Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
945/11.2TBGMR-A.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
DATA DE VENCIMENTO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DA OBRIGAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Uma livrança em branco é uma livrança incompleta, em que falta algum dos requisitos essenciais, mas onde existe, pelo menos, a assinatura de um obrigado cambiário.

II. Depois da emissão da livrança em branco, poderá o título de crédito vir a ser dotado dos elementos necessários para que possa produzir efeitos como livrança, sendo necessário, porém, que esses requisitos constem nela na altura do seu vencimento.

III. Nos casos em que não conste da livrança em branco a data do vencimento, o preenchimento desta data do vencimento deve, em princípio, coincidir com a data em que o incumprimento definitivo das obrigações do devedor se verifique e/ou com a data em que o credor declare a resolução do contrato fundamental subjacente à subscrição da livrança.

IV. A exigibilidade da obrigação só constitui um requisito autónomo da acção executiva quando essa exigibilidade não resulte do título executivo, ou seja, se essa exigibilidade não se puder depreender directamente do documento que serve de base à execução. Nestes últimos casos deve-se entender que a obrigação é exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial.

V. A falta de interpelação prévia (à acção executiva) do mutuário de contrato de empréstimo liquidável em prestações, por falta de pagamento de uma, ou mais prestações (cfr. art. 781º do CC), não determina a inexigibilidade da obrigação exequenda porquanto a citação do executado, no âmbito da execução instaurada, consubstancia essa interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida.”
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: T. B.;
*
I- RELATÓRIO

Por apenso à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a sociedade ZZ – Instituição Financeira de Crédito, S. A., veio o executado T. B. deduzir oposição à execução mediante os presentes embargos de executado.
Para tanto alegou, em síntese, e para além da ineptidão do requerimento executivo e da prescrição do direito de acção, o preenchimento abusivo da livrança dada à execução, por a embargada não lhe ter dado a conhecer ou solicitado autorização para colocar o valor de € 13.186,77, bem como o local de emissão, as datas de emissão e de vencimento, o nome e morada do subscritor.
Mais arguiu que a livrança dada à presente execução não possui o requisito de exequibilidade, uma vez que a mesma nunca foi apresentada a pagamento e consequentemente a obrigação é inexigível.
Pugnou pela absolvição da acção executiva.
Notificada dos embargos de executado, a embargada veio deduzir contestação, impugnando toda a factualidade vertida pelo embargante/executado.
Arguiu que a livrança é exequível e a obrigação exigível, pois as partes acordaram na cláusula décima do escrito subjacente ao título executivo, que, em caso de incumprimento, seria preenchida pelos seus serviços.
Mais alegou que remeteu ao embargante a carta de resolução do contrato, dando-lhe a conhecer os elementos essenciais ao preenchimento da livrança, nomeadamente todos os valores que iriam presidir àquele mesmo preenchimento.
Pugnou que foi integralmente respeitado o pacto de preenchimento.
Expôs que a apresentação a pagamento das livranças deve fazer-se no local que for designado no próprio título para o efeito, pelo que improcede a excepção arguida pelo embargante, visto que o mesmo não compareceu nesse local.
Concluiu pugnando pela improcedência dos embargos de executado.
*
Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo-se procedido ao conhecimento da excepção de ineptidão do requerimento executivo e da prescrição do direito à acção.
Quanto àquela primeira excepção, foi proferida a seguinte decisão aqui também posta em crise:
“E assim sendo, a exequente/embargada, explicitando os montantes devidos e juntando o título cambiário, não tinha que invocar qualquer outra causa, pelo que se decide julgar improcedente a invocada nulidade do requerimento executivo por ineptidão.
Deste modo, indefiro a nulidade invocada.”
*
Desta decisão foi logo interposto Recurso que, no entanto, não veio a ser admitido por intempestivo (considerando-se que a decisão só admitia recurso a interpor a final).
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do pertinente formalismo legal.
*
De seguida, foi proferida a sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:

“…III. DECISÃO
Pelo exposto, julgo improcedentes os presentes embargos de executado intentados por T. B. contra a sociedade ZZ – Instituição Financeira de Crédito, S. A.. “.
*
É justamente desta decisão que o Embargante/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

