Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6480/08.9TBBRG.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: PEDIDO
JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O autor, ao formular o pedido, solicita ao tribunal uma concreta providência processual que entende adequada para a tutela duma situação jurídica ou dum interesse que afirma legalmente protegido.
II - Pretender a condenação da Ré “no mais que for de lei”, não pode ser entendido como um pedido, pois que tal pretensão não constitui uma providência processual concretizada nem sequer concretizável, não especificando qualquer a prestação que se pretenda obter do demandado.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
J,,,,, divorciado, advogado, intentou a presente acção com processo sumário, contra P…, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe:
- a quantia de € 24.500,00 referente a honorários;
- a quantia de € 5.145,00, respeitante ao respectivo IVA;
- custas e procuradoria, em valor nunca inferior a € 2.500,00, “e ainda em tudo o mais que for de lei.”
Para tanto alega em síntese que, no exercício da sua actividade de Advogado, prestou à Ré vários serviços jurídicos, designadamente em processos judiciais e no âmbito de uma reclamação de créditos em sede de execução fiscal, cujos honorários, que ainda não lhe foram pagos, ascendem ao montante de € 24.500,00, acrescido de IVA, à taxa de 21%.
A Ré contestou, admitindo a prestação dos alegados serviços pelo Autor. Alegou contudo que o Autor lhe solicitou, em Setembro de 2008, o pagamento dos honorários ora peticionados, sem que a acção executiva em que o mesmo a patrocinava se mostrasse finda e que o mesmo nunca lhe deu conhecimento da nota de honorários, apesar lha haver solicitado. Mais alegou que já pagou, a título de adiantamento de honorários, a soma de € 4.020,00 e a título de provisão para despesas os valores discriminados no art. 25º do seu articulado.
O Autor respondeu à contestação, alegando ter entregue à Ré a nota de honorários por esta junta com a mesma contestação, em 14.07.2008. Impugnou ainda o pagamento parcial dos honorários alegado pela Ré.

Foi proferido despacho saneador tabelar, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto, atenta a simplicidade da factualidade articulada.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e decidiu-se sobre a matéria de facto, sem que tenha sido apresentada qualquer reclamação.

Foi admitida a redução do pedido requerida pelo Autor no que concerne ao valor do IVA, de € 5.145,00, (por este se encontrar isento de tal imposto).

Proferida a sentença, julgou-se parcialmente procedente a presente acção, decidindo-se:
“A) Condenar a Ré P… a pagar ao Autor J… a quantia de €14.590,00.
B) Absolver a Ré do demais peticionado.
D) Condenar Autor e Ré nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, considerando-se que o decaimento da Ré é no montante de € 23.020,00.”

Inconformado, o Autor interpôs recurso da sentença, que foi admitido, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1ª. Às partes compete apresentar factos, ao Tribunal compete aplicar a lei.
2ª. O Apelante, na parte final do item 3° do seu petitório, pede, para além do mais, a condenação da Apelada “no mais que for de lei”.
3ª. É de lei, n°s 1 e 2 do art. 806° do Cód. Civil - que a indemnização na obrigação pecuniária corresponde aos juros legais a contar da constituição em mora.
4ª. E, como resulta dos autos, é pecuniária a obrigação da Apelada e, interposta em 10.10.2008 a presente Acção a reclamar o seu pagamento, é esta a data a considerar para efeitos da constituição em mora.
5ª. Ao montante da dívida dada como provada nesta Acção - 23 020,00€ - (24 500,00€ menos 1 400,00€, menos 80,00€) deve ser deduzida a quantia de 8 430,00€ entregue pela Apelada em 16.12.2008, já na pendência desta Acção, reduzindo-se, a partir dessa data, a quantia peticionada para o montante de 14 590€, pelo que, os juros de mora deverão incidir sobre aquele primeiro montante desde 10/10/08 até 16.12.2008 e sobre este último, desde esta data até integral pagamento.
6- Ao não condenar a Apelada, - como foi pedido pelo Apelante, - o Tribunal “a quo” violou o disposto nos n.ºs 1 e 2 do mencionado art. 806° do Cód. Civil.

Não foi apresentada resposta às alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, a questão a decidir por este tribunal é a de saber se o tribunal a quo devia ter condenado a Ré a pagar ao Autor juros de mora.

Os factos provados que fundamentaram a decisão recorrida são os seguintes:
1. Em Dezembro de 2004, em nome da Ré, o ora Autor, deduziu em processo de execução fiscal instaurado pela Fazenda Nacional contra R… e mulher, reclamação de créditos que correu termos sob o Proc. n.º 91/05 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
2. Nessa reclamação foram reclamados dois créditos garantidos por hipotecas voluntárias inscritas no registo predial a favor da ora Ré, pelas apresentações de 16.04.2003 e 20.07.2004, sobre o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 106, hipotecas essas para garantia de dois créditos no valor máximo, respectivamente, de € 14.000,00, com juro anual de 3%, acrescido de € 25.000,00 em caso de mora; e de € 45.800,00, com juro anual de 4%, acrescido de € 5.000,00 em caso de mora – cfr. p.i. e sentença que integram a certidão junta pelo A. como doc. n.º 1 na audiência de julgamento e cujo teor se dá por reproduzido.
3. A reclamação de créditos referida nos números antecedentes veio a ser impugnada pelos aí Executados/Reclamados, nos termos e com os fundamentos constantes do articulado que integra a certidão junta pelo A. como doc. n.º 1 na audiência de julgamento e cujo teor se dá por reproduzido; impugnação essa que mereceu resposta apresentada pelo ora Autor, em representação da ora Ré, aí Reclamante, nos termos e com os fundamentos constantes do respectivo articulado que integra a certidão junta pelo A. como doc. n.º 1 na audiência de julgamento e cujo teor se dá por reproduzido.
4. Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, em 31.01.2006, foram verificados e graduados os créditos reclamados pela ora Ré, mencionados em 2º, nos termos exarados na aludida decisão que integra a certidão junta pelo A. como doc. n.º 1 na audiência de julgamento e cujo teor se dá por reproduzido.
5. O Autor recebeu instruções da R. para proceder à cobrança dos empréstimos pela via executiva.
6. A cobrança pela via executiva suscitou várias questões técnicas, tendo o Autor, após a necessária e cuidada ponderação, e com o conhecimento da Ré e no interesse desta, optado por executar conjuntamente os dois empréstimos.
7. Em 21 de Junho de 2006 foi instaurada pela ora Ré, contra R… e mulher, a acção executiva para pagamento de quantia certa que correu termos na Vara Mista deste Tribunal sob o n.º 5136/06.1TBBRG, para cobrança de dois contratos de mútuo com hipoteca, sendo a quantia exequenda de € 232.764,00, na qual juntou procuração a favor do ora Autor – cfr. certidão do requerimento executivo e procuração juntos aos autos pelo A. em audiência de julgamento como doc. n.º 2, cujo teor se dá por reproduzido.
8. No âmbito dessa execução foi deduzida oposição à execução à qual respondeu a ora Autora, aí Exequente, nos termos e com os fundamentos constantes do respectivo articulado que integra a certidão junta pelo A. como doc. n.º 2 na audiência de julgamento e cujo teor se dá por reproduzido.
9. Foram requeridas, em 13.04.2007, por R… e mulher, duas notificações judicias avulsas dirigidas à ora Ré, que esta recebeu, notificações essas que integram a certidão junta pelo A. como doc. n.º 2 na audiência de julgamento e cujo teor se dá por reproduzido.
10. Nessa sequência, o Autor aconselhou a Ré a não abrir a porta a estranhos.
11. A Ré procedeu como tinha sido aconselhada pelo ora Autor e nada aconteceu que justificasse a sua presença.
12. Em 27.04.2007 foi apresentado pela Executada/oponente no processo referido em 7. um articulado superveniente, ao qual a ora Ré, aí Exequente/oponida respondeu, em 17.05.2007, nos termos e com os fundamentos constantes dos articulados respectivos que integram a certidão junta pelo A. como doc. n.º 1 na audiência de julgamento e cujo teor se dá por reproduzido.

O DIREITO
Pretende o Autor que se condene a Ré a pagar-lhe juros de mora sobre a quantia em que esta foi já condenada na primeira instância.
Argumenta que, na parte final do item 3 do seu petitório, pede, para além do mais, a condenação “no mais que for de lei”, sendo de lei nos termos do art.º 806.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil, dispõe que a indemnização na obrigação pecuniária corresponde aos juros legais a contar da constituição em mora.
Adiantamos desde já que, em nosso entender, não assiste qualquer razão ao Apelante.
De acordo com o disposto no art.º 467.º n.º 1 al e) do Código de Processo Civil, na petição inicial, através da qual que se propõe a acção, deve o autor formular o pedido, isto é, deve solicitar ao tribunal “a providência processual que entenda adequada para a tutela duma situação jurídica ou dum interesse que afirma legalmente protegido.” Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Vivil Coimbra editora, 2006, I.4.6 pag 56.
É esse pedido, fundado na causa de pedir, ou seja no facto constitutivo da situação jurídica que se pretende fazer valer, que determina o objecto do processo, condicionando a actividade do juiz quando profere a sentença de mérito: como decorre do disposto no art.º 661.º n.º 1 do CPC, limitado pelos pedidos das partes, o juiz, não pode, na sentença, seja esta absolutória ou condenatória, pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida, sob pena de a sentença ser nula (art.º 668.º n.º 1 al d) do CPC).
Porque como refere Alberto dos Reis, “o pedido concretiza-se na espécie de providência que o Autor quer receber do juiz” Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol II, Coimbra 1945, pag. 362., pelo que é imperioso que seja formulado de modo a que se perceba qual é “o seu pensamento”, qual é concreto efeito jurídico que se propõe obter. E, como escreve o mesmo autor, se a acção for de condenação, há-de especificar-se na petição inicial a prestação que o Réu tem de satisfazer Código de Processo Civil anotado, vol II, pag. 362.. Se o pedido for obscuro, ininteligível, ou pura e simplesmente não for formulado, então a petição será inepta, gerando nulidade de todo o processado ( art.º 197.n.ºs 1 e 2 do CPC).
Ora, lida a petição inicial, facilmente verificamos que o Autor não formulou qualquer pedido com vista à condenação da Ré no pagamento de juros de mora a incidir sobre a quantia que alegou ser-lhe devida a título de honorários.
A pretendida condenação da Ré “no mais que for de lei”, não pode ser entendida como um pedido, isto é, não constitui uma providência processual concretizada nem sequer concretizável, Como é óbvio não estamos perante um pedido genérico nos termos em que a lei o permite formular ( art.º 471.º do CPC). pois que não especifica qualquer prestação que se pretenda obter da Ré, designadamente o pagamento de qualquer quantia a título de juros de mora.
Assim sendo, bem andou o Mm.º Juiz a quo, ao não se pronunciou sobre a questão de saber se eram ou não devidos juros de mora pela Ré, respeitando os limites da condenação nos termos determinados pelo art.º 661.º do CPC.
Improcede pois a apelação.

III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença apelada.

Custas pelo Apelante.
Notifique.

Guimarães, 12 de Maio de 2011
Isabel Rocha
Manuel Bargado
Helena Melo


SUMÁRIO
I- O autor, ao formular o pedido, solicita ao tribunal uma concreta providência processual que entende adequada para a tutela duma situação jurídica ou dum interesse que afirma legalmente protegido.
II- Pretender a condenação da Ré “no mais que for de lei”, não pode ser entendido como um pedido, pois que tal pretensão não constitui uma providência processual concretizada nem sequer concretizável, não especificando qualquer a prestação que se pretenda obter do demandado.