Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
853/13.2TBGMR.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: DEFICIÊNCIA DE GRAVAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO
NULIDADE DE SENTENÇA
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
AGRAVAMENTO DO DANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A nulidade processual de falta ou deficiência de gravação dos depoimentos deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento da disponibilização da gravação, sob pena de sanação da mesma.
II- A nulidade da sentença por falta de fundamentos de facto e de direito pressupõe uma ausência total de fundamentação.
III- A privação de uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente rodoviário, constitui, só por si, um dano indemnizável.
IV- É ao autor da lesão e não ao lesado quem compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, pelo que as eventuais implicações danosas acrescidas decorrentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente: - AA (Réu);
Recorrido: - BB (Autor);

*****
Pedido:
Condenação do réu a pagar ao autor a quantia de € 7.326,66, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

Causa de pedir:
Alegou ter ocorrido uma colisão entre um veículo automóvel da sua propriedade, conduzido pela sua filha, e um veículo de tracção animal, pertencente ao réu e conduzido por este. Tal acidente foi culposamente causado pelo réu e provocou os danos cujo ressarcimento reclama.

O réu contestou, negando a versão dos factos relatada e atribuindo a responsabilidade pelo acidente ao condutor do veículo motorizado.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu condenar o réu a pagar ao autor a quantia de € 5.976,66 (cinco mil novecentos e setenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, contados desde 13-03-2013 e até efectivo e integral pagamento;

