Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
176/08.9TBVLN.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O erro na declaração sobre o objecto do negócio que a autora não prova que a ré conhecia ou não devia ignorar a essencialidade do mesmo, não configura incumprimento imputável à ré na celebração de contrato promessa, nem pode servir de fundamento para a autora pedir a anulação do negócio.
II – Uma alegada “perda de confiança” na ré que não se demonstra, não configura as razões objectivas e justificativas, necessárias, para que a autora possa invocar perda de interesse no cumprimento da obrigação.
III – Constitui abuso de direito, consubstanciado no “venire contra factum proprium”, a invocação, por parte da outorgante/promitente-compradora, da nulidade do contrato promessa de compra e venda com fundamento na falta de reconhecimento notarial das respectivas assinaturas, quando a mesma declarou, expressamente, no contrato prescindir desse reconhecimento e foi informada do teor e alcance dessa cláusula.
IV – A autora, como promitente/compradora pode arguir a nulidade “atípica” do contrato, por violação ao disposto no artº 410, do CC, mas vê o seu direito paralisado com base no instituto do abuso de direito.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

P… intentou acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C… , Ldª., pedindo que:
1- Se declare o incumprimento do contrato por parte da Ré, que deverá ser
condenada por isso na restituição do sinal em dobro à Autora bem como nos juros desde a citação até integral pagamento.
2- Se assim não for entendido, deverá ser decretada a nulidade do contrato
promessa, por violação de falta de elementos essenciais, como assinatura no referido contrato da pessoa responsável pela empresa, bem como da falta de licença de construção o que determina a nulidade do contrato promessa celebrado, e em consequência ser a Ré condenada na restituição do recebido acrescida dos juros legais à taxa comercial desde a data em que recebeu tal quantia até efectiva e integral devolução do referido valor.
Em síntese, alegou que, como promitente-compradora, celebrou com a R, na qualidade de promitente-vendedora, um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia, propriedade desta, pelo preço de 105 000,00 €, tendo-lhe entregue a quantia de 10.500,00 € a título de sinal e princípio de pagamento. Porque a R. incumpriu definitivamente o acordo, não tendo até hoje celebrado o contrato definitivo e porque se apercebeu que o contrato apresenta diversas anormalidades, informou-a de que pretendia a rescisão do mesmo.
Contestou a R. rejeitando a responsabilidade pela não outorga da escritura e imputando a respectiva culpa à A. Refere ainda que a invocação da falta de formalidades impostas por lei consubstancia um abuso de direito da A, que sempre esteve a par dessa falta. Pelo que pede a total improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Deduziu ainda a ré reconvenção, pedindo que seja declarada procedente a excepção de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, invocada contra a autora e que se declare perdido a seu favor o sinal prestado pela A., por incumprimento do contrato promessa por parte da mesma.
A A. respondeu pugnando pela improcedência da reconvenção e concluindo nos termos requeridos na petição inicial.
Em sede de audiência preliminar admitiu-se a reconvenção, ordenou-se o prosseguimento dos autos na forma ordinária e foi proferido despacho saneador tabelar, com selecção de matéria de facto assente e base instrutória, sem reclamações.
Instruído o processo, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto decidida pela forma constante do despacho de fls. 208 a 210, sem reclamação.

Por fim, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido e, julgou a reconvenção procedente e, em consequência, reconheceu à R. o direito a fazer sua a quantia de 10.500,00 € (dez mil e quinhentos euros) que a A. lhe entregou na data da outorga do contrato-promessa indicado no ponto 1. dos Factos da decisão.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a autora terminando a sua alegação em conclusão:
(…)

A ré contra alegou, concluindo que o recurso deverá ser declarado integralmente improcedente, por não provado, e por não ter acolhimento legal o que nele vai concluído, assim fazendo Vas. Exas. inteira e sã Justiça!

