Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
663/11.1.T8BBRG.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - A ação de impugnação da escritura de justificação notarial é de simples apreciação negativa, cabendo ao réu fazer a prova dos factos constitutivos do direito, sem que este possa beneficiar da presunção da titularidade proveniente do registo a que alude o artigo 7º do Código do Registo Predial.

2 - Uma vez adquirido o direito potestativo à aquisição por usucapião, por via do exercício da posse com as características e por tempo exigidos para o efeito, independentemente de registo, pode o beneficiário invocá-lo quando o entender útil ou necessário.

3 - Os efeitos da invocação da aquisição da usucapião retroagem-se ao início da posse respetiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Na presente ação declaração de condenação com processo ordinário
figura como Autor, Reconvindo e Apelante:
- M. J., com o NIF …, residente na Rua …, do concelho de Braga.

- A BANCO A, com sede na Rua …, Lisboa, figura nos autos como interveniente principal passiva na instância reconvencional.

Figuram como Réus e Apelados:

-- A. M. c NIF … e cônjuge
-- L. C., NIF …, casados no regime de comunhão de adquiridos, ambos residentes na Rua …, do Concelho de Barcelos, ambos reconvintes, e
-- A. C., casado, residente no Lugar …, do concelho de Braga,
-- A. F., casado, residente no Lugar …, do concelho de Braga e
-- A. J., casado, residente no Lugar …, do concelho de Braga e
-- ESTADO PORTUGUÊS, por via do incidente de intervenção principal passiva.

O Autor pediu:

-- que seja judicialmente declarada a nulidade da escritura pública de justificação celebrada pelos Primeiros Réus no dia 16 de Julho de 2007, no cartório Notarial da Licenciada Maria, lavrada a fls. 52 a 54 do Livro de Escrituras Diversas n.º …;
– que seja judicialmente declarado que os Primeiros Réus não adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio justificado e descrito na escritura de justificação notarial;
– que seja ordenado o cancelamento e extinção do artigo 444 da matriz urbana da freguesia de …, em Braga, e da descrição predial n.º … da 2ª Conservatória do Registo Predial, bem como todos os registos em vigor, e os que eventualmente venham a ser efetuados sobre o identificado prédio,
– que seja judicialmente declarado o Autor como único e exclusivo proprietário doa prédio justificado e que, ao mesmo corresponde a descrição predial …, freguesia de …, da 2ª Conservatória do Registo Predial e a inscrição na matriz urbana respetiva sob o artigo 555, da Freguesia de ..., do concelho de Braga e
– que sejam os Primeiros Réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos sobre o prédio.

Para tanto alegou, em síntese:

- que as declarações constantes da escritura de justificação outorgada em 16/07/2007 são falsas e que o prédio não pertence e nem nunca pertenceu aos primeiros Réus;
- que estes nunca possuíram o imóvel nem retiraram do mesmo quaisquer utilidades pelo que jamais o poderiam ter adquirido por usucapião.
- que os primeiros Réus participaram o prédio à margem dos proprietários da altura, fazendo-o como um prédio novo, mas que o pavilhão foi edificado no prédio rústico, tendo sido averbada a alteração de prédio rústico a urbano pela Ap. De 2007/06/08 sendo criada a descrição predial nº ...8;
- que este prédio foi vendido por D. S. ao Autor por escritura de compra e venda outorgada em 15/12/2006 que procedeu aso registo do imóvel a seu favor;
- que as descrições prediais nº ...8 e ...2 correspondem ao mesmo prédio físico.

Todos os Réus contestaram, invocando, em súmula, que D. S. e seu irmão M. S. em 31 de Janeiro de 1985 declararam vender o prédio ao Réu A. M., o qual aceitou a venda, tendo havido tradição do prédio e que a partir desse momento aquele Réu e mulher, também Ré, sempre se comportaram como donos do mesmo, tendo realizados obras no pavilhão e praticado outros atos, designadamente tendo dado o prédio de arrendamento.

Os Réus A. M. e L. C. deduziram reconvenção, pedindo:

-- a condenação do Autor a reconhecer o direito de propriedade dos primeiros Réus A. M. e L. C., sobre o prédio fisicamente identificado no artigo 90º da contestação e a restituir o prédio, de facto e imediatamente, aos primeiros Réus, livre de pessoas e bens e a absterem-se de, imediatamente, praticarem sobre o mesmo quaisquer atos,
-- bem como decidir-se que o referido prédio se encontra inscrito na matriz urbana 444 da freguesia de ..., Braga e se encontra descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial na descrição ...2, com base em aquisição por usucapião a favor dos primeiros Réus.

Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e totalmente procedente a reconvenção e em consequência:

a) Declarar que o prédio objecto da escritura de justificação outorgada pelos Réus no dia 16 de Julho de 2007, no cartório Notarial da Licenciada Maria, lavrada a fls. 52 a 54 do Livro de Escrituras Diversas n.º ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 444 da freguesia de ..., Braga e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial na descrição ...2 da freguesia de ... é fisicamente o mesmo prédio urbano a que corresponde a descrição predial ...8 e o artigo 555 da mesma freguesia de ...;
b) Condenar o Autor a reconhecer o direito de propriedade dos primeiros Réus A. M. e L. C. sobre o prédio urbano composto de pavilhão e logradouro, sito no lugar de …, freguesia de ..., Braga, a confrontar do norte com Manuel, do sul com P. F., nascente com caminho e poente com R. C., o qual se encontra inscrito na matriz urbana 444 da freguesia de ..., Braga e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial na descrição ...2, com base em aquisição por usucapião, e a restitui-lo livre de pessoas e bens e a abster-se de praticar sobre o mesmo quaisquer actos.

No presente recurso de apelação o Autor insurge-se contra o facto e o direito apurados e aplicados na sentença, pugnando pela sua revogação e substituição por decisão que julgue procedentes os pedidos formulados na petição inicial.

Apresenta as seguintes conclusões, que pela sua extensão se concentram:

Assenta a motivação no erro notório na apreciação da prova gravada e erro na interpretação e na aplicação do direito.

O Tribunal a quo deveria ter dado como não provados os factos constantes dos pontos dos 29, 30, 31, 32, 33 e 37 na parte em que refere “ continuamente” dos “Factos Provados” e deve ser alterada a data constante dos pontos 23 e 24 para finais de 2005, bem como dar-se como provado o facto constante no ponto 1 dos “factos não provados”.
Entende o Recorrente que os depoimentos das testemunhas em Julgamento impunham decisão diversa sobre aqueles factos mormente o depoimento da testemunha D. S., M. S., José, A. B. e F. P..

