Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
681/12.2TBEPS-G.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ACIDENTE DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Vigora na insolvência o princípio da reclamação universal, devendo nela ser reclamados todos os créditos
II - O crédito proveniente de acidente de trabalho sempre tem de ser feito valer no respetivo processo, não sendo causa da inutilidade deste a declaração de insolvência da entidade patronal responsável
III - Tal não impede o credor de reclamar, sob condição, o seu crédito na insolvência
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.


Nos autos principais foi declarada a insolvência de R…, Ldª.
São recorrentes, N…, J… e L…
N… e J…, os recorrentes, herdeiros de J…, trabalhador sinistrado, falecido a 12/10/2011, reclamaram créditos emergente de acidente de trabalho, que corre termos no processo 932/11.0T4AVR, serviços do MºPº de Barcelos.
Referem que o falecido marido e pai foi admitido em Nov. de 2010, a termo incerto e verbalmente como estucador/amassador de tetos falsos. Auferia € 950,00 parte por transferência e parte em dinheiro, correspondendo o recibo, à parte paga por transferência. Acrescia subsídio de alimentação de € 6.41,00. Acrescia ainda trabalho extra, auferindo em média 1.100 € mensais.
O falecido sofreu um acidente in itinere quando se dirigia do local de trabalho para o estaleiro.
Reclamam para a primeira a pensão anual vitalícia e actualizável de € 4.455,37 (tendo por base 950 x12 + 6,41 x22 x 11), que a partir da idade da reforma passa a € 5.940,49. Assim reclama o montante de € 251.231,23 de pensão, mais juros desde 13/10/2011, mais € 5.533,70 de subsídio de morte, mais € 1.950,00 de despesas de funeral.
O segundo reclama a pensão temporária e actualizável de € 2.970,24 até perfazer 18 ou 22 e 25 anos enquanto frequentar respetivamente o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior. Reclama o montante de € 74.256,00, mais juros e mais metade do subsídio por morte no montante de € 2.766,85.
Reclama sob condição invocando o artigo 40 do CIRE.
Reclamam ainda salários e outros direitos laborais.
A recorrente L… reclamou igualmente créditos emergentes de acidente de trabalho.
- Os recorrentes foram notificados pelo Sr. Administrador nos termos do artigo 129, 4 do CIRE do não reconhecimento dos créditos relativos ao acidente de trabalho, por se tratar de crédito controvertido, reconhecendo apenas outros.
- Os recorrentes impugnaram a lista de créditos reconhecidos apresentada pelo AI, alegando que deveria ter sido reconhecido sob condição (art. 50º do CIRE) o crédito emergente de acidente de trabalho, cujo reconhecimento é objeto de processo judicial a correr termos no tribunal de trabalho.
- No despacho saneador, considerando que os autos permitiram o conhecimento de mérito relativamente a tais créditos reclamados, decidiu-se julgar nesta parte improcedente a reclamação, considerando-se em designadamente que:
“… Segundo o que está plasmado no art. 270º do C.Civil e é comummente ensinado pela doutrina, a condição consubstancia um facto (acontecimento) futuro e incerto a que é subordinada a produção de efeitos de um negócio jurídico, ou a resolução.
Estamos, por isso, no domínio de um elemento que respeita à eficácia típica do negócio e não à sua validade ou constituição.
Se, como resulta da lei, se trata de subordinar a eficácia do negócio a uma determinada ocorrência futura e incerta, então a condição é suspensiva, o que implica que o negócio, constituído e perfeito embora, não está ainda em termos de produzir os efeitos a que normalmente se destina, apesar de haver consequências jurídicas que decorrem da prática do ato (cfr., v.g., os arts. 272º a 274º do C.Civil). A circunstância, porém, de o negócio se encontrar já perfeitamente concluído é muito importante, visto que, como se vê do disposto no art. 276º, por regra, a verificação da condição projeta-se retroactivamente à data da conclusão do negócio – vide Luis A. Carvalho Fernandes e J. Labareda, CIRE Anotado, volume I, p. 237.
