Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
196/16.0T8VPA.1.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SENTENÇA CONDENATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no art. 85º/1 e 2 do CPC.
Decisão Texto Integral:
X – Indústria Torrefatora de Cafés, S.A., com sede na Rua … Paredes, instaurou por apenso à acção declarativa nº 196/16.0T8VPA que correu na Comarca de Vila Real, V. Pouca de Aguiar - Inst. Local - S. Comp. Gen. - J 1, a presente execução(1) para pagamento de quantia certa contra Manuela, residente em … Vila Pouca de Aguiar, dando à execução, como título, a decisão judicial condenatória proferida nos autos apensos que condenou a executada a pagar-lhe a “quantia de € 6.037,57, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

Conclusos os autos – após diligências efectuadas pelo Agente de Execução – o Exmº Juiz entendeu que o requerimento executivo deveria ter sido apresentado no Juízo Central de Execução do Tribunal da Comarca de Vila Real, sito em Chaves, concluindo da seguinte maneira:

«Pelo supra exposto, julga-se a excepção dilatória de incompetência do vertente Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar totalmente procedente e, consequentemente, decide-se que o Juízo Central de Execução do Tribunal da Comarca de Vila Real é competente para o julgamento da presente lide (arts. 576º/1 e 2, 577º e 578º, do Código de Processo Civil).
Custa do incidente imputáveis à Exequente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.»
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Inconformada com essa decisão, a Exequente interpôs recurso de apelação contra a mesma, visando a revogação do decidido, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A instauração de acção executiva cujo título é uma sentença deve ser iniciada com a apresentação do respectivo requerimento executivo no processo em que aquela foi proferida.
Foi o que a exequente, ora apelante, fez.
Isto é, tendo o processo declarativo onde foi proferida sentença corrido termos pela Secção de Competência Genérica da Instância Local de Vila Pouca de Aguiar do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real,
era nessa/e Secção/Juízo de Competência Genérica que o Requerimento Executivo, por força do disposto no nº 1 do artº. 85º do CPC deveria ter sido apresentado, como efectivamente foi.
Como o Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real tem uma Secção Especializada em processo executivo, actualmente denominado JUÍZO DE EXECUÇÃO DE CHAVES, deveria o Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar ter remetido a este juízo de execução, com carácter de urgência, cópia da sentença (título executivo), do requerimento executivo que deu início à execução e dos documentos que o acompanhavam,
como estatui o nº 2 do artº 85º do CPC.
Não cabe ao exequente remeter o requerimento executivo para a Secção especializada de execução, mas sim à Secção cível ou de competência genérica onde foi proferida sentença.
Pelo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a exequente/apelante, que o Mº Juiz andou mal ao entender que:
a) O requerimento executivo devia ser apresentada na Secção/Juízo de execução competente;
b) O incidente por si criado, apesar da sua simplicidade, ter dado causa a custas a suportar pela exequente, ora apelante.
Foram violadas, por errada interpretação, as normas dos artºs 85º, nº1 e nº 2; 550º, nº1 e nº2, al. a); e 726º, nº 1 do CPC.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve a decisão recorrida ser revogada em toda a sua fundamentação e custas, com excepção da parte que manda remeter o requerimento executivo para o Juízo de Execução de Chaves do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real.
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, a questão a decidir consiste em saber se o Tribunal recorrido – Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar – não devia ter declarado a sua incompetência em razão da matéria mas antes limitar-se a ordenar o cumprimento do art. 85º/2 do CPC.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende a apelante exequente X – Indústria Torrefatora de Cafés, S.A. ter sido incorrecto o entendimento do tribunal a quo que entendeu que o requerimento executivo deveria ter sido apresentado no Juízo de Execução (Chaves) do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real.
Foi decidido na decisão ora em recurso que:

Da excepção de incompetência

Os tribunais, como órgãos de soberania, exercem a função jurisdicional ou jurisdição em sentido abstracto, em conformidade com o preceituado no art.º 202.º, da Constituição da República Portuguesa (vd. Gomes Canotilho/Vital Moreira, C.R.P. Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, anotações ao art.º 202.º).
Neste sentido, a competência é a medida de jurisdição dos diversos tribunais, no que se refere à repartição e fraccionamento do poder jurisdicional, divisando-se: (i) a competência abstracta, que prefigura a fracção do poder jurisdicional atribuída a cada tribunal; (ii) a competência concreta, i.e., a competência para uma determinada causa (vd. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1997, p. 88 e seguintes).
A competência do tribunal configura um requisito de ordem pública, a título de questão de conhecimento primacial, sendo que cada tribunal titula uma competência primária ou originária para apreciar a sua própria competência, na esteira da regra germânica Kompetenz-kompetenz (vd. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, Almedina, 2010, p. 311 e seguintes).
A determinação da competência adstringe-se a factores ou índices equacionados em função do quid disputatum ou quid decidendum, i.e., os elementos subjectivos da acção, as partes, e os seus elementos objectivos, a causa de pedir e o pedido (idem).
A competência consubstancia um pressuposto processual geral, i.e., uma condição sine qua non para que a acção prossiga os seus termos e desemboque na pronúncia judicial relativa ao mérito da causa.
Ademais, a competência do tribunal decompõe-se nas suas vertentes internacional e nacional, repartindo-se, na ordem interna, segundo a matéria, a hierarquia, o valor da causa, a forma do processo e o território.
In casu, enuncia-se que o Tribunal Comarca de Vila Real integra um Juízo Central de Execução, o qual é o competente para a tramitação da vertente acção executiva, nos termos consignados no art.º 129.º/1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).
Em decorrência, a sobredita factologia consubstancia uma excepção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a remessa do processo para o Tribunal competente, sendo que, ante a simplicidade inerente à apreciação da questão, afigura-se dispensável a concessão de direito ao contraditório ao exequente.