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (art. 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- saber se houve incumprimento por parte da ré que confira à autora o direito de resolver o contrato e ver-lhe restituído o sinal em dobro;
- saber se assiste à autora o direito de arguir a nulidade do contrato com base na falta de elementos essenciais, entre eles o reconhecimento presencial das assinaturas.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 18 de Setembro de 2006, por escrito denominado “Contrato-promessa de compra e venda”, a A. contratou com a R. a compra de uma moradia sita em Favais, freguesia de Arão, concelho de Valença, constituída por uma moradia bifamiliar tipo T 2, construída no lote 12 letra A, ao abrigo do Alvará de Loteamento nº 2/96 [nos Factos Assentes lê-se “nº 6/92” por manifesto lapso, como se alcança de fl.47 ss], emitido pela Câmara Municipal de Valença (A);
2. A A. prometeu comprar e a R. prometeu vender a referida moradia pelo preço de 105.000,00 € (B);
3. A título de sinal e princípio de pagamento, a A. entregou à R. a quantia de 10.500,00 € na data da celebração do contrato-promessa (C);
4. A escritura pública de compra e venda objecto do contrato-promessa seria outorgada previsivelmente até 31 de Janeiro de 2007, incumbindo a sua marcação à promitente vendedora, a qual ficou desde logo obrigada a informar a promitente compradora dos correspondentes local, dia e hora, com pelo menos oito dias de antecedência, através de carta registada com aviso de recepção (D);
5. Próximo da data da realização da escritura e na altura em que a A. se deslocou às instalações da R, informou esta que não queria outra moradia senão aquela que tinha visto (E);
6. O contrato-promessa está assinado por uma pessoa que é apenas funcionária da R. e não a sua representante legal (F);
7. As assinaturas constantes do contrato-promessa não se encontram reconhecidas pelo Notário (G);
8. Consta da cláusula sétima do contrato-promessa que “Todos os outorgantes prescindem do reconhecimento das assinaturas” (H);
9. Próximo da data indicada em 4, a A. dirigiu-se aos escritórios da R. para falar com a funcionária referida em 6. com o intuito de saber se a escritura sempre se realizaria na data previsível que ficou a constar no contrato-promessa indicado em 1. (“previsivelmente até 31 de Janeiro de 2007”). No decurso da conversa que então mantiveram, a A. ficou a saber que no contrato-promessa não tinha ficado a constar a moradia que ambas tinham visitado mas sim uma outra, situada ao lado, com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construída com os mesmos materiais, tendo-lhe então sido transmitido pela mesma funcionária que a moradia que tinha ficado a constar do contrato-promessa era a próxima casa a ser vendida na urbanização, dizendo-lhe ainda que aquando da visita que tinham feito à outra moradia tinha ficado convencida de que a A. tinha entendido que assim era (1, 2, 3 e 4);
10. A A. sabia que a pessoa mencionada em 6. era funcionária da R. (5);
11. A A, na data da celebração do contrato-promessa, teve conhecimento e foi informada do teor e do alcance da cláusula mencionada em 8. (7);
12. Depois da conversa a que se alude em 9. e na sequência de contactos mantidos entre a A. e a funcionária referida em 6, esta, decorrido cerca de 1 mês após a data indicada em 4, comunicou àquela que, se essa continuava a ser a sua vontade, a R. aceitava vender-lhe a casa que tinham visitado, o que a A. rejeitou alegando falta de confiança na R. Na mesma altura, informou a R. que pretendia rescindir o contrato-promessa (9, 10 e 12);
13. Antes da outorga do contrato-promessa, a A. visitou, juntamente com a funcionária referida em 6, uma moradia inserida numa urbanização constituída por várias casas geminadas, todas com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construídas com os mesmos materiais. Depois de concluída a visita, a A. decidiu-se pela compra da moradia que visitara, ficando por isso convencida de que era essa casa que iria ficar a constar do contrato-promessa. Pelo contrário, a funcionária referida em 6. (que tinha mostrado a casa à A) ficou convencida de que a A. tinha percebido de que a próxima casa a ser vendida na urbanização não era a que tinham visitado mas sim uma outra – situada ao lado, com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construída com os mesmos materiais –, e que por isso era esta e não aquela que iria ficar a constar do contrato-promessa (14 e 15);
14. A A. sabia, conhecia e conformou-se com a dependência da outorga da escritura pública de compra e venda da emissão, em data não passível de concretização, por parte da Câmara Municipal de Valença, da licença de habitabilidade (16).
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No presente recurso está essencialmente em causa saber se o Tribunal “a quo” decidiu bem ao absolver a ré do pedido, julgando improcedentes as razões invocadas pela autora para que lhe fosse restituído em dobro o sinal que lhe entregou, ou então, a sua restituição no montante que recebeu aquando da celebração do contrato promessa dos autos, como peticiona subsidiariamente.
Não se discutindo que o contrato celebrado entre a autora e a ré deve ser classificado como um contrato promessa de compra e venda, cumpre, então, indagar, face às obrigações assumidas pela ré no mesmo contrato, se houve incumprimento a ela imputável e se tal incumprimento legitima o pedido formulado pela autora de restituição do sinal em dobro.
A Recorrente defende que sim e, em consequência, insurge-se contra a decisão recorrida, com fundamento nos factos que expõe nas suas conclusões sob os nºs 1 a 17, acusando a decisão recorrida de não ter apreciado correctamente todos esses factos, o que acarretou uma deficiente aplicação do direito ao caso em apreço.
Assistir-lhe-á razão?
Acrescentamos, desde já, que salvo melhor entendimento que se respeita, que entendemos que não. Explicamos porquê.
Efectivamente, a autora sustenta a sua argumentação, em factos que foram dados por provados e factos que não foram dados por provados pela sentença “a quo”.
E, fá-lo, sem que tenha impugnado a sentença no que respeita à matéria de facto, direito que lhe assistia.
Pois, é sabido, porque legalmente prescrito, que a impugnação de uma sentença pode ter por objecto tanto a matéria de direito, como a matéria de facto, sendo que, caso impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente tem que obedecer aos requisitos que se encontram vertidos no artigo 685.º – B do C.P.C..
O que resulta, evidente, do recurso por si interposto, a autora não fez.
Da análise das suas doutas alegações e, conclusões, verifica-se que, apenas, da numerada de um a seis, a autora descreve factos que correspondem a matéria dada por assente pelo Tribunal “a quo”.
Quanto aos factos mencionados nas restantes, que a esta questão se referem, alguns não se encontram sequer quesitados na base instrutória, outros como o referido na segunda parte da décima quinta e à décima sexta conclusões, respeitam a factos que tendo sido quesitados, sob os números 6, 8, 11 e 13, foram considerados não provados, conforme consta do douto despacho de fls 209, dos autos. Outros, ainda, como os referidos nas conclusões décima quarta, segunda parte; quinze, segunda parte; dezasseis e dezanove, apesar de terem sido levados à base instrutória, foram dados por não provados ou, foram dados por provados factos antagónicos àqueles, veja-se como exemplo do que referimos, o exposto pela autora na décima quarta conclusão, onde consigna: ”A funcionária da ré…deveria alertar explicar…todos os pormenores do contrato, o que não fez”. O que se mostra assente, sob o ponto número 11 do elenco dos factos dados por provados, na sentença recorrida é diferente, veja-se: “A Autora, na data da celebração do contrato-promessa, teve conhecimento e foi informada do teor e do alcance da cláusula mencionada em 8.(7)”.
Ora, assim sendo e, não podendo este Tribunal atender aos factos referidos pela autora, já que os mesmos não foram dados por assentes pelo Tribunal “a quo”, nem tendo havido impugnação da matéria de facto, improcedem de todo as conclusões numeradas de sete a dezassete. E, para uma correcta apreciação desta questão há, apenas que atender à matéria que foi dada por assente no Tribunal recorrido e considerada pelo Mº Juiz “a quo”, restando apurar se o mesmo fez uma correcta aplicação do direito a essa factualidade. Pois do modo pretendido pela recorrente, tal enquadramento não seria possível, porque se baseia em factos que foram dados por não provados e em factos que não foram sequer levados à base instrutória, que a recorrente interpreta à sua maneira e, fazendo-o sem que, como já dissemos, tenha impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, de modo algum.
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Tecidas estas considerações, voltemos, então, ao alegado incumprimento da ré, que a autora invoca para justificar a rescisão válida do contrato promessa que celebraram. Sustenta que houve incumprimento por parte da ré, consubstanciado em “anormalidades” que constam do contrato promessa e que fizeram com que a mesma se sentisse enganada.
Como é sabido, o não cumprimento de qualquer obrigação é susceptível de desencadear, atento o efeito produzido, designadamente, as situações de incumprimento definitivo ou de mora.
A mora do devedor é o atraso (demora ou dilação) culposo no cumprimento da obrigação. Na concreta estatuição do n.º2 do artº 804 do CC, (diploma a que respeitarão todos os artigos que a seguir sejam mencionados sem qualquer outra indicação) o devedor incorre em mora, quando, por causa que lhe seja imputável, não realize a prestação no tempo devido, continuando esta a ser ainda possível.
No caso de mora e abstraindo de alguns casos excepcionais em que a simples mora confere ao credor o direito de resolução do contrato, a obrigação do devedor é a de reparar os danos causados ao credor, resultantes da mora (art. 804º).
Por seu turno, o incumprimento, implica para o devedor a responsabilidade pelos prejuízos causados ao credor e, sendo o contrato bilateral, tem o credor o direito de resolver o contrato, cfr. arts. 798º e 801º, n.º1.
