Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1789/03.0TBEPS.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - A interrupção da instância só se verifica se tiver havido uma apreciação por parte do julgador sobre as razões da paralisação do processo, tendo por isso que ser declarada por decisão judicial.
II - O prazo da deserção da instância conta-se a partir da notificação às partes, que é obrigatória, do despacho que declara a interrupção.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

[A] Lima requereu inventário para partilha da herança aberta por falecimento de [J] e [M].

Indicou como descendestes, além dele próprio os seguintes interessados:

[T], [M], [E] e [M].

Foram tomadas declarações à cabeça de casal e foi junta a relação de bens.

A folhas 129 dos autos, em 13/07/2006, foi proferido o seguinte despacho: "Aguardem os autos o impulso processual das partes, sem prejuízo do art. 51 do C.C.J."

A folhas 138 em 29/11/2006 foram remetidos os autos à conta.

A folhas 170 em 1/10/2007, foi proferido o seguinte despacho. "Julgo interrompida a instância nos termos do artigo 285° do C PC." "Aguardem os autos, no arquivo, o prazo de deserção".

A folhas 171 e 172 constata-se a notificação, do despacho, de folhas 170 apenas às partes que tinham mandatário constituído, não se verificando a notificação dos restantes interessados.

A folhas 179, em 14/09/2010, todos os interessados dão entrada na secretaria do Termo de Transacção quanto à partilha.

A folhas 208 em 22/09/2010, é proferido o seguinte despacho:

A presente instância foi declarada interrompida por despacho de 1/10/2007. Independentemente de qualquer despacho, encontra-se extinta, por deserção, desde 1/10/2009, nos termos dos arts. 291.º, n.º 1, e 287.º, alínea c), do CPC.

Pelo exposto decide-se:

A) Julgar extinta a instância, por deserção, desde 1/10/2009;

B) Indeferir a homologação de transacção ora requerida.”

Inconformada a cabeça de casal agrava deste despacho apresentando as seguintes conclusões:

3 - O primeiro fundamento, ou razão é de que o despacho que declarou interrompida a instância, proferido a folhas 170, dos autos em 1/10/2007 não transitou em julgado.

4- O segundo fundamento reside, e que vai de encontro da jurisprudência deste tribunal é de que a extinção da instância, por deserção, não se produz automaticamente, pelo simples facto de ter ocorrido o lapso de tempo marcado no artigo 291°. n° 1. e neste segmento o entendimento, de que para que ocorra a extinção da instância, com base na deserção, necessário se torna a prolação de sentença a julgar extinta a instância, por deserção, nos termos das disposições conjugados dos artigos 291°, n. l e 4 e artigo 287°. alínea e), ambos do C.P.Civil.

5 - Entendemos por isso e ainda de acordo com a jurisprudência desta Relação, não obstante o decurso do prazo para a deserção da instância, enquanto não houver decisão judicial a declarar a extinção da instância, por deserção, as partes podem dar impulso ao processo, devendo em tais circunstâncias admitir-se o andamento do processo.

7 - O despacho proferido em 1/10/2007 que declarou interrompida a instância, não transitou em julgado.

8 - E não transitou em julgado, porque, pelo menos a interessada, Eva Torres de Lima, que não tem mandatário constituído, não foi notificada do despacho que declarou interrompida a instância.

9 – Ora, não transitado tal despacho, não pode haver lugar a deserção.

10 - Tal entendimento tem como pressuposto de que todos interessados tenham constituído ou não mandatário, teriam que ser notificados de tal despacho.

11- Isto porque, no processo de inventário, de acordo com o preceituado no artigo 1327° do C.P.C., tem legitimidade para intervirem, corno partes principais, em todos os actos e termos do processo os interessados directos na partilha.

12 - lmpondo o artigo 1328" do mesmo diploma legal, que: "'as notificações aos interessados no inventário, ou respectivos mandatários judiciais, para os actos e termos do processo para que estão legitimados, nos termos do artigo anterior, e das decisões que lhes respeitem, são efectuadas conforme o disposto na parte geral deste Código".

13- Assim e de acordo com o consignado no artigo 229° do C.P.C, devem ser comunicadas todas as decisões relativamente às quais a lei preveja a notificação ou de que possa resultar algum prejuízo.

l4 - Como refere, o Professor José Alberto dos Reis. in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2°. as partes têm de ser informadas, por meio de notificação, dos actos ou factos que vão ocorrendo no processo e cujo conhecimento pode ter para elas interesse.

15 - O despacho de interrupção da instância é do interesse de todos os interessados do inventário.

16- Face ao disposto no artigo 228 n° 2 do C.P.C., tudo quanto acontece no processo é levado a título oficial às partes, através de notificação.

19 - O prazo para que seja declarada a deserção da instância nos termos do art. 291° do C.P. Civil, conta-se a partir da data do despacho que declarou interrompida a instância.

27 - O despacho recorrido violou as seguintes disposições legais do Código de Processo Civil: 228° n. 2. 229°, 285°, 287°, alínea c), 291, n° l e 4, 1327°. 1328°.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, há que conhecer dos recursos.
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De relevante para o conhecimento do objecto do recurso temos a factualidade que resulta do precedente relatório.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se o Mmº Juiz podia considerar a instância deserta, ou declarar a deserção após o requerimento de fls. 179, com o qual foi junto documento particular de transacção, e se o prazo para deserção correu, em virtude de o despacho que determinou a interrupção não ter sido notificado a todos os interessados.
Vejamos os termos da lei.

Dispõe o artigo 285.º do CPC.:

“A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento.”.

A interrupção depende de o processo estar paralisado pelo período de mais de um ano, devido a inércia das partes.

Refere Alberto Dos Reis (Comentário ao CPC, vol. III, pág. 339 e 340), que a interrupção “deriva da inércia das partes, e nomeadamente na inércia do autor… a interrupção da instância tem o claro sentido de sanção imposta por lei à inobservância do ónus formulado no artigo 264º” (Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. III, pág. 339 e 340).

O que está na base no artigo é a ideia de que as partes têm o dever de se “mostrar activas, isto é, de promover, com solicitude, o andamento do processo”. Mesmo autor a pág. 328 e 329.

Também a deserção constitui uma sanção à parte pela sua inércia, tendo em atenção o ónus de impulso processual que lhe compete. É pacífico não depender esta de iniciativa da parte beneficiada, nem de decisão judicial, o que flui dos próprios termos do nº 1 do artigo 291º do CPC, nos termos do qual se considera deserta a instancia independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.

No sentido de que o normativo é inspirado “pela ideia de presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual”, Ac. STJ de 28/2/08, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 08B520, contra a opinião de Alberto Reis, que refere ter a nossa lei seguido o fundamento objectivo – Com. CPC, Vol. III, pág. 435 e ss..

Resta saber se a deserção depende ou não de a interrupção ter sido declarada por despacho, e de à parte onerada haver sido notificado desse despacho, e desde quando conta o prazo para a deserção.

Relativamente ao critério de contagem do prazo para deserção, entendem uns que o termo inicial é o despacho que declara interrompida a instância, outros entendem que o início da contagem do prazo de deserção resulta da análise da tramitação processual e não do despacho que determina a interrupção da instância.

O entendimento que dispensa a prolação de despacho a declarar a interrupção não tem tido acolhimento superior.

A interrupção da instância implica uma apreciação por parte do julgador sobre as razões da paralisação do processo, tendo por isso que ser declarada por decisão judicial (Ac. STJ, de 13 de Maio de 2003, 15 de Junho de 2004, 8 de Junho de 2006, disponíveis em www.dgsi.pt, com os nºs de processo 03A84, 04A1992 e 06A15119, STJ de 28/2/08, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 08B520.

Este entendimento é praticamente unânime ao nível do STJ. No entanto no sentido de ser bastante o despacho a mandar aguardar o prazo de interrupção, por conter tal despacho implicitamente a informação de que os autos estão a aguardar o decurso do prazo de interrupção, Ac. STJ de 14 de Setembro de 2006, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 06B2400.

Serve o despacho igualmente para chamar a atenção das partes de que decorreu o período de paralisação já decorreu.

Da conjugação dos artigos 285 e 291 do CPC resulta a necessidade de despacho a declará-la, para o caso da interrupção. Pressupõe-se uma decisão judicial que aprecie a real verificação da inércia da parte, pressupõe-se a necessidade de um juízo sobre a diligência da parte onerada com o ónus do impulso processual.

O prazo para a deserção conta-se a partir do despacho que a declara.

Tal entendimento é mais conforme à filosofia que subjaz ao moderno direito processual, cada vez mais um instrumento visando a justa composição dos litígios e não um acervo de normas e ritos potencialmente utilizáveis para torpedear e evitar a composição justa do litígio, e em que a cooperação entre as partes e o tribunal assume relevante preponderância, tendo em vista tais objectivos – assim os artigos 265-A, 265, 266 do CPC-. Tal implica que as expectativas das partes quanto ao tempo de prolação dos despachos não sejam de todo fraudadas.

Com este entendimento evita-se surpreender a parte com um despacho declarando a interrupção, muito tempo após o decurso do prazo desta, sem que o julgador, aqui sem culpa daquela, tenha apreciado a sua conduta inerte e a tenha considerado negligente. A ocorrer atraso na prolação do despacho, deve então ser a partir desse que se conta o prazo de deserção. Na verdade, defendendo-se a tese de que o prazo corre independentemente do despacho, nada parece obstar a que o mesmo seja proferido aquando da prolação do despacho a determinar o arquivamento dos autos por deserção, o que afinal se volveria numa inutilidade do ponto de vista das partes. Dizer-se então que a interrupção necessita ser declarada por despacho, ou não o ser, para aquelas vale o mesmo, em tal situação limite.

No sentido defendido vd. Ac. STJ de 28/2/08, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 08B520 no qual se refere:

“… a fim de que não haja incerteza sobre o momento concreto em que foi verificada a existência dos pressupostos da interrupção da instância, a lei exige, porque não o dispensa, ao invés do que ocorre com a deserção da instância, a prolação de despacho para o efeito. A interrupção da instância não opera, pois, automaticamente pelo mero decurso do prazo, antes pressupõe uma decisão judicial, a partir da qual se verifica a referida situação, projectando, a partir da verificação de uma situação processual objectiva, os seus efeitos para o futuro.

Assim, a interrupção da instância pressupõe a paragem do processo por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos e a existência de um despacho que a declare”.

No mesmo sentido – contagem do prazo para deserção do despacho a declarar a interrupção – STJ de 31/1/07, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 06B3632; Ac. STJ de 11/2/93 sumariado em www.dgsi.pt/jstj, processo nº 084236, no sentido de que a interrupção da instância deve ser decretada por despacho, sem o que não corre o prazo para a deserção da instância; Ac. da RE de 17.11.1998, in CJ, Tomo V, pág 236.

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Pressupõe-se também que a parte onerada com o dever do impulso processual foi notificada desse despacho.

Ora, no presente caso, o despacho a declarar a interrupção foi proferido a 1/10/2007.

Assim à data do requerimento (14/9/2010) já haviam decorrido mais de dois anos. Contudo o despacho apenas foi notificado aos advogados constituídos no processo. Nem todos os interessados estão representados por advogado.

Todos os interessados têm o poder de intervir no processo, impulsionando os seus termos, como resulta do artigo 1327º do CPC.

Por sua vez o artigo 1328º refere expressamente que as notificações aos interessados no inventário, ou respectivo mandatário judicial (se o tiverem), para os actos e termos do processo para que estão legitimados, nos termos do artigo anterior, e das decisões que lhes respeitem, são efectuadas conforme o disposto na parte geral deste código.

Assim, todos os interessados deveriam ter sido notificados nos termos do artigo 229º do CPC, ficando desse modo habilitados a poder impulsionar o processo e/ou controlar o impulso por parte da cabeça de casal. Sendo assim, não podia ter sido constatada a deserção, por impossibilidade de a mesma ocorrer, devendo apreciar-se o requerimento efectuado nos autos.

Procede consequentemente o agravo.

DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o agravo, dando sem efeito a decisão recorrida que deve ser substituída por outra apreciando o requerimento efectuado.
Sem Custas

Guimarães, 13 de Outubro de 2011
Antero Veiga
Luísa Duarte
Raquel Rego