O Recorrente/Autor alegou e resultou provado em Julgamento que os Réus 1. declararam vender o imóvel quando o que queriam era dá-lo como “garantia” de bom pagamento de uma dívida; 2. entraram na posse do imóvel (pavilhão e terreno) apenas em 1988; 3. que a posse dos Réus era uma posse alicerçada na má-fé e 4. que o Recorrente/Autor tomou posse do terreno sito na freguesia de ... em meados de 2005.
A testemunha D. S. afirmou que: em 1995 assinou uma declaração de venda a favor do Recorrido/Réu mas que tal não correspondia à sua vontade, que permaneceu na posse do imóvel, juntamente com o seu irmão M. S., até 1988 data em que a empresa por ambos constituída terminou a sua laboração, que terminou de pagar a dívida que esteve na base da assinatura da referida declaração em 1993 judicialmente, que em finais de 2005 prometeu vender ao aqui Recorrente/Autor o referido imóvel e, por isso, nessa data permitiu que o mesmo entrasse na posse do referido imóvel procedendo à limpeza do terreno e do pavilhão e demolindo algumas construções o que aconteceu à vista de todos e sem a oposição seja de quem fosse, que em finais de 2006 celebrou com o aqui Autor/Recorrente escritura pública de compra e venda sobre o referido imóvel.

A posse do Autor/Recorrente sobre o imóvel coincide com a saída do último arrendatário “Base de Ferro” do mesmo em 2005 – cfr. ponto 41 dos factos dados como provados.
A testemunha M. S. afirmou que a declaração de venda do imóvel datada de 1985 não correspondia à sua vontade não passando de uma garantia de bom pagamento de uma dívida que ele e o irmão (D. S.) tinham para com o pai do Recorrido/Réu, que assinaram a referida declaração redigida pelo Recorrido/Réu sob coacção, e porque temiam ser presos, que a empresa de que era sócio juntamente com o irmão – Empresa X, Lda., terminou em 1988 anos em que se separaram e, por isso, abandonaram o pavilhão existente no imóvel pertença da mesma.

A testemunha L. O. confirmou ao tribunal que a Empresa X cujos sócios eram o seu pai e tio terminou em 1988 data em que abandonaram o pavilhão e que até essa data aí permaneceram, disso se lembrando por ter regressado de ser embarcadiço em final do ano 1987, data em que seu pai e tio ainda ocupavam o pavilhão, e aí laboravam.
As testemunhas José e A. B. declararam ao Tribunal que em finais de 2005 o aqui Recorrente/Réu entrou na posse do imóvel procedendo à sua limpeza, bem como, do logradouro envolvente

As declarações da testemunha M. R. foram muito pouco claras, incoerentes e repletas de lapsos cirúrgicos de memória, ou seja, lembrava-se dos factos ocorridos em 84/85 mas não de factos mais recentes. Apesar de ter ido inúmeras vezes ao pavilhão foi incapaz de o descrever com um mínimo de detalhe e de dizer ao Tribunal se estava igual ou diferente na actualidade.

A testemunha F. F. prestou depoimento sobre os factos em análise de forma coerente, verdadeira e desinteressada assegurando que só no ano de 1988 após a celebração de contrato de arrendamento com o Recorrido/Réu entrou na posse do imóvel e não antes dessa data. Afirmou, ainda, que foi ele que após a assinatura do contrato procedeu à reparação do caminho de acesso ao pavilhão – que até era inacessível a camiões -, o dotou de água e luz.
O testemunho de F. P. deveria ter sido valorado de uma forma diversa pelo Tribunal de 1.ª Instancia designadamente no que concerne ao ano que ocupou o imóvel.
A testemunha João afirmou ao Tribunal que o pavilhão existente no imóvel tinha sido construído pelas testemunhas D. S. e M. S. e que em 1995/1996 o pavilhão estava desocupado.

O depoimento Manuel Justino encontra-se repleto de fragilidade, inseguranças e incoerências. Trabalhou no pavilhão existente no imóvel, mas não se recorda se tinha casa de banho ou luz elétrica.
Para a pretensão do Recorrente de alteração da matéria de facto dada como provada nos pontos 30, 31, 32 e 33 da douta Sentença assume crucial importância o testemunho de F. P. que em grande parte veio corroborar a versão dos factos exposta ao longo da Petição Inicial.
O depoimento de P. M. revelou-se pouco credível, ensaiado e muito pouco espontâneo e em oposição com o depoimento da testemunha F. P.. Acabou por afirmar em julgamento que acompanhava o seu pai, aqui Recorrente/Réu, ao escritório dos Mandatários que o patrocinam no presente pleito, bem como, a sua irmã E. M. . Assim, o mesmo não deveria ter sido tido como credível pelo Tribunal de 1.ª Instância.

O testemunho de E. M., filha dos Recorridos/Réus pautou-se pela parcialidade, falta de espontaneidade e veracidade e, ainda, pela oposição clara com o depoimento da testemunha F. P..

O Recorrente/Autor não pode concordar com os factos dados como provados nos pontos 29, 30, 31, 32 e 33 da douta sentença de que ora se recorre, nem com o facto dado como não provado no ponto 1 dos factos não proados, bem como, considera que deveria ter sido dado como provado o início das negociações para a aquisição do imóvel entre o aqui Recorrente/Autor com as testemunhas D. S. e M. S. em meados de 2005 (ponto 23) e fixado em finais de 2005 o início da ocupação do imóvel pelo Recorrente/Autor.

Do depoimento das testemunhas, dos documentos existentes nos autos e do comportamento do Recorrido/Réu que nunca tentou formalizar o negócio da compra e venda através da celebração de uma escritura pública mas antes optou pela realização de uma escritura de usucapião (isto apesar dos alegados vendedores serem vivos e seu conhecidos de toda a vida) vem corroborar o depoimento das testemunhas D. S. e M. S. que afirmam que no ano de 1993 acabaram definitivamente de pagar a dívida em questão em Tribunal.

Encontra-se junta aos autos uma declaração datada de 1998 onde a empresa do Recorrido reconhece o pagamento integral da dívida das testemunhas D. S. e M. S. o que vem corroborar a versão dos factos destes dois últimos.

Se as testemunhas D. S. e M. S. assinaram a referida declaração de venda por recearem um mal maior então fizeram-no sob coacção moral (cfr. art.º 255.º do Código Civil).

O Tribunal de que se recorre não poderia ter dado como provado o ponto 29 dos factos dados como provados.
O Tribunal da 1ª Instância fixou em finais de 2006 o inicio da posse do Recorrente/Autor o que está em oposição frontal e clara com o prova produzida em Julgamento designadamente com os depoimentos de D. S., A. B. e José.

Aquando da celebração da escritura pública de compra e venda (que formalizou um negócio celebrado em 2005), realizada em Dezembro de 2016, o aqui Recorrente/Autor já tinha efetuado muitíssimas benfeitorias no imóvel, sem que o Réu o impedisse de continuar a ocupar o pavilhão, de realizar obras, ou de sequer o interpelar para abandonar e informar que o pavilhão seria dele, factos notórios da má-fé do Réu A. M..
A data constante no ponto 24 da douta sentença que ora se recorre – finais de 2006 – deverá ser alterada para finais de 2005 em conformidade com a prova feita em julgamento.
Das declarações prestadas pelas testemunhas mormente de D. S.– e tal não foi contrariado por nenhuma outra testemunha ou documento – que desde 2005 que o aqui Recorrente passou a ocupar o prédio em questão de uma forma pacífica e à vista de todos sem a oposição fosse de quem fosse.

