir de imediato e em separado e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º nº3 e 690º-nº1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC). De entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.

Atentas as conclusões da apelação são as seguintes as questões a apreciar:


Se apenas com a recente alteração da Lei n.º 23/96 (operada pela Lei n.º 12/2008) o serviço de comunicação de dados integra a sua previsão.


Se, apesar da nova redacção da Lei n.º 23/96 se aplicar aos contratos «pendentes», tal não implicar que a mesma tenha efeito retroactivo, interpretando-se o artigo 3.º da Lei n.º 12/2008 no sentido de que as alterações por si produzidas são aplicáveis às relações constituídas anteriormente mas que ainda perdurem.


Se aos serviços prestados até 26 de Maio de 2008 se aplica o prazo geral de prescrição (cinco anos) após a sua prestação e apenas aos serviços prestados após 26 de Maio de 2008 se aplica o prazo de seis meses.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) Dos Factos

Está assente a seguinte factualidade:
1º No período compreendido entre Julho de 2003 e Novembro de 2008 a autora prestou ao réu, por acordo com este, serviços vários, aí se incluindo sistemas de informação, soluções empresariais de comunicações electrónicas (voz, dados, redes, internet, multimédia, equipamentos, planos de preços, videoconferência, rede inteligente, plataformas RDIS e ADSL), outsourcing de sistemas de informação, instalação, gestão e manutenção das infra-estruturas e equipamentos de suporte, datacenter, alojamento, gestão e segurança aplicacional.
2) Pelos serviços supra referidos foi acordado um preço, a pagar pelo réu.
3) A presente acção foi proposta em 29.10.2008.
4) O réu considera-se citado em 10.11.08.

B) Do Direito

No caso em apreço estamos perante um contrato de fornecimento de comunicações electrónicas.

A Lei 23/96, que criou no ordenamento jurídico nacional alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, na sua versão originária não previa este tipo de serviços, mas apenas, no seu artº 1º: a) Serviço de fornecimento de água; b) Serviço de fornecimento de energia eléctrica; c) Serviço de fornecimento de gás; d) Serviço de telefone.

Com a publicação da Lei nº 91/97 de 01.08 foram definidas as bases gerais do estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações. Nesse diploma (artº 2º) define-se o conceito de “telecomunicações” como sendo a “transmissão, recepção ou emissão de sinais, representando símbolos, escrita, imagens, sons ou informações de qualquer natureza por fios, por sistemas ópticos, por meios radioeléctricos e por outros sistemas electromagnéticos”.

Por sua vez, o DL nº 381-A/97 de 30/12, que veio desenvolver os princípios daquela Lei de Bases, preceitua, no art. 9º, nº4, que: “O direito a exigir o pagamento do preço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação”, e acrescentando no nº 5 que “Para efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”. No artº 16º nºs 2 e 3 estabelece ainda: 2 - O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. 3 - Para efeitos do número anterior considera-se exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.

No período de vigência destes diplomas, na senda, entre muitos, do douto Acórdão do STJ de 4.10.2007, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, entendemos, no tocante ao prazo prescricional, que deve prevalecer o regime especialmente previsto para a prestação de serviços de telecomunicações (Decreto-Lei nº 381-A/97, artº 9º nº 4) ou para o serviço de telefone (Lei nº 23/96 – artº 10º), sobre o prazo de cinco anos constante da alínea g) do artigo 310º do Código Civil.

Note-se que é idêntica a redacção dos artigos supra citados (artº 9º nº 4 do Decreto-Lei nº 381-A/97 e artº 10º da Lei nº 23/96) e que, apesar da controvérsia, está hoje assente, em termos jurisprudenciais, que se referem a uma prescrição extintiva e não presuntiva e que o prazo se conta a partir da data em que o serviço foi prestado.

