Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1280/11.1GBGMR.G1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
OBJECTO DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Não ocorre uma alteração de factos, substancial ou não, quando o tribunal se limita a pormenorizar ou a concretizar na sentença os factos que já constam da acusação.

II – A alteração da hora em que, em determinado dia, o arguido proferiu uma expressão injuriosa não importa uma alteração não substancial de factos, nomeadamente, se, na contestação, o arguido já tiver alegado não ter proferido as palavras imputadas na hora que foi fixada nos factos provados.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães
I)
Relatório

No processo comum singular supra referido do 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença de 30.04.2013, foi para além do mais, decidido:
“a) Condenar o arguido António F... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça, agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14º, n.º1, 26º, 1ª proposição, 30.º. n.º2, e 153º, n.º1, e 155.º, n.º1, al. a), todos do Código Penal, na pena de multa em 135 (cento e trinta e cinco) dias, à razão diária de € 7,00 (sete euros);
b) Condenar o arguido António F... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º, 14º, n.º1, 26º, 1ª proposição, 30.º. n.º2, e 181.º todos do Código Penal, na pena de multa em 70 (setenta) dias, à razão diária de € 7,00 (sete euros);
c) Condenar o arguido António F... pelo concurso de crimes referidos em a) e b) na pena única de multa de 170 (cento e setenta) dias, à razão diária de € 7,00 (sete euros).
Mais julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante e, em consequência, decide-se:
g) Condenar o arguido/demandado António F... no pagamento de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelo assistente/demandante, Miguel C..., a que acrescem os respetivos de mora à taxa supletiva de 4% devidos desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido António F... onde em síntese, defende que está incorrectamente julgada a matéria de facto consubstanciadora dos crimes pelos quais foi condenado, não sem antes invocar a nulidade da sentença recorrida por ter havido alteração dos factos.

Respondeu o Ministério Público junto da 1ª instância, concluindo pela nulidade da sentença recorrida por inobservância do disposto nos artºs 374º, nº 2, 379º, nº 1, als. a) e b) do CPP.
A não ser defendido tal entendimento, pugna pela manutenção da sentença.
Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
***
FUNDAMENTAÇÃO
Com relevância para a decisão do presente recurso, importa que se transcreva agora a matéria de facto que foi dada como provada na 1ª instância:
1. No dia 21.02.2011, em hora não concretamente apurada mas próxima das 12h50m, o arguido utilizando um aparelho telefónico ligou para o assistente e disse-lhe “Em mato-te, dou-te dois tiros.”.
2. Ao ouvir as palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido, o assistente ficou receoso, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua vida ou integridade física.
3. O arguido sabia que as expressões que proferiu eram idóneas a causar no ofendido, como efetivamente causaram, receio pela vida ou integridade física.
4. O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas em 1., o arguido, ainda, apodou o assistente de “seu filho da puta”.
6. Com tais palavras, o arguido ofendeu a honra, bom nome, reputação e dignidade do assistente.
7. Com esta ofensa, o assistente sentiu-se humilhado e envergonhado.
8. À data dos fatos, existiam graves conflitos, de ordem comercial, entre o assistente e o arguido há já algum tempo.
9. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente de que tais palavras eram ofensivas e lesivas da honra e consideração do assistente e quis agir, a mesma, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10. Como consequência direta e necessária de 3. e 7., o assistente alterou alguns dos seus hábitos, por temer que o arguido concretizasse as suas afirmações, e ficou abalado psicologicamente.
11. O assistente é pessoa com educação.
12. O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.
13. O arguido é casado, sendo a sua mulher empregada de confeção e auferindo, por esse trabalho, em média, € 785,00/mês.
14. O arguido é sócio e gerente da “P... C... de Vestuário, Lda.”, auferindo por esse trabalho, em média, € 750,00/€ 800,00/mês.
15. O arguido tem um filho de 7 anos de idade.
16. O arguido vive em casa arrendada, sendo a renda liquidada pela empresa de confeção que gere.
17. O arguido circula habitualmente num veículo Mercedes do ano de matrícula de 2000, que se encontra inscrito a favor da sua irmã, Sónia F....
18. O arguido já foi julgado e condenado:
- PES n.º 277/12.9GBGMR do 1.º Juízo Criminal – por decisão datada de
30.04.2012 e transitada em julgado a 21.05.2012, na pena de 90 dias de multa à razão diária de €7,50 e na pena acessória de proibição de conduzir por 06 meses e 15 dias, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 69.º e 292.º do Código Penal, a 28.02.2012.