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o réu de cujas alegações se extraem, em súmula, as seguintes conclusões:
1ª- Como agora (2014/10/10), ao proceder-se à audição do mesmo se constatou - pelo menos no suporte digital que ao subscritor destas alegações foi pela secretaria fornecido – os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento pelas três testemunhas arroladas pelo apelante, designadamente as testemunhas Carlos …, Domingos … e Carlos Francisco … não se encontram gravados;
2ª- Mesmo que assim não se entenda, o que se não concede e por mera hipótese se acautela, existem diversas gravações, nomeadamente com as referências 20140424100912_378503_64447,20140424101556_378503_64447, 140424101611_37 8503_64447,20140424102024_378503_64447, 0140424102042_378503_64447,201404 24102318_378503_64447,20140424102405_378503_64447,e20140424102426_378503_64447, que se encontram, total ou parcialmente, inaudíveis, sendo totalmente impossível ao apelante conhecer do respetivo teor;
3ª- Caso as mesmas possam eventualmente corresponder aos depoimentos das supras identificadas testemunhas, o que se não concede, os mesmos encontram-se deficientemente gravadas;
4ª- Com efeito, determina o Nº 1 do artº 150º do CPC, na redação que lhe foi dada pelo Lei nº 41/2013, de 26/06, que a audiência final é sempre gravada;
5ª- Ora, a falta e as deficiências de gravação supra alegadas, por consubstanciarem uma omissão de acto prescrito legalmente, representam uma nulidade das elencadas nos artigos 195º, nº 1, do supra aludido diploma legal e que, ora expressamente se invoca para todos os legais efeitos dela decorrentes;
6ª- Na verdade, a alegada falta e deficiência da gravação impede, quer a cabal impugnação da matéria de facto pelo apelante e suportada na gravação, quer, sobretudo, a reapreciação da mesma matéria por este Venerando Tribunal em sede recurso,
7ª- Daí que, nos termos e para os efeitos previstos, entre outros, nos artigos 195º e 197º, todos do CPC, verificada a arguida nulidade, devem ser declarados nulos os depoimentos das três testemunhas supra identificadas e, bem assim, nulos todos os termos posteriores do processo, designadamente a douta sentença a quo;
8ª- Devendo, por isso, ser ordenada a repetição do julgamento, ou – caso assim se não entenda - pelo menos, a repetição dos três referidos depoimentos;
9ª- Mais acresce que o Ex.mo Tribunal a quo não deu cabal cumprimento à obrigação legal de fundamentação, uma vez que não fez uma exposição completa dos motivos de facto e direito com que intenta fundamentar a decisão, com exame crítico de toda a prova produzida que serviu para formar a sua convicção;
10ª- Sendo que o Ex.mo Tribunal a quo se limitou a explanar e a apreciar a prova, documental e testemunhal, que serviu de apoio para considerar como provados os factos elencados na alínea A) Fundamentação de Facto do ponto III. FUNDAMENTAÇÃO, A) Fundamentação de facto e não se pronunciou ou apreciou a prova testemunhal produzida pelo apelante ou sequer indicou os motivos pelos quais a mesma foi desconsiderada;
11ª- Sendo que, ao não fundamentar devidamente a sua decisão, nem esclarecer o processo lógico mental de convicção que lhe permitiu afastar a prova testemunhal arrolada pelo apelante, a decisão aqui posta em crise não habilita ou possibilita ao tribunal superior - in casu este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães - e nem sequer o recorrente, fazer uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo que serviu de suporte à não consideração de parte da prova testemunhal produzida;
12ª- Mais acresce, ainda, que, na douta sentença prolatada nestes autos, no que concerne à indemnização da privação do uso de veículo, não densificou o critério da equidade utilizado, desconhecendo-se, por isso, qual foi raciocínio lógico que conduziu à determinação do supra aludido montante e, bem assim, os factores concretos que influenciaram na quantificação do dano;
13ª- Na douta sentença recorrida não se encontra sequer explanado um valor que se mostre adequado a indemnizar o apelado pela eventual paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias;
14ª- O apelante não consegue compreender quais os motivos que levaram à fixação da quantia global de € 3.150,00 e porque não foi outro o montante fixado:
15ª- Tudo o que, no nosso respeitoso entendimento, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do Nº 1 do artº 615º do CPC, determina a nulidade da douta sentença e que, também aqui, expressamente se invoca com todas as legais consequências dela decorrentes;
16ª- Das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, ou da falta delas, dos inúmeros documentos juntos e dos depoimentos testemunhais das partes, se todas correctamente apreciadas e à luz das boas regras de experiência e, bem assim, da correcta aplicação e interpretação da lei, nomeadamente, entre outras, as normas legais, deveriam ter levado o Ex.mo Tribunal a julgar, como não provados os factos vertidos nos pontos 1 a 12 dos Factos provados e a julgar como provados a matéria constantes das alíneas b) a g) dos Factos não provados e, em consequência e, ainda independentemente destes, à prolação de decisão oposta à proferida;
17ª- O Ex.mo Tribunal a quo, atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas Sara …, Neusa …, Hugo … e Carlos …, não podia ter considerado como provado que o apelante era condutor do veículo de tracção animal;