Quando, diferentemente, um acontecimento futuro e incerto determina a resolução, então a condição diz-se resolutiva e a sua verificação faz cessar os efeitos do negócio. Ainda assim, não há nenhuma afetação da sua validade, sendo, aliás, certo que nos negócios de execução continuada ou periódica a verificação da condição, implicando embora a resolução, não determina a destruição das prestações já efetuadas, «exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vinculo que legitime a resolução de todas elas» (ex vi do art. 434º, nº 2, aplicável por força do art. 277º, nº 1, ambos do C.Civil) - vide Luis A. Carvalho Fernandes e J. Labareda, Ob. Cit., p. 237.
Ora, como é bom de ver, em teoria geral de direito civil, um crédito condicional não é um crédito controvertido.
Crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição.
Por sua vez, o crédito controvertido é “inexistente” – no sentido de não poder ser exigido –, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.
Sucede que, segundo a opinião de vide Luis A. Carvalho Fernandes e J. Labareda, que aqui sufragamos, se naquilo que respeita à condição resolutiva ainda se pode dizer que os termos usados no nº 1 do art. 50º do CIRE, exprimem com rigor razoável a situação que se verifica, uma vez que a ocorrência do facto condicionante afeta a subsistência do negócio, é totalmente desadequada a definição escolhida para caracterizar a condição suspensiva, visto que, como se disse, não está em causa a constituição do negócio. Terá sido na consciência desta impropriedade que o legislador decidiu ressalvar que a noção adotada apenas releva para efeitos do CIRE.
Ainda, assim, não há razão para pensar que um crédito constituído, cuja eficácia é subordinada a condição suspensiva, não é já um crédito condicional – ou «sob condição» - para efeitos do CIRE, embora se possa admitir, para o nº 1 do art. 50º ser útil, que se quis considerar também condicional o crédito cujo conteúdo esteja integralmente fixado mas cuja própria génese – isto é, o nascimento ou constituição na e para a ordem jurídica – seja deixada na contingência da futura verificação de um facto que não se sabe se chegará a ocorrer.
In casu, os créditos reclamados que estão na génese da reclamação apresentada não são líquidos, e mesmo a sua existência encontra-se a ser dirimida no âmbito de processos judiciais a correr termos no tribunal de Trabalho. Tratam-se, pois, de créditos controvertidos ou litigiosos e não de créditos sob condição, portanto ainda não exigíveis…”
- Inconformados com o decidido os recorrentes apresentaram recurso com as seguintes conclusões:
Primeiros recorrentes:
1 ° - Nos presentes autos, o Mmo Juiz" a quo" decidiu não considerar os créditos reclamados sob condição emergentes de acidente de trabalho pela aqui credora impugnante e pelo seu filho, uma vez que entende que os mesmos não podem ser reconhecidos em virtude de não serem líquidos e tratarem-se de créditos controvertidos ou litigiosos.
2° - Salvo melhor opinião, entendemos que o crédito reclamado pela recorrente e pelo seu filho deve ser reconhecido, sob condição, ao abrigo do artigo 50° n." 1 do CIRE , lançando mão de um entendimento alargado de noção de crédito condicional, que venha a ser proferido em sede de decisão judicial.
3° - Isto simboliza que, o crédito até pode ser litigioso, mas não deixa de ser um crédito condicional, ou sob condição, e nesse sentido, a doutrina indica que " (...) o objetivo predominante que terá motivado o legislador a optar pelo alargamento da noção de condição suspensiva foi o de, para certos aspetos, sujeitar ao regime de créditos sob condição suspensiva, em sentido próprio, situações das quais podem vir a nascer créditos por exercício de um direito potestativo, o que pode compreender-se por razões prudenciais..) " - Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de empresas anotado, 2° edição, pág. 318.
4° - E da leitura do Acórdão Da Relação do Porto, Processo nº49/09.8TYVNG.Pl, in www.dgsi.pt, verificamos o supra indicado entendimento, sendo que o caráter controvertido do crédito não obsta à admissibilidade da reclamação e à respetiva verificação.
5° - Ora, nos presentes autos, o douto tribunal recorrido, ao possuir um entendimento diferente do citado, viola, na nossa humilde opinião, os princípios elementares constitucionalmente consagrados do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva - artigo 20.°, n. 1 da C.R.P.