I - O segmento decisório do despacho recorrido viola e faz uma errada interpretação da disposição legal constante do artigo 724.º, n.º 1, alínea e) do C.P.C.
II - O título executivo terá de representar o acto jurídico pelo qual o executado reconhece uma obrigação para com o exequente, pelo que, não resultando este do título a exequente terá de alegar a causa debendi na exposição dos factos.
III - A causa de pedir é constituída pelos factos essenciais de que nasce o direito invocado, enquanto o título executivo é apenas o documento donde consta a obrigação.
IV - Por estarmos no domínio da subscrição de um documento em branco, a causa dos montantes peticionados, mormente, aqueles que figuram na Livrança, o fundamento da legítima posse do título, o, eventual, incumprimento da relação subjacente, a causa da sua emissão, e a interpelação para o pagamento, deveria ter sido, especificadamente, alegada pela Apelada no requerimento inicial.
V – Tais factores foram tidos em consideração na fundamentação de facto da sentença recorrida – o que demonstra a essencialidade da sua alegação em sede de Requerimento Executivo – havendo os mesmos, porém, sido alegados pela Apelada na Contestação aos Embargos de Executado e não no Requerimento Executivo, como se impunha.
VI - O requerimento inicial da presente execução judicial é inepto, o que implica a nulidade de todo o processo, constitui excepção dilatória não suprível e deve dar lugar à rejeição da execução.
*
VII - A sentença judicial recorrida alicerçou-se em factos principais ou essenciais à (im)procedência do pedido que não foram oportunamente alegados pelas partes, mormente, pela Apelada, sobre quem impendia o ónus de alegação e o ónus da prova, violando, em consequência disso, os princípios do dispositivo e do contraditório e, ainda, os princípios constitucionais da igualdade, do processo equitativo e da tutela efectiva do direito.
VIII - A causa de pedir em que assenta a decisão recorrida, mormente, aqueles segmentos supra retratados tidos como provados nas alíneas b), c) e f), da fundamentação factual, resulta, apenas, das declarações prestadas pela testemunha P. G., funcionário da Apelada, em audiência de discussão e julgamento, nunca havendo sido, por qualquer meio que fosse trazidos aqueles factos aos autos por escrito, por acto processual admissível ou inadmissível, sequer, para que o Apelante sobre os mesmos se pudesse pronunciar.
IX – Assim, por importar factos não alegados pelas partes e sobre os quais o Apelante não teve, sequer, oportunidade de sobre eles se pronunciar, deverá ser revogada a decisão recorrida e ser a mesma substituída por outra que julgue a presente acção totalmente procedente, por provada, e ordene, consequentemente, a extinção da acção executiva.
*
X - A sentença recorrida alcançou o desiderato acima consagrado, porquanto julgou incorrectamente a matéria de facto subjacente à decisão.
XI - A Apelante considera viciada por erro de julgamento a decisão da matéria de facto especificada sob as alíneas b) e c), porquanto, foram incorrectamente julgados provados pelo que se impõe que, de acordo com os meios probatórios e regras do ónus da prova acima referidos, os mesmos sejam declarados como provados com um teor diverso conforme supra referenciado.
XII - Apelante considera viciada por erro de julgamento a decisão da matéria de facto especificada sob as alíneas f) e g) da decisão recorrida, porquanto, foram incorrectamente julgados provados pelo que se impõe que, de acordo com os meios probatórios e regras do ónus da prova acima referidos, os mesmos sejam declarados como não provados.
XIII - Finalmente, a Apelante considera viciada por erro de julgamento a decisão da matéria de facto constante do n.º 1 da fundamentação, porquanto, foram incorrectamente julgados não provados pelo que se impõe que, de acordo com os meios probatórios e regras do ónus da prova acima referidos, os mesmos sejam declarados como provados.
XIV - Consequentemente, esta alteração à decisão da matéria de facto levará a uma diferente fundamentação de facto e, naturalmente, de direito da decisão, o que imporá, a final, a procedência da acção nos termos peticionados.
*
XV - A Livrança constante dos presentes autos foi preenchida sem respeito por qualquer limite ou acordo entre o Apelante e a Apelada, designadamente, no que toca ao local e data de emissão, ao valor e à data de vencimento, tendo, por isso, sido preenchida abusivamente.
XVI - A Livrança foi preenchida após ter sido assinada, em branco, e sem a interpelação prévia do Apelante, que desconhecera e desconhecia os seus elementos essenciais, nem foi consultado para o seu posterior preenchimento naqueles moldes.