E, na situação de contrato promessa, refere o Ac.STJ, de 10.12.1997, in www.dgsi.pt, no caso de incumprimento do mesmo, a nossa lei abre dois caminhos ao contraente não faltoso: - a execução específica, regulada no artº 830, havendo simples mora e, - a resolução do contrato, cfr.artº 432, havendo não cumprimento definitivo.
Por ao caso, ser o que nos interessa, analisemos a situação de incumprimento definitivo.
E, no que a esta respeita, a lei considera definitivamente não cumprida a obrigação nas situações de: -estipulação de cláusula resolutiva ou termo inicial, - impossibilidade culposa da prestação por parte do devedor, cfr. artº 801, nº 1; - mora, se ocorrer perda do interesse do credor na prestação, mesmo n.º1, apreciada, esta, objectivamente, cfr. nº 2 do mesmo artigo, ou seja, em função da utilidade que a prestação teria para o credor, justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas, - mora, se a realização da prestação não ocorrer dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, cfr. artº 808, nº 1 .
No caso dos autos, face à causa de pedir invocada pela autora, o núcleo da questão traduz-se em saber se houve incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da ré por não ter actuado do modo devido na celebração do contrato, tendo ocorrido erro na declaração e erro sobre o objecto do negócio, de modo a autora sentir-se enganada e não querer mais celebrar o contrato prometido.
A A. alega que depois da assinatura do contrato-promessa que celebrou com a R. veio a saber que o objecto da promessa (moradia bifamiliar) era diverso daquele que as partes tinham acordado – quer dizer, do texto da promessa ficou a constar um imóvel diferente daquele que as partes tinham verbalmente negociado.
Interessa então, mencionar o que a este propósito resultou provado, a saber: “A. e R. celebraram em 2006 um contrato-promessa de compra e venda pelo qual aquela prometeu comprar a esta e esta prometeu vender àquela uma casa, tendo a A, na data da outorga da promessa, pago à R. a quantia de 10.500,00 €, tendo sido acordado que a escritura pública seria outorgada previsivelmente até 31 de Janeiro de 2007, incumbindo a sua marcação à promitente vendedora, factos assentes sob os nºs 1, 2, 3 e 4.
Antes da outorga do contrato-promessa, a A. visitou, juntamente com uma funcionária da R, uma casa inserida numa urbanização constituída por várias casas geminadas, todas com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construídas com os mesmos materiais. Depois de concluída a visita, a A. decidiu-se pela compra da casa que visitara, ficando por isso convencida de que era essa casa que iria ficar a constar do contrato-promessa. Pelo contrário, a referida funcionária (que tinha mostrado a casa à A) ficou convencida de que a A. tinha percebido que a próxima casa a ser vendida na urbanização não era a que tinham visitado mas sim uma outra – situada ao lado, com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construída com os mesmos materiais –, e que por isso era esta e não aquela que iria ficar a constar do contrato-promessa, facto assente sob o nº 13.
Próximo da data (previsível) para a outorga da escritura, a A. deslocou-se aos escritórios da R. para saber se a escritura sempre se realizaria na data prevista e, no decurso da conversa que então manteve com a funcionária da R. que a atendeu, a A. ficou a saber que no contrato-promessa não tinha ficado a constar a casa que tinha visitado mas sim uma outra, situada ao lado (com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construída com os mesmos materiais). Nessa altura, aquela funcionária transmitiu à A. que a casa que tinha ficado a constar do contrato-promessa era a próxima a ser vendida na urbanização, dizendo-lhe ainda que aquando da visita que tinham feito à outra casa tinha ficado convencida de que a A. tinha entendido que assim era. A A. informou então a R. que não queria outra casa senão aquela que tinha visitado. Depois dessa conversa, e na sequência de contactos entretanto mantidos entre a A. e a mesma funcionária da R, esta, decorrido cerca de 1 mês após a data prevista para a realização da escritura, comunicou àquela que, se essa continuava a ser a sua vontade, a R. aceitava vender-lhe a casa que tinham visitado. A A. rejeitou alegando falta de confiança na R. e informou que pretendia rescindir o contrato-promessa.”, factos assentes sob os números 9 e 12.
Ora, sendo esta a factualidade a ter em conta, cremos não assistir razão à recorrente no que expõe na conclusão número 44, que tem de se considerar improcedente.
Pois, entendemos que a sentença recorrida fez uma correcta aplicação do direito no que respeita a esta questão, sendo que depois das, acertadas, considerações doutrinais que teceu sobre o preceituado no artº 247, quanto ao erro na declaração, bem decidiu quando expôs: “Perante este quadro, e à luz das considerações supra expostas, pode concluir-se pela verificação dos pressupostos de que depende a anulabilidade do contrato-promessa por erro na declaração?