Fatos Não Provados:
a. O telefonema referido em 1. ocorreu às 18h35m.
b. O telefonema referido em 1. proveio do aparelho telefónico com o n.º de contato 935 252 568 pertencente à sociedade comercial “P... C... de Vestuário, Lda.”.
c. O assistente sempre pautou a sua conduta por princípios morais e cívicos, sendo dotado de extrema sensibilidade.
Motivação dos Fatos:
Tendo presente as orientações decorrentes do princípio da aquisição da prova articulado com os princípios da investigação e da verdade material e da presunção de inocência do arguido, e, bem assim, a orientação decorrente do princípio da livre apreciação da prova, isto é, da valoração da prova produzida de acordo com as regras da experiência e a análise crítica, à luz do princípio da imediação e da oralidade, conjugada de toda a prova produzida, salvo se a lei dispuser diferentemente, formou o tribunal a sua convicção quanto à matéria de facto relevante.
Concretamente e tendo o arguido optado por exercer, legitimamente, o seu direito ao silêncio no inicio da audiência de julgamento e negado simplesmente a prática dos fatos no final do mesmo, o tribunal convenceu-se da verificação dos fatos alegados nas acusações e nos termos exarados de 1. a 9. e, em simultâneo, não se convenceu da verificação dos fatos constantes de a. e b., pela valoração critica e conjugada das declarações espontâneas, coerentes e verosímeis do assistente, Miguel C..., que os relatou e contextualizou nos termos dados como assentes, e do depoimento desinteressado, objetivo, lógico e fiável de Nelson L..., amigo do assistente e pessoa que seguia com este no veículo quando se deu o telefonema, que os descreveu e contextualizou no sentido dos fatos dados por assentes e no mesmo sentido que o declarado pelo assistente. A atender pela idade do arguido e pelo relato dos acontecimentos efetuado pela prova declarativa e testemunhal, o tribunal convenceu-se que aquele estava livre na sua pessoa e pleno das suas capacidades e era conhecedor da antijuridicidade da sua conduta quando decidiu agir como agiu.
A corroborar a coerência e consistência dos meios de prova vindos de referir e, nessa medida, a contribuir para o convencimento positivo do tribunal quanto aos fatos constantes de 1. a 9., foi ainda a prova documental junta aos autos, concretamente, o auto de notícia de fls. 3 (dos autos apensos), que não foi objeto de qualquer reparo quanto à autoria, genuinidade e conteúdo e donde se afere que, no mesmo dia dos fatos, dia 21.02.2011, o assistente queixou-se à GNR, por volta das 18h35, de ter sido ameaçado e injuriado pelo arguido, por telefone, cerca das 12h50m, quando seguia em viagem de carro.
A corroborar os meios de prova vindos de relatar e, nessa medida, a sua credibilidade e o que por eles se considera verificado, foi igualmente o depoimento sincero e genuíno de Ana M..., amiga do assistente e pessoa que, nos dias subsequentes, lhe ouviu desabafos e lamentos acerca do sucedido e do seu autor.
Este depoimento, aliás, conjugado com a prova produzida para a demonstração dos fatos penalmente típicos, com as regras da experiência e do senso comum e com aquilo que o tribunal pode percepcionar à pessoa do assistente aquando da tomada das suas declarações, serviram para convencer o tribunal dos fatos constantes de 10. e 11. e relacionados com pedido de indemnização civil, mas já não foram suficientes para a demonstração do fato constante em c., razão pela qual o mesmo foi respondido negativamente.
Por fim, o tribunal respondeu aos fatos relacionados com a situação pessoal e económica do arguido, constantes de 12. a 18. tendo em conta a valoração das declarações deste, que, quanto a esta matéria decidiu prestá-las e fê-lo de forma suficientemente clara e coerente, a valoração dos depoimentos de João L..., Fernando C... e Ricardo P..., amigos e familiar do arguido que, pese embora terem sido indicados pela defesa à matéria da acusação/pedido de indemnização civil, sobre tal nada de relevante afirmaram a ponto de serem úteis à formação da convição do tribunal, antes e apenas servindo para convencer o tribunal da profissão e-ou atividade desenvolvida pelo arguido. Para a matéria vinda de referir, valorou ainda o tribunal o certificado do registo criminal do arguido junto aos autos e que não mereceu contestação, donde se constata os contatos do arguido com o sistema judiciário anteriores ao presente processo e nos termos exarados supra.
Consigna-se que o documento apresentado pela defesa a fls. 173 e sgs. e alusivo à faturação do mês de Fevereiro de 2011 do telemóvel com o n.º 935 252 568 pertencente à empresa gerida pelo arguido não foi relevante para a convição do tribunal, dado a mesma mostrar-se incompleta (pois apenas se juntaram três folhas das catorze que compõe a faturação detalhada) e da mesma aferir-se que existem mais números de telefone associados a tal faturação.
***
II)
Tal como emerge das conclusões pelo recorrente extraídas da motivação do recurso - e são elas que, sintetizando as razões do pedido, consabidamente recortam o thema decidendum - as questões essenciais que reclamam solução são como acima se deixou expresso, as seguintes:
- Nulidade da decisão impugnada.
- Erro na apreciação da prova

Entremos na sua apreciação:
(a) Da invocada nulidade da sentença recorrida por alteração dos factos constantes da acusação pública:
Alega para o efeito o recorrente que tribunal a quo procedeu a uma alteração dos factos constantes da acusação, na medida em que vinha acusado de “No dia 21 de Fevereiro de 2011, pelas 18,35 minutos, o arguido utilizando o telemóvel nº 935252..., pertencente à sociedade comercial denominada “P... C... de Vestuário Ldªº2, de que é sócio gerente, ligou para Miguel Lopes da Cunha e disse-lhe: “Eu mato-te, dou-te dois tiros” e na decisão recorrida deu-se como provado que “No dia 21.02.2011, em hora não concretamente apurada mas próxima das 12h50m, o arguido utilizando um aparelho telefónico ligou para o assistente e disse-lhe “Em mato-te, dou-te dois tiros.”.
Alega o recorrente que tais factos nunca foram notificados ao arguido para este, eventualmente, os contestar ou confirmar, e que toda a sua defesa foi dirigida no sentido de fazer prova de que no dia, e hora constantes da acusação, não utilizou o telemóvel com o nº 935252..., pertencente à sociedade de que é gerente.
Conclui, assim, que a sentença violou de forma clara o artº 379º, al. b) e c) do nº 1, do CPP e, por isso é nula.
Vejamos:
No processo penal vigora o princípio do acusatório, temperado por uma investigação oficiosa na fase do julgamento.
Pela acusação se define e fixa o objecto do processo – o objecto do julgamento – e, portanto, passível de condenação é tão só o acusado, e relativamente aos factos constantes da acusação.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, "O princípio da acusação limita (...) o objecto da decisão jurisdicional e essa limitação é considerada como garantia da imparcialidade do tribunal e de defesa do arguido. Imparcialidade do tribunal na medida em que apenas terá de julgar os factos objecto da acusação, não tendo qualquer «responsabilidade» pelas eventuais deficiências da acusação, e garantia de defesa do arguido na medida em que, a partir da acusação, sabe de que é que tem de se defender, não podendo ser surpreendido com novos factos ou novas perspectivas dos mesmos factos para as quais não estruturou a defesa." — cfr. Curso de Processo Penal, Verbo, 1, pág. 71.
No entanto, a lei, por razões de economia processual, e também no próprio interesse da paz do arguido, permite que o tribunal possa considerar factos novos, desde que não bulam com a essência da acusação ou, se bulirem, desde que o arguido consinta, sendo-lhe, porém, sempre assegurada a preparação da defesa em razão daqueles.
Daí que, o n° 1 do art° 359° do CPP prescreva que "uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso", excepto se "... o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal" (n° 3 do mesmo preceito).
E a definição de «alteração substancial» dos factos é fornecida pelo art° 1°, n°1, al. f) do CPP, como sendo "aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis".
Porém, como decorre da letra deste preceito, nem toda a modificação dos factos deve ser considerada «substancial».
Com efeito, o Código de Processo Penal refere uma outra: «a alteração não substancial dos factos» - art° 358°, n° 1.
Para além dos factos constantes da acusação (que, como já referido, constituem o objecto do processo em sentido técnico), podem existir outros factos que não foram formalmente vertidos na acusação, mas que têm "com aqueles uma relação de unidade sob o ponto de vista subjectivo, histórico, normativo, finalista, sociológico, médico, temporal, psicológico, etc." Esses factos novos fazem parte do chamado «objecto do processo em sentido amplo». Não têm como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (isto é, não contendem com a identidade do objecto do processo), mas, por serem relevantes para a decisão, o seu conhecimento pressupõe o recurso ao mecanismo previsto no art° 358°, n° 1 do CPP para a alteração «não substancial de factos» - cfr. Marques Ferreira, da Alteração dos Factos Objecto do Processo Penal, RPCC, ano 1, tomo 2, pág. 226.
De notar, ainda, que casos existem em que não se está quer perante uma «alteração substancial de factos», quer perante uma «alteração não substancial de factos». Referimo-nos aos casos em que o tribunal se limita a pormenorizar ou a concretizar os factos que já constam da acusação.
Posto isto.
Na acusação pública escreveu-se que
No dia 21 de Fevereiro de 2011, pelas 18,35 minutos, o arguido utilizando o telemóvel nº 935252..., pertencente à sociedade comercial denominada “P... C... de Vestuário Ldªº2, de que é sócio gerente, ligou para Miguel Lopes da Cunha e disse-lhe: “Eu mato-te, dou-te dois tiros” .
Por sua vez o tribunal a quo considerou como provado que:
“No dia 21.02.2011, em hora não concretamente apurada mas próxima das 12h50m, o arguido utilizando um aparelho telefónico ligou para o assistente e disse-lhe “Em mato-te, dou-te dois tiros.
E como não provado que
O telefonema referido em 1. ocorreu às 18h35m”.
“O telefonema referido em 1. proveio do aparelho telefónico com o n.º de contato 935 252 568 pertencente à sociedade comercial “P... C... de Vestuário, Lda.”.
Pois bem é manifesto que não se está perante um crime diverso. Com efeito a hora, no crime de ameaça, para além de não ser elemento constitutivo do crime, a sua alteração não transforma a imagem ou a valoração que o homem médio faz dos acontecimentos descritos na acusação.
Para além disso, a alteração da hora também não põe em causa a defesa. É certo que o arguido tem que defender-se dos factos que lhe são imputados, não podendo ser surpreendido com factos novos, diferentes daqueles que lhe foram imputados na acusação. Porém a alteração da hora e também do modo como praticou os factos nem sequer alarga o objecto do processo, não o fazem perder a sua identidade – não passa a um diferente objecto do processo.
Assim, o objecto do processo mantém-se, pois o crime por que o recorrente vinha acusado – ameaça agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153º, n.º1, e 155.º, n.º1, al. a), todos do Código Penal – é o mesmo pelo qual veio a ser condenado, sendo a pena em abstracto, também a mesma.
Por outro lado e ao contrário do invocado pelo recorrente a alteração em causa, não é de superior importância para a sua defesa, não pôs em causa a sua estratégia de defesa, na medida em que esta consistiu numa negação total dos factos. O arguido diz, para além do mais na contestação que “É falso que no dia 21 de Fevereiro de 2011, pelas 12,50h, o arguido tenha telefonado ao ofendido, seja de que forma fosse, dizendo-lhe “Eu dou-te dois tiros! Vou-te matar, nem que tenha de ir preso, seu filho da puta” (negrito nosso).
Ou seja, apesar da acusação pública e da decisão impugnada não serem inteiramente coincidentes na descrição do exacto lapso temporal e no modo como os factos foram praticados, o certo é que o crime e o objecto do processo continuam a ser os mesmos, sendo certo que essa alteração da hora e do modo utilizado pelo recorrente para praticar a ameaça não tiveram relevância para a defesa, pelo que não se impunha ao tribunal recorrido qualquer comunicação ao recorrente com vista a ser-lhe concedido prazo para a defesa se o desejasse.
Em suma não ocorre a nulidade prevista no artº 379º, al. b) e c) do CPP.

(b)Da impugnação da matéria de facto:
A divergência do arguido António F... relativamente à decisão recorrida, assenta em alegado erro de julgamento, porquanto segundo refere a prova produzida em audiência de julgamento deveria ter levado à absolvição.
Na perspectiva do recorrente não foi produzida prova suficiente em audiência de julgamento quanto à autoria dos factos que lhe são imputados. Salienta que o testemunho do Nelson L... “não pode fundamentar qualquer condenação, porque não é credível para o entendimento dum normal cidadão, que das coisas tenha um sentido e visão mediana” e que os depoimentos das testemunhas João L... e Fernando C... demonstram claramente que caso tivesse havido o telefonema dos autos, “nunca o ofendido sentiu qualquer medo, receio, mal estar, inquietação ou falta de liberdade e determinação ma sua vida”.
Vejamos:
Nos termos do artº 127° do CPP "... a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente" o que não se confunde com apreciação arbitrária da prova.
A apreciação em causa deve ser realizada de acordo com critérios lógicos e objectivos e determina uma convicção racional, objectivável e motivável.
Ora conforme, decorre da fundamentação constante da sentença recorrida, e que acima se deixou transcrita, para que dúvidas não haja, a Exmª Senhora Juíza a quo, a quem cabia aferir da credibilidade dos veículos transmissores dos factos, explicita os motivos porque atribuiu relevância aos elementos probatórios em que alicerçou a sua convicção, sendo certo que em nenhum caso se está perante prova tarifada, mas sim perante prova sujeita à livre apreciação do julgador, à luz das regras da experiência comum.
Ou seja, através da fundamentação constante da sentença recorrida fica-se perfeitamente ciente das razões que levaram a Mmª Juíza a quo a acolher a versão dada nos autos pelo ofendido Miguel C...
Na verdade, segundo a Senhora Juíza “tendo o arguido optado por exercer, legitimamente, o seu direito ao silêncio no início da audiência de julgamento e negado simplesmente a prática dos fatos no final do mesmo, o tribunal convenceu-se da verificação dos fatos alegados nas acusações e nos termos exarados de 1. a 9. e, em simultâneo, não se convenceu da verificação dos fatos constantes de a. e b., pela valoração critica e conjugada das declarações espontâneas, coerentes e verosímeis do assistente, Miguel C..., que os relatou e contextualizou nos termos dados como assentes, e do depoimento desinteressado, objetivo, lógico e fiável de Nelson L..., amigo do assistente e pessoa que seguia com este no veículo quando se deu o telefonema, que os descreveu e contextualizou no sentido dos fatos dados por assentes e no mesmo sentido que o declarado pelo assistente. A atender pela idade do arguido e pelo relato dos acontecimentos efetuado pela prova declarativa e testemunhal, o tribunal convenceu-se que aquele estava livre na sua pessoa e pleno das suas capacidades e era conhecedor da antijuridicidade da sua conduta quando decidiu agir como agiu.
A corroborar a coerência e consistência dos meios de prova vindos de referir e, nessa medida, a contribuir para o convencimento positivo do tribunal quanto aos fatos constantes de 1. a 9., foi ainda a prova documental junta aos autos, concretamente, o auto de notícia de fls. 3 (dos autos apensos), que não foi objeto de qualquer reparo quanto à autoria, genuinidade e conteúdo e donde se afere que, no mesmo dia dos fatos, dia 21.02.2011, o assistente queixou-se à GNR, por volta das 18h35, de ter sido ameaçado e injuriado pelo arguido, por telefone, cerca das 12h50m, quando seguia em viagem de carro.
E ouvida a prova gravada em julgamento, mormente as declarações do ofendido Miguel e o depoimento do Nelson L..., dúvidas não subsistem de que a Senhora Juíza retratou com fidelidade o que de relevante foi dito quer pelo assistente, quer pela referenciada testemunha que conduzia o veículo do arguido no momento do telefonema. Na verdade, das declarações do assistente, e também do depoimento da testemunha Nelson resulta de forma inequívoca que o arguido através de um telefonema efectuado para o telemóvel do ofendido, por volta das 13 horas doa dia 21.02.2012, ameaçou e insultou o assistente, nos exactos termos dados como provados.
Tais testemunhos, ao contrário do sustentado pelo recorrente, foram prestados de forma convincente e esclarecedora. O ofendido e o Nelson haviam saído da EDP, e dirigiam-se para as respectivas residências, fazendo-se transportar no automóvel do arguido, o qual era então conduzido pelo Nelson (o ofendido sentia-se na altura nervoso, por causa do conflito existente entre ele e o arguido, por razões comerciais, sendo certo que o Nelson tinha também interesse em testar o “Volkswagen”, visto que era comprador de automóveis). A dado momento e já depois de se haverem cruzado com arguido o ofendido recebeu um telefonema que não durou mais de 2/3 minutos. O Nelson não ouviu todo o teor desse telefonema, tendo apenas ouvido a parte das ameaças e do insulto já que nesse preciso momento o telemóvel do Miguel foi colocado em sistema de alta voz. No entender do recorrente esta circunstância (a alta voz só ter funcionado na parte do insulto e da ameaça) retira credibilidade ao testemunho do Nelson, o qual, como vimos alicerçou em boa medida a convicção da Senhora juíza. Mas não é verdade. De facto é perfeitamente compreensível que o ofendido ao atender o telefonema do arguido, e ao aperceber-se do concreto teor do mesmo tenha colocado o seu telemóvel em sistema da alta voz, para que o seu companheiro Nelson o pudesse testemunhar, que de facto sucedeu Questionado sobre esta concreta matéria o Nelson respondeu que apenas o Miguel Ângelo poderá explicar o motivo pelo qual pôs o seu telemóvel em alta voz apenas no momento da ameaça e do insulto.. Interroga-se também o recorrente quanto ao facto, a seu ver inacreditável, de o Nelson ter reconhecido a voz do arguido, quando é certo que apenas conhecia o arguido de vista. Também neste ponto as críticas dirigidas à forma como foi apreciado o depoimento do Nelson não colhem. Primeiro porque o Nelson sabia das desavenças existentes entre o Miguel e o arguido por razões contratuais, sendo que pouco tempo antes do telefonema tinham-se cruzado com arguido. Depois porque apesar de ter visto poucas vezes o arguido não teve dúvidas em afirmar que reconheceu a voz do arguido.
E se é certo ter havido no depoimento do Nelson algumas imprecisões, quanto à exacta hora do telefonema e se a chamada vinha ou não identificada (neste ponto afirmou em julgamento “que a chamada vinha não identificada”) a verdade é que não existem razões para pôr em crise o relato que o Nelson fez dos factos.
Falece, assim, a razão ao recorrente quando afirma que não há prova consistente quer dos insultos proferidos pelo arguido quer das ameaças então proferidas.
Acresce o depoimento da Ana Paula, testemunha que tinha uma relação de grande proximidade com o ofendido (era frequente o ofendido desabafar com ela), o qual não deixa dúvidas quanto ao comportamento do Miguel no período posterior aos factos em causa. Confirmou de forma credível que o ofendido depois da ameaça feita pelo arguido ficou claramente transtornado e traumatizado.
A reforçar a versão acolhida na decisão impugnada é também de realçar a prova documental junta aos autos, tida em consideração pela Senhora Juíza, concretamente, o auto de notícia de fls. 3 (dos autos apensos), que não foi objecto de qualquer reparo quanto à autoria, genuinidade e conteúdo e donde se afere que, no mesmo dia dos fatos, dia 21.02.2011, o assistente queixou-se à GNR, por volta das 18h35, de ter sido ameaçado e injuriado pelo arguido, por telefone, cerca das 12h50m, quando seguia em viagem de carro.
Por último importa também referir que o facto de se ter dado como não provado que o referido telefonema que o arguido efectuou para o telemóvel do Miguel proveio do telemóvel identificado na acusação não abala minimamente a versão acolhida na decisão impugnada. É que o modus operandi, para usar a expressão do recorrente, não assume o relevo que este lhe pretende atribuir. Importante, isso sim, foi concluir, como se concluiu, com base em provas consistentes e credíveis que efectivamente o arguido telefonou ao assistente e que dessa forma o ameaçou e insultou, nos exactos termos dados como apurados.
Em suma, não basta contrapor à convicção adquirida pelo tribunal em sede probatória a convicção do próprio recorrente, maxime porque o tribunal é livre na apreciação da prova.
Ora, é preciso também não esquecer que o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas antes constitui um mero remédio para corrigir erros patentes de julgamento sobre tal matéria.
Na verdade, como elucidativamente, se escreve no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 02a4324, relator Conselheiro Afonso Paiva,
"A admissibilidade da respectiva alteração (referência à matéria de facto) por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram ) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado.
c) Apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas."
Perseguindo o saber vertido neste aresto, e tendo em conta tudo quanto acima se expôs, é manifesto que nenhum erro patente de julgamento se detecta em termos de impor a alteração da matéria de facto provada.
Concluindo, nenhuma censura há a fazer à decisão fáctica provada constante da decisão impugnada, a qual, como já referido, se tem por definitivamente estabilizada e permite a subsunção jurídica operada na sentença recorrida, não se mostrando, por outro lado, e pelas razões supra aludidas, violados quaisquer preceitos do CPP ou da Constituição da República Portuguesa, designadamente os que se mostram invocados no recurso.
Resta decidir:
DECISÃO
Em conformidade com o exposto, os Juízes desta Relação acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Fixa-se em três Ucs a taxa de justiça devida pelo recorrente.