Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1135/11.0GBGMR.G1
Relator: PAULO FERNANDES SILVA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
EXAME SANGUÍNEO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Em caso de acidente de trânsito, o legislador impõe que seja fiscalizada a presença de álcool nos respetivos intervenientes, devendo tal efetuar-se através de exame de pesquisa de álcool no ar expirado e, caso este não seja possível, através de pesquisa de álcool no sangue ou, na impossibilidade deste, mediante exame médico.
II – Esta ordem de precedência impõe-se por estarem em causa uma invasão da integridade física do arguido e uma limitação do seu direito à não autoincriminação.
II – Tendo sido efetuado exame de sangue, deverá o tribunal averiguar, sob pena ocorrer o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410 nº 2 al. a) do CPP), se tal método foi utilizado por impossibilidade de realização de exame de pesquisa no ar expirado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: ---
I.
RELATÓRIO. ---
Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães, por sentença de 11.07.2013, depositada no mesmo dia, decidiu, além do mais, ---
«Condenar o arguido José C..., pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 292.º, 1, 69.º, n.º 1, al. a), 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
«Condenar o arguido (…) nos termos do art.º 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses» Cf. volume I, fls. 207 a 215. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Inconformado com tal sentença, o Arguido veio dela interpor recurso para este Tribunal em 19.09.2013, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) ---
«A. O tribunal ao analisar os documentos constantes dos autos e ao apreciar o depoimento da testemunha apenas teve em conta o resultado do exame de recolha de sangue efectuado ao arguido.
B. Não teve em conta as circunstâncias em que o exame foi realizado ao arguido, designadamente, no que concerne à impossibilidade de ao mesmo ser feito o exame de ar expirado e, ainda, se ao arguido foi ou não dado a conhecer o fim a que tal exame se destinava e que poderia recusar-se a realizar tal exame.
C. O depoimento da testemunha João M... depoimento, prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 17 de Junho de 2013, registado, conforme acta de audiência de julgamento, em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal em arquivo próprio da Secção de Processos, gravado em E:\20130606111930 381931 64451.html, Sistema Áudio, com início às 10:15:46 e fim às 10:27:31 - resultando do mesmo, em síntese, a matéria transcrita em sede de alegações, para as quais se remete, não suficiente para que o tribunal possa dar como provada a matéria constante do ponto 1 dos factos provados.
D. Pois, ao contrário do que consta da motivação da douta sentença, o exame de colheita de sangue que foi feito ao arguido, não foi realizado em conformidade com o Código da Estrada e por isso não é válido.
E. Quer da análise do auto de notícia, de fls. 3, quer do depoimento da testemunha João M..., que no essencial confirma o teor do auto de notícia, verifica-se que não resulta provada a factualidade de que o arguido conduzia com uma taxa de álcool de 1.58 g/l.
E. A determinação da taxa de alcoolemia de que o arguido era portador foi obtida mediante exame ao sangue.
G. A determinação da taxa de alcoolemia no caso de acidentes de viação, como é o caso dos autos, terá de ser feita segundo o que estipula o Código da Estrada.
H. Nos termos do artigo 156º, n.° 2 do Código da Estrada, em caso de acidente de viação a pesquisa deve fazer-se, em primeiro lugar, mediante exame de pesquisa de álcool no ar expirado e só no caso de tal não ser possível é que se deverá proceder à colheita de sangue.
I. No caso dos autos o tribunal "a quo" não questionou a razão pela qual foi feito o exame de recolha de sangue, uma vez que tal factualidade não consta dos factos dados como provados ou não provados, o que, em última análise redundaria numa insuficiência para a decisão da matéria de facto.
J. Contudo, resultando da fundamentação da matéria de facto que a testemunha, agente da G.N.R. confirmou o conteúdo do auto de notícia, necessário se torna apurar em que circunstâncias foi realizado o exame de colheita de sangue.