18ª- Salvo o devido respeito pelo douto entendimento, o depoimento da testemunha Sara Freitas devia ter sido desconsiderado pelo Ex.mo Tribunal recorrido, pois o mesmo foi notoriamente comprometido e interessado;
19ª- Sendo que em virtude da existência de diversas e patentes incongruências entre os depoimentos das testemunhas Sara …, Neusa … e Hugo …, também estes depoimentos deveriam ter sido desconsiderados;
20ª- O Tribunal a quo, injustificadamente, valorou contraditoriamente depoimentos de algumas das testemunhas, ou seja, apenas deles aproveitando o que, no seu mui douto entendimento - de que ora se discorda - servia para considerar como provados factos favoráveis ao apelado e por esta alegados, desvalorizando afirmações contraditórias de algumas testemunhas e ignorando factos importantes relatados por outras, incluindo das que a apelada arrolou;
21ª- Quanto à matéria de facto erroneamente julgada como não provada, por não se encontrar gravada a prova testemunhal produzida pelo apelante, nomeadamente através das testemunhas Domingos … e Carlos …, os quais, tendo percepção directa dos factos em apreço nos autos, permitiria ao Ex.mo Tribunal ad quem julgar como provados os factos elencados no ponto IV.2 supra e como provada a matéria de facto erradamente considerada pelo Tribunal da 1ª Instância como não provada;
22ª- Estando, por essa via, o apelante impedido, por um lado, de impugnar a factualidade constante das alíneas b) a g) dos factos não provados e, por outro, de dar pleno cumprimento ao disposto na al. b) do Nº 1 do artº 640º do CPC;
23ª- Sem prescindir, não resulta dos autos quem foi o agente (condutor do veículo) dos factos alegadamente ilícitos em apreço nos autos;
24ª- Sendo que, por isso e salvo o devido respeito, não se entende como se pode atribuir a culpa negligente ao apelante, ainda que a título de negligência, ou estabelecer um nexo de imputação entre o facto e o lesante;
25ª- No que diz respeito ao ressarcimento dos danos decorrentes da alegada privação do uso do veículo, o Ex.mo Tribunal a quo, lançado mão do disposto no artº 494º do Código Civil, entendeu fixar equitativamente uma indemnização que fixou no montante € 3.150,00;
26ª- Contudo, para além do mais, a douta sentença não explicou o raciocínio lógico que conduziu à determinação do montante global de € 3.150,00 e, contrariamente ao critério utilizado pela jurisprudência maioritária, nem sequer determinou um valor pecuniário por cada dia da alegada paralisação;
27ª- No nosso respeitoso entendimento, a prova produzida nos autos não é suficiente para sustentar a existência de um prejuízo decorrente da alegada paralisação do veículo RZ e a existência de uma efetiva privação do uso do veículo por parte do apelado, pois não se apurou nos autos danos com reflexo económico ou reparáveis no património do apelado decorrente da privação do uso veiculo RZ, também não existe dever de indemnizar pelo apelante;
28ª- Mesmo que assim não se entenda, o que se não concede e por dever de ofício de acautela, atendendo à matéria de facto provada nos autos, a quantia de € 3.150,00 é manifestamente excessiva;
29ª- Por um lado, o aludido montante é bastante superior à quantia atribuída a título de indemnização pelos danos patrimoniais alegadamente causados na viatura do apelado;
30ª- Por outro, o alegado período de paralisação da viatura RZ também é notoriamente exagerado, sendo que ao apelante não pode ser imputada qualquer responsabilidade no facto daquele veículo apenas ter sido apenas reparado em Fevereiro de 2013;
31ª- Sendo que, conforme resulta das regras de experiência, o período longo não reparação do veículo RZ conduziu, de forma inevitável, ao agravamento dos danos resultantes dessa paralisação;
32ª- Devendo, por isso, também ser reduzido, com recurso a um critério de equidade, o período de paralisação;
33ª- Mais acresce que a jurisprudência tem unanimemente optado, em situações semelhantes, por estabelecer que um quantitativo pela paralisação diária do veículo;
34ª- No caso dos autos, não obstante a douta sentença ser omissa quanto ao valor pecuniário diário, o mesmo corresponde a uma quantia diária que excede os € 18,00 /dia, o qual é muito superior aos parâmetros jurisprudenciais que vem sendo seguidos para situações similares;
35ª- O concreto valor pecuniário diário de paralisação atribuído pela jurisprudência, com recurso aos invocados critérios de equidade, tem variado, mas não tem excedido o montante de € 10,00.
36ª- Indemnização essa que, atenta a factualidade - erroneamente - julgada como provada nos autos por isso, se entende dever ser reduzida para o montante diário nunca superior a € 5,00/dia;
37ª- Finalmente, como respeitosamente se entende ser, ao julgar procedente a apelação, o douto acórdão a quo, para além de outras que Vossas Excelências doutamente suprirão, não interpretou nem aplicou correctamente diversas normas legais, assim as violando, nomeadamente: os artigos: 483º e 449º do Código Civil; 150º, Nº 1, 195º, Nº 1, 197º, 607º e 615º; Nº 1, do CPC e o artigo 205º, Nº 1, este da CRP;
38ª- Pelo que deve ser revogada a mui douta Sentença recorrida, já que, naquela não foram, de forma sábia, prudente e com respeito pelas regras da experiência, correctamente apreciada a prova produzida nos autos e, bem assim, interpretados, respeitados e aplicados aos factos os preceitos legais que interessavam ao objeto dos autos.