SENÃO VEJAMOS,
6° - O CIRE enuncia e estabelece os efeitos que a declaração de insolvência produz sobre as ações pendentes, dando assim cumprimento ao princípio processual da autossuficiência, efeitos previstos nos artigos 85° a 89° do CIRE.
7° - Sucede que, está a correr termos pelo processo n." 931/11.0T4AVR do tribunal de Trabalho de Barcelos ação com vista à indemnização por acidente de trabalho. No entanto, a declaração de insolvência do devedor ocorreu no decorrer da ação laboral, sem que o administrador tenha requerido a apensação da referida ação aos presentes autos, nos termos do artigo 86° do CIRE.
8° - Perante a não apensação da ação ao processo de insolvência, a aqui recorrente e o seu filho só podem exercer os seus direitos em conformidade com as regras do CIRE, nos termos do art." 90.° do referido diploma.
9° - Nesse sentido, a recorrente para obter o pagamento do crédito, mesmo litigioso, a que tem direito, só o pode fazer através da reclamação e a verificação do crédito que é feita no próprio processo de insolvência, de acordo com o artigo 128° do CIRE, pois a insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores ora pela recuperação da empresa, ora pela liquidação do património do devedor insolvente.
10° - E por força do n. 1 do artigo 47.° , verificamos que:
"1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos da natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio"
11 ° - De acordo com o quadro supra exposto, à recorrente e ao seu filho somente existe a possibilidade de recorrerem à reclamação de créditos para reclamar o seu crédito declarado, para que o mesmo seja reconhecido, sob pena de nada servir a sentença de condenação em sede laboral, conforme infra veremos.
12°- E ao contrário do que o douto despacho saneador indica, a verdade é que a Jurisprudência já revela que " O pedido de insolvência pode ser baseado em crédito litigioso" - cfr. acórdão da Relação do Porto, processo n. 338/11.1TYVNG.P1, in www.dgsi.pt
13° - E por força do entendimento citado, e pelos motivos já alegados, o referido acórdão da relação do Porto refere ainda que também o credor litigioso deve reclamar o seu crédito:
"(: .) Por isso, se considera que as razões que se podem alegar para admitir o credor condicional a requerer a insolvência, valem também para o credor de crédito litigioso. Se este fosse obrigado a esperar que o seu crédito fosse declarado por sentença transitada, poderia dar-se o caso de, na data do trânsito, o património do devedor já não existir. " Cfr. Acórdão da Relação do Porto, processo n. 338/11.1 TYVNG.Pl, in www.dgsi.pt, a referência à nota 10 diz respeito ao acórdão da Relação de Coimbra, de 26.5.2009, ambos in www.dgsi.pt
14 ° - Do exposto resulta que, o credor litigioso pode reclamar os seus créditos litigiosos, uma vez que são considerados condicionais. Se assim não fosse, uma vez transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor, de nada serviria a sentença proferida na ação instaurada contra o devedor por acidente de trabalho, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, porquanto jamais poderá tal decisão ser dada à execução para cumprimento coercivo por força do 88.° do CIRE.
15° - E própria recorrente e o seu filho menor de idade podem ficar completamente prejudicados pelo facto de na data da sentença laboral, já não existir património do devedor, e por esse meio, a mesma não poder ser ressarcida pelos seus créditos.
16° - Ao contrário do douto despacho saneador, é nosso humilde entendimento que nada obsta a que no processo de insolvência, nomeadamente na verificação de créditos, possa ser apreciada a questão da caracterização do acidente de trabalho de acordo com a lei 98/2009 de 04/09, bem como dos respetivos direitos dela decorrentes, nos termos previstos nos artigos 128.° a 140.° do CIRE.
17° - Uma vez que o tribunal onde corre o processo da insolvência tem competência material plena para poder decidir todos os litígios, incluindo aqueles que estão deferidos a tribunais de competência especializada, como os emergentes do acidente de trabalho, sendo que o juiz da insolvência possui os mesmos meios processuais que o juiz laboral para se pronunciar de mérito, se tal for necessário.