K. Quer do auto de notícia quer do depoimento da testemunha não resulta qualquer prova no sentido de que o arguido se encontrava impossibilitado de realizar qualquer outro teste de despistagem, que não o de recolha de sangue.
L. Do depoimento da testemunha é possível concluir, com toda a certeza, que o estado de saúde do arguido não era impeditivo da realização do exame através de ar expirado.
M. Pois, se arguido realizou o teste qualitativo, não se vislumbra de que forma o estado de saúde do arguido não lhe permitia efectuar o exame por ar expirado, do teste quantitativo.
N. O simples facto de o arguido estar no hospital não era motivo para que ao arguido não fosse feito o exame de ar expirado.
O. Assim da prova produzida em sede de audiência de julgamento seria possível dar como provado, apesar de não constar da acusação deduzida pelo Ministério Público a seguinte factualidade:
"O estado de saúde do Arguido permitia a realização do teste de alcoolemia, teste quantitativo, o que não foi feito"
P. Por outro lado, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento devia o tribunal na secção dos factos não provados incluir a matéria erradamente dada como provada, nos pontos 1 a 3
Q. Pelo que, atenta a prova produzida e a factualidade supra descrita, a determinação da taxa de álcool efectuada ao arguido através do exame de sangue, foi realizada fora do circunstancialismo previsto no artigo 156º, n.° 2 do Código da Estrada e por isso o resultado de tal exame ilegalmente realizado não pode ser valorado.
R. Em consequência da ilegalidade da realização do exame de sangue, não se pode afirmar que "No dia 17 de Agosto de 2011, pelas 01,30, na Rua M..., nesta comarca, o arguido conduzia o motociclo de matrícula 03-1-1F-25, com uma taxa de álcool no sangue de 1,58 g/l".
S. Assim como não se pode dar como provada toda a demais factualidade constante dos pontos 2 e 3 dos factos provados.
T. O tribunal "a quo" ao ter dado como provada a matéria de facto constante dos pontos n.° 1, 2 e 3, dos factos provados, errou na apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento conjugada com o auto de notícia de fls. 3.
U. Por outro lado, o exame de colheita de sangue realizado ao arguido contende com direitos fundamentais - liberdade de movimentos, integridade física e moral, identidade pessoal e reserva da intimidade da vida privada - tutelados pelos artigos 27.º, 25.º e 26.º da CRP e pelos artigos 158.º, 143.º e 192.º e 193.º do Código Penal.
V. Pois, a lei coloca na disponibilidade dos examinandos a submissão ou não ao aludido exame, devendo os mesmos serem devidamente esclarecidos da possibilidade de não se sujeitarem ao exame e das suas consequências.
W. Como a prova de que o arguido conduzia com uma taxa de álcool de 1,58 g/l, assentou, também, no relatório pericial de fls. 5, necessário seria que aí constasse a autorização do arguido para sua realização (que não autorizou), a menção de lhe ter sido explicado o fim da recolha ou do seu direito de recusar a realização de tal exame, o que não ocorreu.
X. A recolha de sangue ao arguido, sem que este tenha dado o seu consentimento, constitui violação da sua integridade física, pelo que é nula nos termos do artigo 32.°, n.° 8 da Constituição da República Portuguesa e artigo 126º, n° 1 do Código de Processo Penal.
Y. A recolha de sangue ao arguido, para efeito de valoração do seu resultado em processo criminal contra ele instaurado, sem que lhe seja explicada a faculdade de recusa, ainda que sujeita a sancionamento como crime de desobediência nos termos do artigo 152°, n° 3 do Código da Estrada é nula por violar os direitos de defesa do arguido, conforme o previsto no artigo 32.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa;
Z. As normas dos artigos 152.º, n.° 2, 153.º, n.° 8 e 156.º, n.° 2 do Código da Estrada, interpretadas no sentido de permitir a colheita de sangue para determinação da taxa de álcool sem possibilitar ao condutor a sua recusa esclarecida está ferida de inconstitucionalidade.