Pede que seja dado provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência:
a)- Ser verificada a supra arguida nulidade por falta deficiência de gravação e, por via dela, devem ser declarados nulos os depoimentos prestados pelas testemunhas Carlos …, Domingos … e Carlos … e, consequentemente, ordenada a repetição do julgamento, ou – caso assim se não entenda - pelo menos, a repetição dos depoimentos das identificadas testemunhas;
b)- Revogar-se a mui douta sentença recorrida, substituindo-se esta por outra que, reconhecendo a razão que assiste ao apelante:
b.1)- Julgue a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolva o apelante dos pedidos contra este formulados;
b.2)- Ou em alternativa, reduzir-se o período de paralisação do veículo RZ e ser fixado uma indemnização em montante diário nunca superior a € 5,00 (cinco euros),

Houve contra alegações por parte do autor, pugnando pelo decidido.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pelo Recorrente ão as seguintes:
a) Nulidade por falha ou deficiência na gravação da audiência;
b) Nulidade da sentença;
c) Erro na apreciação da prova, alterando-se a matéria de facto;
d) Erro na subsunção jurídica dos factos

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:
1. Pelas 21 horas e 40 minutos do dia 11 de Agosto de 2012, na Rua da Montanha, freguesia de Mesão Frio, do concelho de Guimarães, ocorreu uma colisão de veículos em que foram intervenientes o ligeiro de passageiros da marca FIAT, modelo 188 e matrícula 10-20-RZ, propriedade do autor e que na altura era conduzido pela sua filha, Sara …, e o veículo de tracção animal, sem matrícula, que era conduzido e de que é proprietário o aqui réu.
2. Naquele dia, hora e local, a filha do autor, ao volante do veículo automóvel, descia a Rua da Montanha em direcção ao centro da cidade de Guimarães, quando, numa zona que se seguia a uma curva, se deparou com um obstáculo que se encontrava na via em que circulava, praticamente parado.
3. Tal obstáculo fez com que a filha do autor iniciasse a travagem do veículo que conduzia, não tendo, contudo, sido possível evitar o embate com aquele objecto.
4. Após a colisão, constatou a condutora do veículo automóvel que o obstáculo em que embatera se tratava de um veículo de tracção animal, comummente chamado de “carro de bois”, o qual transportava palha e feno e circulava sem qualquer tipo de sinalização luminosa.
5. À hora em que ocorreu o embate era de noite, não existindo já qualquer luz natural.
6. A condutora com o veículo de matrícula 10-20-RZ, não obstante ter ainda procurado travar, não conseguiu evitar a colisão, atenta também a inclinação descendente da via em que circulava.
7. A condutora do veículo propriedade do autor não teve tempo de se desviar do obstáculo com que se deparou, atento o facto do contacto visual com o mesmo ter ocorrido a seguir a uma curva.
8. Como consequência do embate, a viatura do autor sofreu diversos danos, mas precisamente em toda a sua frente, bem como na parte lateral direita, cuja reparação orça em € 2.766,66, com IVA incluído.
9. Desde a data em que ocorreu o embate e até Fevereiro de 2013, altura em que foi reparado, o autor ficou privado de utilizar o veículo da sua propriedade, uma vez que o mesmo, como consequência dos danos sofridos, não circulava, tendo ficado imobilizado.
10. A paralisação do veículo causou transtornos ao autor e à sua família, porquanto deixou de poder deslocar-se nele à cidade para tratar dos seus afazeres habituais com a facilidade com que o fazia antes do sinistro, deixando de executar tarefas que com esse veículo normalmente executava para si e para toda a família, assim como os inerentes à sua vida pessoal, como seja o seu transporte e dos seus familiares.
11. Ficou o autor igualmente privado de emprestar o veículo à sua filha, como o fazia até à data do sinistro, sempre que esta precisava de se deslocar.
12. O autor despendeu a quantia de € 60,00 com a obtenção da certidão da participação do acidente de viação emitida pela PSP, cuja cópia foi junta com esta acção.
13. A via em que ocorreu o acidente estava dotada de postes de iluminação pública, sendo que o poste situado mais perto do local onde aconteceu o embate tinha, à data, a lâmpada desligada.
14. No local em que se deu o embate, a dita Rua da Montanha tem uma largura de 6,00 metros e, atento o sentido de marcha dos veículos, a sua berma esquerda é dotada de largura semelhante.
15. O carro de bois tem uma largura de cerca de 1,30 metros.
16. No momento da colisão não existia trânsito em sentido contrário ao dos veículos, estando a hemi-faixa esquerda totalmente livre.
*
Factos Não Provados.
Não se provaram outros quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir além dos acima elencados e, designadamente, que:
a. A filha do autor imprimia ao veículo automóvel uma velocidade não superior a 40 kms/hora.
b. A colisão do veículo teve lugar cerca das 20:40 horas, quando existia ainda luz natural.
a. O autor colocou um colete reflector numa máquina de cortar relva que pôs em cima da erva que o carro de bois transportava.
b. A colisão ocorreu sensivelmente a meio de uma recta com cerca de trezentos metros de comprimento.
c. A condutora do veículo ligeiro de passageiros tentou efectuar uma ultrapassagem ao carro de bois.
d. O embate ocorreu entre a lateral direita do veículo do autor e o canto formado pela traseira e lateral esquerda, junto à roda, do carro de bois.
e. A condutora do veículo automóvel teve a possibilidade de avistar o carro de bois a uma distância nunca inferior a cento e cinquenta metros.
f. Essa condutora imprimia ao veículo uma velocidade de mais de 80 kms/hora.
g. O carro de bois circulava junto à berma direita, atento o seu sentido de marcha, ocupando apenas cerca de 1,40 metros dos 3 metros de largura da hemi-faixa de rodagem.

2. De direito;

a) Nulidade por falha ou deficiência na gravação da audiência;

No presente recurso de apelação impõe-se, como questão preliminar suscitada pelo recorrente, apreciar e decidir os efeitos das invocadas falha e deficiência alegadamente ocorridas na gravação da produção da prova, relativamente aos depoimentos produzidos em julgamento, devendo decidir-se, ainda, se ocorre a apontada nulidade processual e causa de anulação total ou parcial do julgamento.
Dos autos, e com interesse à decisão da questão em apreço, resulta que, tendo sido requerida a gravação dos actos da audiência, procedeu-se à mesma nas audiências realizadas nos dias 24.04.2014 e 05.05.2014, através do registo áudio dos depoimentos prestados, nomeadamente das testemunhas Carlos …, Domingos … e Carlos ... como da respectiva acta consta.