A resposta é negativa. Sendo embora verdade que tudo aponta no sentido de que no momento da outorga da promessa a A. tenha declarado coisa diversa daquela que pretendia (declarou prometer comprar uma casa mas queria prometer comprar outra) – e, portanto, que houve efectivamente um erro na declaração –, já, contudo, não está demonstrado que a R. conhecesse (ou não devesse ignorar) a essencialidade, para a A, do elemento sobre que incidiu o erro: ou seja, que a R. soubesse (ou não devesse ignorar) que para a A. era decisivo que a casa objecto da promessa fosse aquela que esta tinha visitado e não a que ficou a constar do contrato-promessa (situada precisamente ao lado e exactamente com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construída com os mesmos materiais).
Desta forma, e sabendo-se que o ónus da prova dos requisitos de que depende a anulabilidade por erro incumbe ao interessado na anulação (p.e, AcRP 23Abr07, proc.0751483, www.dgsi.pt) – no caso, à A. –, a acção não pode proceder com este fundamento.”.
Neste sentido veja-se o que ficou assente no acórdão de 23.4.2007, ali referido, que se transcreve com vénia: “Para a relevância do erro (na vontade) sobre o objecto do negócio exige-se a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que recaiu o erro e o conhecimento dessa essencialidade pelo declaratário ou o dever de a conhecer. A medida da essencialidade é subjectiva: cada um determina, livremente, os factores que o possam levar a contratar. O conhecimento da essencialidade do elemento, por parte do declaratário, é, também, um dado subjectivo: ou conhece ou não conhece. Já o dever de conhecer a essencialidade é objectivo: tem natureza normativa.
Deste modo, o chamado erro-vício acerca do objecto só releva para anular o negócio jurídico quando, pelo menos, o declarante ignora ou tem uma falsa representação sobre o valor, o conteúdo ou as qualidades daquilo sobre que versa o negócio, e que é essencial porque atinge os motivos determinantes da vontade, de tal forma que se o declarante conhecesse a realidade não teria, de modo nenhum, concluído o negócio, e, por outro lado, o declaratário conhecia ou não devia ignorar essa essencialidade para o declarante.
A essencialidade e o conhecimento, ou as circunstâncias que originem o dever de conhecer, devem ser provadas pelo interessado em anular o negócio.”.
Assim sendo, face ao exposto e ao que dispõem os artºs 247 e 251, que o erro na declaração ou sobre o objecto do negócio torna o negócio anulável “desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”, é evidente, perante a factualidade apurada e as regras do ónus da prova, artº 342, nº1, que a decisão a proferir não poderia ser de modo diverso da recorrida e, esta ao assim decidir não violou os dispositivos legais referidos pela recorrente.
Pois que, não se apurando o argumento invocado pela autora, não podemos concluir pelo incumprimento por parte da ré que justifique a rescisão do contrato por parte daquela.
É sabido que, para efeitos de incumprimento definitivo, não releva uma simples perda subjectiva do interesse ou mudança de vontade do credor na prestação em mora, mas apenas e tão só uma perda objectiva, fundada em causa objectiva, razoavelmente compreensível e aceitável ao juízo comum de pessoas normais em actuação negocial, de boa fé, de lisura e de honestidade no trato, ainda que em fase de mora por parte de uma delas.
Neste sentido, refere Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág. 72, que “Não basta uma perda de interesse subjectiva na prestação. É necessário, diz o nº 2 do artº 808, que a perda do interesse do credor na prestação tem de ser apreciada objectivamente. Pretende-se evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele ou à perda infundada do interesse na prestação”.
A perda do interesse há-de ser justificada segundo o critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas.
Daí ser de concluir no sentido de que o apurado comportamento da autora não se integra na objectividade que o artº 808, nº 2, exige.
A alegada perda de interesse, com fundamento na perda de “confiança” na ré, não pode proceder. Essa alegada perda de interesse não é compreensível, face ao que ficou provado quanto às características das moradias em causa e a disponibilidade, pode dizer-se imediata, da ré para vender à autora a casa que a mesma pretendia, vejam-se factos assentes nºs 13, 1ª parte e 12, “Antes da outorga do contrato-promessa, a A. visitou, juntamente com a funcionária referida em 6, uma moradia inserida numa urbanização constituída por várias casas geminadas, todas com as mesmas áreas, as mesmas divisões no seu interior e construídas com os mesmos materiais. Depois da conversa a que se alude em 9. e na sequência de contactos mantidos entre a A. e a funcionária referida em 6, esta, decorrido cerca de 1 mês após a data indicada em 4, comunicou àquela que, se essa continuava a ser a sua vontade, a R. aceitava vender-lhe a casa que tinham visitado, o que a A. rejeitou alegando falta de confiança na R.”.
Ora, não havendo qualquer prazo ainda em falta para a marcação da escritura, o pouco tempo decorrido, (cerca de um mês) e o aceite pela autora quanto à incerteza da data de outorga da escritura, (cfr. consta dos factos assentes nºs 4, 12 e 14), entendemos que não se vislumbram razões objectivas e justificativas da perda de interesse da autora no cumprimento da obrigação em consequência da alegada “perda de confiança” na ré que não se demonstra.
Não se mostra, perante o circunstancialismo apurado, razoável, compreensível e aceitável, ao juízo comum de pessoas normais em actuação negocial, de boa fé, de lisura e de honestidade no trato, a perda do interesse da autora em celebrar com a ré o negócio prometido. Do apurado comportamento da autora extrai-se que a sua perda de interesse na celebração do negócio prometido é meramente subjectiva, não se integrando, por isso, na previsão do citado artº 808 nº 2.
Assim, assente que não houve qualquer incumprimento definitivo ou impossibilidade culposa de cumprimento por parte da ré e que o comportamento da autora não se integra na objectividade que o artº 808 nº 2 exige, há que concluir não ter a autora direito nem à resolução do contrato nem à indemnização equivalente ao dobro do sinal prestado, conforme resulta “a contrario” das disposições conjugadas dos arts. 801º, n.º1, 808º, n.º1 e 442º, n.º2 e do art. 441º, todos do CC.
Pelo que, face ao exposto, improcedem as conclusões da autora formuladas a este propósito, bem como o pedido que formulou a título principal e mantém-se o decidido pelo Tribunal “a quo”.
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Concluindo pela inexistência de causas de anulabilidade do contrato, vejamos como pugna a recorrente se o mesmo padece de vícios que gerem a sua nulidade e, se a autora com base nisso pode obter procedência na sua pretensão.
A esta questão reportam-se as conclusões da recorrente com os números vinte e quatro e seguintes, donde consta que a recorrente defende que o contrato é nulo, com base em três fundamentos, primeiro o contrato promessa ter sido outorgado por uma funcionária da recorrida que não tinha poderes para a representar, segundo, por à data da outorga do mesmo não haver licença de construção/alvará de loteamento e, terceiro, por as assinaturas das partes não terem sido reconhecidas.
Vejamos.
Começando pela primeira, corroboramos tão só o que foi dito na decisão recorrida que consideramos acertado e suficiente, perante o caso em análise, uma vez que não é a ré que não pretende cumprir o contrato promessa, mas sim a autora. Sendo que, a falta de poderes de representação da funcionária da ré, interveniente na celebração do contrato, mostrar-se-ia, tão só relevante ser arguida pela recorrente, se estivéssemos perante uma situação de recusa de cumprimento do prometido por parte da recorrida, o que efectivamente não acontece, razão porque é perfeitamente irrelevante a verificação ou não da falta de poderes de quem actua em representação da ré, para efeitos do pretendido. Acrescendo, que não desconhecia a autora, conforme resulta do facto assente nº 10, que a autora sabia que a pessoa que assinou o contrato era funcionária da ré.
Improcedem, assim, as conclusões números 25 e 26.
Passemos então, ao segundo argumento desta questão, relativa ao alvará de construção, antecipando, desde já, que transcreveremos aqui o que foi decidido a este propósito na sentença recorrida, já que entendemos mostrar-se a decisão correcta perante a factualidade que ficou assente, veja-se facto nº 1, a qual não foi impugnada pela recorrente.
Assim, com bem se diz na sentença recorrida, “…, pese embora a promessa não tenha incluído a certificação da existência da licença de construção, o certo é que a mesma já então existia (como, aliás, é do conhecimento da A. pois ela própria autorizou a R. a proceder a alterações ao Alvará junto das entidades competentes: cf. fl.52). Mostram-se, assim, satisfeitas as razões de ser da exigência dessa formalidade (já vimos quais são) e, nessa medida, deve considerar-se sanada ou convalidada a invalidade cometida aquando da outorga do contrato-promessa (P. Lima e A. Varela, ob. cit, p.384, A. Costa, ob. cit, p.36, C. Silva, ob. cit, p.61, AcsRP 2Nov99, CJ t.5º p.175, RP 23Mar06, proc.0630729, STJ 5Jul07, proc.07B2027, e STJ 28Fev08, proc.08A081, todos em www.dgsi.pt) – como é sabido, é também a susceptibilidade de sanação daquela formalidade que, entre outras características (que não cabe aqui aprofundar), faz da sua inobservância uma nulidade mista ou atípica (C. Silva, ob. cit, p.61).”.