Pelo exposto, na vigência do artº 9º do Decreto-Lei nº 381-A/97, o direito ao pagamento do preço extingue-se, por prescrição, seis meses após a prestação de cada serviço prestado, posto que seja apresentada a correspondente factura. A apresentação da factura vale como interpelação para pagar, significando que o devedor se constitui em mora se não cumprir após o fim do prazo indicado na factura; não marca, todavia, o início da contagem do prazo de prescrição, que começa com a realização da prestação correspondente ao preço pedido (() Ver, para além do supra citado Ac. do STJ de 04-10-2007 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) os Acs. da Relação do Porto de 15-10-2009 (Relator Filipe Caroço) e de 07-10-2008 (Relator Rodrigues Pires) e o Ac da Rel de Lisboa de 12-03-2009 - Relator Rui Vouga.).

Assim, relativamente aos serviços prestados entre Julho de 2003 e 10.2.2004, uma vez que o Réu invocou a prescrição, apesar de não lhe ser aplicável o diploma invocado (Dec. Lei 23/96) por força do disposto no artº artº 9º nº 4 do Decreto-Lei nº 381-A/97, mostra-se extinto o direito da Autora exigir o respectivo pagamento.

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A Lei 5/2004, publicada em 10.2.2004, que estabeleceu o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos e define as competências da autoridade reguladora nacional neste domínio, no âmbito do processo de transposição das Directivas n.os 2002/19/CE, 2002/20/CE, 2002/21/CE, e 2002/22/CE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março, e da Directiva n.º 2002/77/CE, da Comissão, de 16 de Setembro, revogou, entre outros, os diplomas supra citados (DL nº 381-A/97 e Lei nº 91/97) e excluiu do âmbito de aplicação da Lei 23/96 de 26 de Julho, e do Decreto-Lei n.º 195/99, de 8 de Junho o serviço de telefone.

Nesta Lei nada consta sobre a prescrição do direito de exigir o pagamento ou prescrição dos créditos relativos ao fornecimento desse tipo de serviços.

Consequentemente, aos serviços prestados a partir de 11 de Fevereiro de 2004, por não existir norma especial, aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos, previsto na alínea g) do art. 310º do Código Civil ou o prazo de dois anos, da prescrição presuntiva prevista nos artºs 312º e 317º al. b) do Código Civil.

Considerando a data da citação do Réu e o referido prazo (prescrição extintiva do artº 310º) os créditos da Autora, relativos a serviços prestados após 11.2.2004, não estarão prescritos (sem prejuízo da prescrição presuntiva, caso o pagamento tenha sido alegado).


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Em 26.2.2008 foi publicada a Lei nº 12/2008, que constitui a primeira alteração à Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, a qual criara no nosso ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.

Por força desta alteração, o artº 1.º nº 2, da já referida Lei 23/96 passou a incluir no seu objecto e âmbito: c) Serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados; d) Serviço de comunicações electrónicas; e) Serviços postais; f) Serviço de recolha e tratamento de águas residuais; g) Serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.

O artº 10º, nºs 1 e 2, desta Lei, na sua actual redacção, estabelece que o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.

E no nº 4 estabelece que o prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos. (O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos - redacção dada pela Lei 34/2008).

Estabelece-se assim, em nosso entender, não só o prazo de prescrição do direito de receber o preço, como um prazo de caducidade da acção (ou injunção).

Esta Lei 12/2008 de 26.2.2008 entrou em vigor 90 dias após a sua publicação.


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Do exposto resulta, que, inicialmente e até à Lei 12/2008, os serviços de comunicações electrónicas que não se pudessem classificar como serviços de telefone, como o presente caso, não estavam incluídos entre os denominados serviços essenciais (Lei 23/96), sendo-lhes aplicável a legislação específica, no caso os diplomas acima citados – Lei nº 91/97 de 01.08 e DL nº 381-A/97 de 30/12 – que previam a prescrição do direito de exigir o preço no prazo de seis meses após a sua prestação.

Com a publicação do Lei 5/2004, foram revogados aqueles diplomas e expressamente afastada a aplicação da Lei 23/96 aos serviços de telefone, a que até aí se continuava a aplicar, por integrarem o âmbito dos serviços essenciais nela definidos.

O caso sub judice reporta-se a serviços de comunicações electrónicas prestados entre Julho de 2003 e Outubro de 2008.

Há, assim, que distinguir os serviços prestados até 11.2.2004, os que foram prestados entre esta data e 26.5.2008 e os posteriores.

O município Réu foi citado para a presente acção em 10.11.2008.

Relativamente aos serviços prestados até 10.11.2003, sem necessidade de recorrer a qualquer legislação especial, podemos afirmar que o crédito da autora sempre estaria prescrito por força do artº 310º do Código Civil.

De qualquer forma e por força das disposições constantes na Lei nº 91/97 de 01.08 e no DL nº 381-A/97 de 30/12, mostra-se prescrito o direito da Autora exigir o pagamento do preço pelos serviços prestados até 11.2.2004, devendo esta norma ser interpretada no sentido supra referido, quer por força dos diplomas vigentes nesse período, quer por força da doutrina e da vasta jurisprudência, que embora inicialmente de sinal contraditório, assentou, actualmente, no sentido de se tratar de uma prescrição extintiva e do prazo correr desde a data em que o serviço foi prestado.

Para os serviços de comunicações electrónicas prestados no período compreendido entre 11 de Fevereiro de 2004 e 26/5/2008 aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos, previsto na alínea g) do art. 310º do Código Civil ou, no caso da prescrição presuntiva prevista nos artºs 312º e 317º al. b) do Código Civil, o prazo de dois anos.

A já referida Lei nº 12/2008 de 26.2.2008 (que alterou a Lei 23/96), em vigor 90 dias após a sua publicação (26.5.2008), aplica-se à relação contratual estabelecida entre as partes ( Artigo 3.º (Aplicação no tempo) A presente lei aplica -se às relações que subsistam à data da sua entrada em vigor.).

Assim, como o actual artº 10º do Dec. Lei 23/96 prevê um prazo mais curto para a prescrição do direito da Autora, teremos de ter em atenção o disposto no artº 297º do Código Civil (A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar).

Tendo esta Lei, que fixou um prazo mais curto, entrado em vigor em 26.5.2009, a prescrição ocorreria em 26.11.2008 (se antes não tivesse já ocorrido).

Ora, atenta a data da citação do réu município, concluímos que, mesmo ao abrigo da nova redacção do Dec. Lei 23/96 (que inclui agora os serviços de comunicações electrónicas nos serviços essenciais) ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição do direito da Autora ao recebimento do preço pelos serviços prestados a partir de 11.2.2004

Só assim não seria se a Lei 12/2008 tivesse a natureza de lei interpretativa quanto à sua aplicabilidade aos serviços de comunicações electrónicas.

Com efeito o artº 13º do Código Civil (aplicação das leis no tempo - leis interpretativas) dispõe que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.

Baptista Machado (in “Introdução ao Direito e Discurso Legitimador”, 1983, págs. 246 e segs.) considera lei interpretativa aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado.

Segundo o mesmo Professor (in ob. e loc. cit.) são dois os requisitos necessários para que se esteja perante uma lei interpretativa: a) que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; b) que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.

Ora, a Lei nº 12/2008, de 26.2. 2008, nomeadamente com a nova redacção dada ao art. 10º nº 1 da Lei nº 23/96, veio solucionar vasta controvérsia interpretativa, no tocante, quer á natureza da prescrição (extintiva) quer quanto ao início da contagem do prazo da prescrição (da prestação do serviço) e sua interrupção (a factura não interrompe o prazo) tendo o legislador optado por uma das teses que, no âmbito da antiga redacção, já era sustentada.

Por conseguinte, neste segmento, a Lei nº 12/2008, deve ser havida como lei interpretativa, integrando-se na lei interpretada, o que quer dizer que retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada.

Mas já não o é quanto à aplicação do prazo de prescrição previsto na Lei 23/96 às comunicações electrónicas. E é disso que essencialmente curamos.

Nunca houve dúvidas sobre a (in)aplicabilidade da Lei 23/96 aos serviços de comunicações electrónicas até à publicação da Lei 12/2008 (a questão debatida na jurisprudência cingia-se ao serviço telefone fixo versus serviço telefónico móvel).

Ora, se dúvidas nunca surgiram, nunca a citada lei teria natureza interpretativa no sentido propugnado.

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Em face do exposto, decidimos as questões acima propostas, do seguinte modo:

Só com a recente alteração da Lei n.º 23/96 (operada pela Lei n.º 12/2008) o serviço de comunicações electrónicas (comunicação de dados) integra a sua previsão.

Anteriormente a esta alteração e até 11.2.2004, aos serviços de comunicações electrónicas aplicava-se o disposto na Lei nº 91/97 de 01.08 e no Dec. Lei nº 381-A/97 de 30/12 e, a partir daquela data, o disposto na Lei 5/2004 de 10/02.

O citado Dec. Lei 381-A/97 previa, no art. 9º, nº4, que: “O direito a exigir o pagamento do preço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação”, e acrescentava no nº 5 que “Para efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura”.

A Lei 5/2004, que revogou o referido Dec. Lei, nada previu em matéria de prescrição, pelo que, aos serviços de comunicações electrónicas prestados a partir da sua entrada em vigor (11.2.2004) e até à recente alteração da Lei 23/96 (em vigor a partir de 26.5.2008), aplicam-se as disposições do Código Civil em matéria de prescrição (artº 310º al. g)).

O artº 3.º da Lei 12/2008 (que alterou a Lei 23/96, nela incluindo o serviço de comunicações electrónicas entre os serviços essenciais), quanto à sua aplicação no tempo estabelece: A presente lei aplica -se às relações que subsistam à data.

Assim, as alterações por si produzidas são aplicáveis às relações constituídas anteriormente mas que ainda perdurem. Contudo, o prazo de prescrição nela estabelecido e no que tange aos serviços de comunicações electrónicas, a que a causa de pedir se reporta, conta-se a partir da data em que entrou em vigor, nos termos do artº 297º do Código Civil e não retroactivamente.

Com efeito, se é certo que a Lei nº 12/2008, de 26.2.2008, nomeadamente com a nova redacção dada ao art. 10º nº 1 da Lei nº 23/96, veio solucionar vasta controvérsia interpretativa, na doutrina e na jurisprudência, no tocante à natureza da prescrição, ao início da contagem do prazo e sua não interrupção com a apresentação da factura e, por isso, nesta parte se poder considerar como Lei interpretativa, também é certo que nunca existiu controvérsia quanto à sua inaplicabilidade aos serviços de comunicações electrónicas, que eram regidos por outro diploma.

Consequentemente a Lei nº 12/2008 não pode ser havida como lei interpretativa, (integrando-se na lei interpretada – Lei 23/96) quanto à aplicação (retroactiva – no sentido de se considerar vigente desde 1996) do prazo de prescrição previsto na Lei 23/96 aos serviços de comunicações electrónicas. O que não impede, nos termos do artº 297º do Código Civil, que o novo prazo de prescrição, porque mais curto, se aplique também aos serviços prestados anteriormente (prazos em curso), mas contando-se apenas a partir da sua entrada em vigor (26.5.2008).

Por tudo o que se expôs, apesar de entendermos que o prazo de prescrição previsto na Lei 23/96, com a redacção introduzida pela Lei 12/2008, também se aplica aos serviços prestados em data anterior a 26 de Maio de 2008 (para os quais vigorava o prazo geral de prescrição de cinco anos), no que respeita à questão dos autos (serviços de comunicações electrónicas), a referida Lei 12/2008 não assume a natureza de Lei interpretativa e, por isso, contando-se o prazo mais curto, por ela estabelecido, apenas a partir da sua entrada em vigor, o direito da Autora receber o preço pelos serviços prestados após 11.2.2004, não se mostra prescrito.

IV. DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou verificada a prescrição, relativamente aos serviços prestados entre 11 de Fevereiro de 2004 e Outubro de 2007, mantendo-se a mesma na parte referente aos serviços prestados entre Maio de 2003 e 10 de Fevereiro de 2004, devendo os autos prosseguir, com a elaboração da matéria assente e base instrutória, para julgamento, também na parte referente aos serviços prestados entre Fevereiro de 2004 e Outubro de 2007.

As custas deste recurso são encargo da recorrente e da recorrida, na proporção do respectivo decaimento.

                        Guimarães, 15 de Dezembro de 2009