O apelante invoca a nulidade decorrente dessa falha ou deficiência de gravação da prova, com o fundamento de que tal omissão belisca o seu direito à impugnação em concreto da matéria de facto e impede o tribunal de recurso de escrutinar convenientemente a decisão do tribunal recorrido quanto aos factos dados como provados.
*
Dispõe o artº 155º, nº 3, do CPC (na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06, aplicável ao caso), que a gravação, nomeadamente da audiência final, deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respectivo acto.
Por seu turno, o seu nº 4 preceitua expressamente que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
Ora, como consta expressamente das actas da audiência de 24.04.2014 e 05.05.2014, nas quais foram gravados tais depoimentos, estes foram disponibilizados às partes nesses mesmos dias.
Logo, a nulidade invocada em sede de alegações de recurso apresentadas em 10.10.2014 considera-se sanada, por decurso do prazo legal para a sua invocação – cfr. ainda artºs 195º e 199º, ambos do CPC.
E diga-se, em abono da verdade, que atentas as aludidas datas de disponibilização da gravação (24.04.2014 e 05.05.2014) e o decurso daquele prazo de 10 dias, também a arguição da aludida nulidade deveria ter sido suscitada em sede de 1ª instância, nos termos conjugados dos artigos 155º e 195º do CPC, “não sendo admitida a sua inserção nas alegações de recurso” Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p.13..
Em resumo, pelas razões aduzidas, desatende-se a arguida nulidade decorrente de falha ou deficiência de gravação.
Não se colhem assim as conclusões 1ª a 8ª.

b) Nulidade da sentença;

Afirma o recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade, nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 615º, do CPC, por falta de fundamentação.
Tal normativo refere-se às causas da nulidade da sentença, sendo que a dita alínea se reporta à não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [al.b)].
As nulidades da decisão previstas no artº 615º do CPC são deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).
Como se resumiu no Ac. RL de 10.5.95 (in CJ, 1995, t. 3, pág. 179), “As nulidades da sentença estão limitadas aos casos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 668º do C.P.C.. Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.”
Assim, a sentença será nula, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Logo, uma das causas de nulidade da sentença consiste precisamente na ausência total de fundamentação [caso da citada al.b)], não traduzindo tal a fundamentação deficiente, incompleta ou inexacta, como vem sendo entendido uniformemente pela jurisprudência,
No caso em apreço, alicerça a alegada nulidade da sentença na falta de exposição dos motivos de facto e de direito que servem de fundamento à decisão, nem um exame crítico da prova produzida e que serviu para formar a sua convicção.
Trata-se, nesta perspectiva, de meras generalidades, uma vez que não concretiza em que traduz afinal a propalada carência de fundamentos.
Aliás, a sua alegação é até contraditória porque afirma que o tribunal recorrido apenas explanou e apreciou a prova documental e testemunhal que serviu de base para considerar como provados os factos elencados na “alínea A) Fundamentação de Facto do ponto III. Fundamentação, A) Fundamentação de facto”, não se pronunciando ou apreciando a prova testemunhal por si arrolada.
Logo, carência total de fundamentação inexiste.
Noutra vertente, nem sequer assiste qualquer razão ao apelante, quanto à apontada falta de motivação ou omissão de pronúncia sobre a prova testemunhal indicada pelo réu. Basta atentar no rol dos factos não provados ou na motivação da decisão de facto plasmada na sentença, onde se escrutina o relato das testemunhas Domingos … ou Carlos …, apresentadas pelo réu, além de se justificar, ainda que sucintamente, a razão de ser da materialidade não provada.
Por último, também não assiste razão quanto à falta de fundamentação de direito, relativa à fixação da indemnização por privação do uso do veículo.
Depois de se optar pelo recurso a critérios de equidade, basta ler o seguinte passo da sentença para se concluir que houve motivação de direito: “Isso não impede - nem pode impedir - , todavia, que tal prejuízo seja objecto de adequada compensação, compensação essa que deverá ser encontrada por recurso a critérios de equidade, tendo em conta o circunstancialismo provado, como impõe o artigo 566º, nº 3 do Código Civil.
Além disso, tratando-se de uma situação em que o evento danoso não foi intencionalmente provocado, poderá haver que ponderar ainda a previsão contida no artigo 494º do Código Civil, onde se prescreve que “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstancias do caso o justifiquem”.
Ora, tendo em conta a utilização que era dada pelo autor ao seu veículo, ponderadas as características do mesmo, visto que a viatura esteve imobilizada desde 11 de Agosto de 2012 até Fevereiro de 2013, reputa-se equitativo fixar em € 3.150,00 montante indemnizatório pela privação do uso”.
Coisa distinta será a existência ou não de erro de julgamento, quanto ao direito aplicável.
Neste contexto, a sentença posta em crise não carece de falta absoluta de fundamentação, como esgrime o recorrente. E só esta conduz à nulidade da sentença.
Não se verifica, pois, a nulidade prevista na al. b) do nº 1, do artº 615º, do CPC.
Não procedem, portanto, as conclusões 9ª a 15ª.