Improcedem, deste modo, as conclusões números 27 a 30, que a esta questão respeitam.
Analisemos, por último, o terceiro dos argumentos invocados pela autora para fundamentar o pedido de nulidade do contrato promessa, seja, por falta de reconhecimento presencial das assinaturas.
A este propósito prescreve o artº 410 nº3 que, “No caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte”.
A razão de ser da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas das partes tem que ver única e exclusivamente com a protecção do comprador de um imóvel face a um vendedor normalmente mais “poderoso”, em especial se este for um construtor ou uma sociedade imobiliária, em princípio, dotados de maior poder negocial. O legislador obriga ao reconhecimento das assinaturas das partes e determina que aquando desse reconhecimento se faça a exibição da licença camarária de construção ou a de utilização, como forma de prevenir que um comprador imprudente seja ludibriado com a compra de um imóvel em zona onde a edificação está vedada, ou cuja construção seja feita em desconformidade com o planeamento local ou projecto aprovado.
Trata-se de um requisito imposto por lei, mas que dizer se as partes, entre si, convencionarem afastar o regime legal, nomeadamente, prescindindo do reconhecimento das assinaturas?
No caso, conforme consta do contrato junto a fls.18, cláusula sétima, as partes convencionaram que “Todos os outorgantes prescindem do reconhecimento das assinaturas”, tendo ficado assente sob o nº7, da matéria provada que as assinaturas constantes do contrato não se encontram reconhecidas pelo Notário. Mais, ficou assente sob o nº 11, que a A., na data da celebração do contrato-promessa, teve conhecimento e foi informada do teor e do alcance da cláusula mencionada em 8.
Pese embora isto, a recorrente vem impugnar a douta decisão recorrida que a este propósito decidiu: “Em suma, tendo a A. renunciado ao reconhecimento das assinaturas não pode agora arguir a omissão;”.
A recorrente, nos termos da sua argumentação refere que “…a cláusula estipulada no contrato, na qual renunciaram ao reconhecimento notarial das assinaturas, não afasta a nulidade prevista no artº 410, nº3 e, é forçoso concluir que o contrato é nulo de pleno direito, não produzindo qualquer efeito na esfera jurídica dos contratantes.
A sentença recorrida não corroborou este entendimento, como já referimos. E, apesar de reconhecer: “É verdade que no contrato-promessa subscrito pelas partes as assinaturas dos contraentes não foram reconhecidas presencialmente e, bem assim, que dele não consta a certificação notarial da existência da licença de construção.”
Concluiu não assistir à autora o direito de arguir essa omissão, por ter renunciado ao reconhecimento das assinaturas. E, por via disso não apreciou o abuso de direito invocado pela ré.
Nesta conclusão não acompanhamos o Tribunal “a quo”.
Não desconhecendo a divergência existente sobre o tipo de nulidade em causa, perfilhamos o entendimento dos que seguindo os ensinamentos do Professor Calvão da Silva, defendem, que a cláusula constante de contrato promessa através da qual os contratantes declaram prescindir do reconhecimento notarial das respectivas assinaturas e renunciam a invocar a nulidade decorrente da preterição das formalidades impostas pelo nº 3 do artº 410, “sempre seria nula por contrária ao sentido e fim de uma norma de protecção da parte mais fraca, o consumidor”. Mas, defende ele, por tratar-se de uma nulidade atípica próxima da nulidade relativa ou anulabilidade, verificando-se a invalidade o promitente-comprador, não está sujeito às limitações de arguição da parte final do nº 3 do artº 410, conforme expõe na sua obra “Sinal e Contrato Promessa”, pág. 54.
No caso, a autora, promitente/compradora pediu a declaração de nulidade do contrato promessa de compra e venda por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes e falta da certificação notarial da licença de construção.
Entendemos que à mesma assiste esse direito. No entanto, consideramos que ela age com abuso de direito ao invocar essa nulidade o que a ilegítima, como arguiu a ré/recorrida.
Dispõe o artº 334, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito”.
O actual Código Civil consagra uma concepção objectivista do abuso de direito, não se exige, por parte do titular do direito, a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que, objectivamente, esses limites tenham sido excedidos de forma manifesta e grave.
