Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1764/12.4TBVCT.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: COMUNICAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
BANCO DE PORTUGAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Na comunicação que as entidades financeiras efetuem ao Banco de Portugal sobre situações debitórias, impõe-se o uso de diligência e cuidado.
Não agindo desse modo, incorrem em responsabilidade civil perante o lesado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 1764/12.4TBVCT.G1

I – M… instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário contra “F… – Instituição Financeira de Crédito, SA” pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de €6.000,00 por danos morais, acrescida de juros à taxa legal e até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto, e em síntese, que o Réu procedeu indevidamente a participação do A. à “Credi Informações”, na sequência do que os dados relativos a si ficaram a constar de uma lista ou ficheiro automatizado como titular / incumpridor de dívida vencida, facto que não correspondia à verdade e que o Réu teve e tinha condições de saber. Em consequência de tal conduta, o A. sofreu danos não patrimoniais, designadamente os decorrentes de ter visto negado o acesso ao crédito, para cuja compensação peticionou a referida quantia.
Contestou o Réu alegando em síntese que actuou de acordo com a lei, de forma legitimada, e na prossecução e defesa dos seus direitos, impugnando que tenha causado prejuízos ao A.

Os autos prosseguiram e foi proferida sentença na qual se decidiu:
Pelo exposto, o Tribunal decide julgar procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decide condenar o R. a pagar ao A. a quantia de €6.000,00 (seis mil euros), a título de compensação por danos não patrimoniais, contados desde hoje até integral e efectivo pagamento.

Inconformado o réu interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida, ao não atender a que A) A R. atuou no estrito cumprimento das normas impostas pelo Banco de Portugal;
B) O A. não tendo rendimentos, como confessadamente alega, não teria, ou muito dificilmente conseguiria o acesso ao crédito e, em consequência,
C) Ao condenar a R. a pagar ao A. a quantia de €6.000,00 (seis mil euros), violou, os Princípios da equidade e da justiça material, acessoriamente, entre outros, violou ainda os artigos 615º, 616º n.º 2 al) a) e b) e 607º nº 5, todos do novo Código de Processo Civil.
Termos em que e nos demais de direito que V. Ex.cias doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que:
A) Reconheça que a comunicação do incumprimento feito pela R. ao Banco de Portugal foi legítima e decorrente de normas que lhe são imperativas.
B) A conduta da A. não constituiu causa direta e necessária dos prejuízos morais invocados pelo A. e consequentemente absolver a R. do pedido.
C) Caso V.as Ex.cias assim o não entendam, deve o montante indemnizatório ser reduzido e determinado de acordo com as especificidades do caso concreto obedecendo aos princípios da equidade e da justiça material.