Relativamente ao ponto 23 dos factos dados como provados o Tribunal de 1.º Instância deveria ter situado em meados de 2005 o início das negociações entre o aqui Recorrente e a Testemunha D. S..
O ponto 30 dos factos dados como provados deverá ser alterado no sentido de se fixar, apenas e só, no ano de 1988 o início da posse dos aqui Recorridos/Réus sobre o imóvel sito em ..., constituído por pavilhão e logradouro e objeto do presente dissídio em conformidade com as declarações da testemunha F. P..

As testemunhas D. S. e M. S. fixaram no ano de 1988 a sua saída do imóvel descrito nos autos facto confirmado pela testemunha L. O. e F. P. afirmou ao tribunal de forma clara e inequívoca que passou a ocupar o pavilhão (em nome da sociedade LP) em 1988 mediante a celebração de um contrato de arrendamento com o aqui Recorrido/Réu e que, e ao contrário do alegado pelos Recorridos/Réus, antes dessa data não ocupou o pavilhão a titulo de empréstimo e de forma gratuita.

A testemunha F. P. declarou que foi ele que em 1988 procedeu ao arranjo, reparação dos acessos ao referido pavilhão dado que o caminho de acesso ao mesmo era nas suas palavras um caminho de montanha, completamente inacessível a camiões, cheio de buracos. Tendo sido também ele que solicitou a luz e água para o referido espaço.

Não poderia o Tribunal de 1.ª Instância ter fixado a data de finais de 2006 como sendo a data até quando os Recorridos/Réus exerceram a posse sobre o pavilhão e logradouro e, ainda, que a posse dos mesmos foi exercida de uma forma continuada, quando assim não aconteceu, mormente entre 1992 até 1997, e a partir de 2005 até à presente data.
Os Recorridos/Réus tiveram conhecimento da ocupação do imóvel pelo Recorrente/Autor em finais de 2005, ou mesmo, desde 2006, realizaram em Julho de 2007 escritura de usucapião e desde essa data e até à data da presente ação (2011) não reivindicaram nunca a posse sobre o terreno, não notificaram o Recorrente/Autor para o desocupar por estar a lesar o seu direito de propriedade, deixando-o durante mais de 6 (seis) anos realizar todo um conjunto de benfeitorias que ascendem a milhares de euros para agora virem reivindicar a sua posse e, assim, verem o seu património valorizado à custa do empobrecimento do Recorrente/Autor.
Os Recorridos/Réus não adquiriram por usucapião o imóvel identificado no processo. Isto porque, não exerceram sobre ele posse pública e pacífica, nos termos acima definidos, durante mais de vinte anos ininterruptos até à realização da escritura de usucapião.

A posse dos Recorrentes/Réus estava alicerçada na violência. A posse violenta só conta para efeitos da usucapião a partir do momento em que cessa essa violência (art.º 1297.º do Código Civil). Ou seja, e transpondo para o caso dos autos, a referida posse só poderá começar a contar em 1993 ano em que a dívida é paga ao Recorrido/Réu ou, caso assim não se entenda, data em que se verificou a inversão do título da posse a favor dos Recorridos/Réus.

Ficou provado e demostrado em Julgamento que os aqui Recorridos/Réus apenas e só em 1988 entraram na posse material do referido imóvel aquando da celebração com a testemunha F. P. de um contrato de arrendamento e que até essa mesma data o imóvel continuou na posse de D. S. e M. S..

A posse dos Recorridos/Réus é não titulada e logo presume-se de má-fé não tendo ao longo de todo o julgamento tal presunção sido ilidida. (art.º 1260.º, n.º 2 do Código Civil).

Sendo a posse de má-fé significa que só após o decurso de 20 anos se poderá verificar a aquisição originária da propriedade por usucapião.
Quer se considere que a posse dos aqui Recorridos/Réus se iniciou em 1993, quer se entenda que se iniciou antes, no ano de 1988 – e que nessa data os Recorridos/Réus já reunião em si os dois elementos da posse – jamais os Recorridos/Réus em Julho de 2007 poderiam ter adquirido o imóvel por usucapião por não terem ainda decorrido 20 anos sobre o início daquela posse.

Por conseguinte, deverão ser alterados e tidos como não provados os factos dos pontos 29, 30, 31, 32, 33 e 37, erradamente dados como provados, e ser dado como provado o facto do ponto 1 dos factos não provados.

Os Réus responderam, apresentando contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, concluindo pela improcedência do recurso.
Também o MP respondeu, defendendo a decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:

1 - Dos depoimentos das testemunhas E. M., José e A. B. resulta provado que os factos que constam dos pontos 23 e 24 da matéria de facto foram praticados pelo autor apenas em finais de 2006.
2 – Resultou claramente provado que o réu A. M. tomou posse do pavilhão e terreno em princípios do ano de 1985 e comportou-se como seu dono, cedendo-o gratuitamente ou através de vários arrendamentos, participando às Finanças, pagando as contribuições autárquicas e apresentando-se como proprietário do prédio, mantendo essa posse até dezembro de 2006.
3 – Encontra-se demonstrada a aquisição originária por usucapião do direito de propriedade do prédio em causa nos autos, nos termos previstos nos art.s 1287º, 1.222 e 1.296º do Código Civil.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.
Face ao alegado nas conclusões das alegações, são as seguintes questões que cumpre apreciar:

1 -- se a decisão que julgou a matéria de facto, com fundamento na apreciação dos meios probatórios, deve ser alterada no sentido pretendido pela recorrente,
2 -- as consequências dessa alteração na aplicação do direito.
3 -- se se verificam preenchidos todos os pressupostos para se considerar que os primeiros Réus adquiriram o prédio por usucapião.