c) Erro na apreciação da prova, alterando-se a matéria de facto;

O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada na sentença, pretendendo que se alterem os pontos de facto provados 1 a 12, considerando-os como não provados, e que se julgue como provada a matéria constantes das alíneas b) a g) dos factos não provados.
E diz que tal resulta “Das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, ou da falta delas, dos inúmeros documentos juntos e dos depoimentos testemunhais das partes, se todas correctamente apreciadas e à luz das boas regras de experiência e, bem assim, da correcta aplicação e interpretação da lei”.
Depois acrescenta que “atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas Sara …, Neusa …, Hugo … e Carlos …, não podia ter considerado como provado que o apelante era condutor do veículo de tracção animal”, que “o depoimento da testemunha Sara … devia ter sido desconsiderado (…), pois o mesmo foi notoriamente comprometido e interessado” e que “em virtude da existência de diversas e patentes incongruências entre os depoimentos das testemunhas Sara …, Neusa … e Hugo …, também estes depoimentos deveriam ter sido desconsiderados”.
Já quanto à matéria não provada, não levou em linha de conta o depoimento das testemunhas Domingos … e Carlos …, “os quais, tendo percepção directa dos factos em apreço nos autos, permitiria ao Ex.mo Tribunal ad quem julgar como provados os factos elencados no ponto IV.2 supra e como provada a matéria de facto erradamente considerada pelo Tribunal da 1ª Instância como não provada” (sic).
A suportar tal alegação vaga e genérica, elenca excertos parciais, desgarrados e desconexos das testemunhas Sara …, Neusa …, Hugo …, Carlos ….
Temos de convir que, atenta a exigência legal de requisitos específicos do ónus de impugnação da matéria de facto a cargo do recorrente que o artº 640º, nº1, al. b) e nº2, al. a), do CPC, estabelece, é questionável que o apelante satisfaça tais pressupostos, na medida em que se limita a discordar globalmente da factualidade provada e não provada e a discorrer que os depoimentos daquelas testemunhas do autor são incongruentes, contraditórios e interessados ou comprometidos (por contraposição ao relato das testemunhas, directo e perceptível), sem, contudo, especificar, concretizar as apontadas incongruências e contradições, com referência aos concretos depoimentos prestados e gravados.
Ainda assim, escrutinados e examinados os vários depoimentos em questão, podemos concluir que a sua valoração probatória levada a cabo pelo tribunal recorrido mostra-se correcta, coadunando-se ainda com os demais elementos de prova (documentos, nomeadamente participação do acidente e fotografias do veículo sinistrado, e inspecção ao local).
Com efeito, a condutora do veículo automóvel descreve o acidente de forma pormenorizada, circunstanciada, sem reservas e de modo credível. O seu depoimento é corroborado por outras testemunhas que ocorrem ao local, como Neusa … e Hugo … que complementam as declarações daquela.
O recorrente reitera que não se provou que o réu conduzia o dito veículo de tracção animal, vulgo carro de bois, ainda que tenha confessado que era o seu proprietário.
Todavia, os diversos elementos probatórios trazidos aos autos infirmam tal.
Além do depoimento da testemunha Sara …, condutora do veículo automóvel, a testemunha Carlos …, agente da PSP, que ocorreu ao local e fez averiguações quanto aos intervenientes no acidente, declarou que o réu admitiu que era um dos condutores do veículo de tracção animal, quando confrontado com o sinistro ocorrido, o que confere com o teor da participação, a fls. 17 dos autos.
Também a testemunha Domingos …, arrolada pelo réu, além de confirmar que seguia a pé, à frente do “carro de bois” e descrever a colisão, declarou sintomaticamente, quando perguntado se, após o acidente, foi para casa, respondeu “Fomos”; à pergunta se foi atrás do carro de bois, mais uma vez respondeu “Fomos” e ainda à pergunta se “caçou os bois e depois o que é que aconteceu”, retorquiu que “Depois fomos embora”. E na sequência do seu depoimento é possível perfeitamente extrair que o mesmo se referia ao réu, única pessoa que vivenciou com ele todo o circunstancialismo atinente àquele sinistro e que a testemunha não deixa de declarar.
Quanto à demais materialidade fáctica relativa aos danos no veículo, seu custo e privação do mesmo, as testemunhas Sara …, Neusa …, Hugo … e Carlos …, dono da oficina onde a viatura foi reparada, foram peremptórias na afirmação dessa factualidade (pontos 1 a 12 dos factos provados), sendo o seu relato objectivo, coerente e verosímil.
Ao invés, mutatis mutandis, quanto à não prova dos factos vertidos nas alíneas a) a g).
Como dito ficou, face ao conteúdo das declarações do dito Domingos …, estas até são elucidativas para a prova da versão do acidente alegada pelo autor, e não do réu. Ou seja, delas não se pode retirar qualquer prova do teor daquelas alíneas a) a g).
Acerca do depoimento da testemunha Francisco …, trata-se de um relato vago, inconsistente e inconclusivo, que permite, aliás, aferir da sua falta de credibilidade. Supostamente tal testemunha encontrar-se-ia no local do sinistro, terá assistido a parte deste, mas foi incapaz de afirmar e esclarecer factos como se o “carro de bois” vinha vazio ou carregado, disse que o dito carro não tinha nenhuma máquina em cima nem colete reflector (o réu diz o contrário). Trata-se de testemunha que diz que viu o acidente (estaria de costas), que tinha passado pelo Sr. João, o senhor do carro de bois (reconheceu, portanto, ali o réu ), mas ainda assim foi-se embora para a sua casa…
Em suma, face a todos os elementos de prova carreados para os autos e ante as razões acima expendidas, mostra-se inteiramente acertada a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, pelo que se mantém inalterada a matéria de facto constante da sentença.
Improcedem as conclusões 16ª a 22ª.