AA. Pelo que, a recolha de sangue ao arguido, recorrente, que possibilitou a determinação da taxa de álcool de que era portador, constitui meio de prova nulo que não pode produzir qualquer efeito, o que determina que se considere, também por esta razão, como não provado que o arguido conduzia com a taxa de álcool no sangue que consta dos factos provados da sentença recorrida.
BB. Face ao exposto, o tribunal ao decidir como decidiu violou as normas constantes dos artigos 152.º, n.° 2, 153.º, n.° 8 e 156.º, n.° 2 do Código da Estrada, artigos 27.º, 25.º e 26.º da CRP e pelos artigos 158.º, 143.º e 192.º e 193.º do Código Penal, 32.°, n.ºs 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa e 126°, n° 1 do Código de Processo Penal.
Sem prescindir
CC. Atendendo à culpa do agente, às exigências de prevenção, ao grau de ilicitude, à prevenção especial de socialização e às condições económicas, entendemos que o tribunal a quo não valorou devidamente os critérios estabelecidos nos artigos 71.º, 40.º e 41.º do Código Penal, pois não fixou a pena de multa e a pena acessória de inibição de conduzir, de forma adequada e ajustada às circunstâncias previstas nestes preceitos legais
DD. Assim, atentas as condições económicas do arguido, a pena de multa sempre teria de ser fixada no máximo em 50 dias.
EE. E, atenta a necessidade do arguido em utilizar a carta de condução a pena acessória deveria ser fixada no mínimo legal.
FF. Pelo que, a douta sentença do tribunal a quo deve ser revogada, fixando-se ao arguido a pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros.
GG. Deve, também, a douta sentença do tribunal a quo ser revogada, fixando-se ao arguido a pena acessória de três meses de inibição de conduzir.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência deve a douta sentença do tribunal a quo ser revogada, com a consequente absolvição do recorrente.
Pelo que V. Ex. revogando a decisão recorrida, nesta parte, farão inteira Justiça» Cf. volume I, fls. 220 a 273. ---. ---
Notificado do referido recurso, o Ministério Público respondeu ao mesmo, tendo concluído pela respectiva improcedência Cf. volume I, fls. 277 a 290. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público foi de parecer que deve ser negado provimento ao recurso Cf. volume II, fls. 298. ---. ---
Notificado daquele parecer, o Arguido nada disse. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é a tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre no presente acórdão apreciar e decidir: ---
· Da insuficiência para a decisão da matéria de facto; ---
· Dos alegados vícios do exame de sangue realizado ao Recorrente; ---
· Da justeza das penas aplicadas. ---
III.
DA DECISÃO RECORRIDA – FACTOS E SUA MOTIVAÇÃO. ---
A decisão recorrida configura a factualidade provada e não provada, assim como a respectiva motivação da seguinte forma: (transcrição) ---
«II – Fundamentação de facto.
1. Factos provados
Com relevo para a decisão da causa, provou-se a seguinte matéria de facto:
1) No dia 7 de Agosto de 2011, pelas 01h30, na Rua M..., nesta comarca, o arguido conduzia o motociclo de matrícula 03-...-35, com uma taxa de álcool no sangue de 1,58 g/l, conforme se apurou através da realização de exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo sido interveniente em acidente de viação.
2) O arguido agiu bem sabendo que devido à quantidade de bebidas alcoólicas que tinha voluntariamente consumido antes de iniciar a condução do veículo, apresentava uma taxa de álcool no sangue que o impedia, nos termos da lei, de conduzir qualquer veículo.
3) O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
4) O arguido não tem antecedentes criminais.
5) O arguido tem como habilitações literárias o 9.° ano de escolaridade; é empregado fabril, auferindo o salário mensal de € 500,00; é solteiro; vive com os pais, a quem entrega a quantia mensal de € 250,00 para ajuda das despesas familiares.
2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.
3. Motivação da decisão de facto
Tendo-se o arguido remetido ao silêncio sobre os factos, a coberto do direito que lhe assistia (cfr. art.° 61.°, n.° 1, al. d), do Código de Processo Penal), à formação da convicção do tribunal foi fundamental o teor do 5 e 6 a 7, em conjugação com o depoimento da testemunha João M..., agente da G.N.R. que no exercício das suas funções se deslocou ao local do acidente e depois ao hospital para efectuar o teste de alcoolemia ao arguido/condutor do motociclo 03-...-35 interveniente no acidente, o qual depôs por forma a confirmar o expediente que lavrou (o auto de notícia de fls. 3 e a participação do acidente de fls. 6 a 7), sendo válido e eficaz o exame de pesquisa de álcool no sangue realizado, a que se reporta o relatório pericial de fls. 5, porque em conformidade com o Código da Estrada, nada existindo nos autos capaz de indiciar que o mesmo tenha sido efectuado contra a vontade livre e esclarecida do arguido.
Ao apuramento do passado criminal do arguido foi essencial o teor do seu certificado de registo criminal de fls. 174.
Por último, as condições sociais e pessoais do arguido e a sua situação económica foram apuradas a partir das suas próprias declarações» Cf. volume I, fls. 207 a 209. ---. ---
IV.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. ---
O Arguido invoca o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, referindo, em suma, que nela não está minimamente fundamentada a necessidade da realização do exame de sangue que motivou a condenação do Arguido. ---
Vejamos. ---
Segundo o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». ---
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão. ---
«É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada», sendo indispensável para se verificar tal vício que «a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão». ---
«A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida» Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2000, páginas 339 e 340. ---
No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respectivos acórdãos de 07.04.2010, Processo n.º 83/03.1TALLE.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, e 14.07.2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos/secção criminal. ---. ---
Por outro lado, nos termos do artigo 156.º, n.ºs 1 a 3, do Código da Estrada, em caso de «acidente de trânsito», «os condutores e os peões» que neles intervenham «devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado», devendo efectuar «o exame de pesquisa de álcool no sangue» quando tal não for possível e, «se este não puder ser feito, deve proceder-se a exame médico». ---
Ou seja, em caso de acidente de trânsito, o legislador impõe que seja fiscalizada a presença de álcool nos respectivos intervenientes, devendo tal efectuar-se através de exame de pesquisa de álcool no ar expirado e, caso este não seja possível, através de pesquisa de álcool no sangue ou, na impossibilidade deste, mediante exame médico. ---
Em tal caso, a lei aponta, pois, um procedimento de fiscalização, o que bem se compreende atenta a situação: em causa pode estar a invasão da integridade física do condutor e/ou peão, assim como uma limitação do direito à não auto-incriminação, o que tudo exige uma ponderação de valores, cujo desequilíbrio é susceptível de exprimir um método proibido de prova e, pois, de invalidar em absoluto a prova produzida. ---
Dito de outro modo, a prova do estado de embriaguez está legalmente indicada: deve fazer-se necessária e subsidiariamente por exame de pesquisa de álcool no ar expirado, por pesquisa de álcool no sangue ou por exame médico. ---
«(…) Existindo todo um bloco normativo que de modo detalhado define e limita os modos processualmente idóneos à demonstração de um dos elementos do tipo objectivo do crime, excluindo quaisquer outros, a conclusão inequívoca que daí tem de extrair-se é a de» que estamos aqui perante «um autêntico domínio de prova vinculada. Nem a confissão do arguido, nem evidentemente a prova testemunhal e nem sequer eventuais meios técnicos de que por sua conta o arguido ou outrem se tivesse socorrido, podem suprir a falta daqueles meios de prova e infirmar o seu resultado» Pedro Soares Albergaria e Pedro Mendes Lima, Sub Judice, n.º 17, Janeiro/Março de 2000, página 60. --. ---
«Estamos no domínio da legalidade da prova e a falta de cumprimento dos trâmites legais não é susceptível de sanação, o que significa que a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade» Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.10.2010, Processo n.º 178/09.8GCAGD.C1, in www.dgsi.pt/jtrc. ---. ---
Ora, in casu a legalidade da prova não se encontra devidamente provada. ---
Da decisão recorrida decorre tão-só que o Arguido «foi interveniente em acidente de viação» e que foi efectuado ao Arguido «um exame de pesquisa de álcool no sangue». ---
Não resulta, contudo, qualquer facto que permita concluir se tal exame de sangue ocorreu «por não ter sido possível a realização» de «exame de pesquisa de álcool no ar expirado». ---
O apuramento daquele matéria constitui elemento pertinente à validação do exame de sangue realizado, na medida em que apenas a impossibilidade de realização de exame de pesquisa de álcool no ar expirado torna válido e, por isso, eficaz, o respectivo exame de sangue, determinando a condenação do Arguido. ---
É certo que do Auto de Notícia de fls. 3 e 3 verso (40 e 40 verso) dos autos consta que «foi efectuada a recolha de sangue» ao Arguido porque o mesmo «estava a receber tratamento hospitalar e não podia se deslocar ao Posto da GNR de Guimarães». ---
Tal não consta, contudo, da acusação, nem da decisão recorrida, e deve ser objecto do devido contraditório, afigurando-se ainda necessário saber, nomeadamente, porque é que não foi possível efectuar no próprio hospital a pesquisa quantitativa de álcool no ar expirado, matéria factual que excede o âmbito de competência deste Tribunal da Relação, justificando o reenvio parcial do presente processo ao Tribunal recorrido No mesmo sentido, em situações similares, vejam-se o acórdão desta Relação de 04.11.2013, Processo n.º 549/12.2GBVLN.G1, subscrito pelos aqui também subscritores, in www.dgsi.pt/jtrg, assim como os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15.06.2011, Processo n.º 122/10.0GBBAO.P1, e do Tribunal da Relação de Évora de 20.12.2012, Processo n.º 45/09.5GECUB.E2, ambos in www.dgsi.pt/jtrp e www.dgsi.pt/jtre, respectivamente ---. ---
O apuramento daquela matéria factual e subsequente aditamento da decisão de facto em conformidade constitui uma alteração não substancial dos factos da acusação uma vez que o referido aditamento nem representa a «imputação ao arguido de um crime diverso», nem implica uma «agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis» Nos termos do artigo 1.º, alínea f), do Código de Processo Penal, “considera-se «alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. ---. ---
Nestes termos, uma vez que o Tribunal recorrido não apurou se o exame de sangue foi efectuado por impossibilidade de realização de exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado ou muito embora a possibilidade de tal exame, e tal revela-se determinante para o desfecho dos autos, cumpre entender haver insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, devendo, por isso, ser anulada a decisão recorrida e os autos reenviados à 1.ª instância para nova decisão, antecedida de novo julgamento tão só para apurar em concreto se existiu ou não na situação vertente a apontada possibilidade, conforme disposto no artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal Dispõe-se aí que «o tribunal de recurso determina o reenvio do processo» quando «existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º». ---. ---
O novo julgamento dever ser realizado pelo Tribunal que se mostrar competente nos termos do artigo 426.º-A do Código de Processo Penal Segundo o qual «1 - Quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efectuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida». ---, com suprimento do vício apontado e prolação da respectiva decisão de direito em ordem ao desfecho do caso. ---
Em função do reenvio parcial, todas as demais questões colocadas pelo Recorrente ficam prejudicadas. ---
V.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, anula-se a decisão recorrida e determina-se o reenvio do processo para nova decisão, antecedida de novo julgamento, a efectuar pelo Tribunal competente nos termos do artigo 426.º-A do Código de Processo Penal, tão-só para apurar concretamente se o exame de sangue foi efectuado por impossibilidade de realização de exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado ou muito embora a possibilidade de tal exame, proferindo-se subsequentemente a respectiva decisão de direito em ordem ao desfecho do caso. ---
Sem tributação. ---
Notifique. ---
Guimarães, 17 de Dezembro de 2013