Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
23/12.7TAVCT.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
AUSÊNCIA DO ARGUIDO NO ESTRANGEIRO
PRESENÇA DO ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – Não é viável a notificação do arguido por via postal simples em morada situada no estrangeiro, ainda que constante do TIR, porque tal forma de notificação implica que se observem os procedimentos previstos no nº 3 do art. 133 do CPP, nomeadamente que o distribuidor do serviço postal lavre uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, enviando-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
II – Igualmente não é bastante o envio de uma vulgar carta registada com aviso de receção, pois o aviso tem de indicar os procedimentos que os serviços postais deverão observar no caso do destinatário se recusar a assinar, se recusar a receber a carta, ou não ser encontrado.
III – O consentimento para que o julgamento se faça sem a presença do arguido (art. 334 nº 2 do CPP) é um ato em que ele prescinde de um direito eminentemente pessoal, que está para além da formulação duma mera estratégia de defesa. Por isso é irrelevante o consentimento dado pelo defensor, salvo se estiver munido de poderes especiais para o efeito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No 1º Juízo Criminal de Viana do Castelo, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 23/12.7TAVCT), foi proferida sentença que:

1 - absolveu o arguido José C... da prática, em coautoria material, do crime do art.143°, nº.1 do C.P., de que vinha acusado;
2 - como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143°, nº.1 do C.P., condenou o arguido Avelino G... na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 7 €uros, num total de 980 €uros; e
3 - como autor material de um crime de ameaça, p. e p. pelos arts.153°, nO.1 e 155°, nº 1, al. a) do C.P., condenou o arguido José C... na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 8 €uros, num total de 800 €uros.

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O arguido Avelino G... interpôs recurso desta sentença, suscitando as seguintes questões:

- argui a existência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova – art. 410 nº 2 als. a) e c) do CPP;

- impugna a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, a sua absolvição;

- invoca a violação do princípio in dúbio pro reo;


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Respondendo, o magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

Nesta instância, a sra. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido de ser declarada a nulidade insanável do art. 119 al. c) do CPP, por o arguido não estar devidamente notificado para comparecer em audiência.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO
No seu parecer a sra. procuradora geral adjunta arguiu a existência da nulidade insanável do art. 119 al. c) do CPP – a ausência do arguido no caso em que a lei exigir a respetiva comparência.
São duas as causas geradoras de tal nulidade.
Vejamos:
O arguido recorrente Avelino G... prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 94, tendo indicado uma residência em França – 39, rue M..., 87350 PANAZOL.
Tal inviabiliza que as notificações lhe sejam feitas por via postal simples, porque esta implica que se observem os procedimentos previstos no nº 3 do art. 133 do CPP, nomeadamente que o distribuidor do serviço postal lavre uma declaração indicando a data e confirmando o local exato do depósito, enviando-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. É um procedimento essencial para se garantir não só a cognoscibilidade por parte do destinatário do ato notificado, mas também a segurança na contagem dos prazos.
Talvez por esse motivo, o tribunal optou por notificar o arguido do despacho que designou dia para a audiência através de carta registada com aviso de receção (fls 134 e 147). É uma forma de notificação que está expressamente prevista para o ato no art. 313 nº 3 do CPP (que remete para a alínea b) do art. 113 – notificação por via postal registada).
Trata-se de uma forma de notificação que oferece ainda mais garantias do que a notificação por via postal simples, mas, também nela, a sua validade está dependente da observância de determinadas formalidades pelos funcionários dos serviços postais – v. nºs 6 e 7 do art. 113 do CPP. Não basta o envio duma vulgar carta de registada com aviso de receção. Nos termos daquelas normas, o aviso tem, nomeadamente, de indicar, com precisão, os procedimentos que os serviços postais deverão observar no caso do destinatário se recusar a assinar, se recusar a receber a carta, não ser encontrado, etc..
Nada disso consta do aviso que está a fls. 147. Perante ele, não é possível afirmar, sequer, que foi o arguido quem recebeu a carta com a notificação (no lugar destinado à assinatura apenas está escrito o nome “Fernandes”, que poderá ser, ou não, a letra do punho do arguido). Também nenhuma menção indica a data em que foi entregue a carta.
Não podia, pois, considerar-se que o arguido estava regularmente notificado da audiência de julgamento.
Ora, a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119 do CPP também se verifica quando o arguido está ausente processualmente, por não lhe ter sido garantido o direito de ser ouvido no julgamento, direito esse que só se mostra plenamente garantido quando são observadas as normas legais que regulam a sua notificação.
O prosseguimento da audiência sem a presença do arguido tem sempre como pressuposto que ele foi «regularmente notificado» da data para ela designada. É uma asserção que vale quer se trate da aplicação das normas dos nºs 1 e 2 do art. 333 do CPP, quer da norma do art. 334 nº 2 do CPP.
Uma vez que, pelas razões apontadas, não se pode considerar que o arguido recorrente estava regularmente notificado da data da audiência em que não esteve presente, foi cometida a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119 do CPP, a qual determina a invalidade da audiência realizada e, consequentemente, a da sentença que, na sua sequência, foi proferida – v. ac. Rel. Lisboa de 25-2-2004, Proc. 10011/2003-3, citado por Vinício Ribeiro, em anotação ao CPP, Coimbra Editora, ed. 2008.
Só mais uma nota:
É certo que na contestação o arguido requereu que a audiência de julgamento tivesse lugar na sua ausência, nos termos do art. 334 nº 2 do CPP.
Porém, isso não afasta o juízo de que a realização da audiência de julgamento, sem a presença física do arguido, que não tenha sido regularmente notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119 do CPP. Só o arguido notificado está na posse de todos os elementos necessários para, perante o caso concreto, decidir requerer ou consentir que a audiência se realize sem a sua presença.
Acresce que o consentimento a que alude o art. 334 nº 2 do CPP, além de ter de ser expresso (não pode ser meramente tácito), é um ato em que o arguido prescinde de um direito eminentemente pessoal, que está para além da formulação duma mera estratégia de defesa. Por isso, “este direito do arguido só pode ser por ele exercido e não pelo seu defensor, salvo se este estiver munido de poderes especiais emitidos para esse concreto efeito (…). A realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, a requerimento do defensor munido de poderes gerais, constitui uma nulidade insanável (art.119 al. c” – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, 3º ed, pag. 839, onde igualmente se indica jurisprudência de tribunais da relação no mesmo sentido.
O arguido não subscreveu declaração no sentido indicado, nem a sua defensora tinha poderes para tal.
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A nulidade em causa é de conhecimento oficioso e, quando detetada, deve ser declarada em qualquer fase do procedimento (art. 119 do CPP).
Não resultando dos factos que houve comparticipação do coarguido José C... (não recorrente), relativamente ao crime imputado ao recorrente Avelino Gomes, a declaração de nulidade não afeta a condenação do José Cerqueira – art. 402 nº 2 al. a) do CPP.
A declaração de nulidade prejudica o conhecimento das questões suscitadas no recurso, devendo o tribunal, com vista ao julgamento do arguido Avelino Gomes, tomar os procedimentos que considerar adequados, no pressuposto de que as nulidades declaradas têm o âmbito acima indicado.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, relativamente ao arguido recorrente Avelino G..., declaram a nulidade de todo o processado a partir do início da audiência de julgamento.
Sem custas.