d) Erro na subsunção jurídica dos factos, por privação do uso do veículo.

Afirma o recorrente que houve erro de julgamento, por não se ter provado o agente do alegado facto ilícito, a ilicitude, a culpa do apelante e o evento danoso, nomeadamente quanto à privação do uso do veículo.
Quanto aos pressupostos da responsabilidade civil (agente, facto ilícito e culpa), remete-se para o conteúdo e fundamentos da decisão recorrida, já que o recorrente se limita a fazer referência abstracta à sua inexistência.
Ainda assim, quanto ao agente do facto ilícito, do facto provado nº 1 extrai-se claramente que o condutor do veículo de tracção animal era o réu, aqui apelante.
Discorda ainda o apelante do montante indemnizatório arbitrado, a título de privação de uso do veículo, com os fundamentos de que i) essa privação não se reflectiu no património do lesado, ii) o período de tempo dilatado da privação é imputável àquele e iii) é excessivo o valor fixado.
No caso vertente, estando em causa o ressarcimento de danos causados por embate em acidente de viação, os alegados prejuízos que terão advindo para o recorrido pela não utilização do veículo emergem directa e conexamente da conduta culposa do condutor do veículo de tracção animal, responsável assim por aquele evento danoso.
Os danos peticionados a esse título – por privação do uso do veículo – estão interligados com a impossibilidade de utilização do mesmo para o fim a que se destinava.
Trata-se de danos indemnizáveis e consequência directa e adequada da lesão - que lhe advieram do risco inerente à situação de “ colisão “ do veículo.
São danos directos e conexos com a impossibilidade de utilização do veículo (e não reflexos dessa mesma privação de uso), sofridos em consequência de acidente de trânsito por colisão, o que constitui, por si só, um dano indemnizável, já que essa privação se traduz numa lesão no seu património, pois o dono do veículo vê-se impossibilitado do exercício do direito de utilização de uma coisa que lhe pertence Neste sentido vide o Acórdão da RG de 12.03.2009, Proc. 634/04.4TBBCL, in www. dgsi.pt..
E essa privação configura um dano patrimonial, dado que a utilidade de um veículo tem valor pecuniário. Trata-se, enfim, de lesão avaliável em dinheiro.
Logo, com a sua imobilização, ficou privado desse uso.
Sobre esta problemática é vasta a doutrina e a jurisprudência, aliás, abordada na sentença.
A título de resenha, “Como se defende no Ac. desta Relação, Proc. 3116/09.4TBBCL, in dgsi.pt, «afirma A. Abrantes Geraldes [Indemnização do Dano da Privação do Uso, 39], tal privação, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” dos poderes inerentes ao proprietário.
Nestas circunstâncias, não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização. E mesmo que se considere que a situação não atinge a gravidade susceptível de merecer a sua inclusão na categoria de danos morais, nos termos do artº 496º nº 1 do CC, é incontornável a percepção de que entre a situação que existia se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada.
Tem sido também jurisprudência do STJ que a privação de uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente de trânsito, constitui, só por si, um dano indemnizável (Cf., por todos, o Ac. de 29.11.2005, Col. Jur.- Acs. do STJ, ano XIII, tomo III, pág.151, e os mais aí citados).
Segundo este mesmo Tribunal, o dano produzido atinge, neste caso, a propriedade – direito que tem como manifestações, entre outras, a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela; possibilidade e capacidade que são retiradas ao proprietário durante o tempo em que, por via do dano produzido, está privado do veículo. E a perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como lhe aprouver tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado».
Ou seja, tal dano é indemnizável, seja a mera privação do uso do veículo, seja o custo do aluguer de um veículo de substituição Acórdão do STJ de 05.07.2007, Proc. nº 07B1849, in dgsi.pt, Conforme posição por nós já defendida no Acórdão desta RG de 15.03.2012, proc. 2082/09TBBRG.G1, in dgsi.pt..

