Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTERO VEIGA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS ACIDENTE DE TRABALHO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/06/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I - Vigora na insolvência o princípio da reclamação universal, devendo nela ser reclamados todos os créditos II - O crédito proveniente de acidente de trabalho sempre tem de ser feito valer no respetivo processo, não sendo causa da inutilidade deste a declaração de insolvência da entidade patronal responsável III - Tal não impede o credor de reclamar, sob condição, o seu crédito na insolvência | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. Nos autos principais foi declarada a insolvência de R…, Ldª. São recorrentes, N…, J… e L… N… e J…, os recorrentes, herdeiros de J…, trabalhador sinistrado, falecido a 12/10/2011, reclamaram créditos emergente de acidente de trabalho, que corre termos no processo 932/11.0T4AVR, serviços do MºPº de Barcelos. Referem que o falecido marido e pai foi admitido em Nov. de 2010, a termo incerto e verbalmente como estucador/amassador de tetos falsos. Auferia € 950,00 parte por transferência e parte em dinheiro, correspondendo o recibo, à parte paga por transferência. Acrescia subsídio de alimentação de € 6.41,00. Acrescia ainda trabalho extra, auferindo em média 1.100 € mensais. O falecido sofreu um acidente in itinere quando se dirigia do local de trabalho para o estaleiro. Reclamam para a primeira a pensão anual vitalícia e actualizável de € 4.455,37 (tendo por base 950 x12 + 6,41 x22 x 11), que a partir da idade da reforma passa a € 5.940,49. Assim reclama o montante de € 251.231,23 de pensão, mais juros desde 13/10/2011, mais € 5.533,70 de subsídio de morte, mais € 1.950,00 de despesas de funeral. O segundo reclama a pensão temporária e actualizável de € 2.970,24 até perfazer 18 ou 22 e 25 anos enquanto frequentar respetivamente o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior. Reclama o montante de € 74.256,00, mais juros e mais metade do subsídio por morte no montante de € 2.766,85. Reclama sob condição invocando o artigo 40 do CIRE. Reclamam ainda salários e outros direitos laborais. A recorrente L… reclamou igualmente créditos emergentes de acidente de trabalho. - Os recorrentes foram notificados pelo Sr. Administrador nos termos do artigo 129, 4 do CIRE do não reconhecimento dos créditos relativos ao acidente de trabalho, por se tratar de crédito controvertido, reconhecendo apenas outros. - Os recorrentes impugnaram a lista de créditos reconhecidos apresentada pelo AI, alegando que deveria ter sido reconhecido sob condição (art. 50º do CIRE) o crédito emergente de acidente de trabalho, cujo reconhecimento é objeto de processo judicial a correr termos no tribunal de trabalho. - No despacho saneador, considerando que os autos permitiram o conhecimento de mérito relativamente a tais créditos reclamados, decidiu-se julgar nesta parte improcedente a reclamação, considerando-se em designadamente que: “… Segundo o que está plasmado no art. 270º do C.Civil e é comummente ensinado pela doutrina, a condição consubstancia um facto (acontecimento) futuro e incerto a que é subordinada a produção de efeitos de um negócio jurídico, ou a resolução. Estamos, por isso, no domínio de um elemento que respeita à eficácia típica do negócio e não à sua validade ou constituição. Se, como resulta da lei, se trata de subordinar a eficácia do negócio a uma determinada ocorrência futura e incerta, então a condição é suspensiva, o que implica que o negócio, constituído e perfeito embora, não está ainda em termos de produzir os efeitos a que normalmente se destina, apesar de haver consequências jurídicas que decorrem da prática do ato (cfr., v.g., os arts. 272º a 274º do C.Civil). A circunstância, porém, de o negócio se encontrar já perfeitamente concluído é muito importante, visto que, como se vê do disposto no art. 276º, por regra, a verificação da condição projeta-se retroactivamente à data da conclusão do negócio – vide Luis A. Carvalho Fernandes e J. Labareda, CIRE Anotado, volume I, p. 237. Quando, diferentemente, um acontecimento futuro e incerto determina a resolução, então a condição diz-se resolutiva e a sua verificação faz cessar os efeitos do negócio. Ainda assim, não há nenhuma afetação da sua validade, sendo, aliás, certo que nos negócios de execução continuada ou periódica a verificação da condição, implicando embora a resolução, não determina a destruição das prestações já efetuadas, «exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vinculo que legitime a resolução de todas elas» (ex vi do art. 434º, nº 2, aplicável por força do art. 277º, nº 1, ambos do C.Civil) - vide Luis A. Carvalho Fernandes e J. Labareda, Ob. Cit., p. 237. Ora, como é bom de ver, em teoria geral de direito civil, um crédito condicional não é um crédito controvertido. Crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição. Por sua vez, o crédito controvertido é “inexistente” – no sentido de não poder ser exigido –, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado. Sucede que, segundo a opinião de vide Luis A. Carvalho Fernandes e J. Labareda, que aqui sufragamos, se naquilo que respeita à condição resolutiva ainda se pode dizer que os termos usados no nº 1 do art. 50º do CIRE, exprimem com rigor razoável a situação que se verifica, uma vez que a ocorrência do facto condicionante afeta a subsistência do negócio, é totalmente desadequada a definição escolhida para caracterizar a condição suspensiva, visto que, como se disse, não está em causa a constituição do negócio. Terá sido na consciência desta impropriedade que o legislador decidiu ressalvar que a noção adotada apenas releva para efeitos do CIRE. Ainda, assim, não há razão para pensar que um crédito constituído, cuja eficácia é subordinada a condição suspensiva, não é já um crédito condicional – ou «sob condição» - para efeitos do CIRE, embora se possa admitir, para o nº 1 do art. 50º ser útil, que se quis considerar também condicional o crédito cujo conteúdo esteja integralmente fixado mas cuja própria génese – isto é, o nascimento ou constituição na e para a ordem jurídica – seja deixada na contingência da futura verificação de um facto que não se sabe se chegará a ocorrer. In casu, os créditos reclamados que estão na génese da reclamação apresentada não são líquidos, e mesmo a sua existência encontra-se a ser dirimida no âmbito de processos judiciais a correr termos no tribunal de Trabalho. Tratam-se, pois, de créditos controvertidos ou litigiosos e não de créditos sob condição, portanto ainda não exigíveis…” - Inconformados com o decidido os recorrentes apresentaram recurso com as seguintes conclusões: Primeiros recorrentes: 1 ° - Nos presentes autos, o Mmo Juiz" a quo" decidiu não considerar os créditos reclamados sob condição emergentes de acidente de trabalho pela aqui credora impugnante e pelo seu filho, uma vez que entende que os mesmos não podem ser reconhecidos em virtude de não serem líquidos e tratarem-se de créditos controvertidos ou litigiosos. 2° - Salvo melhor opinião, entendemos que o crédito reclamado pela recorrente e pelo seu filho deve ser reconhecido, sob condição, ao abrigo do artigo 50° n." 1 do CIRE , lançando mão de um entendimento alargado de noção de crédito condicional, que venha a ser proferido em sede de decisão judicial. 3° - Isto simboliza que, o crédito até pode ser litigioso, mas não deixa de ser um crédito condicional, ou sob condição, e nesse sentido, a doutrina indica que " (...) o objetivo predominante que terá motivado o legislador a optar pelo alargamento da noção de condição suspensiva foi o de, para certos aspetos, sujeitar ao regime de créditos sob condição suspensiva, em sentido próprio, situações das quais podem vir a nascer créditos por exercício de um direito potestativo, o que pode compreender-se por razões prudenciais..) " - Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de empresas anotado, 2° edição, pág. 318. 4° - E da leitura do Acórdão Da Relação do Porto, Processo nº49/09.8TYVNG.Pl, in www.dgsi.pt, verificamos o supra indicado entendimento, sendo que o caráter controvertido do crédito não obsta à admissibilidade da reclamação e à respetiva verificação. 5° - Ora, nos presentes autos, o douto tribunal recorrido, ao possuir um entendimento diferente do citado, viola, na nossa humilde opinião, os princípios elementares constitucionalmente consagrados do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva - artigo 20.°, n. 1 da C.R.P. SENÃO VEJAMOS, 6° - O CIRE enuncia e estabelece os efeitos que a declaração de insolvência produz sobre as ações pendentes, dando assim cumprimento ao princípio processual da autossuficiência, efeitos previstos nos artigos 85° a 89° do CIRE. 7° - Sucede que, está a correr termos pelo processo n." 931/11.0T4AVR do tribunal de Trabalho de Barcelos ação com vista à indemnização por acidente de trabalho. No entanto, a declaração de insolvência do devedor ocorreu no decorrer da ação laboral, sem que o administrador tenha requerido a apensação da referida ação aos presentes autos, nos termos do artigo 86° do CIRE. 8° - Perante a não apensação da ação ao processo de insolvência, a aqui recorrente e o seu filho só podem exercer os seus direitos em conformidade com as regras do CIRE, nos termos do art." 90.° do referido diploma. 9° - Nesse sentido, a recorrente para obter o pagamento do crédito, mesmo litigioso, a que tem direito, só o pode fazer através da reclamação e a verificação do crédito que é feita no próprio processo de insolvência, de acordo com o artigo 128° do CIRE, pois a insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores ora pela recuperação da empresa, ora pela liquidação do património do devedor insolvente. 10° - E por força do n. 1 do artigo 47.° , verificamos que: "1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos da natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio" 11 ° - De acordo com o quadro supra exposto, à recorrente e ao seu filho somente existe a possibilidade de recorrerem à reclamação de créditos para reclamar o seu crédito declarado, para que o mesmo seja reconhecido, sob pena de nada servir a sentença de condenação em sede laboral, conforme infra veremos. 12°- E ao contrário do que o douto despacho saneador indica, a verdade é que a Jurisprudência já revela que " O pedido de insolvência pode ser baseado em crédito litigioso" - cfr. acórdão da Relação do Porto, processo n. 338/11.1TYVNG.P1, in www.dgsi.pt 13° - E por força do entendimento citado, e pelos motivos já alegados, o referido acórdão da relação do Porto refere ainda que também o credor litigioso deve reclamar o seu crédito: "(: .) Por isso, se considera que as razões que se podem alegar para admitir o credor condicional a requerer a insolvência, valem também para o credor de crédito litigioso. Se este fosse obrigado a esperar que o seu crédito fosse declarado por sentença transitada, poderia dar-se o caso de, na data do trânsito, o património do devedor já não existir. " Cfr. Acórdão da Relação do Porto, processo n. 338/11.1 TYVNG.Pl, in www.dgsi.pt, a referência à nota 10 diz respeito ao acórdão da Relação de Coimbra, de 26.5.2009, ambos in www.dgsi.pt 14 ° - Do exposto resulta que, o credor litigioso pode reclamar os seus créditos litigiosos, uma vez que são considerados condicionais. Se assim não fosse, uma vez transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor, de nada serviria a sentença proferida na ação instaurada contra o devedor por acidente de trabalho, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, porquanto jamais poderá tal decisão ser dada à execução para cumprimento coercivo por força do 88.° do CIRE. 15° - E própria recorrente e o seu filho menor de idade podem ficar completamente prejudicados pelo facto de na data da sentença laboral, já não existir património do devedor, e por esse meio, a mesma não poder ser ressarcida pelos seus créditos. 16° - Ao contrário do douto despacho saneador, é nosso humilde entendimento que nada obsta a que no processo de insolvência, nomeadamente na verificação de créditos, possa ser apreciada a questão da caracterização do acidente de trabalho de acordo com a lei 98/2009 de 04/09, bem como dos respetivos direitos dela decorrentes, nos termos previstos nos artigos 128.° a 140.° do CIRE. 17° - Uma vez que o tribunal onde corre o processo da insolvência tem competência material plena para poder decidir todos os litígios, incluindo aqueles que estão deferidos a tribunais de competência especializada, como os emergentes do acidente de trabalho, sendo que o juiz da insolvência possui os mesmos meios processuais que o juiz laboral para se pronunciar de mérito, se tal for necessário. 18° - Bem como, pode o douto tribunal" a quo", mesmo entendendo que os créditos não são líquidos, apesar de a recorrente e do seu filho terem reclamado os créditos devidos de forma bem explicita e líquida, determinar o montante correto do crédito reclamado, por força do exposto no artigo anterior. 19° - Assim, de acordo com os argumentos supra aduzidos, somos do entendimento que muito mal andou o tribunal recorrido ao não reconhecer os créditos reclamados em sede de processo de verificação e graduação de créditos, com base nos argumentos constantes no douto despacho saneador. 20° - Pelo que, foram violadas as disposições legais constantes dos artigos 20° da C.R.P., 47°, 1, 50° n." 1, 88°, 90° e 128°, todos do CIRE, devendo assim, ser reconhecido o crédito que a recorrente e o seu filho menor reclamaram nos presentes autos, nos moldes e nos termos constantes da douta reclamação de créditos de fls. e ss. dos autos. A segunda recorrente apresenta essencialmente as mesmas questões. *** A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório. Conhecendo do recurso: Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente. Importa apreciar: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento aos recursos, revogando a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir para apreciação dos créditos infortunísticos reclamados. |