Pelo supra exposto, julga-se a excepção dilatória de incompetência do vertente Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar totalmente procedente e, consequentemente, decide-se que o Juízo Central de Execução do Tribunal da Comarca de Vila Real é competente para o julgamento da presente lide (arts. 576.º/1 e 2, 577.º e 578.º, do Código de Processo Civil).
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Custas do incidente imputáveis à Exequente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
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Notifique.
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Transitado em julgado o despacho, remetam-se os autos para o Juízo Central de Execução do Tribunal da Comarca de Vila Real, sito em Chaves.”.

Discordando do entendimento do Tribunal a quo, a apelante contrapõe que “A instauração de acção executiva cujo título é uma sentença deve ser iniciada com a apresentação do respectivo requerimento executivo no processo em que aquela foi proferida.”.
No que lhe assiste razão.

Com efeito, dispõe o art. 85º do CPC (Competência para a execução fundada em sentença):

1- Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado.
2- Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
3- (…)”.
Estabelece o art. 1º/2, b) da Portaria nº 282/2013, de 29-08, que o exequente deve enviar/entregar o “requerimento de execução da decisão judicial condenatória constante do anexo II da presente portaria, da qual faz parte integrante”.
No art. 2º desse diploma legal, estatui-se sobre os termos de apresentação eletrónica:

1 - O requerimento executivo é apresentado por mandatário judicial através do preenchimento e submissão do formulário eletrónico de requerimento executivo constante do sítio eletrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, nos termos do artigo 132º do Código de Processo Civil e de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes, ao qual se anexam os documentos que o devem acompanhar”.
No art. 4º da referida Portaria regulam-se os “Termos de apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória” do seguinte modo:

1 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória é efetuada nos termos previstos para as demais peças processuais no Código de Processo Civil e na portaria que regula a tramitação eletrónica dos processos judiciais, com as especificidades previstas nos números seguintes.
2 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória por via eletrónica deve ser efetuada através do preenchimento do formulário específico constante no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
3 - A apresentação do requerimento de execução da decisão judicial condenatória em suporte físico é dirigida ao tribunal que proferiu a decisão em 1.ª instância, e efetuada por qualquer dos meios legalmente previstos, utilizando o modelo de requerimento que consta do anexo II do presente diploma.
4 - O exequente deve indicar, no requerimento de execução da decisão judicial condenatória, a decisão judicial que pretende executar, estando dispensado de juntar cópia ou certidão da mesma.
5 - À execução da decisão judicial condenatória aplica--se, com as necessárias adaptações, o disposto nas secções anteriores, considerando -se o requerimento de execução de decisão judicial condenatória apresentado apenas na data de pagamento das quantias previstas no n.º 6 do artigo 724.º do Código de Processo Civil, quando sejam devidas.
6 - Quando a parte pretenda executar pedidos com finalidade diversa, é designado apenas um agente de execução para a realização das diligências de execução.
Ora, analisada a decisão recorrida, visto o alegado/concluído pela apelante e ponderados os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão bem como a descrita legislação, verifica-se que o nº 2 do art. 85º do CPC impõe que a execução de sentença seja instaurada no processo onde foi proferida a decisão judicial que se pretende executar e apenas em momento ulterior passará a ser tramitada pelo tribunal com competência especializada de execução.
Seguramente que, apesar de a Comarca de Vila Real (Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar) integrar um Juízo Central de Execução (tribunal de competência especializada executiva), face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada nesse Juízo Central de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no art. 85º do CPC.
Temos, assim, que o nº 1 do art. 85º do CPC consagrou a regra que a execução de sentença ou de despacho corre nos próprios autos. Devido às regras decorrentes da organização judiciária e à especialização dos juízos, na maioria dos tribunais, a execução vai ser tramitada e decidida nos Juízos de Execução, mas prevendo esta situação, o nº 2 do art. 85º, em obediência ao princípio de que o decisor é o seu executor, consagrado no nº 1, estabeleceu que a petição executiva dá entrada no processo em que foi proferida a sentença a executar.
Tendo, pois, a exequente procedido como legalmente estatuído, cabendo ao Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar dar cumprimento ao preceituado no nº 2, do art. 85º do CPC. Sendo que o formalismo sequencial decorrente do estatuído no art. 85º/1 e 2 do CPC não pode ser postergado (2).
É, pois, de concluir que o requerimento executivo de sentença proferida em acção que correu termos no Tribunal recorrido - Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar -, não obstante ter depois de ser remetido para o Juízo de Execução, tinha de ser apresentado no Tribunal recorrido e era depois a secção deste que dava cumprimento ao art. 85º/2 do CPC.
Carece, pois, de fundamento legal a decisão recorrida que se declarou incompetente em razão da matéria, pois, apesar de a acção ir correr os seus termos no Juízo de Execução, tem de ser apresentada no Juízo que proferiu a sentença a executar.
Perante o exposto, dúvidas não temos que deve ser revogada a decisão proferida.
Procede, pois, a apelação.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

Face ao estabelecido no novo Código de Processo Civil, não é legalmente admissível que uma acção executiva baseada em sentença condenatória seja directamente instaurada numa Secção de Execução, contrariando o estatuído, expressamente, no art. 85º/1 e 2 do CPC.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida, determinar a substituição da mesma por outra que ordene o cumprimento do nº 2 do art. 85º do CPC.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 07-12-2017

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, V.P.Aguiar – Juízo C. Genérica.
2. Neste sentido, vd. Ac. da RP de 1-02-2016, proferido no processo nº 12613/15.1T8PRT.P1, acessível in www.dgsi.pt/jprt.