18° - Bem como, pode o douto tribunal" a quo", mesmo entendendo que os créditos não são líquidos, apesar de a recorrente e do seu filho terem reclamado os créditos devidos de forma bem explicita e líquida, determinar o montante correto do crédito reclamado, por força do exposto no artigo anterior.
19° - Assim, de acordo com os argumentos supra aduzidos, somos do entendimento que muito mal andou o tribunal recorrido ao não reconhecer os créditos reclamados em sede de processo de verificação e graduação de créditos, com base nos argumentos constantes no douto despacho saneador.
20° - Pelo que, foram violadas as disposições legais constantes dos artigos 20° da C.R.P., 47°, 1, 50° n." 1, 88°, 90° e 128°, todos do CIRE, devendo assim, ser reconhecido o crédito que a recorrente e o seu filho menor reclamaram nos presentes autos, nos moldes e nos termos constantes da douta reclamação de créditos de fls. e ss. dos autos.
A segunda recorrente apresenta essencialmente as mesmas questões.
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A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório.
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa apreciar:
- Da possibilidade de reclamação no processo de inventário de crédito decorrente de acidente de trabalho, ainda não caracterizado e fixado.
(Do caráter de crédito sob condição nos termos do artigo 50 do CIRE - entendimento alargado -; da possibilidade de reclamação de crédito controvertido, litigioso; Da violação do princípio constitucional do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva - artigo 20.°, n.º 1 da C.R.P)
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Defendem os recorrentes que os créditos podem ser admitidos como condicionais nos termos do artigo 50º do CIRE. Dispõe este normativo:
Créditos sob condição
1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto tanto por força da lei como de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de atos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.
No que respeita à condição suspensiva, a lei expressa-se de forma desconforme ao que resulta do artigo 270º do CC.. Luís Fernandes e João Labareda, CIRE anot. em nota ao artigo 50º, referem que se poderá ter pretendido alargar a noção a fim de abranger outras situações.
Pode concluir-se que o legislador pretendeu considerar também sob condição suspensiva “créditos cujo conteúdo esteja integralmente fixado mas cuja própria génese – isto é, o nascimento ou constituição para a ordem jurídica – seja deixada na contingência da futura condição de um facto que não se sabe se chegará a ocorrer.” – autores e local referidos.
O legislador terá pretendido alargar o conceito para efeitos de CIRE, sujeitando ao regime dos créditos sob condição suspensiva, em sentido próprio, situações em que podem vir a nascer créditos que ainda não possam ser exigidos.
Saliente-se que o nº 2 da norma aponta para este sentido lato, pois que refere; “são havidos designadamente, como créditos sob condição suspensiva”, ressaltando desde logo o caráter meramente exemplificativo; e de outro, os exemplos dados (als. a) e b), apontam igualmente para esse alargamento.
O artigo deve ser interpretado tendo em atenção as características próprias do CIRE e do processo de insolvência, onde todos os direitos de crédito devem ser reclamados pelos modos ali previstos, tendo o legislador em mente acautelar a contento os diversos interesses. Compreende-se assim um conceito lato de “condição suspensiva”, já que urgia compor os interesses dos credores titulares de direitos de créditos ou situações jurídicas potencialmente geradores de créditos, e os interesses do insolvente em não se ver de imediato responsabilizado dada a inexigibilidade imediata do crédito, e o dos restantes credores, em não verem diminuída intempestivamente a garantia patrimonial.
Através desde conceito lato, conjugado com o regime do artigo 181º, atinge-se uma sã composição dos diversos interesses em jogo.
O conceito parece abranger as situações relativas a créditos ainda não exigíveis. Mas tal não exigibilidade não tem a ver com o caráter controvertido do direito que se invoca, mas antes com o facto de, pressuposto não ser controvertido, não poder ainda ser exigido naquele tempo e modo.
Vejamos antes de avançar, a questão do caráter litigioso.
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- Da possibilidade de reclamação de crédito controvertido, litigioso.
Parece partir-se do princípio que os créditos controvertidos, litigiosos, não poderiam ser reclamados. A ser assim bastaria à empresa insolvente negar a existência dos créditos para os credores ficarem desprotegidos.