O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 684º e 685-A Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1. O A. adquiriu a J… , proprietário do stand de automóveis “(…) - Comércio de Automóveis”, sito na freguesia de Amorim do concelho de Póvoa de Varzim, em 17 de Julho de 2006, o veículo automóvel de marca SEAT e matrícula 68-06-EI, usado, contra a entrega do seu automóvel de marca FIAT de matrícula 03-38-EE, avaliado em € 1.500,00, e, para pagamento de parte do preço acordado, €3.500,00, subscreveu uma proposta de crédito.
2. Em 31.07.2006, com pouco mais de meio milhar de quilómetros percorridos, a referida viatura automóvel avariou tendo sido entregue ao vendedor para reparação e, como o vendedor não assumisse a obrigação de o reparar, e como ainda decorria o prazo de garantia, o A. por carta dirigida ao vendedor em 11.08.2006 rescindiu o contrato de compra e venda do 68-06-EI.
3. Nessa mesma data, em 11/8/2006, o A. endereçou à Ré, carta registada com o seguinte teor: “Pela presente se junta cópia da resolução do contrato, com o Sr. J…, em virtude de não cumprimento do mesmo se solicita o cancelamento do contrato de mútuo nº190482 desse organismo.”
4. Por sentença de 03.12.2010 proferida pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial no processo que sob o nº.1327/07.6TBPVZ ali correu termos, intentado pelo vendedor, foi confirmada a validade da resolução do contrato de compra e venda que serve de substrato ao contrato de financiamento aqui em causa - cfr. Doc. nº. 1 junto com a p.i., tendo sido proferida decisão nos termos da qual consta “Concluímos, pois, que foi legítima a opção do réu pela resolução do negócio, nos termos do art. 4º, nº1 do DL 67/03.”, pelo que foi julgada a acção improcedente e absolvido o réu (ora A.) do pedido.
5. O A. não procedeu ao pagamento de qualquer prestação referente ao crédito contraído junto da Ré para pagamento de parte do preço da aquisição do veículo 68-06-EI.
6. O A. recebeu carta datada de 16 de Dezembro de 2006, da CREDINFORMAÇÕES, junta como Docº. nº. 2 com a p.i. - informando: “de que os dados relativos a V.Exª. que constam no ficheiro automatizado do Serviço de Informação de Crédito de CREDINFORMAÇÕES, passaram a referir a sua dívida vencida no dia 12/12/2006, junto da entidade F… ”.
7. Com a proposta de crédito que deu origem ao contrato de mútuo nº. 190482, o A. subscreveu em branco uma livrança, como garantia do pontual cumprimento do acordado, sendo que a Ré, em data posterior ao recebimento da carta registada que o A. lhe endereçou em 11.08.2006, referida em 1.3. supra, dando-lhe conhecimento de haver resolvido o contrato de compra e venda por incumprimento por parte do vendedor, preencheu a mencionada livrança em 22.04.2008 e promoveu a execução da mesma, tendo o processo executivo corrido seus termos no 2º. Juízo Cível deste Tribunal Judicial sob o número 3699/08.6TBVCT.
8. Execução a que o A. deduziu a competente Oposição, peticionando a procedência da oposição e a extinção da execução.
9. O referido processo prosseguiu com recurso até ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que, por douto Acórdão de 2012.03.08, proferiu a seguinte decisão final: “Em face do exposto, acordam os Juízes da 1ª. Secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e declarando-se a extinção a execução.”, cfr. Docº. nº 3 junto com a p.i..
10. Com a participação feita pela Ré F… à “CREDI INFORMAÇÕES”, de que o A. era titular de dívida vencida, os dados a si relativos passaram a constar do ficheiro automatizado do Serviço de Informação de Crédito da Credinformações.
11. Da mesma maneira o seu nome passou a fazer parte da Lista de Utilizadores de Risco do Banco de Portugal, e só em 17 de Abril de 2012, o gabinete de advogados mandatários da Ré F… informaram “que irá ser solicitada a eliminação do registo com o seu nome constante do Banco de Portugal”.
12. O A., desde finais de 2006 está impossibilitado de recorrer ao crédito junto de qualquer instituição bancária, pois estas consultando a Credinformações ou o Banco de Portugal constatam logo que o seu nome consta da “lista negra”.
13. Em Abril do corrente ano de 2012, o nome do A. ainda constava do registo do Banco de Portugal, razão pela qual o acesso ao crédito lhe estava vedado, pese embora o facto de, por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2012.03.08, ter sido declarada extinta a execução.
14. Tal facto causou transtornos, incómodos, aborrecimentos e desgosto ao A., por se ter visto impedido de obter qualquer crédito bancário.
15. A simples aquisição de um computador, com recurso ao crédito, estava-lhe vedada.
16. Logo em finais de 2006, depois de gorada a possibilidade de adquirir o SEAT 68-06-EI, quando pretendeu adquirir outra viatura automóvel, dirigiu-se ao Stand A… em Mazarefes, Viana do Castelo, tendo sido informado da impossibilidade de o fazer visto não poder aceder a crédito bancário.
17. Acresce ainda que, sendo seu avô proprietário de um restaurante, “Restaurante Cook”, na freguesia de Deocriste, Viana do Castelo, que tem vindo a ser dado à exploração, quando, neste período, terminou o contrato
de exploração em vigor, que não foi renovado, o A., jovem que pretendia encaminhar a vida profissionalmente, tentou que fosse celebrado consigo o contrato de exploração daquele estabelecimento.
18. Acontece que, para o efeito, o A. necessitava de dinheiro vivo para proceder a algumas reparações que o estabelecimento necessitava e para o indispensável fundo de maneio.
19. Sondadas várias entidades bancárias, tal não foi possível em virtude de o seu nome constar da lista negra do Banco de Portugal.
20. Facto este que deixou o A. profundamente desgostoso por ver gorada a possibilidade de início de uma carreira profissional.
21. Após a recepção da carta da Credinformações dando conta que do ficheiro automatizado do Serviço de Informações de Crédito passou a constar a sua dívida à F…, a aqui Ré, o A. saldou a conta que possuía na Agência da C.G.D. em Viana do Castelo, para evitar que fossem debitadas as prestações do contrato que fora resolvido.
22. O A. sofreu incómodos e transtornos por não poder possuir conta bancária devidamente aprovisionada e ver-se permanentemente obrigado a utilizar dinheiro em todas as suas compras.
23. A tudo isto acresce o facto de se ter constado publicamente junto de pessoas que conheciam o A. que este se encontrava na lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal.
24. Originando que as pessoas emitissem sobre o A. as mais variadas opiniões depreciativas, o que muito o amargurou.
25. A Ré, procurou junto do denominado Ponto de Venda, no caso, J…, apurar da legitimidade da resolução levada a cabo pelo Réu.
26. Tendo, aos serviços da Ré, sido garantido pelos responsáveis daquele Ponto de Venda, não assistir razão ao aqui Autor.
27. Tanto era essa a convicção daqueles que J… intentou contra o aqui Autor a ação referida supra em 1.4..
28. A qual só em Dezembro de 2010 ficou decidida.
29. Em Dezembro de 2008, a Ré, tendo por base o reiterado incumprimento contratual do Autor e as informações colhidas junto do referido J… intentou a competente ação executiva, uma vez que havia ficado desapossada do montante mutuado ao aqui Autor.
30. Montante que permitiu ao Autor adquirir a J… a viatura objeto do contrato de mútuo.
31. À execução referida supra em 1.7., a qual correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, sob o nº 3699/08.6TBVCT, foi deduzida oposição.
32. Oposição que, em primeira instância foi julgada improcedente.
33. Tal decisão foi posteriormente revogada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, através do Acórdão datado de 8 de Março de 2012, que extinguiu a execução interposta pela aqui Ré.
34. Nos termos do referido Acórdão:
“A resolução do contrato de compra e venda de um veículo automóvel, com base em cumprimento defeituoso por parte do vendedor, repercute-se no contrato de financiamento celebrado para a aquisição daquele bem …”

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O recorrente alega que actuou no estrito cumprimento das normas impostas pelo Banco de Portugal e que, portanto, não deve ser condenado a indemnizar o recorrido.
Conforme resulta da matéria de facto provada existiram dois processos, um dos quais interposto pelo vendedor contra o recorrido em que este foi absolvido. Neste processo foi decidido que foi legítimo por parte do recorrido a resolução do contrato de compra e venda do veículo, negócio este que esteve na base do contrato de financiamento pelo recorrente.
Também foi instaurada uma execução pelo recorrente contra o recorrido, tendo como título uma livrança subscrita pelo mesmo no âmbito do referido contrato de financiamento.
Essa execução foi declarada extinta conforme consta da matéria de facto provada.
Assim, não se colocava a questão, nem existia incumprimento por parte do recorrido.
O recorrente foi informado em 11/8/06 que o recorrido tinha resolvido o contrato com o vendedor.
Depois, o recorrente em 22/4/08 preencheu a livrança e instaurou execução contra o recorrido, que foi posteriormente, julgada extinta.
O recorrente efectuou a comunicação ao Banco de Portugal de que o recorrido era titular de dívida vencida, passando o mesmo a ser incluído da lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal.
Concluímos deste modo, que foi prematuramente enviada tal informação, até porque a livrança só foi preenchida em 22/4/08, quando o recorrido já em 2006, tinha enviado uma carta a dar-lhe conta da resolução do contrato.
A comunicação foi indevidamente efectuada, porque na altura, ainda não estava definida a situação, nem se poderia dizer que o recorrido estava em incumprimento e, por isso, não colhe a argumentação do recorrente de que actuou no estrito cumprimento das normas do Banco de Portugal.
O recorrente não actuou com a devida diligência e cautela que lhe é imposta, tendo em consideração as consequências que advêm para o recorrido da existência da comunicação, consequências essas que são gravosas.
Deste modo, tal como se decidiu na sentença recorrida verificam-se no caso os pressupostos referidos no artigo 483º do Código Civil pelo que, o recorrente deve indemnizar o recorrido.
Invoca o recorrente a nulidade da sentença invocando a violação dos artigos 615º, 616º, alíneas a) e b) e 607º do novo Código de Processo Civil.
Ora, a sentença está devidamente fundamentada de facto e de direito, não existe qualquer contradição entre os factos e a decisão, nem existe qualquer documento nos autos que imponha decisão diversa.
Assim, e como se decidiu no Ac. do STJ de 19/5/11 (disponível em www. dgsi.pt), citado na sentença recorrida, o facto de os bancos serem obrigados a remeter mensalmente e por via informática ao Banco de Portugal todos os créditos e a respectiva situação devidamente codificada não irresponsabiliza aqueles pelas comunicações efectuadas.
Também tendo em conta a matéria de facto provada, entendemos como adequada e equitativa a quantia arbitrada em sede de indemnização.

Em síntese: na comunicação que as entidades bancárias têm de efectuar ao Banco de Portugal sobre todos os créditos, impõe-se que aquelas usem de diligência e cuidado, e não o fazendo incorrem em responsabilidade civil.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 23 de Janeiro de 2014
Conceição Bucho
Antero Veiga
Luísa Duarte