III. Fundamentação de Facto

A causa vem com a seguinte matéria de facto fixada:

- Factos Provados


1. Por escritura pública de Justificação, outorgada no dia 16 de Julho de 2007, no Cartório da Notária Maria, lavrada a fls. 52 a 54 do Livro de Escrituras Diversas n.º ..., A. M. e mulher L. C., na qualidade de primeiros outorgantes, declararam “Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, há mais de vinte e dois anos, do seguinte bem imóvel: Prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro, destinado a armazém e atividade industrial de construção civil, com a superfície coberta de setecentos metros quadrados e descoberta de quatro mil e cinquenta metros quadrados, sito no Lugar da …, freguesia de ..., deste concelho, a confrontar com Manuel, do sul com P. F., do nascente com caminho público e do poente com R. C., inscrito na matriz, em nome do outorgante marido, sob o artigo 444, com o valor patrimonial tributário de €62.727,23 e o atribuído de igual valor, não descrito na competente Conservatória do Registo Predial. Prédio que veio à posse do casal em trinta e um de Janeiro ano de mil novecentos e oitenta e cinco, em consequência de promessa de compra e venda, com tradição imediata, em que foram vendedores M. S. e D. S., casados e residentes no Lugar …, da referida freguesia de ..., que me foi exibido. Que os mesmos haviam adquirido por sua vez e muito antes, também por simples contrato promessa de compra e venda o mesmo imóvel e também com tradição imediata, de F. C., casado, residente na Rua …, em Braga. Que essa tradição imediata do prédio fez com que descurassem, uns e outros, a correspondente escritura de compra, encontrando-se os últimos promitentes vendedores, à data do aludido contrato promessa, na posse do mesmo como se seus donos fossem e nessa posse continuaram os hoje justificantes, ocupando o prédio e usufruindo-o para fins de indústria de construção civil ao longo destes anos, gozando todas as utilidades por ele proporcionadas, procedendo a obras de manutenção e ocorrendo a todos os outros seus encargos, pagando a respetiva contribuição e agora o IMI, com ânimo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa-fé por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, contínua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém e, tudo isto, por lapso de tempo superior a vinte e dois anos”.
2. A. C., A. F. e A. J. intervieram na escritura referida no número anterior na qualidade de segundos outorgantes declarando “Que confirmam as declarações prestadas pelos primeiros, por serem inteiramente verdadeiras”.
3. Na 1ª folha da escritura referida em 1), com data de 31 de Agosto de 2007, encontra-se averbada a menção da publicação de extrato da realização do ato no Jornal Diário do Minho n.º 27846, de 29 de Julho de 2007.
4. O Réu A. M. em 02/07/1998 participou ao Serviço de Finanças, através do preenchimento e entrega do antigo modelo 129, junto a fls. 21 a 23 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, “um pavilhão destinado a industria com a área de 700 m2 em rés-do-chão”, com a área descoberta de 4.750 m2, com data de conclusão das obras de 30/06/1998 e as seguintes confrontações: de norte com fábrica de mármores Manuel, sul com fábrica de carpintaria de P. F., nascente Estrada Municipal e poente terreno do próprio.
5. Da participação referida no número anterior consta ainda aposta uma cruz na indicação de que o prédio era “Novo” e na parte respeitante ao “número do artigo em que o prédio ou parte do prédio se encontrava inscrito na matriz” “222”.
6. Do teor da certidão emitida pela repartição de Finanças de fls. 282 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta designadamente que o artigo 222 da matriz predial urbana da freguesia de ... respeitante ao prédio sito no lugar de …, inscrito em nome de A. M., correspondente a parcela de terreno para construção urbana com a área de 4750 m2 a confrontar do norte com Junta de Freguesia, sul com Estrada, nascente Manuel e poente M. C., foi eliminado e passou a ser o artigo 444.
7. Do teor do artigo 444 da matriz urbana consta que se trata de imóvel sito no lugar de ..., Braga, afeto a armazéns e atividade industrial, a confrontar de norte com Manuel, sul P. F., Nascente caminho público e Poente R. C., com a área de terreno de 4.750,0000 m2, sendo o titular inscrito A. M..
8. Da descrição predial n.º ...2 da freguesia de ... consta tratar-se de prédio urbano situado no lugar de …, composto por edifício de rés-do-chão, destinado a armazém e atividade industrial de construção civil com logradouro, a confrontar de norte com Manuel, sul P. F., nascente caminho público e poente R. C., tem a área total de 4750 m2, sendo 700 de área coberta e 4050 de área descoberta e encontrar-se inscrito na matriz urbana sob o artigo 444.
9. O prédio referido no número anterior encontra-se registado a favor de A. M. e mulher por Usucapião através da AP. 32 de 2007/09/12.
10. O prédio onde foi edificado o pavilhão referido em 1) corresponde fisicamente ao prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 111, correspondente aos artigos 430 e 439 da antiga matriz, e descrito em Livro na 2ª Conservatória do Registo Predial com o número … (correspondente à descrição actual nº ...8, freguesia de ...) como prédio rústico constituído por provisão de mato e pinheiros, sito no Lugar de …, da freguesia de ..., Braga.
11. Através da AP. 32 de 2008/06/19 foi averbada na descrição predial referida no numero anterior a alteração de prédio Rústico a Urbano passando o prédio a ser composto por Pavilhão de Rés-do-Chão, destinado a oficina de chapeiro e pintura, com logradouro, a confrontar de norte com terrenos de baldio, sul A. P., nascente Francisco e poente A. R..
12. Da descrição predial referida em 8) consta que o prédio composto por Pavilhão de Rés-do-Chão, destinado a oficina de chapeiro e pintura, com logradouro, a confrontar de norte com terrenos de baldio, sul A. P., nascente Francisco e poente A. R., tem a área total de 3750 m2, sendo 561 de área coberta e 3189 de área descoberta e encontra-se inscrito na matriz urbana sob o artigo 555.
13. Do teor do artigo 555 da matriz urbana consta que se trata de imóvel sito no lugar de ..., Braga, afecto a serviços, a confrontar de norte com terrenos baldios, sul A. P., Nascente Francisco e Poente A. R., com a área de terreno de 3.750,0000 m2, inscrito na matriz no ano de 2008, sendo o titular inscrito M. J. e que o mesmo teve origem no artigo 528.
14. Do teor da certidão emitida pela repartição de Finanças de Braga de fls. 222 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta designadamente que o artigo 111 da matriz predial rustica da freguesia de ... respeitante ao prédio sito no lugar de …, inscrito na matriz no ano de 1985, correspondente a pinhal eucaliptal e mato, a confrontar do norte com Junta de Freguesia, sul com M. C., nascente Manuel e outro e poente M. C. e outro, foi desactivado, sendo que o mesmo teve como titulares inscritos M. E., D. S. e M. J..
15. Mais consta que o artigo matricial 528 da freguesia de ... se encontra também desactivado sendo que o mesmo respeitava ao prédio urbano sito no lugar da …, terreno para construção com a área total de 3.750,0000 m2, inscrito na matriz no ano de 2007, sendo titular inscrito M. J. e encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 400. 16. Por escritura pública de compra e venda outorgada em 15 de Dezembro de 2006 no cartório do Notário R. P., F. C., na qualidade de procurador de sua mulher M. E., com quem era casado sob o regime de separação de bens, declarou vender a D. S. pelo preço de setenta e cinco mil euros o prédio rústico constituído por uma provisão de mato e pinheiros sito no lugar da …, freguesia de ..., Braga, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial sob o nº … e ai inscrito a favor da vendedora pela inscrição nº …, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 111, correspondente aos artigos 430 e 439 da antiga matriz, tendo aquele D. S. declarado aceitar a venda nos termos exarados.
17. Por escritura pública de compra e venda outorgada em 15 de Dezembro de 2006 no cartório do Notário R. P., D. S. e mulher R. L., na qualidade de primeiros outorgantes, declararam vender a M. J., segundo outorgante, pelo preço de setenta e cinco mil euros o prédio rústico constituído por uma provisão de mato e pinheiros sito no lugar da …, freguesia de ..., Braga, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na matriz rústica sob o artigo 111, correspondente aos artigos 430 e 439 da antiga matriz, o qual fora adquirido pelos primeiros outorgantes por escritura outorgada no mesmo dia no referido Cartório, tendo M. J. declarado aceitar a venda nos termos exarados.
18. O Autor através da AP. 2 de 2006/12/18, procedeu ao registo do prédio a seu favor por compra a D. S. e mulher R. L. conforme consta da descrição predial n.º ...8, da freguesia de ....
19. As descrições prediais n.º ...8 e n.º ...2 correspondem ao mesmo prédio físico, existente no Lugar de …, na freguesia de ..., que atualmente confronta a Norte com Manuel, a Sul com P. F., a Nascente com Caminho Público e a Poente com R. C..
20. Tal prédio encontra-se ladeado por dois outros pavilhões industriais, um de carpintaria e outro de mármores, com o caminho público à frente do portão que delimita a área descoberta e com um terreno do R. C. atrás.
21. M. E., por intermédio de seu marido F. C., prometeu vender o prédio por volta de inícios dos anos oitenta a D. S. e seu irmão M. S. que entraram na posse imediata do prédio, rústico à altura, sobre ele exercendo à vista de toda a gente, e supondo não lesarem direitos doutrem, actos de apropriação material, como sendo donos, nomeadamente tendo procedido e custeado a construção do pavilhão, para fins industriais, no respetivo terreno.
22. Em 2006, considerando a promessa de compra e venda referida no número anterior foi celebrada a escritura pública de compra e venda referida em 14).
23. O Autor encetou negociações para a compra do prédio contactando com para o efeito com D. S., e quando visitou o pavilhão o mesmo encontrava-se desocupado, não estando a ser utilizado.
24. Desde essa data, finais de 2006, o Autor iniciou todo um processo de limpeza, obras de ampliação e melhoramentos, dando entrada na Câmara Municipal de Braga de projeto para licenciamento, em 12/04/2007, conseguido através do Alvará de Utilização n.º …, datado de 19 de Dezembro de 2007.
25. O Autor constitui sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8 freguesia de ... uma hipoteca voluntária registada pela AP. 2049 de 2009/07/17 a favor da Banco A, para garantia do integral pagamento das quantias de que a Banco A venha a ser credora da sociedade “Empresa G – Unipessoal Lda”, com sede na Rua …, Braga, sendo o capital garantido de €100.000,00, e o montante máximo assegurado de €153.250,00.
26. O Autor exerce a sua atividade profissional no pavilhão, ai se encontrando instalada uma oficina de chapeiro e pintura, com clientela adquirida ao longo dos anos, com veículos lá aparcados para reparação, à vista de todos, com conhecimento quer de todos os confinantes com o prédio, quer de grande maioria das pessoas da freguesia de ..., quer de outras freguesias, atento o facto da oficina ter clientes de várias localidades.
27. Em 25/02/2009, data da avaliação do imóvel levada a cabo pelo Banco A, encontrava-se a laborar no mesmo a referida oficina, encontrando-se o Autor a usar e fruir do imóvel.
28. Pela AP. 5037 de 2009/06/30 encontra-se registada na descrição predial nº ...2 da freguesia de ... penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia exequenda de €17.596,38 realizada no âmbito do processo de execução fiscal nº 0353200701058916.
29. D. S. e seu irmão M. S., em 31 de Janeiro de 1985, assinaram o documento junto a fls. 375, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta designadamente que “Nós abaixo assinados M. S. e D. S. (…) declaramos que vendemos ao Sr. A. M., residente no Lugar …, Barcelos o nosso pavilhão e o restante terreno que compramos ao Sr. F. C. residente na Rua … – Braga. Situado no Lugar …, o respetivo pavilhão e terreno, pelo valor de sete mil contos, sendo pago dois mil e quinhentos contos em dinheiro, mil contos em matéria prima à tabela atual sendo essa matéria prima com vinte por cento de desconto. E duas letras no valor de quinhentos contos cada; o restante dois mil e quinhentos contos são para liquidar a divida de seu pai JM e Filhos Lda deste valor aproximado.”
30. O Réu A. M. aceitou a venda referida no número anterior e, juntamente com sua mulher, entrou na posse imediata do pavilhão e terreno, que lhes foram entregues pelos referidos M. S. e D. S., sobre eles passando a exercer à vista de toda a gente, de forma continuada e reiterada até à data referida em 24), sem oposição de ninguém e supondo não lesar direitos doutrem, atos de apropriação material, como sendo donos.
31. Assim, e logo em inícios de 1985, após a entrega pelos referidos M. S. e D. S. os Réus A. M. e mulher limparam o terreno em frente ao pavilhão, nomeadamente de mato e cortaram silvados e mato no logradouro e realizaram algumas obras, designadamente substituíram o portão de ferro, que dotaram com chaves novas, suas e exclusivas, na entrada do prédio, de e para a via pública.
32. O Réu A. M. procedeu ao armazenamento de lotes de madeira da sua atividade profissional.
33. O Réu A. M. cedeu ainda o uso gratuito e temporário do pavilhão a uma empresa para guarda de lotes de madeira durante alguns meses e até ao momento em que o primeiro Réu acordou com F. P. ceder-lhe o pavilhão e logradouro para o desenvolvimento da atividade de polimento de móveis de madeira, para o que o mesmo procedeu à limpeza e realização de obras, designadamente contratando a energia elétrica.
34. Em 05 de Janeiro de 1988 o Réu A. M. e o referido F. P. subscreveram documento denominado “Arrendamento” junto a fl. 102 a 103, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta designadamente que A. M. como senhorio dá de arrendamento a F. P., em períodos renováveis de um ano, o prédio sito no lugar de …, pela quantia de 75.000$00 mensais, com início em 01/01/1988, destinando-se o arrendamento a indústria.
35. O referido F. P. ocupou o referido pavilhão e logradouro com materiais e pessoal, abrindo e fechando os portões e as portas, das quais detinha chaves e com exclusão doutrem, e usufruindo do mesmo e dos respetivos acessórios (como água e luz elétrica) e nele exerceu a sua atividade a de 1988 a Setembro de 1991 a sociedade “LP - Industria de Mobiliário de Madeiras Lda” da qual F. P. foi funcionário.
36. Conforme consta da certidão permanente de fls. 464 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a sociedade “LP - Industria de Mobiliário de Madeiras Lda” foi constituída e levada a sua constituição ao registo pela AP. 19/19880705 tendo sede no lugar da ..., freguesia de ..., Braga; a mesma veio a ser dissolvida no âmbito de procedimento administrativo de dissolução e liquidação por decisão 09/09/2008, transitada em julgado em 24/09/2008.
37. Na qualidade de arrendatário o referido F. P., bem como a referida empresa de que era funcionário, usaram o pavilhão e respetivo logradouro procedendo ao pagamento da renda mensal acordada aos Réus A. M. e mulher que a recebiam como coisa sua.
38. O Réu A. M., uma vez cessado o contrato de arrendamento referido em 32), cedeu como senhorio em Novembro de 1997 o uso temporário do prédio a uma nova arrendatária, a sociedade “AT Montagem Stand Decorações Lda”, contra o pagamento duma renda mensal de 300.000$00, renda essa que passou a mensalmente receber, como coisa sua.
39. A partir de Novembro de 1997 a referida sociedade “AT Montagem Stand Decorações Lda” passou a exercer a sua atividade no prédio, de modo contínuo, até finais de 2000, à vista de toda a gente, com trabalho dos respetivos funcionários, abrindo e fechando os portões e as portas, da entrada do prédio e do pavilhão, com apropriação das respetivas chaves, e, com exclusão doutrem, usufruindo do prédio e dos respetivos acessórios (como água e luz) na qualidade de beneficiária do uso cedido pelo Réu A. M..
40. Uma vez cessado o contrato de arrendamento com a sociedade “AT Montagem Stand Decorações Lda”, logo de seguida e até ao ano de 2005, o Réu A. M. agindo como sendo dono, acordou, na qualidade de senhorio, com outra sociedade denominada “Base de ferro”, a cedência temporária do gozo do referido prédio contra o pagamento da renda mensal de 350.000$00 escudos, e para exercício da atividade de serralharia civil.
41. Entre finais do ano de 2000 e até data não concretamente apurada do ano de 2005, a referida sociedade “Base de ferro”, como arrendatária, continuamente, passou a exercer no prédio, a atividade de serralharia civil, com os seus trabalhadores, à vista de toda a gente, abrindo e fechando os portões e as portas, das entradas do prédio e do pavilhão, com apropriação das respetivas chaves, e, com exclusão doutrem, usufruindo do prédio e dos respetivos acessórios (luz elétrica e água) e, na referida qualidade, pagando ao Réu A. M. a renda mensal acordada.
42. Na sequência da inscrição em nome do Réu A. M. das matrizes urbanas 222 e 444, pelo menos desde 1989, foram debitadas ao mesmo pelos Serviços do Ministério das Finanças as respetivas contribuições autárquicas e que foram pagas pelo Réu.

A causa vem, igualmente, com a seguinte decisão quanto aos

- Factos não provados:

1. Que com a escritura de Justificação, visaram os Primeiros Réus, deliberadamente, prejudicar terceiros, nomeadamente o aqui Autor.
2. Que o crédito concedido pela Banco A à sociedade “Empresa G – Unipessoal Lda” se destinou à realização das obras referidas no ponto 22) dos factos provados.
3. Que em 1986, os Réus A. M. e mulher dotaram o pavilhão de 2 “portões de fol”, na fachada e nas traseiras, remodelaram os “escritórios” do pavilhão, custearam a “baixada elétrica” para ligação do sistema elétrico do pavilhão, realizaram obras de beneficiação dos quartos de banho do pavilhão, construíram “vestiários”, no pavilhão, para uso dos trabalhadores, substituíram a maior parte das telhas, de fibrocimento da cobertura do pavilhão, por telhas novas e substituíram o sistema de lâmpadas de iluminação, de “florescentes” para “focos”, mais intensos e em maior número.
4. Que no início da década de 2000 os Réus A. M. e mulher colocaram uma porta nova na entrada do pavilhão, um motor exterior e com bomba submersa, para tirar água dum poço sito no prédio e para abastecer o pavilhão.
5. Que os Réus A. M. e mulher tinham lá no prédio um “empilhador” e pessoas a seu mando e encargo para manuseamento da madeira.

IV. Fundamentação de Direito

1- Da prova dos factos objeto da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
(…)
Bem andou a decisão recorrida na análise da prova que efetuou.

*
2- Aplicação do Direito aos factos apurados


Na vertente da aplicação do direito aos factos apurados, o Recorrente põe em causa a aquisição do imóvel pelo recorrente, afirmando, nas suas conclusões, que Réus não exerceram a posse de forma continuada, porquanto se verificaram dois interregnos: entre 1992 e 1997 e entre 2005 e a data de hoje, visto que não reivindicaram ao Autor o terreno desde que este dele usufruiu, deixando-o efetuar benfeitorias durante seis anos.
Nega, igualmente, que os Recorridos tenham exercido a posse de forma pacífica e pública, afirmando que a posse foi alicerçada na violência e que a declaração de venda foi obtida mediante coação moral.
Mais afirma que só em 1993 se deu a inversão do título de posse, porquanto os Réus não tinham a convicção que exerciam um direito próprio, ou então que apenas em 1988 é que entraram na posse do imóvel.

- da impugnação da aquisição por usucapião constante da escritura de justificação.


A justificação notarial tem em vista facilitar a comprovação do direito de propriedade, consistindo num meio de titular factos jurídicos registáveis. Permite facilitar a obtenção da coincidência entre os factos registados e a realidade jurídica. Visa tão só retratar um ato jurídico pré-existente, como um negócio que transmita a propriedade ou a usucapião.
A sua natureza jurídica é enquadrável na categoria doutrinal dos “quase negócios jurídicos”(cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 14 de Abril de 1993 e de 27 de Abril de 1999, publicados, respetivamente, na C.J., 1993, t.I, p. 34 e C.J., 1999, t IV, p. 6.)
No entanto, este «meio legal de justificação notarial não tem as necessárias garantias de correspondência com a realidade, sendo suficiente a declaração do interessado, confirmada por três declarantes, que, aliás, não são perguntados pelo notário quanto á sua razão de ciência, nem são confrontados com outra qualquer razão diferente, embora os outorgantes sejam advertidos de poderem incorrer nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações, se, dolosamente e em prejuízo de outrem, as tiverem prestado ou confirmado». cf Ac STJ Uniformizador de Jurisprudência, de 12/04/2007, no processo 07A2464, publicado com o nº 1/2008, no DR, I Série, Nº 63, em 31.03.2008, p. 1871-1879.
Porque a escritura de justificação notarial não apresenta suficientes garantias de veracidade, permitindo que com facilidade o justificante obtenha título de direitos que não possui e que podem ser de terceiros, o facto objeto da justificação notarial é impugnável a todo o tempo, o que é jurisprudência pacífica.
Pode, em consequência, o Autor, nesta sede, pôr em causa o direito de que o primeiro e segundo Réus se atribuíram.
Cabe aos primeiros Réus, porque de ação de simples apreciação negativa se trata (mesmo que não tivessem deduzido reconvenção), a prova da aquisição do direito que invocaram (artigo 343º nº 1 do Código Civil): no fundo, trata-se de impor aos justificantes que demonstrem a veracidade do que declararam na escritura de justificação, porque se arrogaram de um direito, tendo o ónus de o atestar.
Estes Réus não beneficiam da presunção da titularidade proveniente do registo a que alude o artigo 7º do Código do Registo Pradial, atenta a falta de segurança do título que lhe deu origem – cf. o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2008 (Diário da República n.º 63/2008, Série I de 2008-03-31, supra citado).
De outra forma, voltaria a inverter-se o ónus da prova da titularidade do direito, retirando-se ao registo a segurança que lhe deve subjazer e facilitando a fraude a que se presta a justificação notarial.
Enfim, como se resume no Ac. TRC de 05/23/2012, no processo 387/08.7TATMR.C1 “Isto porque, citando Oliveira Ascensão (Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, ROA, Ano 34, pág. 43 a 46), o instituto da usucapião é que constitui fundamento priM. S. dos direitos reais no ordenamento jurídico, porque a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, com função essencialmente declarativas, mas na usucapião.
O facto comprovado pelo registo da escritura de justificação é impugnável.”

--Apurado que é objeto destes autos um só prédio, se bem que descrito de diferentes formas, cumpre apurar se os primeiros dois Réus adquiriram a propriedade do mesmo pela usucapião.

- da aquisição da propriedade


O direito de propriedade pode existir num património em virtude de uma aquisição originária ou derivada.
Na aquisição derivada tem que se ter em conta o direito do anterior proprietário, em harmonia com o principio “quia nullum ad actorem domininium transferre posasunt, quum ipsi domini non sint”.
Neste sentido o essencial acórdão do STJ de 16-6-83 BMJ nº 327, p. 547 sgs, também publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 120, nº 3760 “na acção de reivindicação cabe ao demandante a prova do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, a qual terá de ser feita através de factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originaria do domínio, por sua parte ou de qualquer dos antepossuidores: quando a aquisição for derivada, como sucede no caso da transmissão por compra e venda , têm de ser provadas as sucessivas aquisições dos antepossuidores até a aquisição originária, excepto nos casos em que se verifique a presunção legal da propriedade como a resultante do registo.”
Com efeito, o título de aquisição por si só não basta para provar que ao adquirente pertence um direito real que possa fazer valer contra qualquer possuidor ou detentor; apenas prova que para o adquirente passaram os direitos que pertenciam ao alienante, se acaso algum lhe pertencia.
A nossa legislação admite, todavia, em relação aos imóveis, uma presunção legal, que dispensa o reivindicante da prova da propriedade – a resultante do artigo 7º do Código do Registo Predial.
Esta norma determina que: “o registo definitivo constitui presunção de que o direito pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.”
Não se inscrevem direitos, mas sim factos dos quais se presumem os direitos a publicitar. Assim, o facto registado e que está na base da presunção será o registado, por exemplo, o contrato de compra e venda, doação, partilha, usucapião, etc..
No nosso direito dá-se prevalência à usucapião e não ao registo: não se concede eficácia constitutiva ao registo, apenas eficácia declarativa.
A aquisição por via da usucapião, porque é originária, faz ceder o registo anterior ao início da respetiva posse (e por maioria de razão posterior), ainda que o mesmo exista.

- da usucapião


A usucapião é a constituição facultada ao possuidor do direito real correspondente á sua posse, desde que esta, dotada de certas características, se tenha mantido pelo lapso de tempo determinado na lei (cfr A. Menezes Cordeiro, Teoria Geral dos Direitos Reais, p 467).
“A usucapião é uma forma de constituição de direitos reais que destrói quaisquer direitos em contrário, podendo o seu beneficiário, por força das regras da acessão na posse, começar a contar o respetivo prazo a partir da constituição da posse. Demonstrada a usucapião, a reivindicação [baseada nesta] procede sempre, uma vez por ela, se extinguem todos os direitos anteriores em contrário.” Menezes Cordeiro, Teoria Geral dos Direitos Reais, 1979, p 592.
Encontra-se prevista no artigo 1287º do Código Civil. Nos termos do artigo seguinte, a usucapião produz uma aquisição originária que opera com efeitos retroativos, reportados ao início da posse respetiva.
Não ocorre de forma automática: tem que ser invocada (artigo 303º do Código Civil ex vi artigo 1222º do Código Civil).
Enquanto não ocorrer essa invocação, o possuidor tem o direito potestativo à aquisição desse direito por usucapião, o qual é independente de registo, nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a) do Código de Registo Predial.
Este direito só se extingue quando terceiro adquira o mesmo direito ou outro com ele incompatível pela mesma forma originária.
“Pode, por isso, o direito potestativo ser exercido muitos anos depois e só cede pela superveniência de causa originária de aquisição do mesmo direito por terceiro.” (cf. Ac RC de 07/02/2013 no processo 238/10.2TBTND.C1., disponível no portal www.dgsi.pt).
Com efeito, para prova do direito de propriedade sobre imóvel, não basta exibir um título translativo desse direito, impondo-se a demonstração que o direito já existia no transmitente, ou que, pelas sucessivas e antecedentes transmissões do prédio, e pela posse, se operou a aquisição originária, por usucapião, ou, em derradeira alternativa, de que goza da presunção da titularidade do direito de propriedade correspondente proveniente do registo. Mas esta presunção, como é bem sabido, cede sempre perante a aquisição originária, pela usucapião.
A posse manifesta-se na atuação de uma pessoa sobre uma coisa (corpórea) de forma correspondente ao exercício de um direito real (artigo 1251º do Código Civil).
Determina o artigo 1263º do Código Civil que posse se adquire pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito, ou pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor, por constituto possessório ou, por fim, pela inversão do título de posse. A reiteração aqui indicada tem que ser lida como indicador da intensidade do ato material inicial da posse: este ato, mais do que repetido tem que ter força bastante para ser percetível a constituição da situação (cfr Menezes Cordeiro, obra cit. 460).
A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem, embora na dúvida se presuma a mesma naquele que exerce o poder de facto (artigo 1252º do Código Civil).
São tradicionais, como é bem sabido, duas teorias sobre a posse: para o sistema subjetivista, a posse é constituída pelo corpus - controlo de facto da coisa - e pelo animus - intenção de ser titular do direito correspondente; para o sistema objetivista o ponto de partida é a posse material, a detenção, que poderá depois ser descaracterizada pela falta do animus: este terá essencialmente uma função de delimitação negativa.
Sobre esta questão veio a ser produzido acórdão de Uniformização Jurisprudência de 14 de Maio de 1996 (publicado no DR de 24 de Junho de 1996), o qual resolveu divergências de interpretação, concluindo que “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.
Assim, na prática a questão torna-se menos importante, porquanto a lei facilita a prova do animus possidendi, estabelecendo que, em caso de dúvida, se presume (iuris tantum) a posse naquele que exerce o poder de facto (artigo 1252 nº 2 do Código Civil), tendo-se em conta a dificuldade que é a prova de um elemento subjetivo.
Por pacífica entende-se a posse que foi adquirida sem violência (sem coação física sobre pessoas ou bens e sem coação moral), relevando, pois, o momento da sua aquisição (artigo 1261º do Código Civil).
Só quando a posse pode ser conhecida pelos interessados é que se considera pública (artigo 1262º do Código Civil).
Sem a pacificidade e a publicidade da posse não se contam os prazos para a usucapião (artigo 1297º e 1300 nº 1 do Código Civil).
Para a determinação do prazo para a usucapião, releva, já, a sua classificação como de boa-fé ou de má-fé. Se o possuidor quando adquiriu a posse ignorava que lesava o direito de outrem a posse diz-se de boa fé.

Presume-se de má-fé a posse não titulada, embora também esta presunção possa ser ilidida.
Discute-se se é necessário que o possuidor esteja convencido que o direito correspondente é seu para estar de boa-fé: nesse sentido pugna Menezes Cordeiro, ob citada, p 469 “é de boa fé a posse que, não sendo, na sua origem, violenta, se tenha constituído pensando o possuidor: - que tinha, ele próprio, o direito; - que ninguém tinha direito algum sobre a coisa.” Admitindo já que com o conhecimento que o direito não é seu, o possuidor possa estar de boa-fé, desde que esteja convencido que ao exercê-lo não prejudica o verdadeiro titular, nomeadamente porque age, como titular do direito, ao abrigo do seu consentimento, cf Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, vol III, para 21. Esta última parece a posição mais consentânea com a natureza da posse, admitindo-se a boa-fé nos casos em que a mesma foi adquirida mediante negócio inválido formalmente, mesmo que esta invalidade seja conhecida pelo possuidor.

A posse titulada tem como causa um modo legítimo de adquirir o direito sobre a coisa, se funde num negócio abstratamente idóneo para a transferência do direito (artigo 1259º nº 1 do Código Civil).
Não havendo registo do título, nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa-fé e de vinte anos, se for de má-fé – artigo 1296º do Código Civil.

Postas estas considerações jurídicas básicas, necessárias para a descoberta da solução do caso, volve-se ao mesmo.

Não obstante todo o expendido pelo Autor, manteve-se na íntegra a factualidade assente.

Assim, resulta da matéria de facto provada que o Autor, na sequência da escritura de compra e venda celebrada em 2006, passou a exercer atos materiais sobre o prédio desde esse ano (pontos 22 e 24 da matéria de facto provada).

No entanto, também resulta da mesma matéria de facto que desde momento anterior, em 1985, os primeiros Réus aceitaram como boa a declaração de venda que foi efetuada a seu favor por M. S. e D. S. e passaram a exercer sobre este imóvel atos materiais e a ceder o seu uso, gratuitamente primeiro e onerosamente, depois, desde essa data e até 2005 (pontos 29 a 41 da matéria de facto provada).
Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 15, “[…] para que a posse se conserve, não é necessária a continuidade do seu exercício; basta que, uma vez principiada a atuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar. Conserva-se, por exemplo, a posse de uma servidão de passagem, embora não se passe, se não houver impedimento a que o respetivo titular atravesse o terreno vizinho”.
Esta posse dos primeiros Réus, traduzidas nestes atos materiais, como resulta ainda da matéria de facto provada teve lugar na sequência da declaração de venda, pela entrega que lhe foi efetuada por M. S. e D. S.. E foi exercida à vista de toda a gente, pelos Réus que agiram como donos e senhorios do imóvel até finais de 2006, sem oposição de ninguém e supondo não lesar direitos de outrem (citados pontos 29 a 41, com relevo para o 30, da matéria de facto provada).
Desta forma, não tem qualquer suporte factual a invocação da existência de coação do Réu sobre M. S. ou D. S. para a elaboração da declaração em causa ou, o que aqui, sim, relevaria, para se concluir que a posse se alicerçou na violência sobre estes.

Destacam-se aqui o elemento subjetivo da posse e as características da mesma: as declarações negociais apenas servem para poder caracterizar os atos materiais e jurídicos praticados pelos possuidores e os demais elementos subjetivos que enformam o exercício do poder de facto que desenvolveram.
Nada na matéria de facto provada aponta para a coação invocada pelo Recorrente, antes pelo contrário, decorre da matéria de facto provada que a tomada de posse foi pacífica, por força da entrega do imóvel caraterizada no ponto 30.

Igualmente, nada aponta para a posse alicerçada na violência, que as rendas foram recebidas para pagamentos de juros ou que só em 1993 se deu a inversão do título de posse, porquanto até lá os primeiros Réus não tinham a convicção que exerciam direito de propriedade.
Enfim, não há dúvidas, face à matéria de facto provada, que o Réu agiu desde 1985 com o animus possidendi, tanto mais que este se presumiria e nada o afastou na matéria de facto provada.
Mas este animus, dúvidas houvesse, encontra-se expresso na matéria de facto provada no ponto 30, visto que ali consta que Réus agiram como sendo donos.

Não só não está ilidida a presunção a que alude ao artigo 1252º nº 2, primeira parte, do Código Civil, como a própria matéria de facto provada descreve o animus e assim a posse, sem a qual nunca opera a usucapião.
Esta posse tem que ser qualificada como pública (à vista dos então donos e passível de ser verificada pelo Autor, porquanto exercida à vista de toda a gente, como se escreveu no ponto 30 da matéria de facto provada) e pacífica (adquirida sem violência- artigo 1262º do Código Civil – na sequência da entrega a que se refere este mesmo ponto).
Além disso, consta da matéria de facto provada – e bem – que a mesma é de boa-fé: os Réus ao exercê-la suponham não lesar direitos de outrem (ponto 30); com efeito, passaram a utilizá-la na sequência de declaração de venda efetuada pelos seus donos (ou como tal tidos por ambos). Foi ilidida a presunção constante do artigo 1260º nº 2 do Código Civil.
Assim, nos termos do artigo 1296º do Código Civil a usucapião deu-se no termo de quinze anos. Ora, quando invocada, já a mesma tinha durado bem mais (1985-2006).
Foi ilidida a presunção do registo que beneficiava o Autor. Este não tem posse, por si e antecessores, com duração suficiente para adquirir por usucapião, tendo-a os primeiros Réus, pelo que há que confirmar a sentença recorrida, a qual declarou o prédio pertença destes.

V. Decisão:

Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas na 2ª instância pelo apelante (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).

Guimarães, 2018-o2-01

Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade