Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2732/09.9TBBRG-G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
DECLARAÇÃO INEXACTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: As respostas aos quesitos são contraditórias: “quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra” “quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente” “quando ocorre “oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os fatos considerados assentes na fase da condensação.
. Os documentos particulares controvertidos só por si não têm a força vinculativa plena para o Julgador, antes tal prova é livremente apreciada por este, como estabelece o art. 389º do C. Civil.
. Por via do contrato de seguro, uma pessoa transfere para outra o risco da eventual verificação de um dano (sinistro), na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração (prémio). Poder-se-á definir o seguro como o contrato aleatório por via do qual uma das partes (seguradora) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar
um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer.
. O contrato de seguro de grupo é, em primeira linha, um contrato de seguro. O seguro de grupo «pressupõe a existência de um conjunto de pessoas, que pode ser mais ou menos vasto, que se relacionam entre si e com o tomador do seguro. Começa com um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro a que, posteriormente, aderem os membros do grupo. Cada adesão origina uma relação tripartida entre a seguradora, a tomadora de seguro e o aderente.
. Sendo o seguro de grupo um contrato de seguro deve ser-lhe aplicável, em primeira linha, a legislação relativa a seguros.
Estando em causa um contrato de seguro enquanto contrato de adesão, é inequívoco que teremos que atender também ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais.
. O segurado-aderente contrata em primeira linha com o tomador mas é a Seguradora quem recebe as declarações de adesão ao contrato de seguro e, como foi o caso, considerou os segurados/participantes, como integrados ou não ao abrigo das condições estipuladas na apólice.
A seguradora não pode agora vir invocar que as condutas do tomador, verdadeiro intermediário na celebração dos contratos de seguros com os aderentes, não lhe podem ser opostas.
. Não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: tem de se tratar de declarações inexactas ou reticentes quanto a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou as condições do contrato. Por se tratar de um vício na formação do contrato, este conhecimento deve reportar-se ao momento da subscrição da proposta contratual. E tais inexactidões ou reticências têm de se verificar no momento da celebração do contrato, na altura da formação deste e não no seu desenvolvimento.
. Perante um negócio jurídico oneroso e formal, o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratório normal colocado na posição do real declaratório está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respectiva apólice.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
R … e mulher intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra B …, pedindo a condenação da ré no pagamento ao B… do capital em divida dos contratos de mutuo invocados á data da verificação da invalidez profissional da autora no montante global de 99 638,62 euros ,no pagamento á autora do remanescente do capital contrato de seguro no valor de 137,861,38 euros e no pagamento dos reembolsos das quantias pagas a titulo de prémios e de prestações mensais.
Contestou a R., por impugnação, negando alguns factos e aceitando outros, refutando as conclusões que os AA pretendem retirar da factualidade alegada.
Concluindo pela improcedência da acção e condenação dos AA como litigantes de má fé.
Os AA responderam ao pedido de condenação como litigantes de má fé, concluindo como na petição inicial.
A ré apresenta tréplica na qual considerada responder a alteração da causa de pedir apresentada pelos AA e responde ao pedido de condenação como litigante de má fé.
Proferido despacho saneador, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 204 a 209.
A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré B… a pagar:
- ao Banco … o capital em dívida dos contratos de mútuo invocados, à data de 30.10.2006, a liquidar posteriormente;
- aos autores o remanescente do capital seguro, a liquidar posteriormente;
- aos autores o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prémio de contrato de seguro a partir de 30.10.2006, a liquidar posteriormente;
- aos autores o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o B… desde 30.10.2006, a liquidar posteriormente; absolvendo-a do restante peticionado.
Não se conformando com esta decisão, dela apelou a ré, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1) Resulta da factualidade dada como provada que em 27/04/2004 Apelante e Apelados celebraram um contrato de seguro de vida, com o capital de € 248.000,00;
2) Resulta ainda da matéria assente que, em 4 de Abril do Apelados solicitaram a alteração do capital seguro para € 237.500,00, mantendo-se as condições quanto a todo o restante, à excepção da cobertura de desemprego que ficou excluída;
3) Mais resulta que, em 27.11.2007, os Apelados solicitaram à ré nova alteração do contrato de seguro, designadamente do capital seguro, que passou a ser de € 102.075,00, tendo esta emitido nova apólice com vigência em 10.12.2007, tendo como beneficiários os autores e o B…;
4) Decorre ainda da matéria provada que o prémio do contrato de seguro era pago mensalmente pelos autores através de desconto automático na conta bancária que aqueles tinham aberto no B…, com o nº …;
5) Em 15 de Julho de 2008 a Apelada mulher foi considerada inválida e em Outubro de 2008, solicitou a mesma à Apelante o pagamento do capital seguro.
6) O Tribunal a quo, violou os art. 659 nº 2 e 3, art. 668 nº 1 alínea c) ambos do CPC, quando, apesar da matéria tida por provada, considera que apenas existiu um contrato de seguro e que este foi celebrado entre a Apelante e o B…;
7) A violação daqueles normativos verifica-se igualmente quando o Juiz a quo conclui que o prémio de seguro era pago em conjunto com a prestação do empréstimo que os Apelados tinham que liquidar ao B…;
8) Foi violado o art. 368 do CC, art. 668 nº 1 alínea c) e d) e art. 659 nº 3 do CPC, quando o Juiz a quo não tem em consideração os documentos fls…
Por outro lado,
9) Foi violado o art. 668 nº 1 alínea d) in fine do CPC quando na sua decisão o tribunal não se pronuncia sobre qual seria o capital seguro à data a partir da qual se condenou a Apelante (30/06/2006);
10) Foi violado o art. 4 nº 1 e 2 do D.L. 176/95, quando se considera que num contrato de seguro de grupo o dever de informação recaía sobre a Apelante;
11) Foi violado o art. 5 Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, quando considera que não foi cumprido o dever de informação pela Apelante;
12) Foi violado o art. 429 do Código Comercial, ao não considerar-se que não houve por parte dos Apelados uma violação do dever ali consagrado;
13) Foi igualmente violado pelo Tribunal a quo, o consagrado nos art. 236 e 238 do CC, quando afirma que o facto dado como provado no ponto 16 da Matéria Provada apenas significa que… a incapacidade tinha que ser comprovada.
14) Foi violado o princípio da especialidade quando considera que in casu prevalece o Regime Jurídico da Cláusulas Gerais Contratuais.
15) Foram violados os artigos 406, 790 a 792 e 798 e seguintes, todos do C.C. ao condenar-se a Apelante a pagar ao B…, o capital em dívida dos contratos de mútuo invocados, à data de 30.10.2006 e a pagar aos Apelados o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o B… , desde 30.10.2006 pois tal facto gera um enriquecimento ilegítimo, por sem causa, daquele Banco.
16) Ademais, ao não se pronunciar, nem determinar o capital pelo qual a Apelante responderá, indicia-se a violação daquelas normas pois poderá bem suceder que das condenações proferidas resulte que a Apelante tenha que responder por um capital superior ao capital seguro.
Os autores contra-alegaram, apresentando seguintes
CONCLUSÕES
1ª. A douta sentença recorrida está de acordo com a matéria de facto provada e com o direito aplicável e não merece qualquer censura no que toca às questões levantadas pela apelante.
2ª. No entanto, antes de mais, importa realçar que a douta sentença recorrida, na matéria de facto provada padece de um evidente lapso de escrita, cuja correcção, desde já, se requer.
3ª. No ponto 11, da matéria de facto, deve passar a constar: “No dia 4 de Abril de 2005, os autores solicitaram a alteração do capital do referido contrato de seguro que passou a ser de € 237.500,00, mantendo-se as condições quanto a todo o restante, à excepção da cobertura de desemprego que ficou excluída.”
4ª. Com efeito, consta da matéria de facto provada, expressamente, nos pontos nº 7 e 8, que o “contrato de seguro tinha como capital o montante de € 248.000,00, sendo que, caso se verificasse algum dos riscos contratados, morte ou invalidez profissional permanente de um dos Autores, o capital seria entregue a favor do B…, até ao montante que, no momento de qualquer desses acontecimentos, estivesse em dívida a este”e “ o remanescente seria entregue aos autores ou aos seus herdeiros legais, conforme se tratasse de invalidez profissional permanente ou morte” (sublinhado nosso).
5ª. O que releva para aferir qual o capital a entregar aos beneficiários do contrato de seguro é o momento do acontecimento que determina a incapacidade ou morte dos segurados e não o momento em que esse acontecimento é comunicado à seguradora.
6ª. O que determina o pagamento do capital é o falecimento do segurado e o mesmo se passa nos presentes autos e nas situações de incapacidade, até porque, desde o momento da ocorrência do acontecimento que determina a incapacidade até ao momento da sua comunicação à seguradora, pode acontecer um sem número de factos que coloquem em causa a vigência do contrato, à data da comunicação do sinistro, designadamente, a impossibilidade do segurado trabalhar e angariar meios para pagar o prémio de seguro.
7ª. Pese embora a Autora apenas ter comunicado a sua situação de incapacidade à apelante, em 08.10.2008, a verdade é que está confirmado e comprovado nos presentes autos que essa incapacidade dura, pelo menos, desde Janeiro de 2006, e está comprovada pela Segurança Social e pelo exame pericial efectuado na presente acção, desde 30.10.2006.
8ª. A Cláusula IV, sob a epígrafe “Objecto do Contrato”, das Condições Gerais e Especiais da apólice de seguro, dispõe que: “No presente contrato, a Entidade Seguradora obriga-se, mediante o pagamento de um prémio, e caso se produza, durante o período de vigência do contrato o evento cujo risco é objecto de cobertura, ao pagamento à entidade creditícia, designada beneficiário, ou ao beneficiário, do capital designado nas condições particulares, à data do sinistro, conforme o plano de amortização inicial do contrato de empréstimo objecto deste seguro” (sublinhado nosso).
9ª. Na verdade, estando provado, nos pontos nº 6, 11 e 12, que “para garantia do capital mutuado pelo referido banco, nos vários contratos, os autores celebraram, em 27 de Abril de 2004, um contrato de seguro de vida (…), com o capital de € 248.000,00”, que “no dia 4 de Abril (de 2005, tal como consta da base instrutória), os autores solicitaram a alteração do capital do referido contrato de seguro que passou a ser de € 237.500,00” e que “em 27.11.2007, os autores solicitaram à ré nova alteração (…) do capital seguro, que passou a ser de € 102.075,00”, não existe dúvida de que a apelante tem de pagar o capital seguro no montante de € 237.500,00, por ser aquele vigente à data de 30.10.2006, conforme consta da douta sentença recorrida.
10ª. Não existe, portanto, qualquer contradição, erro ou nulidade da douta sentença recorrida, pelo que deve o presente recurso improceder.
11ª. Em momento algum do seu recurso, o apelante indicou, por referência ao assinalado na acta, os depoimentos em que se funda um suposto erro na apreciação da prova ou os documentos que o comprovam, nem tão pouco pede expressamente a alteração de qualquer ponto de facto.
12ª. Ou seja, ainda que a apelante pretendesse, com as suas alegações, impugnar a matéria de facto, a verdade que não cumpriu as disposições especialmente previstas para esse efeito, pelo que, caso fosse essa a hipótese, sempre o presente recurso teria de ser rejeitado.
13ª. De todo o modo, diga-se que a matéria de facto, na parte pretendida pela apelante, está de acordo com a prova produzida, designadamente, com o depoimento das testemunhas e com os documentos juntos, pelo que, também por isso, o presente recurso teria de improceder.
14ª. Não existe qualquer dúvida de que ao constar do contrato de seguro que “a ré pagará ao B… o capital em dívida do empréstimo na data da comprovação da invalidez”, apenas significa que a invalidez tem de ser comprovada, sendo a data dessa comprovação que determina aquele pagamento, tal como muito bem entendeu o tribunal a quo.
15ª. Este facto tem de ser interpretado em consonância com o que consta do ponto 7 da matéria de facto provada, que obriga que a apelante pague o capital seguro “no momento de qualquer desses acontecimentos”, que são a morte ou a invalidez permanente de qualquer um dos autores.
16ª. E deve também ser enquadrada com a referida na Cláusula IV, sob a epígrafe “Objecto do Contrato”, das Condições Gerais e Especiais da apólice de seguro invocada, que estabelece o pagamento do capital acordado “à data do sinistro”.
17ª. Além disso, ainda que assim não fosse, o que apenas se concebe, mas não se concede, aquele facto apenas diz respeito ao pagamento do capital em dívida ao banco, nada dizendo quanto ao montante remanescente do capital que deve ser entregue aos restantes beneficiários do contrato.
18ª. Caso se considere que o referido facto tem o alcance pretendido pela apelante o que, mais uma vez, apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio, deve ser alterada a matéria de facto, dando-se esse facto como não provado, nos termos do art. 684.º- A, nº 2, do C. Proc. Civil.
19ª. Conforme se referiu anteriormente, consta da matéria de facto provada, expressamente, nos pontos nº 7 e 8, que o “contrato de seguro tinha como capital o montante de € 248.000,00, sendo que, caso se verificasse algum dos riscos contratados, morte ou invalidez profissional permanente de um dos Autores, o capital seria entregue a favor do B… , até ao montante que, no momento de qualquer desses acontecimentos, estivesse em dívida a este”e “ o remanescente seria entregue aos autores ou aos seus herdeiros legais, conforme se tratasse de invalidez profissional permanente ou morte” (sublinhado nosso).
20ª. Estes factos estão em contradição com o sentido que a apelante pretende retirar do facto constante do ponto 16, pelo que são incompatíveis, apenas podendo prevalecer um deles.
21ª. Além disso, a já citada Cláusula IV, sob a epígrafe “Objecto do Contrato”, das Condições Gerais e Especiais da apólice de seguro, que todas as testemunhas arroladas pela Ré foram unânimes em dizer que se mantiveram inalteráveis ao longo da vigência do contrato, e que constam do doc. nº 2, junto pela apelante com a sua contestação, dispõe que: “No presente contrato, a Entidade Seguradora obriga-se, mediante o pagamento de um prémio, e caso se produza, durante o período de vigência do contrato o evento cujo o risco é objecto de cobertura, ao pagamento à entidade creditícia, designada beneficiário, ou ao beneficiário, do capital designado nas condições particulares, à data do sinistro, conforme o plano de amortização inicial do contrato de empréstimo objecto deste seguro”
(sublinhado nosso).
22ª. Nenhuma das testemunhas arroladas pela Ré referiu o que quer que fosse acerca deste ponto da matéria de facto.
23ª. Assim, deve responder-se como não provado, ao quesito 28º da base instrutória, e eliminar-se o ponto 16 da matéria de facto provada, pelo que sempre o presente recurso teria de improceder.

FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Os factos dados como provados na 1ª instância (colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dos factos assentes e os números dos artigos da base instrutória) são os seguintes:
1. No dia 27 de Maio de 2004, os autores celebraram com o B… por escritura pública, quatro contratos de mútuo garantidos por hipoteca.
2. Através de dois dos referidos contratos, os autores confessaram-se devedores ao B … , do montante de € 58.550,00, e do montante de € 64.450,00, respectivamente, a que acresceriam os respectivos juros remuneratórios.
3. Para garantia dos referidos contratos de mútuo, foi constituída hipoteca a favor do B… ., sobre o rés-do-chão, apartamento nº …, no bloco sul, tipo .. dois, fracção …, destinado a habitação, terceiro a contar de poente, com uma garagem na cave designada pelo número trinta e cinco, a quarta a contar de poente, lado norte e um logradouro na parte norte, do prédio urbano sito no sítio da …, freguesia de …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o nº … e inscrito na matriz sob o art.º ….
4. Através dos outros dois contratos de mútuo referidos, os autores confessaram-se devedores ao B…., do montante de € 26.000,00, do montante de € 99.000,00, respectivamente, a que acresceriam os respectivos juros remuneratórios.
5. Para garantia destes contratos de mútuo, foi constituída hipoteca a favor do
B… sobre o prédio urbano sito na Rua …, nº …, freguesia de Nogueira, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº… e inscrito na matriz sob o art.º ….
6. Para garantia do capital mutuado pelo referido banco, nos vários contratos, os
autores celebraram, em 27 de Abril de 2004, um contrato de seguro de vida com a ré, titulado pela apólice nº …, cobrindo o risco de desemprego, morte ou invalidez profissional permanente de qualquer um dos autores, com o capital de € 248.000,00.
7. Esse contrato de seguro tinha como capital o montante de € 248.000,00, sendo que, caso se verificasse algum dos riscos contratados, morte ou invalidez profissional permanente de um dos Autores, o capital seria entregue a favor do B…., até ao montante que, no momento de qualquer desses acontecimentos, estivesse em dívida a este.
8. E o remanescente seria entregue aos autores ou aos seus herdeiros legais, conforme se tratasse de invalidez profissional permanente ou morte.
9. O prémio do contrato de seguro era pago mensalmente pelos autores através
de desconto automático na conta bancária que aqueles tinham aberto no B…., com o nº ....
10. A escolha da companhia de seguros foi feita pelo próprio B…., e a proposta de contrato de seguro foi subscrita pelos autores numa agência do mesmo banco.
11. No dia 4 de Abril, de 2005 os autores solicitaram a alteração do capital do referido contrato de seguro que passou a ser de € 237.500,00, mantendo-se as condições quanto a todo o restante, à excepção da cobertura de desemprego que ficou excluída.
12. Em 27.11.2007, os autores solicitaram à ré nova alteração do contrato de
seguro, designadamente do capital seguro, que passou a ser de € 102.075,00, tendo esta emitido nova apólice com vigência em 10.12.2007, tendo como beneficiários os autores e o B….
13. A ré extornou aos autores o montante de € 20,27 por conta do anterior contrato de seguro.
14. A proposta apresentada em 27.11.2004, e da qual consta que a autora mulher não sofreu, nem sofria de qualquer doença, que não estava a efectuar qualquer tratamento, que não estava de baixa médica por força da doença e que tinha sido concedida, nem estava para o ser qualquer incapacidade foi preenchida por um funcionário do banco.
15. Os autores limitaram-se a subscrever a proposta que lhes foi apresentada no balcão do B…, bem como as subsequentes alterações por ele propostas.
16. No referido contrato foi convencionado que a ré pagará ao B… o capital em
dívida do empréstimo na data da comprovação da invalidez.
16. A autora trabalhava como gerente da clínica de …, em ...
18. Sensivelmente, em finais do ano de 2005, a autora começou a sentir fortes dores no corpo, grande fadiga, dificuldades em dormir, períodos de irritabilidade e perturbações emocionais.
19. Estes sintomas agravavam-se com o stress e impediam a autora de realizar
qualquer actividade física e de se manter na mesma posição durante vários períodos ainda que pouco prolongados.
20. Após várias consultas e exames médicos, sempre inconclusivos, em Janeiro de 2006 foi diagnosticada à autora fibromialgia numa forma grave e irreversível que a incapacita para a sua profissão.
21. Em virtude destes factos, a autora teve que ficar acamada e impedida de
trabalhar, pelo menos, desde Janeiro de 2006.
22. Assim, desde, pelo menos, 19 de Janeiro de 2006, a autora encontra-se em
estado de invalidez profissional permanente.
23. Essa condição foi confirmada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., em 15 de Julho de 2008, com efeitos desde 30 de Outubro de 2006, que considerou a autora “com incapacidade permanente para o exercício da sua profissão, resultante de doença natural”.
24. Em 08.10.2008, a autora solicitou à ré, através de carta enviada para a sede, em Lisboa, que o capital fosse pago.
25. Desde 17.01.2006, os autores pagaram à ré em prémios de seguro o valor de € 2.087,86.
26. Os autores pagaram ao B… entre Janeiro de 2006 e Abril de 2009 o valor de € 26.713,47.
27. A ré enviou aos autores uma carta datada de 31.12.2008, comunicando-lhes que procedia à anulação da apólice de seguro nº 6232-9552, conforme documento de fls. 82 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
28. Na sequência daquela anulação, a ré extornou aos autores o prémio mensal
relativo ao mês de Dezembro de 2008, no valor de € 42,60.
29. O capital em dívida ao B… em 31.03.2009 era de € 99.638,62.

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
São as seguintes questões a apreciar
. nulidade da sentença ( arts 668 al. c) e d) 368 do C. Civil e 659 nº3 do CPC)
. omissão de pronúncia
. erro de julgamento
. mérito da causa



De direito
Vícios da decisão de facto
Em comentário ao nº 4 do art. 712º do CPC, observa Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil - Novo Regime, 3ª edição revista e actualizada, 2010, pág. 331, que “[a] decisão sobre a matéria de facto deve primar pela clareza de exposição. As dúvidas quanto ao que está ou não está provado devem ser resolvidas pelo tribunal na fase da audiência de discussão e julgamento, antes de terminarem os debates finais ou, mesmo depois, com a reabertura da audiência, nos termos do art. 653º, nº 1.
Entre os vícios que podem afectar a decisão da matéria de facto e cuja apreciação nem sequer está dependente da iniciativa das partes contam-se as respostas deficientes, obscuras e contraditórias”.
As respostas aos quesitos são contraditórias: “quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra” “quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente” “quando ocorre “oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os fatos considerados assentes na fase da condensação” .
Deficiência existirá quando determinado ponto da matéria de facto ou algum segmento não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa Quanto aos casos em que o vicio se apresenta como de obscuridade , estão abarcadas as respostas ininteligíveis, equívocas ou imprecisas , que suportem diferentes interpretações , as incongruências entre os diversos pontos de facto ou as situações em que da ordenação da matéria considerada assente não resulte clara a situação de facto provada, por forma a permitir o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.
Feitos estes considerandos, importa sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório (averiguação esta que tem de obedecer a essas mesmas regras e princípios).
E, perante o conceito doutrinal e jurisprudencial do vício processual da “contradição”, “ deficiência” e “ obscuridade” acima referido, afigura-se-nos que, no essencial, não assiste razão à recorrente, no referente às invocadas contradições e deficiências entre os factos 11º, 12º e 15º da matéria assente ( estes que identifica em concreto) e os demais que invoca sem identificação dos números mas que transcreve.
Na verdade, a redacção de tais artigos é clara, precisa e neles não se “fazem afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra”,” não têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, não podem subsistir cada uma delas utilmente” “ não ocorre “oposição entre diversas respostas ou entre tais respostas e os factos considerados assentes na fase da condensação”.
Não existem pois as invocadas patologias na identificada matéria de facto.
Situação diferente destas “ deficiências” temos o alegado possível erro de apreciação da prova, a omissão de pronúncia e o erro de julgamento, os quais a recorrente relata nas suas alegações como fundamento das “ patologias” que invoca.
Vejamos se tem razão a recorrente.
«Dispõe o nº 3 do art. 659 do CPC que «na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer».
Na anterior decisão sobre a matéria de facto (fixação da matéria assente após a audiência de julgamento) foram dados como provados os factos cuja verificação estava sujeita à livre apreciação do julgador. Agora, na sentença, o juiz deve considerar, além dos factos resultantes das respostas aos artigos da base instrutória, aqueles cuja prova resulte da lei, isto é, «da assunção de um meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante (…), independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase da condensação (…). Ao fazê-lo, o juiz examina criticamente as provas, mas de modo diferente de como o fez o julgador da matéria de facto: não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova, mas de verificar atentamente se existiram os factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório .
É que na sentença, como fundamentos de facto devem ser utilizados todos aqueles que foram adquiridos durante a tramitação da causa. Refere Teixeira de Sousa Teixeira de Sousa, que nos termos do art. 659, nº 3, integram esses fundamentos os factos admitidos por acordo, mesmo que não tenham sido considerados assentes, os factos provados por documentos juntos ao processo por iniciativa das partes ou do tribunal, os factos provados por confissão reduzida a escrito, os factos julgados provados pelo tribunal singular ou colectivo na fase da audiência final e «os factos que resultam do exame crítico das provas, isto é, aqueles que podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados»; a estes factos acrescem os factos notórios e os de conhecimento oficioso.
Porém a Relação só pode alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto quando se verifique algum dos fundamentos das alíneas a) e c) do nº1 do artigo 712º do C. P. Civil.
Neste processo ocorreu gravação dos depoimentos das testemunhas, depoimentos esses nos quais o Sr. Juiz que proferiu a decisão recorrida se baseou também para formar a sua convicção acerca de muita da factualidade apurada.
A ser assim, a alteração das respostas à factualidade em causa teria de passar pela desconsideração dessa prova testemunhal, o que exigia que a apelante confrontasse os ditos testemunhos prestados em julgamento, com os elementos de prova que alega serem os bastantes ( documentos que nem sequer identifica em concreto). Mas para isso teria que cumprir os ónus impostos pela al. b) do nº1 e pelo nº 2 do art. 690 do CPC, evidenciando as passagens desses testemunhos que estariam em oposição com os elementos de prova / meios de prova que entende que deviam ser valorados ou valorados de forma diferente e justificar porque deveriam estes ter predominância sobre aqueles depoimentos.
Ónus que claramente a recorrente não observou nas suas alegações/conclusões, não podendo este Tribunal, suprindo essa omissão proceder à audição oficiosa do registo áudio que se mostra gravado em CD. Pelo que, sempre se dirá que desconhecendo este tribunal o teor dos depoimentos orais das testemunhas, arredada fica a possibilidade de acesso ao processo intuitivo do juiz. a quo na formação da sua convicção quanto à factualidade em causa.
Também a apelante não apresentou, com a alegação de recurso, documentos novos e supervenientes que fossem admitidos.
Daí que, afastando-se, liminarmente, a aplicação ao caso dos autos das alíneas a) e c) do citado artigo 712º, resta-nos centrar a nossa atenção na alínea b) do mesmo artigo.
Segundo esta alínea, é permitida a alteração “ se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
No dizer do Professor Alberto dos Reis cai na previsão desta alínea (reportando-se à redacção vigente na altura) a hipótese de estar junto aos autos documento que faça prova plena de determinado facto e de o juiz, na sentença, ter admitido o facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, caso em que cabe à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento.
Porém, numa visão mais abrangente tem-se defendido ao nível jurisprudencial que a Relação pode modificar a resposta a um quesito desde que exista nos autos um elemento de prova que não possa ser afastado, quaisquer que sejam as provas produzidas em julgamento. Melhor dizendo, a Relação pode modificar a resposta aos quesitos quando o tribunal da 1ª instância, relativamente a um determinado facto já plenamente provado no processo por documento, por confissão ou por acordo das partes, se pronunciou em sentido divergente.
E não estão em causa estes meios de prova, mas apenas documentos particulares controvertidos e que foram sujeitos a prova, inclusive testemunhal, pelo que, só por si não têm a força vinculativa plena para o Julgador que a recorrente lhe pretende atribuir, antes tal prova é livremente apreciada por este, como estabelece o art. 389º do C. Civil.
E esta prova documental foi apreciada nos termos que consta da decisão proferida acerca da matéria de facto apurada aonde se escreveu que A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos … em conjugação com o depoimento de parte e das testemunhas prestadas … tudo á luz da experiência comum e da normalidade do acontecer.
O que a recorrente não concorda é com a análise critica que dessa prova foi feita e das consequências jurídicas retiradas, mas essa discordância prende-se já com o mérito da apelação, o que será apreciado seguidamente.
Acresce referir que a recorrente refere existir erro de julgamento pedindo a sua correcção nos termos do art. 690-A do CPC.
A verdade é que tal artigo se reporta à impugnação da matéria de facto, sendo que, desde logo, não encontramos nas alegações apresentadas pela recorrente a indicação em concreto da alteração de qualquer ponto de facto.

Da nulidade da sentença
Invoca a ré/apelante a nulidade da sentença, por alegada violação do disposto no art. 668, nº 1 al. d) e c) do CPC.
Apreciamos.
Nos termos do preceituado no citado art. 668, nº 1 al. d), do CPC “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”.
Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º segmento da norma).
Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no nº 2 do art. 660 do CPC, que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas em que a lei lhe permite delas conhecer oficiosamente).
Desde logo, tenha-se presente o que é referido no Acórdão do STJ, de 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção : “Só ocorre nulidade do acórdão nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, se o tribunal deixar de pronunciar-se ou se se pronunciar indevidamente sobre questões [Sublinhado nosso] suscitadas e não os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes”.
Constituiu hoje entendimento pacífico que as “questões” referidas no normativo acima citado são as respeitantes ao pedido ou à causa do pedido. Na verdade, vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir
Ora, basta atentar no pedido de tutela judiciária que o autor formulou, na causa de pedir em que o fez assentar, na decisão final proferida pelo tribunal a quo e na fundamentação que precedeu essa parte dispositiva, para facilmente se concluir não ter incorrido aquele tribunal na invocada nulidade.
Na verdade, como ressalta daquilo que se deixou exarado no relatório, os autores fundamentaram a sua pretensão de condenação, na existência de um contrato de seguro que cobria a situação de invalidez permanente que se veio a verificar e que foi celebrado para garantia do capital mutuado ao banco. E daí que tenha pedido, com base nessa causa de pedir, a condenação da ré no pagamento das importâncias que supra se deixaram referidas no relatório reportado à data em que se comprovou a invalidez.
Por sua vez a sentença, após ter feito o enquadramento jurídico da situação factual apurado veio condenar a ré ao pagamento
ao B… o capital em dívida dos contratos de mútuo invocados, à data de 30.10.2006, a liquidar posteriormente;
- aos autores o remanescente do capital seguro, a liquidar posteriormente;
- aos autores o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prémio de contrato de seguro a partir de 30.10.2006, a liquidar posteriormente;
- aos autores o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o B…, desde 30.10.2006, a liquidar posteriormente; absolvendo-a do restante peticionado.
É assim, manifesto que não houve qualquer omissão de pronúncia, e nomeadamente no que concerne à condenação final da ré. O tribunal a quo conheceu das questões que lhe foram colocadas, à luz do pedido e da causa de pedir que sustentaram a tutela judiciária pedida pelos autores através desta acção, procedeu ao seu enquadramento jurídico e condenou a ré no pagamento de quantias liquidas e não liquidas nos termos legalmente permitidos.
Nesta altura cumpre referir que não se percebe a dificuldade da recorrente em saber qual “o capital seguro à data a partir da qual se condenou a apelante”. Se temos uma data (30.09.2006) de condenação e essa consta da sentença o capital seguro será o vigente nessa data, sendo certo que as alterações do capital seguro não têm efeitos retroactivos.
Portanto mesmo “ omissão” não se verifica.
Ainda a propósito da invocada nulidade, cumpre salientar o entendimento do Prof. Alberto dos Reis resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias , á partida plausíveis de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido; por um lado , através da prova foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação , interpretação e aplicação das normas jurídicas ( art. 664º do CPC) e, uma vez motivamente tomada determinada orientação as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito não têm que ser separadamente analisadas.
Paralelamente, e por via do que se deixa exposto, há igualmente que registar a não existência da outra nulidade alegada pela recorrente.
Esta nulidade – oposição entre os fundamentos e a decisão (al. c) do indicado preceito legal) - só se verifica quando (nas palavras do Prof. Alberto dos Reis) «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto”.
Dito de outra maneira, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta àquela que logicamente deveria ter extraído .
A oposição a que alude aquela alínea c) é a que se verifica no processo lógico que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir Rodrigues Bastos, .
Ou seja, pressupõe um erro lógico na ponta final da argumentação jurídica - os fundamentos invocados apontam num sentido e, inesperadamente, contra a conclusão decisória que dos mesmos, e dentro da linha de raciocínio adoptada, se esperava, veio-se a optar pela solução adversa .
Indispensável, portanto, que os fundamentos invocados pelo juiz devessem logicamente conduzir a resultado oposto ao que vier expresso na sentença.
Ora, na sentença recorrida fez-se uma determinada leitura da prova produzida, o que levou o tribunal a quo a considerar provados determinados factos e não provados outros, sendo que os factos considerados provados poderiam ser interpretados nos termos que da sentença constam, pelo que inexiste assim qualquer contradição entre os seus fundamentos e a decisão final.
Se a decisão da matéria de facto foi ou não correcta, e se existiu erro de julgamento, prende-se já com o mérito da apelação, o que será apreciado seguidamente.
Não enferma, pois, a sentença da nulidade que lhe é apontada pelo recorrente.
Mérito da causa
Nestes autos apurou-se que Para garantia do capital mutuado pelo referido banco, nos vários contratos, os autores celebraram, em 27 de Abril de 2004, um contrato de seguro de vida com a ré, titulado pela apólice nº …, cobrindo o risco de desemprego, morte ou invalidez profissional permanente de qualquer um dos autores, com o capital de € 248.000,00.
Apurada que está a celebração do contrato de seguro cumpre referir que por via do contrato de seguro, uma pessoa transfere para outra o risco da eventual verificação de um dano (sinistro), na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração (prémio). Poder-se-á definir o seguro como o contrato aleatório por via do qual uma das partes (seguradora) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar
um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer”
Também Menezes Cordeiro assume esta noção de contrato de seguro ao defini-lo como aquele em que «uma pessoa transfere para outra o risco da verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de determinada remuneração »
Ao segurado, impõe-se-lhe a obrigação de pagamento do respectivo prémio de seguro, segundo as condições acordadas e estipuladas na apólice (arts. 426º, par. 7º, e 427º, ambos do Código Comercial); à seguradora, impõe-se-lhe, face à prova da existência do sinistro e de que o reclamante cumpriu as obrigações que para ele emanam do contrato e da lei, a obrigação de liquidar os compromissos a que a apólice a obrigue, ou seja, a obrigação de assegurar o pagamento dos montantes devidos com a ocorrência dos factos previstos na apólice.
Assim, o contrato de seguro é um contrato bilateral ou sinalagmático, formal, de adesão e aleatório, na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto.
No contrato de seguro, a prestação da seguradora tem um destinatário que, as mais das vezes é o próprio segurado. A lei define o beneficiário como a pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverte a prestação da seguradora decorrente do contrato de seguro ou de uma operação de capitalização (art. 1º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26/07).
A figura do beneficiário surge explicitamente nos contratos em que a prestação da seguradora deva ser feita a pessoa diferente do segurado. No entanto, ainda que em sentido algo diferente, todo o seguro tem um beneficiário.
Do que se deixou dito e face à factualidade em causa, dúvidas não subsistem em como, no caso em apreciação, estamos perante um contrato de seguro nos termos que se acabam de descrever.
O contrato de seguro, antes das alterações introduzidas pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, doravante, RJCS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Junho, e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009 era, como decorria do artigo 426° do Código Comercial, um contrato formal - reduzido a escrito, num instrumento que constituía a apólice de seguro .
O contrato de seguro era um contrato consensual, porque se realiza por via do simples acordo das partes, e formal, porque a sua validade depende da redução a escrito, consubstanciada na apólice a que se reporta o artigo 426 do Cód. Comercial.
Após a entrada em vigor do RJCS este regime foi alterado.
Quanto à forma do contrato, verificaram-se algumas mudanças.
Como decorre do Preâmbulo deste diploma « quanto à forma, e superando as dificuldades decorrentes do artigo 426 do Código Comercial, sem descurar a necessidade de o contrato de seguro ser reduzido a escrito na apólice, admite-se a sua validade sem observância de forma especial. Apesar de não ser exigida forma especial para a celebração do contrato, bastando o mero consenso, mantém-se a obrigatoriedade de redução a escrito da apólice. Deste modo, o contrato de seguro considera-se validamente celebrado, vinculando as partes, a partir do momento em que houve consenso (por exemplo, verbal ou por troca de correspondência) ainda que a apólice não tenha sido emitida».
Estes princípios encontram expressão nos artigos 32º e ss do referido RJCS.
Normalmente, o contrato de seguro, sendo um contrato bilateral, é individual, quer do lado da seguradora quer do lado do tomador do seguro.
Todavia, ao lado desta realidade uma outra se vem impondo nos mais variados planos e nos mais distintos ramos de actividade, o seguro de grupo.
O seguro de grupo, apesar de tradicionalmente não ter regulamentação autónoma no nosso quadro legal, encontrava-se definido no artigo 1º do Dec. Lei 176/95, de 26 de Julho, aí se estatuindo que «...o seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum ».
Sentindo a necessidade de regular uma larga franja da actividade seguradora que não tinha tratamento sistemático, como era o seguro de grupo, o legislador inseriu no novo RJCS todo um conjunto de « regras especiais disciplinadoras de certas situações jurídicas que se generalizaram na actividade seguradora, como o seguro de grupo. De facto, alguns regimes não regulados na legislação vigente (ou insuficientemente previstos), mas que correspondem a uma prática generalizada, como o seguro de grupo, surgem no novo regime com um tratamento desenvolvido ».
O contrato de seguro de grupo é, em primeira linha, um contrato de seguro.
É um contrato que se celebra inicialmente apenas entre a seguradora e um tomador, mas ao qual aderem posteriormente outros indivíduos ligados de algum modo ao tomador do seguro.
Assume, assim, o seguro de grupo a forma de um contrato complexo e trilateral – seguradora, tomador e aderentes.
Efectivamente, o seguro de grupo «pressupõe a existência de um conjunto de pessoas, que pode ser mais ou menos vasto, que se relacionam entre si e com o tomador do seguro. Começa com um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro a que, posteriormente, aderem os membros do grupo. Cada adesão origina uma relação tripartida entre a seguradora, a tomadora de seguro e o aderente».
O contrato inicial celebrado entre a Seguradora e o Tomador constitui e define a base e o conteúdo dos contratos de seguro dos «participantes».
Porém, apenas com a adesão dos membros do grupo é que passam a surgir os segurados, e cada adesão representa um novo momento na formação do contrato.
Dessa relação tripartida nascem direitos e obrigações de cada uma das partes para com as outras duas partes contratantes.
In casu, resultou provado
Para garantia do capital mutuado pelo referido banco, nos vários contratos, os
autores celebraram, em 27 de Abril de 2004, um contrato de seguro de vida com a ré, titulado pela apólice nº …, cobrindo o risco de desemprego, morte ou invalidez profissional permanente de qualquer um dos autores, com o capital de € 248.000,00.
Esse contrato de seguro tinha como capital o montante de € 248.000,00, sendo
que, caso se verificasse algum dos riscos contratados, morte ou invalidez profissional permanente de um dos Autores, o capital seria entregue a favor do B …., até ao montante que, no momento de qualquer desses acontecimentos, estivesse em dívida a este.
E o remanescente seria entregue aos autores ou aos seus herdeiros legais, conforme se tratasse de invalidez profissional permanente ou morte.
O prémio do contrato de seguro era pago mensalmente pelos autores através
de desconto automático na conta bancária que aqueles tinham aberto no B…., com o nº ….
A escolha da companhia de seguros foi feita pelo próprio B…., e a proposta de contrato de seguro foi subscrita pelos autores numa agência do mesmo banco.
Desta factualidade concluímos que estamos, perante um seguro de grupo “contributivo”, (os segurados suportam o pagamento do prémio) atenta a definição que nos é dada pelo artigo 1º, als. c) e h), do D.L n.º 176/95, de 26.6, que regula(va) a actividade seguradora, nesta matéria.
Dúvidas não podem restar em como os segurados subscreveram um seguro de grupo do ramo vida, sendo beneficiário do mesmo o B …., que cobre o risco de desemprego, morte ou invalidez profissional permanente de qualquer um dos autores, com o capital de € 248.000,00.
Não tem sido unânime, quer na Doutrina quer na Jurisprudência, a posição a adoptar quanto à natureza jurídica deste tipo de contrato.
Entende-se tratar-se de um contrato complexo e que apresenta características comuns a outras figuras jurídicas (designadamente o contrato a favor de terceiro).
Nas palavras da mesma Autora Paula Ribeiro Alves já mencionada, trata-se de uma nova e diferente realidade, multifacetada, «que apresenta aspectos de diversas realidades a que não se reconduz »
Em regra, o contrato de seguro é um contrato de adesão, porque uma das partes (o segurado) se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não sendo ajustados, caso a caso, todos os pontos do programa contratual O contrato de seguro de grupo é, em primeira linha, um contrato de seguro.
É um contrato que se celebra inicialmente apenas entre a seguradora e um tomador, mas ao qual aderem posteriormente outros indivíduos ligados de algum modo ao tomador do seguro.
Assume, assim, o seguro de grupo a forma de um contrato complexo e trilateral – seguradora, tomador e aderentes.
Efectivamente, o seguro de grupo «pressupõe a existência de um conjunto de pessoas, que pode ser mais ou menos vasto, que se relacionam entre si e com o tomador do seguro. Começa com um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro a que, posteriormente, aderem os membros do grupo. Cada adesão origina uma relação tripartida entre a seguradora, o tomador de seguro e o aderente » .
Se os contratos de seguro, individualmente considerados, são contratos de adesão, por maioria de razão os contratos de seguro de grupo, no qual o aderente «não teve a mínima participação na discussão do clausulado e ao qual fica vinculado», devem ser considerados em relação à pessoa segura, como contratos de adesão
Na verdade, neste tipo de contratos o clausulado costuma ser negociado apenas entre o tomador do seguro e a seguradora, limitando-se os segurados a subscrevê-lo ou aceitá-lo, através de simples declaração individual de adesão. .
Os contratos de seguro, individuais ou de grupo, são inequivocamente contratos de adesão, tendo as suas cláusulas a natureza de cláusulas contratuais gerais, pelo que se torna manifesto e evidente que o conteúdo de tais cláusulas deve ser dado a conhecer aos contratantes/aderentes de forma cabal, completa e adequada.
No caso dos autos, o Autor aderiu a um contrato de seguro de vida grupo, celebrado entre o Banco e a Ré .., contrato este que era igualmente aberto à adesão daqueles a quem fosse concedido um Crédito à Habitação.
Mais se apurou que A escolha da companhia de seguros foi feita pelo próprio B …., e a proposta de contrato de seguro foi subscrita pelos autores numa agência do mesmo banco.
Os autores limitaram-se a subscrever a proposta que lhes foi apresentada no
balcão do B… bem como as subsequentes alterações por ele propostas.
Trata-se de um contrato de adesão, pois que, ao contrário do que sucede com a generalidade dos contratos, nos quais existem negociações e só após estas se formalizam os contratos, os autores limitaram-se a aceitar o texto que lhe foi proposto.
Tal contrato insere-se nos designados seguros de vida e complementares dos seguros de vida pois que cobre o risco de desemprego, morte ou invalidez profissional permanente de qualquer um dos autores,
O seguro de vida «é o seguro efectuado sobre a vida de uma ou várias pessoas seguras, que permite garantir, como cobertura principal, o risco de morte ou de sobrevivência ou ambos »
Sendo o seguro de grupo um contrato de seguro deve ser-lhe aplicável, em primeira linha, a legislação relativa a seguros.
Na verdade, como se disse supra, o seguro de grupo não tinha regulamentação autónoma no nosso quadro legal estando apenas definido no artigo 1º, al. g), do Dec. Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, diploma este no qual eram estabelecidas algumas regras específicas (cf. artigo 4º do mesmo diploma).
Deste modo ao seguro de grupo aplicam-se as regras específicas do ramo que estiver em causa e, como se trata de um contrato, aplicam-se as regras gerais dos contratos.
De sublinhar, ainda, que, segundo o artigo 427° do Código Comercial, o contrato de seguro regula-se pelas disposições da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições desse Código, sendo certo que a apólice é o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora e é integrado pelas condições gerais, especiais e particulares acordadas.
Além disso, estando em causa um contrato de seguro enquanto contrato de adesão, é inequívoco que teremos que atender também ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais.
Considerando que os contratos de seguro, sendo contratos de natureza formal, são inequivocamente contratos de adesão, estão como tal sujeitos ao regime instituído pelo Dec. Lei 446/85, de 22 de Outubro.
Ora, dispõe o artigo 1º, no seu n.º 1 do DL 446/85, (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 220/95, de 31.8, e pelo DL 249/99, de 7.7) que são cláusulas contratuais gerais as que são elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a, respectivamente, subscrever ou aceitar.
E no seu n.º 2 prescreve que o presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar, acrescentando o seu n.º 3 que, incumbe àquele que pretende prevalecer-se do seu conteúdo, provar que aquela resultou de negociação prévia entre as partes.
Nos termos do art.º 5º n.º 1 do mesmo diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, comunicação esta que deve ser realizada de modo adequado para que se torne possível o seu conhecimento por quem use de comum diligência, (n.º 2 do mesmo preceito).
Acrescenta o n.º 3 desse artigo 5º que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas gerais.
Por outro lado, para além de tal comunicação, deve o contraente que a estas cláusulas recorra, informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos, (art.º 6º do diploma em causa).
Resulta, ainda, da alínea a) do art.º 8º do diploma referido, que são excluídas dos contratos singulares, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º, tal como são excluídas, de acordo com a sua alínea b), as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde a que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
No que respeita à interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais deveremos atender ao disposto no artigo 10.º do diploma em análise, nos termos do qual “as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”.
Por vezes, as cláusulas constantes de um determinado contrato não são claras e precisas pelo que, relativamente às cláusulas ambíguas, o artigo 11.º do diploma em análise, estatui que:
«1- As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.
2- Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente».
Sucede que muitas vezes o tomador do seguro não é uma pessoa individual, um consumidor, mas sim uma pessoa colectiva, designadamente uma sociedade.
Ora, em ambas as situações, o tomador do seguro pode prevalecer-se do regime das cláusulas contratuais gerais porquanto o Decreto-Lei 446/85 não restringe o seu campo de aplicação.
Não se desconhece a norma inserta no art. 4º, nº1, do DL 176/95, segundo a qual nos seguros de grupo, cabe ao tomador do seguro prestar aos segurados as informações acerca das coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro.
Porém, cremos que a falta de cumprimento dessa obrigação por parte do Banco em causa não é oponível aos autores que para ela não contribuíram nem foram consultados na celebração do dito contrato de seguro de grupo.
Trata-se, assim, a nosso ver, de questão a resolver em sede próprio, no domínio das relações entre o Banco e a Seguradora.
Perante os autores, não tendo a ré seguradora cumprido o aludido dever, acarreta que se considerem excluídas do contrato as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos não comunicadas aos segurados.
De facto o segurado-aderente contrata em primeira linha com o tomador mas é a Seguradora quem recebe as declarações de adesão ao contrato de seguro e, como foi o caso, considerou os segurados/participantes, como integrados ou não ao abrigo das condições estipuladas na apólice.
A seguradora não pode agora vir invocar que as condutas do tomador, verdadeiro intermediário na celebração dos contratos de seguros com os aderentes, não lhe podem ser opostas.
O tomador do seguro, ao promover a adesão de novos participantes, fá-lo não só no seu interesse directo mas também no interesse da Seguradora.
Do ponto de vista dos segurados beneficiários é indiferente saber quem tinha o dever legal de os informar pois, ao celebrarem um contrato de seguro na presença do tomador mas que vincula um terceiro (a seguradora), confiam que qualquer deles tinha o dever de informar e que ambos (seguradora e tomador) ficam vinculados ao cumprimento integral do contrato.
Podemos afirmar que «tendo em consideração que o contrato de seguro é normalmente celebrado com recurso a clausulados pré-estabelecidos, a consequência da falta de comunicação ou informação é especialmente grave, dado que se consideram excluídas dos contratos as condições que não tenham sido adequadamente comunicadas e/ou informadas, nos termos do artigo 8º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais».
Deste modo, a «exclusão de cláusulas contratuais gerais não impede a subsistência do contrato, desde que tal seja possível».
Esta circunstância «terá como consequência imediata que a seguradora não poderá invocar uma exclusão a uma cobertura, contida numa cláusula que não foi devidamente comunicada ou informada pelo intermediário, porque essa exclusão se vai ter por excluída do contrato. Logo vigora a cobertura » .
Transpondo estes considerandos para o caso em apreço, temos por certo que os AA celebraram um contrato de seguro, que por sua vontade sofreu alterações quanto ao capital seguro. Porém as subsequentes alterações de apólices e seus conteúdos que terão ocorrido na versão da recorrente e que na mesma versão deram origem a vários contratos de seguros não lhes foram comunicadas como deviam (conforme resulta da resposta de “ não provados” aos arts 26 e 27 da base instrutória), logo as alterações não comunicadas não vigoram e as consequentes exclusões.
Alega ainda a recorrente que existiu violação do disposto no art. 429º do C. Comercial
Não tem razão a recorrente.
No contrato de seguro, uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro é a declaração do risco. «A declaração do risco é uma declaração unilateral do proponente, a qual é aceite pela seguradora e que se destina a avaliar o risco e a permitir o cálculo do prémio». «A declaração do risco não é uma declaração de vontade, mas sim uma declaração de ciência, cujo cumprimento permitirá ao segurador aceitar ou recusar essa declaração. «Apresentam, assim, a maior relevância as omissões e reticências, designadamente quando possam influir sobre a existência ou condições do contrato».
«No ramo Vida a declaração do risco consistirá fundamentalmente na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar».
«Com o objectivo de auxiliar o tomador do seguro a evidenciar os factos relevantes para a apreciação do risco, usam as seguradoras fornecer-lhe um questionário que o guie nas suas declarações» .
Quanto à existência de omissões ou reticências susceptíveis de determinarem a invalidade do contrato de seguro, invalidade que hoje é geralmente qualificada como anulabilidade e sujeita ao respectivo regime legal, dispõe o art. 429º C. Comercial: «Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo».
Tem sido hoje pacificamente entendido, tanto na doutrina como na jurisprudência, que, no caso de o tomador do seguro omitir factos relevantes para a companhia de seguros ou emitir declarações inexactas a invalidade do contrato de seguro estabelecida no art.º 429º do Cód. Comercial é hoje geralmente qualificada como anulabilidade e sujeita ao respectivo regime legal. O artigo 429º do Código Comercial constitui um afloramento do erro vício da vontade: o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratório ou ao objecto do negócio, torna este anulável (...), desde que o declaratório conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro (artigos 251º e 247º do Código Civil».
Como resulta, porém, do teor do citado art.º 429º, não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: tem de se tratar de declarações inexactas ou reticentes quanto a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou as condições do contrato. Por se tratar de um vício na formação do contrato, este conhecimento deve reportar-se ao momento da subscrição da proposta contratual. E tais inexactidões ou reticências têm de se verificar no momento da celebração do contrato, na altura da formação deste e não no seu desenvolvimento .
Não podem as declarações do segurado ser analisadas com base em sucessos posteriores à subscrição de tal proposta, na qual as ditas declarações são feitas, mas em factos anteriores .
No caso em apreço, apurou-se que:
“A escolha da companhia de seguros foi feita pelo próprio B…, e a proposta de contrato de seguro foi subscrita pelos autores numa agência do mesmo banco.
No dia 4 de Abril de 2005 os autores solicitaram a alteração do capital do referido contrato de seguro que passou a ser de € 237.500,00, mantendo-se as condições quanto a todo o restante, à excepção da cobertura de desemprego que ficou excluída.
Em 27.11.2007, os autores solicitaram à ré nova alteração do contrato de seguro, designadamente do capital seguro, que passou a ser de € 102.075,00, tendo esta emitido nova apólice com vigência em 10.12.2007, tendo como beneficiários os autores e o B….
A proposta apresentada em 27.11.2004, e da qual consta que a autora mulher não sofreu, nem sofria de qualquer doença, que não estava a efectuar qualquer
tratamento, que não estava de baixa médica por força da doença e que tinha sido concedida, nem estava para o ser qualquer incapacidade foi preenchida por um funcionário do banco.
Sensivelmente, em finais do ano de 2005, a autora começou a sentir fortes dores no corpo, grande fadiga, dificuldades em dormir, períodos de irritabilidade e perturbações emocionais.
Estes sintomas agravavam-se com o stress e impediam a autora de realizar qualquer actividade física e de se manter na mesma posição durante vários períodos ainda que pouco prolongados.
Após várias consultas e exames médicos, sempre inconclusivos, em Janeiro de 2006 foi diagnosticada à autora fibromialgia numa forma grave e irreversível que a incapacita para a sua profissão.
Em virtude destes factos, a autora teve que ficar acamada e impedida de trabalhar, pelo menos, desde Janeiro de 2006.
Assim, desde, pelo menos, 19 de Janeiro de 2006, a autora encontra-se em estado de invalidez profissional permanente.
Essa condição foi confirmada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., em 15 de Julho de 2008, com efeitos desde 30 de Outubro de 2006, que considerou a autora “com incapacidade permanente para o exercício da sua profissão, resultante de doença natural”.
E, desta factualidade concluímos que efectivamente não se prova que a segurada tenha, pelo menos, conscientemente, faltado à verdade, quando assinou a proposta de alteração apresentada em 27.11.2004 relativamente à sua situação clínica, nem sequer que tivesse consciência de que sofria ou sofreu de alguma doença relevante para a avaliação do risco pela seguradora. É que a proposta foi preenchida por um funcionário do banco . Por outro lado não está demonstrado que os AA foram devidamente esclarecidos acerca do conteúdo das propostas que se limitaram a subscrever.
Acresce que a declaração do risco feita pelo proponente à seguradora é uma declaração de ciência, não de vontade, e por isso só podem ser nelas incluídos factos de que o proponente tenha conhecimento na data em que a emite .
Como tem sido entendimento pacífico, a invalidade do contrato de seguro estabelecida no art.º 429º do Cód. Comercial é hoje geralmente qualificada como anulabilidade e sujeita ao respectivo regime legal. O artigo 429º do Código Comercial constitui um afloramento do erro vício da vontade (artigos 251º e 247º do Código Civil).
Não basta para que se verifique erro sobre os motivos a alegação e prova de que «Se a aderente a tivesse informado da doença de que padecia, a Ré não teria aceite a celebração do contrato de seguro».
O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratório ou ao objecto do negócio, torna este anulável … desde que o declaratório conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro ( artigos 251º e 247º do CC).
Ora, a Ré não logrou provar o conhecimento pela candidata ao seguro, da essencialidade para ela do elemento sobre que incidiu o erro ( na versão da ré).
Aliás se a segurada tivesse a noção da essencialidade da sua doença e suas influências no contrato de seguro e procurasse beneficiar de forma não correcta da mesma não teria alterado para menos o capital de seguro, correndo assim o risco de a cobertura do seguro ser inferior.
Muito menos os segurados conhecedores da gravidade da doença e da sua essencialidade para o seguro iriam celebrar novos contratos de seguros quando já tinham um que cobria o risco de doenças.
Não se verifica pois a apontada violação do disposto no art. 429º do C. Comercial
Invoca ainda a recorrente a violação do art. 236º do C. Civil no referente á seguinte cláusula constante do contrato
Foi convencionado que a ré pagaria ao B… o capital em divida do empréstimo na data do falecimento ou na data da comprovação da invalidez
Que dizer?
Para a sua interpretação há que recorrer ao disposto nos arts. 236º e segs. do Cód. Civil.
Segundo o mencionado art. 236º, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele”. E dispõe o seu nº 2 que “sempre que o declaratório conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
Por seu lado, tratando-se de negócio formal, o art. 238º do mesmo código estipula que a declaração não pode valer com um sentido “que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.
Na interpretação daquela declaração há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto que um declaratório medianamente instruído, diligente e sagaz na posição do declaratório efectivo, teria tomado em conta.
Consagra-se a teoria objectivista da interpretação cujo propósito da lei é o de “proteger o declaratório, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir”.
Esta teoria é vulgarmente denominada pela teoria da impressão do declaratório.
Como também vimos, estamos perante um contrato de adesão, revestindo as condições gerais e especiais do contrato em causa a natureza de cláusulas contratuais gerais, no sentido de que foram elaboradas antecipadamente pela seguradora proponente, sem prévia negociação individual, limitando-se o apelante aderente a subscrevê-las ou a aceitá-las pelo que haverá que lhe aplicar as normas do Dec.-Lei nº 446/85 de 25/10, alterado pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, e 249/99, de 7 de Julho, onde se procura defender o contratante habitualmente mais fraco, ou seja o aderente, que não teve oportunidade de intervir na discussão e redacção daquelas cláusulas e, por isso, nem sempre pode facilmente tomar conhecimento exacto e completo do seu conteúdo, regulamentação essa onde primam normas tendentes à observância das regras decorrentes da boa fé.
O art. l.° deste diploma prevê, precisamente, que "As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar, regem-se pelo presente diploma."
Depois destaca-se o art. 10º que aponta para a interpretação das referidas cláusulas contratuais gerais, de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.
Além disso, o art. 7º deste decreto-lei ainda prevê que as cláusulas especificadamente acordadas – condições particulares – prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo que constantes de formulários assinados pelas partes.
Por seu turno, o art. 11º, nº 1, do mesmo decreto-lei estipula que as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.
E o seu nº 2 acrescenta que na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
Estamos, no caso vertente, perante um negócio jurídico oneroso e formal, pelo que o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratório normal colocado na posição do real declaratório está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respectiva apólice.
A interpretação da referida cláusula aplicando a referida teoria da impressão do declaratório tem inequivocamente o significado de que as datas que relevam são as datas dos acontecimentos, ou seja, a data do falecimento e a data da comprovação da invalidez.
Um declaratório normal, colocado na posição da recorrente, interpretaria a referida cláusula contratual no sentido ora exposto, pois da mesma não consta que a comprovação devia ser feita perante a seguradora sendo certo que se fosse essa a exigência nada impedia que da clausula constasse essa exigência.
Aliás só assim se pode interpretar tal cláusula desde logo pela referência á data do falecimentos. Se nesta ocorrência o clausulado foi a data do acontecimento, porque é que na situação de invalidez não seria também essa a exigência quando também na clausula se refere à data comprovada da invalidez”’? Para a interpretação que a recorrente pretende fazer de tal clausula é que no texto não se encontra qualquer apoio.
Por fim resta apreciar a seguinte conclusão da recorrente
Foram violados os artigos 406, 790 a 792 e 798 e seguintes, todos do C.C. ao condenar-se a Apelante a pagar ao B…, o capital em dívida dos contratos de mútuo invocados, à data de 30.10.2006 e a pagar aos Apelados o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o B…. desde 30.10.2006 pois tal facto gera um enriquecimento ilegítimo, por sem causa, daquele Banco.
De facto, tendo-se apurado que Os autores pagaram ao B… entre Janeiro de 2006 e Abril de 2009 o valor de € 26.713,47, não temos dúvidas em considerar que ao valor a pagar ao B… do capital em divida dos contratos de mútuos invocados á data de 30.10.2006 devem ser deduzidas as pagas pelos AA a título de prémio de contrato de seguro a partir de 30.10.2006, sob pena de enriquecimento ilegítimo do B…

Sumário
. As respostas aos quesitos são contraditórias: “quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra” “quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente” “quando ocorre “oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os fatos considerados assentes na fase da condensação.
. Os documentos particulares controvertidos só por si não têm a força vinculativa plena para o Julgador, antes tal prova é livremente apreciada por este, como estabelece o art. 389º do C. Civil.
. Por via do contrato de seguro, uma pessoa transfere para outra o risco da eventual verificação de um dano (sinistro), na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração (prémio). Poder-se-á definir o seguro como o contrato aleatório por via do qual uma das partes (seguradora) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar
um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer.
. O contrato de seguro de grupo é, em primeira linha, um contrato de seguro. O seguro de grupo «pressupõe a existência de um conjunto de pessoas, que pode ser mais ou menos vasto, que se relacionam entre si e com o tomador do seguro. Começa com um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro a que, posteriormente, aderem os membros do grupo. Cada adesão origina uma relação tripartida entre a seguradora, a tomadora de seguro e o aderente.
. Sendo o seguro de grupo um contrato de seguro deve ser-lhe aplicável, em primeira linha, a legislação relativa a seguros.
Estando em causa um contrato de seguro enquanto contrato de adesão, é inequívoco que teremos que atender também ao Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais.
. O segurado-aderente contrata em primeira linha com o tomador mas é a Seguradora quem recebe as declarações de adesão ao contrato de seguro e, como foi o caso, considerou os segurados/participantes, como integrados ou não ao abrigo das condições estipuladas na apólice.
A seguradora não pode agora vir invocar que as condutas do tomador, verdadeiro intermediário na celebração dos contratos de seguros com os aderentes, não lhe podem ser opostas.
. Não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: tem de se tratar de declarações inexactas ou reticentes quanto a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que teriam podido influir sobre a existência ou as condições do contrato. Por se tratar de um vício na formação do contrato, este conhecimento deve reportar-se ao momento da subscrição da proposta contratual. E tais inexactidões ou reticências têm de se verificar no momento da celebração do contrato, na altura da formação deste e não no seu desenvolvimento.
. Perante um negócio jurídico oneroso e formal, o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratório normal colocado na posição do real declaratório está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respectiva apólice.
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DECISÃO
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação da Ré Companhia e, em consequência, revogar a sentença recorrida que se substitui por outra com o seguinte teor:
Condena-se a ré B … a pagar:
- ao B…, o capital em dívida dos contratos de mútuo invocados, à data de 30.10.2006, deduzidas as quantias já pagas pelos AA a título de prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o B…, desde 30.10.2006 de a liquidar posteriormente;
- aos autores o remanescente do capital seguro, a liquidar posteriormente;
- aos autores o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prémio de contrato de seguro a partir de 30.10.2006, a liquidar posteriormente;
- aos autores o valor correspondente ao reembolso das quantias pagas por estes a título de prestações mensais dos contratos de mútuo celebrados com o B…., desde 30.10.2006, a liquidar posteriormente; absolvendo-a do restante peticionado.

Custas em ambas as instâncias a cargo da autora e ré ,na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 22.11.2011