Pode reclamar quem se julgue credor, nos termos do artigo 128º, 1 do CIRE. Para os controvertidos, seja por força da não aceitação por parte do AI (quiçá já por parte da empresa declarada insolvente), seja porque impugnados por qualquer credor (tornando-se assim controvertidos, situação que pode ocorrer ainda que existe sentença com transito a reconhecê-lo, como resulta do artigo 128º, 3 ); para esses, dizia-mos, existe o processo de verificação consagrado nos artigos 130º ss, designadamente artigos 137º, 138º ss do CIRE.
Um crédito controvertido não é um crédito inexistente, é apenas isso, controvertido. O crédito é exigível ao devedor, o que não é judicialmente exigível por falta de título, daí a necessidade do credor que vê o seu crédito negado pelo devedor de se munir de título, intentando a ação tendo em vista declarar o seu direito. Mas não é a sentença que o constitui, ela reconhece-o, reconhece razão ao demandante.
Vigora no processo de insolvência o princípio da universalidade ou plenitude da instância – como decorre designadamente dos artigos 1º (processo de execução universal); 85º; 90º conjugado com o artº o 47º, nº 1 e 128º, 1 ss..
Decorre daqui que todos os credores devem fazer-se pagar no processo, sob pena de não mais (salvo os casos excecionais previstos no CIRE – verificação ulterior) poderem demandar o devedor e ver reintegrado o seu direito. Assim e adiantando já relativamente a um dos argumentos dos recorrentes, parece-nos que qualquer solução que implique a impossibilidade de um credor (ainda que o crédito seja controvertido) reclamar o seu crédito, implicaria violação do princípio constitucional do acesso ao direito – artigo 20º da CRP.
Vigora na insolvência o princípio da reclamação universal, “todos os créditos/todos os credores”.
No processo de insolvência verifica-se uma atribuição ampla de competência ao juiz para apreciar os créditos reclamados que se mostrem não reconhecidos e/ou impugnados, independentemente da respetiva matéria.
Este critério é de fácil aplicação na generalidade dos créditos, mas assim não é no que tange aos créditos laborais decorrentes de acidente de trabalho (com exceção dos não patrimoniais previstos no artigo 18º da L. 98/2009.).
É que nesta matéria estão também em causa relevantes interesses públicos. Embora assente na responsabilidade civil, constitui um regime especial, com regras muito próprias relativas ao cálculo, à remissão e a outras vertentes, informado por princípios de natureza pública - veja-se o artigo 78º da L. 98/2009 relativo à indisponibilidade, irrenunciabilidade e impenhorabilidade dos créditos; veja-se ao art. 12º da mesma lei relativo à nulidade de todos os acordos ou convenções contrárias aos direitos e garantias legalmente consagrados; veja-se a própria especificidade do processo de acidente de trabalho.
Conquanto assim seja, no nosso direito o regime dos acidentes de trabalho assenta de forma expressa numa responsabilidade privada, baseada nos pressupostos essências da responsabilidade objetiva, estando a entidade patronal, diretamente responsável, obrigada a transferir a responsabilidade – vejam-se os artigos 7º, 79º da citada lei, respondendo a entidade patronal em caso de não seguro – artº 79º, 5, da mesma lei.
A Responsabilidade decorre do risco, costumando fazer-se apela à teoria do risco profissional, nos termos da qual quem beneficia da atividade do trabalhador deve responder pelos riscos inerentes mesma; e mais concretamente na senda daquela, à teoria de formulação mais abrangente, do risco de autoridade ou risco empresarial, nos termos da qual se abrange o risco genérico ligado à noção de autoridade patronal (abrangendo os acidentes in itinere).
Contudo o regime apresenta características várias, como a circunstância de poderem ocorrer alterações com o decurso do tempo, como agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão que deu origem à reparação (estas não aplicável ao caso), caráter actualizável da pensão, e outras, algumas já acima aludidas, podendo surpreender-se concessões ao sistema de responsabilidade social no D.L. 142/99 que institui o Fundo de Acidentes de Trabalho (substitui o Fundo de Atualização de Pensões de Acidentes de Trabalho).
Previsto na L. 100/97, o fundo visa garantir as pensões, quando estas não possam ser pagas pelo responsável. Atual 82 (l. 98/2009)
No preambulo da L. refere-se que “… Para prevenir que, em caso algum, os pensionistas de acidentes de trabalho deixem de receber as pensões que lhe são devidas, prevê-se que o FAT garantirá o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.
… Relativamente ao regime de atualização de pensões, o presente diploma prevê a atualização nos mesmos termos do regime geral da segurança social e ainda um esquema voluntário de atualização de pensões acima do regime geral, assente na possibilidade conferida às empresas de seguros de constituírem fundos autónomos de investimento das provisões matemáticas de acidentes de trabalho

Este regime tem como consequência que o processo de acidente de trabalho sempre terá que correr, não sendo causa de inutilidade a declaração de insolvência da entidade patronal responsável (caso extremo que não ter seguro). É que, dados os interesses públicos que intercorrem no regime, o beneficiário, por um lado está sempre garantido e por outro não pode prescindir das pensões devidas, e mais, nem sequer, parece, pode receber antecipadamente o valor total (ainda que segundo o entendimento que vigora no cível, de atribuição de um montante que garanta o prejuízo havido mensalmente e se esgote no final do período). O beneficiário pode receber antecipadamente – por remissão - apenas nos moldes em que a lei o prevê, e é nos termos dos artigos 75º ss. da lei a que se vem aludindo, mas esta é questão que aqui não importa apreciar.
Como consequência disto o processo laboral sempre terá que correr. Contudo isso não implica que não assista aos recorrentes o direito de reclamarem os créditos na insolvência.
Saliente-se que o artigo 78º da referida lei estabelece que tais créditos gozam das garantias consagradas no CT. (artigo 333), o que aponta nesse sentido. No mesmo sentido apontam as regras já atrás referidas designadamente os artigos 47º, 1 e 90º do CIRE.
Sendo que qualquer credor pode impugnar os créditos reclamados ainda que decididos com trânsito (este apenas vincula as partes envolvidas, no caso, no processo laboral), para efeitos do CIRE, o juiz de insolvência tem competência para apreciar o reclamado.
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Retomemos a questão da natureza condicional ou não do crédito. O crédito reclamado, verificada a sua existência, não se encontra sujeito a qualquer condição suspensiva se entendermos esta nos termos do artigo 270º do CC. Verifica-se contudo que se trata de um direito a pensão a pagar, conforme os casos, mensalmente e enquanto viva for o beneficiário, e relativamente a filhos até aos 18, ou 22 ou 25 anos, ou sem limite de idade, conforme L. 98/2009 – art.s 60ss), e pressupondo igualmente a sobre vida deste. Quer isto dizer que as prestações vincendas ainda não são exigíveis, sendo que num conceito lato de condição suspensiva, pode dizer-se que dependem quer da sobre vida quer do decurso do tempo, quer das demais condições quanto ao filho do falecido, para serem exigíveis (sem prejuízo das regras próprias da responsabilidade infortunística, e referimo-nos às relativas à remição).
Aplicando-se o regime do artigo 181º nunca haverá o risco de prejudicar os restantes credores.
Nada obsta consequentemente a que os recorrentes reclamem os créditos em causa devendo os autos prosseguir para apreciação dos mesmos com a consequente apreciação da prova.
Intervindo o FAT no processo laboral assegurando as pensões nos termos do artigo 82º da L. 98/2009, poderá subrogar-se como prevê o artigo 5.º-B do D.L. 100/97 de 13/9..
Dispõe o artigo 5 referido:
1- O FAT fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e ou beneficiários, na medida dos pagamentos efetuados, bem como das respetivas provisões matemáticas, acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub-rogação.
2 - Os créditos abrangidos pelo presente decreto-lei gozam das garantias consignadas nos artigos 377.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto.
3 - A provisão matemática referida no n.º 1 é calculada de acordo com as bases técnicas e respetivas tabelas práticas de cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho, em vigor à data da constituição do crédito.
Com esta interpretação evita-se a violação da regra constitucional invocada pelos recorrentes.
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento aos recursos, revogando a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir para apreciação dos créditos infortunísticos reclamados.
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Custas pela massa.
Antero Veiga
Luísa Duarte
Raquel Rego