Defenda-se o direito à indemnização pela privação do uso do veículo per se ou pelo prejuízo concreto dessa privação de uso, o certo é que, no caso em apreço, se provou esse dano, atento o factualismo apurado nos pontos de facto 9, 10 e 11:
“9. Desde a data em que ocorreu o embate e até Fevereiro de 2013, altura em que foi reparado, o autor ficou privado de utilizar o veículo da sua propriedade, uma vez que o mesmo, como consequência dos danos sofridos, não circulava, tendo ficado imobilizado.
10. A paralisação do veículo causou transtornos ao autor e à sua família, porquanto deixou de poder deslocar-se nele à cidade para tratar dos seus afazeres habituais com a facilidade com que o fazia antes do sinistro, deixando de executar tarefas que com esse veículo normalmente executava para si e para toda a família, assim como os inerentes à sua vida pessoal, como seja o seu transporte e dos seus familiares.
11. Ficou o autor igualmente privado de emprestar o veículo à sua filha, como o fazia até à data do sinistro, sempre que esta precisava de se deslocar”.
Isto é, além de o lesado ter ficado privado do uso e fruição em si de um bem próprio, tal imobilização impediu-o de tratar dos seus afazeres habituais, deixou de poder transportar-se, a si e à família, e de o emprestar à filha sempre que esta precisava para se deslocar, como fazia antes do sinistro.
Assim, a imobilização do veículo teve reflexos directos e concretos nos poderes de disposição e administração de tal bem por parte do lesado, cerceando o respectivo dono de utilizar esse seu património.
Nesta perspectiva, convém também sublinhar que é ao autor da lesão, aqui recorrente, e não ao lesado, quem compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, pelo que as implicações danosas acrescidas decorrentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado Veja Ac RG de 07.07.2011, in www.dgsi.pt.

No sentido exposto, vide o Acórdão do STJ de 05.07.2007, Proc. nº 07B1849, in dgsi.pt, segundo o qual “A privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, é, pois, um dano – e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário.
O seu carácter indemnizável também não parece suscitar dúvidas, decorrendo do disposto no n.º 1 do art. 483º do CC. E, na fixação da respectiva indemnização terá de recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º/3 do mesmo Código ».

Reportando-nos ao caso, tendo-se provado que o veículo em causa esteve na oficina para ser reparado desde 11.08.2012 a Fevereiro de 2013, ou seja, 173 dias, foi este o período durante o qual o autor não pode circular nele.
O montante indemnizatório arbitrado a esse título - € 3.150,00 – corresponde a um valor diário de € 18,20, o qual se afigura não ser excessivo, atenta os parâmetros de equidade levados em linha de conta na decisão: a utilização que era dada pelo autor ao seu veículo e as características deste, sendo certo que o aluguer de uma viatura similar se cifraria de todo em valor inferior, tendo em conta os preços correntes de mercado. O aluger médio diário de uma viatura de classe idêntica (tipo carro mini) à do veículo sinistrado, ultrapassa os € 30,00/dia, consultando várias empresas de aluguer (www.rentalcars.com; www.europcar.pt; www.avis.com)
Assim, o montante arbitrado de €.3150,00, que equivale a um valor diário de cerca de € 18,20, durante o referido período de privação do uso do veículo, mostra-se justo, equitativo e adequado, pelo que é de manter.

Soçobram, pois, as conclusões 24ª a 38ª.

O que tudo importa a improcedência total da apelação.


Sintetizando:

I- A nulidade processual de falta ou deficiência de gravação dos depoimentos deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento da disponibilização da gravação, sob pena de sanação da mesma.
II- A nulidade da sentença por falta de fundamentos de facto e de direito pressupõe uma ausência total de fundamentação.
III- A privação de uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo, em consequência dos danos sofridos em acidente rodoviário, constitui, só por si, um dano indemnizável.
IV- É ao autor da lesão e não ao lesado quem compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, pelo que as eventuais implicações danosas acrescidas decorrentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado.

*****

IV – Decisão;

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.


Custas pelo apelante sem prejuízo do apoio judiciário concedido.


Guimarães, 14.05.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira