Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5632/12.1TBBRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACÇÃO DECLARATIVA
ACÇÃO DE DIVIDA
SUSPENSÃO
PER
PROCEDIMENTO DE RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: 1. No procedimento da resolução, a suspensão das ações judiciais em curso e o obstáculo á dedução de novas ações aplica-se apenas aos “credores envolvidos” e decorre do período de suspensão aludido no princípio quarto.
2. No processo especial de revitalização, tdecorre do despacho que nomeia administrador provisório (al. a) do nº 3 do 17-C, do CIRE), e aplica-se a todos os credores, referindo-se apenas a ações “tendo em vista cobrança de dívidas – artigo 17-E do CIRE.”
3. Todas as ações e não apenas as executivas devem ser suspensas, por via da instauração de processo especial de revitalização, contando que aquelas se destinem à cobrança de dívidas contra o devedor; já não se está em causa o cumprimento do contrato.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA Sociedade Imobiliária, S.A., id. nos autos, instaurou ação declarativa comum ordinária contra:

BB Construções…, S.A., pedindo a condenação desta a cumprir integralmente os contratos de empreitada celebrados… a corrigir; eliminar ou retificar qualquer defeito que venha a detetar…entregar todos os documentos, livros, certificados, que da sua parte façam falta, descriminados em 53 da petição, para obtenção da licença de habitação/ocupação; no pagamento das multas e penalidades pelo atraso e indemnização de prejuízos, no montante de € 1.736.445,72; no pagamento do valor diário de multa e penalidades que se vencerem; a ressarcir todos os demais danos e prejuízos resultantes do incumprimento …; em alternativa aos três primeiros pedidos seja condenada a pagar a totalidade do custo da obra e materiais que vier a ser necessário despender….

Invoca dois contratos de empreitada, referenciados no artigo 3 da petição.

Houve contestação e réplica.

Elaborada a base instrutória prosseguiram os autos para julgamento, tendo havido ampliação do pedido, admitida a 13/6/2014.

Terminado o julgamento e conclusos os autos para decisão o Mmº juiz proferiu despacho a 15/7/2014, determinando a suspensão da instância até conclusão das negociações no âmbito do processo de revitalização da ré.

Consta do despacho:

No momento em que se encontrava em elaboração a sentença respeitante aos presentes autos chegou ao meu conhecimento pessoal que a Ré “BB Construções…, S.A.” instaurou, processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto nos arts. 17º-A e segs. do CIRE.

Esse processo encontra-se pendente no 4º Juízo Cível deste tribunal sob o nº …, no âmbito do qual foi na mesma data nomeado administrador judicial provisório.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do mesmo código, esta decisão obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende as ações em curso (art. 17º-E nº 1 do CIRE).

Esta suspensão abrange, naturalmente, a presente ação, não sendo aplicável a esta causa de suspensão da instância o disposto no art. 271º, 2ª. parte, do C.P.C..

Aliás, a suspensão dos autos nesta fase processual justifica-se de forma ainda mais evidente, pois a eventual aprovação e homologação de um plano de recuperação determinará a extinção da instância (caso o mesmo não preveja o prosseguimento destes autos), o que tornaria inútil a prolação de sentença que entretanto viesse a ser proferida.

Pelo exposto, determino a suspensão da presente instância até à conclusão das negociações...

Inconformada com o despacho a autora interpor recurso de apelação apresentando as seguintes conclusões:

1. Compulsando a respetiva causa de pedir desta demanda e lendo o pedido com que a PI é concluída, logo se pode verificar que não estamos perante uma Ação Judicial para mera cobrança de dívidas",

2. Antes, seja a causa de pedir, seja o pedido, evidencia tratar-se de uma ação que transporta em si questões de facto e de direito bem mais complexas e de âmbito que, em caso algum, o aludido PER que a devedora instaurou já depois do final da respetiva audiência de julgamento, abarcará.

3. Efetivamente, o peticionado nas aIs. a), b, c) e f) do petitório inicial supra transcrito, não pode ser incluído no âmbito da denominada e, aparentemente simples, cobrança de dividas.

4. Mesmo o constante nas aIs. d) e e) desse mesmo petitório inicial, mau grado representar e dizer respeito à reclamação do pagamento de uma quantia pecuniária, carece daquela previa declaração de incumprimento contratual por banda do empreiteiro da obra, aqui sociedade R.

5. O mesmo se devendo interpretar e concluir do que vem peticionado na al. g) do elenco daquele petitório inicial também supra transcrito.

6. Acresce dizer ainda a esse respeito que a sociedade R. em momento algum, seja antes, seja depois da apresentação em juízo daquele seu requerimento do PER reconheceu a sociedade aqui A. como credora, tal como nunca e até ao dia de hoje lhe dirigiu qualquer convite para encetar negociações relativamente ao PER a que se abalançou- "…" art. 17º-D nº 1 e 6 e ainda 17º-E nº 1 do CIRE.

7. Resulta, por isso, daqui que esta ação declarativa ordinária não é enquadrável no que vem escrito no nº 1 do art. 17º-E do CIRE.

8. Resulta daqui, salvo o devido e merecido respeito que não deve ser decretada nesta ação declarativa ordinária, com causa de pedir e pedido bem mais complexo do que uma mera ação para cobrança de dívidas, a suspensão da instância em razão da mera apresentação em juízo do dito PER - aplicação conjugada das supra citadas normas legais e ainda dos arts. 2º e 20º da CRP e arts, 22 e, por outro lado, arts. 269, 271, 272 “ a contrario" do CPC.

Por outro lado,

9. O crédito reclamado pela A., e que apenas dizia respeito à soma do valor das multas entretanto contabilizadas, não foi reconhecido pelo senhor Administrador Judicial Provisório para o efeito nomeado, o qual justificou tal opção pelo facto, no seu dizer, de ... aderir por inteiro à tese explanada pela sociedade R. na respetiva Contestação que se encontra junta a estes autos .. "

10. Por aqui também se vê que no âmbito do aludido PER, nem provisoriamente foi reconhecido o crédito correspondente à mera soma do valor das multas devidas pelo empreiteiro em razão do atraso na conclusão da obra,

11. Torna-se assim evidente a urgência e absoluta necessidade do prosseguimento da presente demanda em que o julgamento já foi concluído, por forma a tornar possível o inalienável e constitucional direito da A. de ver reconhecidos e declarados os direitos invocados na PJ.

12. Até porque se assim não fosse acabaria a A. por ver denegado, em toda a sua dimensão, o reconhecimento dos diferentes e diversos, tal como legítimos direitos que invoca, e por essa via acabava sendo denegada a justiça que há muito veio pedir lhe fosse feita.

13. E isto quando foi já possível concluir a audiência de julgamento daquela ação declarativa ordinária cuja causa de pedir e pedido, assume o caráter complexo que os autos demonstram.

14. Será até visando a defesa do próprio Princípio da Economia Processual que a segunda parte do art. 271 do Cod. Proc. Civil proíbe a suspensão da instância quando o processo estiver concluso para a sentença, determinando que a suspensão só se verifica depois da sentença proferida.

15. Seja como for, compulsando os autos logo se evidencia que não será no âmbito do Processo Especial de Revitalização que será viável apreciar a totalidade dos fundamentos da demanda e proferir decisão acerca dos diferentes pedidos constantes das supra citadas alíneas do petitório.

16. Neste processo como supra se evidenciou e os autos melhor demonstram, o que se pretende é que o Tribunal declare que a empreiteira tombou em incumprimento ou, em cumprimento defeituoso, e em que se declare a obrigação da mesma em prosseguir a obra, concluir a mesma sem defeitos, corrigir os defeitos detetados e entregar essa mesma obra à sua legítima proprietária, a aqui A..

17. Também por aqui resulta manifesto que terá de ser proferida sentença judicial que aprecie os fundamentos da ação declarativa ordinária, aprecie e analise a prova documental pericial e testemunhal produzida na respetiva audiência de julgamento e, decidindo a questão de facto, decida igualmente a questão de direito, conforme foi peticionado e é inalienável direito da parte.

Por outro lado ainda,

18. O Processo Especial de Revitalização não contende, "tout court", com a decisão e sentença que se pede seja proferida nestes autos.

19. Ali, quando muito, irá ser discutido e negociado entre os credores e a devedora, a fórmula para o pagamento das dívidas pecuniárias.

20. Daí que, também por este lado parece não haver qualquer prejudicialidade processualmente relevante entre instauração e pendencia daquele Processo Especial de Revitalização e o prosseguimento destes autos, particularmente agora que as sessões de audiência de julgamento foram concluídas e o processo estava pronto para ser proferida sentença.

21. E ainda e sempre importa deixar afirmado e invocado que os pedidos constantes do petitório inicial, se não forem conhecidos e declarados no âmbito destes presentes autos, também não terão qualquer possibilidade ou mera viabilidade de o serem no âmbito do respetivo PER.

22. E sendo assim, como efetivamente é, então forçoso será concluir que a norma criada a partir da interpretação dada ao n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE, na medida em que determina ou permite a suspensão da presente instância até à conclusão das negociações que decorrem entre a devedora e terceiros, que não são partes na ação, configura ser norma inconstitucional por violação, entre outros, do Princípio da Proporcionalidade e da Confiança ínsito no Princípio da Intangibilidade do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º da Constituição, bem como por violação do Princípio do Livre Acesso ao Direito e aos Tribunais, não só para defesa de direitos mas também de interesses legalmente protegidos, consagrado no art. 20.º da Constituição. Direito de Acesso este aos Tribunais que consiste, entre o mais, ao direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com garantias de imparcialidade e independência, com respeito dos normativos processuais adequados a cada espécie de processo e ação.

23. Vício de inconstitucionalidade este que aqui, por cautela, desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

24. Convindo ter sempre presente que o direito de Acesso aos Tribunais é um direito fundamental da natureza análoga à dos Direitos, Liberdade e Garantias, sendo-lhe, depois, aplicável, por força do art. 17.º, o regime do art. 18.º, ambos da Constituição da República.

25. Pelo que, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida, ao declarar a suspensão da presente instância, violou e, ou, interpretou erradamente, o conjugadamente disposto nos artigos 2.º e 20.º da Constituição, no art. 2.º e no art. 271.º segunda parte do CPC e ainda o art.º 17.º-D n.ºs 1 e 6 e 17.º-E n.º 1, lia contrario", do CIRE.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

A factualidade é a que resulta do precedente relatório.

Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, n. 4 e 639º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa saber se a presente ação cai no âmbito das ações previstas no artigo 17-E do CIRE, para efeitos de suspensão pro força da dedução do pedido de revitalização da ré.

- Previamente refira-se, quanto à junção de acórdão pela recorrente, que tratando-se de jurisprudência, bastaria a sua indicação, as partes podem referir doutrina e jurisprudência para sustentar as suas posições.

Assim seria inócuo determinar o desentranhamento, tratando os docs. juntos como normais documentos.

Passemos aos autos.

Pretendeu-se com este procedimento (PER), instituir um processo rápido e expedito, reorientando “ o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação”, como consta da proposta de Lei nº 39/XII. O mecanismo, como se refere na proposta, pretende-se célere e eficaz, e constitui uma das concretizações de uma das medidas previstas no memorando de entendimento, conforme resolução do C.M nº 43/2011.

Este processo especial tem algum pendor extrajudicial, embora limitado, sujeito aos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10, conforme nº 10 do artigo 17-D.

Assim e além do mecanismo estritamente extrajudicial, cujos princípios orientadores constam da dita resolução do CM, criou-se este mecanismo, ainda fortemente extrajudicial, mas com algumas particularidades em relação àquele.

Assim, temos como principais diferenças:

- o acordo extrajudicial a que se reporta a resolução, pode ser celebrado com apenas parte dos credores não afetando os direitos dos restantes ( principio 1, expressão “credores envolvidos” ). Neste sentido o anexo á resolução referida, onde consta:

“Por outro lado, se nos casos mais simples as negociações podem envolver todos os credores, nas situações mais complexas ou com grande número de credores pode ser preferível que apenas participem os principais credores.

Nestes casos, o acordo extrajudicial que venha a ser conseguido não pode, por si só, afetar os direitos de outros credores não envolvidos nas negociações ou impor-lhes qualquer obrigação que não aceitaram, podendo ser necessário recorrer, então, aos mecanismos judiciais legalmente previstos para esse efeito.”

- No processo especial devem estar presentes todos os credores ( 17-D, nº 1 refere; “ comunica de imediato… a todos os seus credores”), referindo o nº 6 do artigo 17-F que a decisão do juiz (homologação do plano), vincula todos os credores, “ mesmo que não hajam participado nas negociações”.

- No procedimento da resolução a suspensão das ações judiciais em curso e o obstáculo á dedução de novas ações aplica-se apenas aos “credores envolvidos” e decorre do período de suspensão aludido no princípio quarto. No processo especial decorre do despacho que nomeia administrador provisório (al. a) do nº 3 do 17-C), e aplica-se a todos os credores, referindo-se apenas a ações “tendo em vista cobrança de dívidas – artigo 17-E.”

**

Qual então o sentido da expressão; “quaisquer ações para cobrança de dívida”, constante do artigo 17-E no âmbito do processo de revitalização?

A maioria tem-se inclinado no sentido de incluir qualquer ação em que se pretende acionar um direito de crédito contra o devedor. Outros, de que dá nota a recorrente, sustentam que abrange apenas as ações de natureza executiva.

O recorrente refere que a não se permitir o prosseguimento da ação, não tendo sido reconhecido o seu crédito pelo administrador, seriam coartados os seus direitos.

Vejamos. Com o mecanismo em causa, pretendeu-se possibilitar de forma célere a consecução de um acordo entre credores e devedor, tendo em vista a permanência deste no mercado, com as vantagens daí decorrentes (elencadas na resolução do CM nº 43/2011). Apenas é aplicável a empresas que não se encontrem em situação de insolvência, tal como a define o artigo 3, mas apenas se encontrem em situação de insolvência “meramente iminente”.

O processo em causa tem regulamentação própria, bastante simplificada, diversas e distantes da regulamentação do processo de insolvência, (situação em que a empresa não pode encontrar-se). Assim é que não está prevista a citação de credores. O que resulta do artigo 17º-D, é que o devedor deve, logo que nomeado o administrador provisório (despacho da al. a) do nº 3 do 17-C), comunicar aos restantes credores, a todos os que não hajam subscrito a declaração mencionada no nº 1 do art. 17º-C, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, prestando as demais informações que refere o normativo.

Saliente-se que nos termos do nº 11 do artigo 17-D, o devedor, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no caso de aquele ser uma pessoa coletiva, são solidária e civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorreção das comunicações ou informações a estes prestadas.

O mecanismo de reclamação previsto no nº 2 do artigo 17-D, que refere que qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, não parece ter outra função que não a de permitir a intervenção dos credores para efeitos de negociações e votação do plano.

Veja-se o que conta na proposta de Lei nº 39/XII:

“Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários. “

Prevê-se ainda uma tramitação bastante simplificada para a efetivação das reclamações de créditos, bem como da impugnação dos créditos reclamados, sem no entanto se fazer perigar a observância do princípio do contraditório, e definem-se prazos bastante curtos para a sedimentação dos créditos considerados definitivos, em ordem a permitir-se uma rápida tramitação deste processo especial e, assim, preservando-se a possibilidade de recuperação do devedor que se encontre envolvido no mesmo.”

Da proposta parece resultar que a sedimentação dos créditos tem como finalidade não propriamente a fixação definitiva dos débitos da requerente, mas sim permitir uma rápida tramitação do processo, ou seja, visa as negociações e aprovação do plano e não mais que isso.

Por outro, se a não reclamação fizesse precludir o direito do credor, que sentido teria o disposto no nº 11 do artigo 17-D?

O artigo 17-F, nº 6, refere que a decisão do juiz vincula todos os credores mesmo que não hajam participado nas negociações.

Poderia pensar-se que a norma visaria apenas os credores constantes da lista definitiva (seja porque indicados pelo devedor seja porque reclamantes), tanto mais que os credores não têm que participar nas negociações, podendo optar por não o fazer – artigo 17-D nº 7. A letra da norma, contudo aponta em sentido diverso; refere-se “os credores” e não os credores reconhecidos. Outras normas apontam no mesmo sentido, como o já referido nº 11 do artº 17-D, e sobremaneira o nº 7 do artigo 17-G. Refere este:

“Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina -se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º -D.”

Esta norma só pode significar que a não reclamação de crédito nos termos do artigo 17-D, nº 2 não tem os efeitos preclusivos (ou quase preclusivos) relativamente aos créditos contra o devedor como ocorre no processo de insolvência (onde resta após o decurso do prazo de reclamação de créditos, o recurso ao artigo 146 ss ).

Assim, para resolução da questão em apreço importa considerar de um lado que a decisão do juiz que homologa o plano vincula todos os credores (estejam ou não no processo – artigo 17-F, nº 6 –; e de outro que se pretendeu que todos os credores intervenham no processo, basta atentar em que este constitui um mecanismo mais elaborado que o previsto na “resolução”, precisamente com tal objetivo – vd. O anexo à referida resolução acima transcrito -. Atente-se ainda nos artigos 17 –a, nº 1 (estabelecer negociações com os respetivos credores); 17-D, 1 e 2 (o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1) e (Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius…).

Resulta do regime a imposição de um período de “stand still” durante o qual os credores não podem agir judicialmente contra o devedor.

Não fica na disponibilidade dos credores suspender ou não as ações, sendo que mesmo os não reclamantes verão as suas ações suspensas, ao contrário do que sucede no processo previsto na resolução.

O critério para suspensão das ações, tendo em conta estas considerações, não pode ser o de se tratar ou não de ação executiva. Se se pretendesse apenas estas ter-se-ia sido claro. O que se refere é “quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor”. O termo quaisquer pretende abarcar todo o tipo de ações em que se discuta dívidas contra o devedor. E não pode dizer-se que as dívidas ainda não reconhecidas não existem. O direito apenas constata, reconhece e declara a dívida, ela ou existe ou não. Se não fosse “questionada” a dívida, para quê a ação?

(…)

Veja-se que os credores reclamantes podem ver o seu crédito impugnado, não reconhecido. Ainda assim, neste tipo de processo, o juiz pode considerar o voto do credor impugnado, não reconhecido. Refere o nº 3 do antigo 17-; “ podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida…”

É que o PER, dada a sua natureza urgente e a celeridade que o caracteriza, impondo-se prazos curtos, não tem vocação para resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, carecidos de uma mais profunda indagação e prova. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, não constituindo caso julgado fora do processo (art. 91º CPC), visando a formação e apreciação do quórum deliberativo (Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, 2013, pág. 159 e segs.). Assim é que já se entendeu que mesmo admitido o crédito, caso se prossiga para insolvência, podem vir nesta a ser impugnado mesmo os não impugnados no PER. Ac. RC de 24/6/2014, www.dgsi.pt, processo nº 288/13.7T2AVR-F.C1.

O critério do julgador, dado o curto prazo de apreciação – 5 dias – no caso dos créditos impugnados, pauta-se por uma apreciação sumária, considerando os créditos sobre os quais conclua haver probabilidade séria de que virão a ser reconhecidos numa ação com todas as normais garantias processuais.

Repara-se que aqui não há, ao contrário do artº 128 do CIRE, resposta às impugnações, saneamento, instrução e julgamento previstos nos arts.131º, 136º e seguintes do código. Nem o prazo de 5 dias o permitiria. Não há aqui verificação de créditos no sentido em que ocorre no processo de insolvência.

Quanto a tais créditos não pode senão permitir-se a sua posterior discussão em sede e no processo próprio (a menos que o PER acabe volvendo-se em insolvência), quer nos termos do artigo 17- E, nº 1, parte final, quer pela natureza das coisas. A extinção a que se reporta o nº 1 do artigo 17-F apenas pode referir-se aos créditos reconhecidos, e nessa medida, sob pena de violação de se coartarem os direitos dos credores.

Temos assim que todas as ações e não apenas as executivas devem ser suspensas, contando que se destinem à cobrança de dívidas contra o devedor.

Vejamos o caso dos autos. Se fizemos as referências anteriores foi para patentear que, o curto prazo de 5 dias concedido para apreciar os créditos dado ao julgador, aponta no sentido de que se pretendeu tão só abarcar as situações que respeitam a uma dívida quantificada ou quantificável.

Na ação em causa não se pretende apenas a condenação no pagamento de determinada quantia, mais que isso, pretende-se o cumprimento dos contratos de empreitada, com realização das obras em falta.

Se a empresa pretende continuar o seu giro, que sentido tem suspender uma ação desta natureza, suspensão que poderá até agravar a situação da requerida (agravando os danos decorrentes do incumprimento contratual)? A lógica é, porque se trata de ação relativa ao cumprimento de um contrato, e uma vez que a ré entende ter condições de se manter no mercado, prosseguir na apreciação da mesma. O PER não está minimamente vocacionado para resolver a questão do cumprimento do contrato. Assim não seria se, tendo o credor perdido o interesse no cumprimento se solicitasse a indemnização – estaríamos então face a uma pura dívida -.

Consequentemente, na procedência da apelação devem os autos prosseguir.

*
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, dando sem efeito o despacho recorrido, devendo os autos prosseguir.
Custas pela apelada.

G. 29.01.2015
Antero Veiga
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego