Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
401/10.6TBGMR.G1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: REVOGAÇÃO
CHEQUE
CONTA BANCÁRIA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PROVA
PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1º- Dada a ordem de revogação do cheque pelo respectivo sacador, há que distinguir os casos em que o banco é obrigado a cumprir essa ordem, recusando o pagamento do cheque ao seu portador, daqueles em que está obrigado a pagar o cheque mesmo que a ordem de revogação tenha sido dada durante o período legal de apresentação a pagamento.

2ª- Sobre estes últimos casos já se pronunciou o STJ, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008, decidindo que “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1ª parte do artigo 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14º, 2ª parte, do Dec. nº 13400 e 483º, nº1, do Código Civil”.

3º- Só assim não será se se tiver por justificada a recusa do pagamento do cheque por parte do sacado, o que acontece nos casos de revogação por justa causa, ou seja, se ocorrerem situações concretas de furto, roubo, extravio, falsificação, coacção moral, incapacidade acidental ou qualquer outra situação em que se manifeste falta ou vício na formação da vontade.

4º- Inexistindo justa causa para a revogação do cheque, estamos perante uma revogação pura e simples, o que viola o disposto no art. 32º da LUCH e constitui um acto ilícito.

5º- Não contendo a conta sacada provisão suficiente para suportar o débito dos cheques, nem na data da emissão que deles consta, nem em nenhum dos oito dias subsequentes, recai sobre a autora a alegação e prova de que, não fora a revogação indevida dos cheques, o pagamento destes seria efectuado na sequência da notificação ao sacador da comunicação ao Banco de Portugal, ou de ulterior apresentação a apagamento
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

T... - Malhas & Confecções, Lda., intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário, contra Banco..., S.A., pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 9.805,78 €, acrescido dos juros legais, contados desde a data de vencimento de cada um dos cheques até efectivo e integral pagamento, correspondente ao valor global dos montantes titulados pelos cheques cujo pagamento foi recusado pelo banco sacado com base em revogação indevida.

O réu contestou, impugnando parte dos factos alegados pela autora e sustentando inexistir razão para duvidar da seriedade dos motivos indicados pela sacadora como fundamento do pedido de revogação dos cheques e que, não tendo a conta sacada provisão suficiente para suportar o débito dos dois cheques referidos na petição inicial, o pagamento deles nunca seria obtido.

Proferido despacho saneador, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls. 128 a 133.