O abuso de direito pode manifestar-se num “venire contra factum proprium”.
Nos ensinamentos do Prof. Menezes Cordeiro, o abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo agente e a sua proibição radica no princípio da confiança, já que “(…) um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas".
Exigem-se dois comportamentos da mesma pessoa lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro o “factum proprium” que é contrariado pelo segundo.
E, segundo o mesmo Professor, os pressupostos da protecção da confiança através do venire pressupõem: " 1° - uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium), 2° - uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis, 3° - um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma conduta na base ao factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara, 4° - uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível."
E, no sentido de serem estes os pressupostos do venire, tem-se pronunciado a nossa jurisprudência, de que são exemplo entre outros os acórdãos do S.T.J. de 1.3.2007, de 15.5.2007 e, bem recente, de 29.11.2011.
Regressando ao caso, a este respeito, ficou provado, no caso dos autos, que, em 18 de Setembro de 2006, aquando da outorga do contrato promessa, na cláusula sétima ficou consignado que “Todos os outorgantes prescindem do reconhecimento das assinaturas”, as assinaturas dele constantes não se encontram reconhecidas pelo Notário, a A., na data da celebração do contrato-promessa, teve conhecimento e foi informada do teor e do alcance da cláusula mencionada em 8, cfr. factos sob os números 1, 7, 8 e 11.
Esta a factualidade para apreciar esta questão.
A recorrente coloca a mesma nas suas conclusões números trinta e quatro a trinta e oito, que no essencial se mostram contrárias aos factos que ficaram assentes, pelo que a sua improcedência é evidente.
Assim, aplicando, os ensinamentos supra referidos ao quadro factual a considerar, não temos dúvidas em afirmar que a autora ao formular o pedido de declaração de nulidade do contrato promessa em causa com fundamento na invocada falta de reconhecimento notarial das respectivas assinaturas, incorre em abuso de direito na modalidade do " venire contra factum proprium".
É natural admitir que ao renunciar à invocação da referida nulidade, a autora gerou na ré confiança e a legítima convicção de que tal nulidade jamais seria invocada, havendo, por isso, uma séria e fundada expectativa na estabilidade do contrato promessa e na celebração do contrato prometido.
Sem dúvida, a actuação da autora configura uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante. Assim sendo e porque as consequências do abuso do direito se reflectem na paralisação do direito, na redução do seu exercício a limites justos ou na obrigação de indemnizar por culpa na formação do contrato, fácil é concluir também que, no caso em apreço todas as consequências que a lei faz decorrer da falta de reconhecimento notarial das assinaturas dos outorgantes deixam de funcionar. E, consequentemente, embora essa falta integre a referida nulidade do contrato promessa, por via do abuso de direito, os efeitos dessa nulidade deixam de funcionar, tudo se passando como se, no caso dos autos, não se verificasse essa nulidade.
Donde, também, neste aspecto, nenhuma censura merece a sentença recorrida que, por isso, se mantém, ainda que pelo motivo acabado de expor e não pelas razões ali consignadas.

Improcedem, deste modo, todas as demais conclusões da autora/apelante, não se mostrando violadas as normas invocadas pela mesma.
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SUMÁRIO: (artº 713, nº 7, do CPC)
I – O erro na declaração sobre o objecto do negócio que a autora não prova que a ré conhecia ou não devia ignorar a essencialidade do mesmo, não configura incumprimento imputável à ré na celebração de contrato promessa, nem pode servir de fundamento para a autora pedir a anulação do negócio.
II – Uma alegada “perda de confiança” na ré que não se demonstra, não configura as razões objectivas e justificativas, necessárias, para que a autora possa invocar perda de interesse no cumprimento da obrigação.
III – Constitui abuso de direito, consubstanciado no “venire contra factum proprium”, a invocação, por parte da outorgante/promitente-compradora, da nulidade do contrato promessa de compra e venda com fundamento na falta de reconhecimento notarial das respectivas assinaturas, quando a mesma declarou, expressamente, no contrato prescindir desse reconhecimento e foi informada do teor e alcance dessa cláusula.
IV – A autora, como promitente/compradora pode arguir a nulidade “atípica” do contrato, por violação ao disposto no artº 410, do CC, mas vê o seu direito paralisado com base no instituto do abuso de direito.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pela autora/recorrente.

Notifique.

Guimarães, 19 de Dezembro de 2011
Rita Romeira
Amílcar Andrade
José Rainho