A final, foi proferida sentença que julgou totalmente procedente a presente acção e, em consequência, condenar o réu a pagar à autora a quantia de 9.805,78 € (nove mil oitocentos e cinco euros e setenta e oito cêntimos), acrescido dos juros vencidos desde a data de cada um dos cheques - nº 7335785727, datado de 09-5-2007 no valor de 2.178,96€; nº 7335778549, datado de 16-5-2007 do valor de 3.813,41€ e cheque com número ilegível, datado de 12-6-2007 no valor de 3.813,41€ -, até integral e efectivo pagamento.
As custas ficaram a cargo do réu.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou o réus, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1ª) A sentença recorrida, para efeito de ter a conduta do banco como ilícita, valorizou o facto de estar dado por provado que os cheques que foram objecto da ordem de revogação por parte do sacador se encontravam na posse do Banco desde, pelo menos, 7 de Março de 2007 pelo que, a existir declaração de furto ou roubo emitida pelo sacador foi em data posterior à data em que os cheques já estavam depositados no banco na conta de cobrança de cheques pré datados; Porém,
2ª) Pedida a revogação com fundamento em furto e roubo, afirmada a seriedade da invocação pela exibição da correspondente denúncia crime e sendo inócuo para o caso dos autos o facto de os cheques estarem depositados no banco em conta de cheques pré datados, não há senão que tomar a conduta do banco como não integradora de qualquer ilícito; Por outro lado,
3ª) Inscrevendo-se a responsabilidade do sacado no âmbito da responsabilidade civil, é sobre o lesado que recai a obrigação de alegar e provar o dano, inexistindo norma legal que o dispense do cumprimento deste ónus de direito material;
4ª) Condenar o banco sacado a pagar o montante titulado pelos cheques cuja ordem de revogação aceitou sem que o portador tenha alegado e provado que o seu dano teve, precisamente, por medida aquele montante constituiu violação dos artºs 483º (princípio geral da responsabilidade civil) e 342º (distribuição do ónus da prova), ambos do Código Civil;
5ª) Não tendo a Autora produzido alegação bastante para caracterizar o dano decorrente da (indevida) revogação do cheque e não estando o portador dispensado de o alegar e provar – esta omissão conduz à improcedência da acção;
6ª) Este entendimento é o que corresponde ao mais recente entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que, no seu Acórdão de 2 de Fevereiro de 2010 (Processo: 1614/05.8TJNF.S2) decidiu: 9) O facto de o cheque não ter provisão, mas ser recusado por revogação indevida, não exonera a responsabilidade do Banco, por irrelevância negativa da causa virtual, mas o dano do portador deve ser por ele demonstrado, ou seja deve alegar e provar que sem o facto operante (cancelamento) o pagamento ser-lhe-ia efectuado na sequência da notificação ao sacador para provisionar a conta ou pagar-lhe directamente, da inclusão na listagem do Banco de Portugal (que sempre funciona como forma de pressão) ou da possibilidade de, em momento ulterior, voltar a apresentar o cheque a pagamento, assim surgindo a relevância, agora positiva, da causa virtual.;
7ª) Contra este entendimento nada pode o Ac. Uniformizador do STJ nº 4/2008 de 28 de Fevereiro pois este apenas uniformizou a jurisprudência quanto à questão da ilicitude da conduta do banco sacado ao aceitar a ordem de revogação e não quanto à questão de saber qual a medida da responsabilidade, calculada em termos de dano indemnizável (Ac. Rel do Porto de 25.03.10);
8ª) Diferentemente do afirmado na sentença recorrida, a questão que se coloca nos autos face ao facto de a conta sacada não ter provisão bastante para permitir o débito dos cheques cuja ordem de revogação o banco aceitou não é de relevância negativa da causa virtual, senão a de saber se a falta de provisão releva ou não para efeito do artº 563º do Cód. Civil que estabelece que a indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão;
9ª) Ao nível deste comando legal, não ter a conta sacada provisão que suportasse o débito dos cheques só significa que os cheques não seriam pagos, não que estivesse em curso uma causa virtual (falta de provisão) que só não produziu o dano porque entretanto se lhe opôs a causa real (aceitação da ordem de revogação);
10ª) Não constituindo a falta de provisão nenhuma causa virtual, o que ela constitui e constitui apenas é um “vazio de dinheiro” contra o qual esbarraria a tentativa de cobrança dos cheques e que, por isso, esgota a sua relevância na certeza de que esse dano sempre o teria o teria o lesado: se sempre o teria o lesado, não constitui ele um dano que este provavelmente não teria para poder haver direito a ser por ele indemnizado nos termos do disposto no artº 563º do Cód. Civil;
11ª) A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou o disposto nos artºs 483º, 342º e 563º do Cód. Civil.

A final, pede seja revogada a sentença recorrida.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1. A Autora exerce na Rua ... Guimarães, a indústria de malhas e confecções.
2. A sociedade J... & Filhos, Lda., através dos seus representantes legais, emitiu à ordem da Autora vários cheques, sacados sobre uma conta aberta no Banco Réu.
3. Entre essas operações bancárias, existia também uma operação vulgarmente conhecida por conta caucionada que consistia em a Autora entregar cheques pré-datados, os quais nas respectivas datas de vencimento, o próprio Réu apresentava a pagamento, de modo a que fossem creditados na conta da Autora.
4. Antes de 7 de Março de 2007, a Autora entregou ao Réu para depósito na sua conta número 199824657, entre outros, os seguintes cheques, que lhe foram emitidos pela referida J... & Filhos Lda.: 1. Cheque nº 7335785727, datado de 09-5-2007 do valor de 2.178,96€, sacado pela JOR s/ o banco Réu, que apresentado a pagamento, veio devolvido com os dizeres “Cheque revogado – roubo”; 2. Cheque nº 7335778549, datado de 16-5-2007 do valor de 3.813,41€, sacado pela JOR s/ o banco Réu, que apresentado a pagamento, veio devolvido com os dizeres “cheque revogado – furto”; 3. Cheque nº ilegível, datado de 12-6-2007 do valor de 3.813,41€, sacado pela JOR s/ o banco Réu, que apresentado a pagamento veio devolvido com os dizeres “Rev./Furto”.
5. Os cheques mencionados em D) encontravam-se na posse do réu, desde, pelo menos, 07-03-2007 e, a existir declaração de “furto” ou “roubo” emitida pela sacadora dos cheques é posterior àquela data.
6. No exercício da sua actividade comercial, entre os anos de 2006 e 2007, vendeu milhares de peças de vestuário à sua cliente J... & Filhos Lda., que teve a sua sede na Rua... Guimarães, entretanto declarada insolvente pelo 1º Juízo Cível deste Tribunal.
7. Os cheques referidos em D) foram para pagamento desses fornecimentos, devidamente facturados e contabilizados nas respectivas contas-correntes de ambas as sociedades.
8. A autora desconhecia a autoria das menções referidas em D).
9. Alguns cheques que titulavam a relação comercial entre a autora e a J... & Filhos Lda., foram devolvidos pelo Réu com indicação de falta de provisão.
10. As indicações apostas no verso dos cheques referidos em D) impedia o pagamento à Autora e visava por outro lado, impedir, para a sacadora e subscritores dos mesmos, os efeitos previstos no artigo 1º do DL 454/91 de 28/12.
11. As indicações apostas no verso dos cheques referidos em D) impediu a Autora de receber os montantes titulados nos respectivos cheques.
12) A devolução dos cheques referidos em D) foi efectuada porque a sacadora, J... & Filhos, Ldª, antes ainda da apresentação a pagamento, comunicou por escrito ao Banco que os revogava com base no facto de terem sido roubados no dia 4 de Maio de 2007.
13) Simultaneamente com esta carta e tal como dela consta, a sacadora entregou ao Banco cópia da certidão da denúncia por furto que apresentara no Posto Territorial de Caldas das Taipas da Guarda nacional Republicana.
14) Os cheques referidos em D) foram entregues pela sacadora ao Banco, estavam em depósito no Banco, a crédito de uma conta de gestão e cobrança de cheques pré datados de que era titular a Autora.
15) A conta sacada não tinha provisão suficiente para suportar o débito dos dois cheques referidos na petição, nem na data da emissão que deles consta, nem em nenhum dos oito dias subsequentes.

FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.


Assim, as únicas questões a decidir traduzem-se em saber se:

1ª- é ilícita a conduta do banco;

2ª- existe dano.

I - Quanto à primeira das questões supra enunciadas, sustenta o banco/apelante que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, demonstrado que ficou, quer o pedido de revogação dos cheques com fundamento em furto e roubo, quer a seriedade da invocação destes fundamentos, pela exibição da correspondente denúncia crime, nenhuma relevância pode ser atribuída, em termos de ilicitude, ao facto de os cheques em causa se encontrarem nele depositados, numa conta de gestão de cheques pré datados.
Vejamos, então, se é, ou não, de considerar ilícita a conduta do réu ao aceitar a ordem de revogação dos cheques dada pela autora.
Na situação dos autos, está em causa a ilicitude materializada na violação de norma de protecção de interesses particulares prevista no art. 32º da LUCH, importando, por isso, decidir a questão de saber quando deve ter-se por justificada a recusa do pagamento do cheque por parte do banco sacado, durante o prazo de apresentação a pagamento.
Resulta do disposto neste artigo que “a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação” e que se o cheque não tiver sido revogado, “o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo”, que, nos termos do art. 29º da LUCH, é de oito dias contados da data indicada como sendo da emissão .
Quer isto dizer, segundo os ensinamentos de José Maria Pires , que, apesar de não haver qualquer impedimento na revogação do cheque no referido prazo de oito dias, a mesma é ineficaz durante esse período de tempo, pelo que só depois de decorrido aquele prazo é que a acto revogatório adquire força.
Por outro lado, dispõe o art. 14º do Decreto nº 13004, de 12 de Janeiro de 1927 que “a revogação do mandato de pagamento conferido por via do cheque ao sacado, só obriga este depois de findo o competente prazo de apresentação estabelecido no artigo 12º do presente decreto com força de lei. No decurso do mesmo prazo, o sacado não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento do cheque com fundamento na referida revogação”.
E, estabelece o § único deste mesmo preceito que “ se porém o sacador, ou o portador tiver avisado o sacado de que o cheque se perdeu, ou se encontra na posse de terceiro em consequência de um facto fraudulento, o sacado só pode pagar o cheque ao seu detentor se este provar que o adquiriu por meios legítimos”.
Há, assim, que distinguir os casos em que o banco é obrigado a cumprir a ordem de revogação de um cheque, recusando o seu pagamento ao respectivo portador, daqueles em que está obrigado a pagar o cheque mesmo que a ordem de revogação tenha sido dada durante o período de apresentação a pagamento a que alude o citado art. 29º.
Sobre estes últimos já se pronunciou o STJ, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008 , decidindo que “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1ª parte do artigo 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14º, 2ª parte, do Dec. nº 13400 e 483º, nº1, do Código Civil”.
Só assim não será se se tiver por justificada a recusa do pagamento do cheque por parte do sacado, o que acontece nos casos de revogação por justa causa, ou seja, se ocorrerem situações concretas de furto, roubo, extravio, falsificação, coacção moral, incapacidade acidental ou qualquer outra situação em que se manifeste falta ou vício na formação da vontade (cfr. § único do citado art. 14º, art. 8º, nº3 do DL nº 454/91, alterado pelo Dl nº 316/97 e Reg. do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI- Instrução nº 125/96).
Em todas estas situações, deve o sacador avisar o banco sacado para não pagar o cheque, mesmo que apresentado dentro do prazo legal de oito dias, alegando concreta e fundamentadamente o facto justificante da ordem de não pagamento e oferecendo, sempre que possível, prova da sua veracidade.
E, conforme se refere no Acórdão do STJ de 29.04.2010 , não é de exigir do banco sacado a prova efectiva da causa justificativa invocada pelo sacador, “isso não exime o sacado de agir, com a máxima diligência, só aceitando os motivos justificantes para o não pagamento no período legal de apresentação, quando disponha dos referidos indícios sérios de que a situação comunicada pelo sacador se verificou ou, pelo menos, dadas as circunstâncias concretas de cada caso, tinha grande probabilidade de se ter verificado”.
Assim, no dizer do mesmo acórdão, “ alegando o sacador furto ou roubo do título (…) deverá o sacado exigir a competente participação crime (se não acompanhar a ordem de não pagamento) ou, tratando-se de incapacidade, a eventual prova dela ( que muitas vezes será documental)”.
Ora, o que resulta da matéria de facto provada no caso dos autos é que quer a denúncia do furto de cheques feita pela sacadora à GNR, quer a comunicação desse facto ao banco sacado por parte da sacadora, acompanhada de cópia da certidão daquela denúncia, tiveram lugar em data posterior a 7 de Março de 2007, sendo que, nesta data, os cheques em causa, já se encontravam depositados no banco sacado, a crédito de uma conta de gestão e cobrança de cheques pré-datados de que era titular a Autora.
Mas se assim é e consabido que o serviço bancário de gestão e cobrança de cheques está vocacionado para a gestão de cheques com data de emissão correspondente a uma data futura (vulgo cheques pré-datados) e que consiste na entrega ao banco por parte do cliente, dos cheques que tenha recebido, para que o banco os guarde e os apresente à compensação nas respectivas datas de pagamento, evidente se torna que a situação denunciada era perfeitamente controlável pelo banco sacado.
Posto que era nele que se encontrava aberta a dita conta caucionada, bastava-lhe confrontar a data de depósito dos cheques dos autos nesta mesma conta com a data indicada pela respectiva sacadora como sendo a da ocorrência do furto ( 4 de Maio de 2007) para facilmente aperceber-se que este não podia respeitar a tais cheques.
E nem se diga, como o faz o banco/apelante, que a seriedade dos fundamentos invocados pela sacadora na comunicação da sacadora foi-lhe inculcada pela entrega de cópia da certidão da denúncia do furto de cheques na GNR, pois um profissional, medianamente diligente, teria atentado na data de realização dessa denúncia e na data dela constante como sendo a da prática do dito furto e, por simples comparação com a data do depósito dos cheques ora em causa, chegaria à conclusão de que a situação comunicada pela sacadora não podia ser verdadeira no que respeita aos cheques dos autos, não constituindo, por isso, fundamento sério e plausível para a sua revogação.
Daí ser de concluir que na situação dos autos não existe justificação relevante a que o banco sacado devesse atender, pelo que estamos perante uma revogação pura e simples dos cheques, no prazo legal de pagamento, o que viola o disposto no art. 32º da LUCH e constitui um acto ilícito, na medida em que o réu, com base nessa revogação injustificada, recusou o pagamento dos cheques à autora, sua legítima portadora.
Mas, a nosso ver, a ilicitude da conduta do réu é ainda mais evidente se tivermos presente, como se salienta no Acórdão do STJ de 02.02.2010 , que, tendo ficado provado que a conta sacada não tinha provisão suficiente para suportar o débito dos dois cheques referidos na petição, nem na data da emissão que deles consta, nem em nenhum dos oito dias subsequentes dois dos cheques referidos na petição inicial, ao não recusar o pagamento destes cheques por falta de provisão e ao não certificar esse facto, o banco sacado incumpriu a obrigação de notificar o sacador para regularizar a situação nos trinta dias seguintes, procedendo ao depósito das quantias tituladas pelos ditos cheques ou entregando-as directamente à autora, conforme o disposto no art. 1º-A do DL nº 454/91, de 28/12, aditado pelo DL nº 316/97, de 19/11.
E, por outro lado, que ao considerar os cheques revogados, de modo ilegal, o banco sacado também impediu definitivamente a sua reutilização, impossibilitando a autora de apresentá-los, de novo, a pagamento.
Por tudo isto, não restam dúvidas de que a comprovada conduta do banco sacado constitui um facto ilícito, sendo que, ao aceitar uma revogação indevida, agiu com manifesta imprudência e sem a diligência que lhe era exigível como profissional qualificado que é, por isso, também com culpa.

Improcedem, por isso, as as 1ª e 2ª conclusões do banco/apelante.

II- Assente a verificação dos dois primeiros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual- acto ilícito e culpa -, importa, agora, averiguar da existência de dano.
No caso dos autos, a autora limitou-se a pedir o pagamento das quantias tituladas pelos cheques, alegando que foi esse o seu dano causado pela actuação do banco sacado.
A este respeito, provou-se que os cheques dos autos foram emitidos e entregues à autora pela J... & Filhos Ldª para pagamento do preço de peças de vestuário que esta comprou à autora.
Mais se provou que a revogação dos cheques impediu a autora de receber os montantes neles titulados.
E provou-se ainda que a conta sacada não tinha provisão suficiente para suportar o débito dos dois cheques referidos na petição, nem na data da emissão que deles consta nem em nenhum dos oito dias subsequentes.
Perante este quadro factual e considerando que a aludida falta de provisão dos cheques integra apenas uma causa virtual do dano, que não exclui a responsabilidade do autor do dano real, decidiu a Mmª Juíza a quo impender sobre o banco sacado, ora réu, a obrigação de indemnizar a autora dos prejuízos que a sua conduta de recusa de pagamento dos cheques com base na revogação dos cheques lhe causou, fazendo corresponder tais prejuízos aos montantes titulados nos ditos cheques.
Diferentemente e estribando-se na orientação seguida no citado Acórdão do STJ de 02.02.2010, argumenta o banco/apelante que, se é certo que o facto de os cheques não terem provisão não exonera a responsabilidade do Banco, por irrelevância negativa da causa virtual, não é menos certo competir à autora o ónus de alegação e prova de que sem o facto operante (revogação) o pagamento ser-lhe-ia efectuado na sequência da notificação ao sacador para provisionar a conta ou pagar-lhe directamente, da inclusão na listagem do Banco de Portugal (que sempre funciona como forma de pressão) ou da possibilidade de, em momento ulterior, voltar a apresentar o cheque a pagamento, assim surgindo a relevância, agora positiva, da causa virtual.
Quanto a nós, julgamos também, na esteira do decidido no citado Acórdão do STJ, que, no caso dos autos, o cálculo do prejuízo na esfera jurídica da autora não pode ser aferido por via da mera correspondência ao valor inscrito nos cheques.
É que da circunstância destes não terem sido pagos não decorre, sem mais, a existência de prejuízo para o respectivo portador, porquanto o mesmo continua titular do direito substantivo derivado da relação jurídica subjacente à emissão dos cheques.
Acresce que, tendo o réu logrado provar que a conta da sacadora não dispunha de saldo suficiente para o pagamento de, pelo menos, dois cheques, mesmo que não tivesse havido recusa do pagamento por revogação indevida, a verdade é que os mesmos não seriam pagos aquando da sua apresentação ao banco sacado.
Mas se assim é, fácil se torna concluir, conforme o decidido no mesmo Acórdão que, não obstante a falta de provisão da conta da sacadora, enquanto causa virtual , não excluir a responsabilidade do autor do dano real, isso não exonera o lesado do ónus de provar o dano efectivamente sofrido quer pela causa operante (revogação dos cheques), quer pela relevância, agora positiva, da causa virtual, isto é, que os cheques só não lhe foram pagos devido à sua revogação indevida.
Daí ser de exigir à autora, no caso dos autos, a alegação e prova de que, não fora a revogação indevida dos cheques e não obstante a falta de provisão da conta sacada, “o pagamento dos cheques seria efectuado na sequência da notificação ao sacador da comunicação ao Banco de Portugal, ou de ulterior apresentação a apagamento”, sendo, então, neste caso, o prejuízo sofrido idêntico aos valores inscritos nos cheques.
E o mesmo vale dizer relativamente ao terceiro cheque, pois, caberia sempre à autora provar que, sem a revogação, o pagamento do montante nele titulado ser-lhe-ia efectuado.
Ora, porque a autora, no caso dos autos, não cumpriu esse ónus, resulta indemonstrado um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual – o dano -, pelo que impossível se torna condenar o banco sacado no pagamento dos montantes peticionados.


Procedem, por isso, todas as demais conclusões do réu/apelante.

DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, julga-se a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido formulado pela autora.
As custas, em ambas as instâncias, a cargo da autora/apelada.


Guimarães, 10 de Maio de 2011.