XVII - O direito ao preenchimento da referida Livrança atribuída à Apelada dependia do exercício do direito de resolução contratual consubstanciado numa declaração escrita da sua parte dirigida ao Apelante.
XVIII - Tal comunicação ou interpelação prévia não ocorreu pelo que não se consolidou uma efectiva resolução contratual que legitimasse o preenchimento do título cambiário aqui em causa.
XIX - Sendo absolutamente fundamental para o vencimento antecipado das prestações previstas até ao termo do contrato de crédito e correspectivo exercício do direito de resolução a prova da interpelação do mutuário, sem o que o unilateral preenchimento da livrança entregue em branco não pode ser tido por legítimo e justificado, impendia sobre a Apelada o ónus de diligenciar activamente nesse sentido.
XX - Invocado pelo subscritor o abusivo preenchimento da livrança entregue em branco, compete ao portador do título demonstrar o pressuposto básico e fundamental que lhe permitiu proceder ao preenchimento do título, ou seja, o vencimento das prestações em que se desdobrava o cumprimento do negócio subjacente.
XXI - O preenchimento da Livrança realizado foi abusivo, sendo a procedência desta excepção conducente à invalidade do negócio cambiário, por não terem sido ajustadas entre as partes a fixação do montante da Livrança, que não é devido, nem justificado, e as condições relativas ao conteúdo o tempo do vencimento.
XXII - O acto de interpelação prévio a efectuar pela portadora relativamente à subscritora do título, exigindo-lhes o pagamento do montante mutuado e declarando a resolução do negócio por incumprimento definitivo do mutuário, é imprescindível para que se possam considerar vencidas as obrigações vincendas, o que legitimará, nessas especiais circunstâncias, o preenchimento pelo portador da livrança entregue em branco.
XXIII - A Exequente não provou que, na relação subjacente à emissão do título, no âmbito das suas relações imediatas tivesse efectivamente procedido ao acto de interpelação do devedor subscritor da livrança em branco, como seria mister.
XXIV - Por falta de prévia interpelação do Apelante, os presentes Embargos de Executado têm, notoriamente, que proceder.
*
XXV - A posição definida pelo Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 15/12/2016, referido na sentença recorrida, não se aplica aos presentes autos, pois não estamos perante um título executivo igual àquele de onde emerge a presente execução, nem, e ao contrário do que refere a sentença em crise, na data em que foi interposta a execução já se encontravam vencidas todas as prestações do referenciado crédito.
XXVI - Entre a citação realizada nos presentes autos e a necessária e exigida interpelação para a resolução contratual e para pagamento da quantia vencida não existe qualquer equivalência que permita prescindir daquele acto prévio.
XXVII - Pela exigência de interpelação prévia, que, por inverificada, constitui a obrigação como inexigível, com as inerentes consequências legais em sede de apreciação dos presentes Embargos de Executado.
*
XXVIII - A Livrança dada à presente execução não possui o requisito de exequibilidade, uma vez que a mesma nunca foi apresentada a pagamento, não podendo, deste modo, ser considerada como título executivo, nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C.
XXIX - A apresentação a pagamento de um título de crédito é um acto típico no direito cartular e consiste na apresentação do título e reclamação do pagamento da quantia nele constante no local convencionado para o pagamento, no dia do vencimento ou num dos dois dias úteis subsequente.
XXX - Não tendo a Apelada apresentado a pagamento a Livrança dada à execução, naturalmente que não pode vir exigir o pagamento da quantia inscrita na mesma em sede de acção executiva, porquanto a mesma perdeu o requisito de exequibilidade pelo não cumprimento do requisito da apresentação a pagamento.
*
XXXI - Assim, a sentença recorrida viola, frontalmente, e faz, cremos, uma errada interpretação das disposições legais constantes dos artigos 3.º, n.º 1 e 3, 5.º, n.º 1 e 3, 6.º, n.º 1, 147.º, 260.º, 264.º, 265.º, 411.º, 452.º, e seguintes, 463.º, 466.º, n.º 1 e 3, 547.º, 552.º, n.º 1, alínea d), 581.º, n.º 3 e 4, 602.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, 609.º, e 611.º, todos do C.P.C., na redacção vigente, e do artigo 342.º, n.º 1 e 344.º, do Código Civil (C.C.) aplicável ao caso vertente.
Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ser declarado procedente e em consequência, revogar-se a despacho judicial recorrido, nomeadamente, julgando procedente a invocada nulidade do Requerimento Executivo por ineptidão e revogar a sentença recorrida, com as todas as consequências daí decorrentes.”
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, o Recorrente/ Embargante coloca as seguintes questões que importa apreciar:

A)- quanto à decisão proferida na fase de saneamento do processo

I)-ineptidão do requerimento inicial executivo por falta de alegação da causa de pedir. Entende o Recorrente que, por estarmos no domínio da subscrição de um documento em branco, a causa dos montantes peticionados, mormente, aqueles que figuram na Livrança, o fundamento da legítima posse do título, o eventual incumprimento da relação subjacente, a causa da sua emissão, e a interpelação para o pagamento, deveriam ter sido, especificadamente, alegados pela Apelada no requerimento inicial.
*
B)- quanto à sentença:

I) saber se a sentença judicial recorrida alicerçou-se em factos principais ou essenciais à (im)procedência do pedido (factos constantes das als. b), c) e f) da matéria de facto provada) que não foram oportunamente alegados pelas partes, violando, em consequência disso, os princípios do dispositivo e do contraditório e, ainda, os princípios constitucionais da igualdade, do processo equitativo e da tutela efectiva do direito.
*
II) Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento:

a) quanto à factualidade constante das alíneas b) e c) da matéria de facto provada, porquanto, foram incorrectamente julgados provados pelo que se impõe que, de acordo com os meios probatórios e regras do ónus da prova acima referidos, os mesmos sejam declarados como provados com um teor diverso conforme supra referenciado.
b) quanto à factualidade constante das alíneas f) e g) da matéria de facto provada, que deve ser declarada como não provada.
c) quanto à factualidade constante do ponto n.º 1 da matéria de facto não provada, que deve ser declarada como provada.
*
III) saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelo Recorrente, os presentes Embargos têm de proceder.
*
IV)- saber se existe preenchimento abusivo da livrança, por parte da exequente, no que toca ao local e data de emissão, ao valor e à data de vencimento;
*
V)- Inexigibilidade do título executivo;
*
VI) Inexequibilidade do título executivo;
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“II. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTUALIDADE PROVADA
Produzida a prova, resultou provada a seguinte factualidade:

a) A sociedade ZZ – Instituição Financeira de Crédito, S. A., intentou acção executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra T. B., para desta haver o pagamento da quantia global de € 13.254,63.
b) A sociedade ZZ – Instituição Financeira de Crédito, S. A., fundou a execução mencionada em a) no facto de ser legítima portadora de um escrito, datado de 2010-12-13 e com vencimento em 2011-01-09, do qual consta que T. B. declarou que “No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à ZZ, ou à sua ordem, a quantia de treze mil, cento e oitenta e seis euros e setenta e sete cêntimos– tudo cfr. documento de fls. 4 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
c) O escrito aludido em b) foi entregue à exequente para garantia do escrito denominado “denominado “Contrato Mútuo nº …”, celebrado aos 29-06-2007, nos termos do qual concedeu ao embargante, para aquisição do veículo automóvel, da marca Peugeot e do modelo 307, o montante de €9.500,00, o qual deveria ser devolvido em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas de €190,05 cada, vencendo-se a primeira em 27-07-2007 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
d) Na cláusula 16ª das condições gerais do escrito aludido em c) estipula-se que “[O]”não cumprimento do(s) Mutuário(s), de qualquer das obrigações aqui assumidas (…) facultará à ZZ – Instituição Financeira de Crédito, S. A. O direito de resolver o contrato por simples declaração escrita da sua parte e, em consequência, a exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito”-– tudo cfr. documentos de fls. 19-20 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
e) O escrito aludido em b) foi entregue apenas com a assinatura do embargante.
f) O embargante deixou de pagar as prestações mencionadas em d) a partir de outubro de 2009.
g) A embargada enviou ao embargante o escrito junto a fls. 21 v.-22 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
*
B) FACTUALIDADE NÃO PROVADA

Produzida a prova, resultou não provada a seguinte factualidade:

1. O embargante nunca tenha tido conhecimento do preenchimento do escrito mencionado em b), na parte referente ao valor, local de emissão, datas de emissão e vencimento, nome e morada do subscritor.
2. O escrito descrito em b) haja sido preenchido em desconformidade com o escrito mencionado em c).
3. O escrito descrito em b) haja sido assinado em Guimarães.
4. O embargante haja recepcionado o escrito mencionado em g).
*
A restante matéria de facto alegada, face à regra de repartição do ónus da prova, não tem qualquer relevância para a decisão da causa, constando ainda da mesma conceitos jurídicos, conclusivos ou repetidos.
*
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
*
Comecemos por analisar(1) o Recurso interposto da decisão proferida em sede de saneamento do processo, e que diz respeito à improcedência da excepção invocada pelo Embargante relativa à ineptidão do requerimento inicial executivo por falta de alegação da causa de pedir.
O que seja causa de pedir numa acção executiva é controverso.
Na verdade, segundo alguns (2), a causa de pedir é uma figura que não se confunde com o título executivo, e traduz-se “no facto jurídico de onde procede a pretensão deduzida na acção – cfr. art. 581º, nº 4 do CPC; segundo outros (3), a causa de pedir é o mesmo que o título executivo (4).
Adoptando aquela primeira posição, nos casos como o concreto, a causa de pedir- fundando-se a pretensão executiva numa livrança a que o legislador atribui, como iremos ver, exequibilidade- só poderá ser constituída pela própria relação cambiária documentada no título de crédito junto aos autos.
Na verdade, uma das espécies de títulos executivos expressamente elencada no art. 46º do CPC (actual art. 703º do CPC) é justamente a livrança (título de crédito- al. c) do citado preceito legal).
O actual art. 703º restringindo o elenco de documentos particulares susceptíveis de constituírem títulos executivos veio esclarecer algumas das questões que anteriormente se levantavam quanto aos títulos de crédito.
Na verdade, decorre, efectivamente, da al. c) deste preceito legal que “à execução apenas podem servir de base: c) os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
Passou-se, assim, a distinguir nesta alínea, quanto aos títulos de crédito, duas situações (distinção que já anteriormente a doutrina e a Jurisprudência acolhiam em interpretação da al. c) do art. 46º do CPC).
A) Em primeiro lugar, podem os mesmos surgir na execução como verdadeiros e próprios títulos de crédito, sendo invocados pelo exequente como modo de demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta, que constitui, como vimos, verdadeira causa de pedir da acção executiva – sendo, para tal, obviamente necessário que se mostrem integralmente respeitados todos os pressupostos e condições de que a respectiva lei uniforme faz depender o exercício dos direitos que confere ao seu titular ou portador legítimo.
Nesta situação, o título executivo é uma peculiar categoria de documentos particulares, regidos por uma disciplina específica, decorrente da sua especial segurança formal e fiabilidade, e a “causa petendi” da acção executiva é, pois, a relação creditória neles incorporada, com as suas características próprias, em larga medida decorrentes da literalidade e abstracção das obrigações cartulares por eles documentadas.
B) Em segundo lugar, podem valer os títulos de crédito que não obedeçam integralmente aos requisitos impostos pela respectiva Lei Uniforme como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão, desde que os factos constitutivos desta resultem do próprio título ou sejam articulados pelo exequente no respectivo requerimento executivo, revelando plenamente a verdadeira “causa petendi” da execução e propiciando ao executado efectiva e plena possibilidade de sobre tal matéria exercer o contraditório: como é evidente, esta segunda perspectiva funcionará nos casos em que a declaração de vontade consubstanciada no título de crédito não puder valer como declaração unilateral de reconhecimento do débito subjacente à respectiva emissão, não beneficiando, consequentemente, da presunção afirmada pelo art. 458º do CC – o que naturalmente implicará para o exequente o ónus de invocar e demonstrar os factos constitutivos da relação fundamental que constitui a verdadeira causa de pedir da execução- cfr. decorre actualmente da segunda parte da al. c) do art. 703º do CPC.
Neste caso, o documento assinado pelo devedor constitui quirógrafo de uma obrigação causal cujos elementos constitutivos essenciais têm de ser processualmente adquiridos, em complemento do título executivo, por iniciativa tempestiva e processualmente adequada do próprio exequente, sendo articulados no requerimento executivo sempre que não resultem do próprio título.
*
Ora, no caso concreto, estamos inequivocamente naquela primeira situação.
Ou seja, a exequente, como fundamento da sua pretensão executória, juntou com o requerimento inicial executivo, uma livrança de que é portadora, e, ao fazê-lo, pretende invocá-la como verdadeiro e próprio título de crédito, no sentido da demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta.
Logo, não há dúvidas que, juntando aos autos a livrança com esse fundamento, a exequente alega, de uma forma adequada e justificada, a causa de pedir correspondente ao pedido que pretende formular, ou seja, invoca a relação cambiária documentada na referida livrança como causa de pedir.
Ora, se assim é, não podem existir quaisquer dúvidas que o requerimento inicial executivo não padece do vício de nulidade invocado pelo Embargado, já que aquele requerimento não é manifestamente inepto (art. 186º, nº1 e 2, al. a) do CPC).
Na verdade, conforme se julga ter demonstrado, nestas situações a exequente não tem que alegar no requerimento inicial executivo nada mais do que a dita relação cambiária incorporada no título de crédito que apresenta em juízo.
Não tem, assim, nestas situações que alegar e demonstrar os factos constitutivos da relação fundamental subjacente ao título cambiário.
Tal resulta das características de literalidade e abstracção de que beneficia tal título de crédito (5).
Assim, por força destes princípios vigentes no domínio cambiário, uma livrança pode ser dada à execução, para valer como suficiente título executivo, sem a alegação da relação jurídica subjacente. Nesse caso, o Tribunal ter-se-á tão só de certificar se estão verificados, enquanto condições da sua exequibilidade, os requisitos de validade do título e de regularidade da detenção do título pelo seu portador.
Alheada disso mesmo estará a relação jurídica causal, da qual o título cambiário se abstrai, e que a exequente não tem, nesta situação, que alegar no requerimento inicial executivo.
Com efeito, “ à luz dos princípios da abstracção e da incorporação, a livrança, enquanto título de crédito, dispensa a necessidade de o exequente invocar a relação subjacente à sua emissão…” (6).
“Na execução de títulos de crédito… a causa de pedir é ainda a aquisição na esfera do requerente de um direito a uma prestação mediante o saque ou emissão do título, mas sem que ele tenha de indicar a que relação subjacente corresponde esse direito (cf. o art. 1º da LULL e o art. 458º do CC) …
O credor de livrança, por exemplo, “apenas tem de juntar a livrança com o requerimento inicial, não tendo pois que juntar o documento de onde conste a obrigação fundamental” (ac. RL 24-Out-1991/0050572 (Silva Caldas) (7).
Tanto basta para julgar improcedente a argumentação do Recorrente.
Uma última nota impõe-se, aqui, apenas para salientar que, como decorrência do que se acaba de referir, passa a incumbir ao executado/Embargante o ónus de prova das causas impeditivas, extintivas ou modificativas do direito de crédito (incorporado no título), designadamente a demonstração da inexistência da “causa petendi” ou obrigação exequenda – art. 342º, nº 2 do CC (8).
Em tal quadro de circunstâncias é ao executado que cabe, assim, invocar o preenchimento abusivo do título, através da alegação circunstâncias concretas a ele referentes, como forma de afastar a sua validade, e consequente exequibilidade- tarefa que o aqui Embargante/executado procurou, aliás, efectuar.
Conclui-se, pois, que, no caso concreto, independentemente da discussão da factualidade subjacente ao título de crédito alegada pelo Embargante (e pela exequente na contestação aos Embargos deduzidos), é inequívoco que a aqui exequente junta ao seu requerimento inicial um título executivo, e alega o facto jurídico de onde procede a pretensão deduzida na acção que constitui a causa de pedir do seu pedido. Ter-se-á, assim, de considerar improcedente a excepção deduzida pelo Embargante – isto sem prejuízo de, como já se referiu, se poder discutir a matéria de facto alegada correspondente à relação fundamental subjacente à subscrição da livrança, na estrita medida em que nos encontramos no âmbito das chamadas relações imediatas entre obrigados cambiários.
Improcede, como já dissemos, esta parte do Recurso.
*
Entremos, de seguida, na apreciação dos fundamentos do Recurso apresentados pelo Recorrente quanto à sentença proferida.
I) saber se a sentença judicial recorrida se alicerçou em factos principais ou essenciais à (im)procedência do pedido (factos constantes das als. b), c) e f) da matéria de facto provada) que não foram oportunamente alegados pelas partes, violando, em consequência disso, os princípios do dispositivo e do contraditório e, ainda, os princípios constitucionais da igualdade, do processo equitativo e da tutela efectiva do direito.
Vejamos se se pode dar razão ao Recorrente.
Como é sabido, vigora no nosso processo civil o princípio do dispositivo, segundo o qual incumbe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas (art. 5º, nº 1 do CPC).
Admite, no entanto, o legislador que, quanto aos factos complementares que resultem da instrução da causa, os mesmos possam ainda ser considerados pelo Juiz (art. 5, nº 2, al. b) do CPC), desde que sobre eles tenham as partes tido possibilidade de se pronunciar.
Segundo o Prof. Lebre de Freitas (9), “… não é duvidoso que qualquer das partes possa manifestar-se no sentido de integrar o facto (complementar que resulte da instrução da causa) na matéria da causa, o que melhor se coaduna com o princípio do dispositivo, bem como com o exacto alcance do ónus da alegação… “, concluindo, no entanto, depois que o Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pela partes, já que é o que “… impõe o princípio do dispositivo...” (10).
Ora, compulsados os factos considerados como provados pelo Tribunal Recorrido, e os factos que haviam sido alegados nos articulados apresentados pelas partes, não se consegue lobrigar quais são os factos que o Recorrente alega terem sido utlizados como factos provados que não tenham sido previamente alegados pelas partes.
Com efeito, qualquer um dos três pontos da matéria de facto é constituído por factos que foram alegados nos articulados pelas partes (ou que decorrem dos elementos processuais constantes dos autos) - v. itens 1 a 11 da contestação.
Tanto basta para se poder afirmar não existir qualquer violação do disposto no art. 5º do CPC, nem qualquer violação do princípio do dispositivo, nem qualquer violação do princípio do contraditório e, ainda, dos princípios constitucionais da igualdade, do processo equitativo e da tutela efectiva do direito.
Improcede o Recurso com este fundamento.
*
Aqui chegados, importa, então, analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo Recorrente.
No caso concreto, não há dúvidas que o Recorrente, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, o Apelante não concorda, pois, com a decisão sobre a fundamentação factual proferida pelo Tribunal de Primeira Instância no que concerne aos seguintes pontos da matéria de facto: als. b), c), f) e g) da matéria de facto provada e ponto 1 da matéria de facto não provada.
Importa, pois, apreciar a argumentação do Recorrente quantos a esses pontos da matéria de facto.

Aí ficaram mencionados os seguintes factos:

Factualidade provada:

b) A sociedade ZZ – Instituição Financeira de Crédito, S. A., fundou a execução mencionada em a) no facto de ser legítima portadora de um escrito, datado de 2010-12-13 e com vencimento em 2011-01-09, do qual consta que T. B. declarou que “No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à ZZ, ou à sua ordem, a quantia de treze mil, cento e oitenta e seis euros e setenta e sete cêntimos– tudo cfr. documento de fls. 4 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
c) O escrito aludido em b) foi entregue à exequente para garantia do escrito denominado “denominado “Contrato Mútuo nº …”, celebrado aos 29-06-2007, nos termos do qual concedeu ao embargante, para aquisição do veículo automóvel, da marca Peugeot e do modelo 307, o montante de €9.500,00, o qual deveria ser devolvido em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas de €190,05 cada, vencendo-se a primeira em 27-07-2007 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
f) O embargante deixou de pagar as prestações mencionadas em d) a partir de outubro de 2009.
g) A embargada enviou ao embargante o escrito junto a fls. 21 v.-22 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
*
B) FACTUALIDADE NÃO PROVADA

Produzida a prova, resultou não provada a seguinte factualidade:

1. O embargante nunca tenha tido conhecimento do preenchimento do escrito mencionado em b), na parte referente ao valor, local de emissão, datas de emissão e vencimento, nome e morada do subscritor.
*
O Recorrente não concorda com estes pontos da matéria de facto, entendendo que:
- deve ser alterada a redacção dada aos pontos b) e c) da matéria de facto provada no seguinte sentido:

- “b) A sociedade ZZ – Instituição Financeira de Crédito, S. A., fundou a execução mencionada em a) no escrito, datado de 2010-12-13 e com vencimento em 2011-01-09, do qual consta que T. B. declarou que “No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança à ZZ, ou à sua ordem, a quantia de treze mil, cento e oitenta e seis euros e setenta e sete cêntimos– tudo cfr. documento de fls. 4 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
c) No escrito “denominado “Contrato Mútuo nº …”, celebrado aos 29-06-2007, resulta que a embargada concedeu ao embargante, para aquisição do veículo automóvel, da marca Peugeot e do modelo 307, o montante de €9.500,00, o qual deveria ser devolvido em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas de €190,05 cada, vencendo-se a primeira em 27-07-2007 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.”
*
- deve ser dada como não provada a matéria de facto constante da al. f);
- e deve ser dada como provada, a matéria de facto constante do ponto 1 da matéria de facto não provada.
Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a decisão sobre esta matéria de facto dada como provada da seguinte forma:

“C) ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA
O Tribunal formou a sua convicção com base na prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
A prova testemunhal encontra-se gravada, pelo que o Tribunal se limitará a fazer uma análise crítica da mesma.
Das declarações de parte do embargante nada resultou que assumisse natureza confessória. Aliás, o mesmo relatou, de modo muito pouco crível, que ignorava toda a situação.
De igual modo, a testemunha J. B., pai do embargante, depôs de modo vago e pouco crível, arguindo desconhecer os termos em que foi entregue a livrança dada à execução e o teor do contrato subjacente à mesma.
Em contrapartida, P. G., funcionário da embargada, de forma isenta e crível, confirmou as circunstâncias em que foi preenchida a livrança dada à execução, em estrito cumprimento do contrato outorgado aos 29-06-2007, retratando o incumprimento nos moldes dados como provados na alínea f).
Ainda que a predita testemunha haja referenciado que a interpelação extrajudicial tenha ocorrido via carta registada, com aviso de recepção, e que a mesma não haja sido devolvida, por não ter sido junto o competente aviso de recepção não pode o Tribunal considerar que aquela foi recepcionada pelo embargante, ficando apenas demonstrado o seu envido - alínea g).
Destarte, por falta de prova nesse sentido, o Tribunal não pode dar como provados os factos referentes ao alegado preenchimento abusivo – factos 1º a 3º- nem a recepção da interpelação extrajudicial - facto 4º-, nos termos em que supra decidiu. ”
*
Analisada a impugnação da matéria de facto, constata-se o seguinte:

A divergência quanto à redacção da al. b) estabelece-se apenas quanto à expressão “no facto de ser legítima portadora de um escrito” que o Apelante pretende eliminar do aludido ponto da matéria de facto provada.
Quanto à al. c) essa divergência estabelece-se, por sua vez, apenas quanto à expressão “O escrito aludido em b) foi entregue à exequente para garantia do escrito denominado “denominado “Contrato Mútuo nº …”.
O fundamento da impugnação deduzida quanto a esta factualidade não é muito claro (mesmo atendendo às alegações, já que das conclusões apresentadas não resulta qualquer argumentação).
De qualquer forma, tanto quanto parece resultar da posição do Apelante, o fundamento da Impugnação coincidirá com a argumentação já atrás ponderada (e julgada improcedente).
Ou seja, entenderá o Apelante que se trata de matéria de facto que não foi alegada pelas partes, pelo que não pode ser dada como provada.
Conforme já se referiu, no entanto, não se vislumbra que assim tenha sucedido.
Na verdade, os factos (e as expressões) aqui impugnado(a)s “foram alegados nos articulados pelas partes (ou decorrem dos elementos processuais constantes dos autos) - v. itens 1 a 11 da contestação e prova documental junta aos autos (e que se mostra mencionada expressamente na própria matéria de facto e na fundamentação da decisão da matéria de facto).
Improcede, pois, a Impugnação da matéria de facto quanto a estes pontos da matéria de facto provada.
Quanto à al. f) também não há dúvidas de que se trata de matéria de facto que foi bem julgada provada pelo Tribunal Recorrido.
Na verdade, tal decorre da prova produzida, nomeadamente, do depoimento da testemunha P. G., que, no seu depoimento, explicitou, de uma forma fundamentada, e com conhecimento directo dos factos, que o executado deixou de pagar as prestações desde Outubro de 2009, confirmando, aliás, o teor da prova documental junta.
Por outro lado, não foi produzido qualquer outro meio de prova que, de forma credível, pudesse infirmar o que aí ficou provado.
Improcede esta parte da Impugnação.
Quanto à al. g) o Recorrente fundamenta a sua impugnação na consideração de que não se mostra demonstrado que a Embargada tenha enviado ao Embargante o escrito junto a fls. 21 v.-22 destes autos.
Não se entende a posição do Impugnante.
Decorre do próprio documento junto aos autos (fls.70 e v.) (exibido e explicado pela testemunha P. G., funcionário da Embargada que prestou, como se disse, um depoimento isento, e que denotou ter conhecimento pessoal e directo dos factos aqui em discussão) a factualidade que ficou mencionada na alínea impugnada.
Aliás, na sequência da prova efectivamente produzida, o Tribunal Recorrido ponderou, de uma forma adequada, que a factualidade, correspondente à recepção da carta registada que foi enviada ao Embargante, não logrou ser provada pela Embargada (v. ponto 4 da factualidade não provada)
Nesta medida, tendo em conta a prova produzida, outra resposta não poderia ter sido dada à matéria de facto considerada como provada na al. g) da fundamentação da matéria de facto.
Finalmente, quanto ao ponto 1 da factualidade considerada não provada, conforme decorrerá do que mais à frente se dirá com maior profundidade, o ónus da prova dessa factualidade incumbia ao Embargante, pois que contendia com a excepção invocada de preenchimento abusivo da livrança que havia sido subscrita em branco pelo Embargante no âmbito do contrato de mútuo celebrado.
Ora, o Embargante não logrou manifestamente cumprir esse ónus de prova que sobre ele recaía.
Com efeito, não apresentou o Embargante qualquer meio de prova de onde pudesse decorrer essa factualidade (nem tal prova foi efectuada com os meios de prova apresentados pela Embargada).
Assim, se é certo que o Embargante alegou que o preenchimento da livrança, nos moldes em que foi efectuado, seria abusivo, a verdade é que, produzida a prova, pode-se concluir que, contrariamente àquela alegação, o Embargado inclusivamente provou a factualidade contrária, ou seja, que procedeu ao preenchimento da livrança nos exactos moldes em que lhe era permitido pela convenção de preenchimento que o Embargante havia subscrito no momento em que, de igual modo, subscreveu o título de crédito dado à execução.
Com efeito, tal convenção de preenchimento da livrança decorre da cláusula 10ª das condições gerais do contrato de mútuo, onde ficou estabelecido que, tendo o Embargante entregue à Embargada uma livrança, a título de garantia, aquela livrança podia ser “… livremente preenchida pela ZZ, designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento, local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que em cada momento a ZZ seja titular por força do presente contrato ou de encargos e despesas dele decorrentes. A ZZ poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos. O crédito titulado nos termos do número anterior não envolve novação”.
Ora, não tendo o Embargante logrado fazer prova (v. matéria de facto não provada) de que qualquer um daqueles elementos inscritos pela Embargada na livrança constituía um preenchimento efectuado em desconformidade com a respectiva convenção, fácil será de concluir que não se pode afirmar a existência do invocado preenchimento abusivo.
Aliás, como se disse, bem pelo contrário, importa referir que a Embargada logrou mesmo demonstrar, através da prova produzida (prova documental e prova testemunhal), que a forma como preencheu a livrança correspondia ao montante exacto em dívida no momento em que constatou o incumprimento definitivo do Embargante.
Como se referiu, incumbia, pois, ao Embargante o ónus da prova desses factos (art. 342 do CC) e, no entanto, não logrou o mesmo fazer essa prova.
Na verdade, contrariamente ao alegado pelo Embargante na petição inicial de Embargos, a verdade é que, quanto ao acordo de preenchimento da livrança entregue em branco ao Embargado, tem que se considerar improcedente a argumentação do Embargante, já que, conforme resulta dos termos da cláusula acima citada, a aqui Embargada ficou autorizada pelo Embargante a preencher livremente a livrança "... designadamente, no que se refere às datas de emissão e vencimento, local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que em cada momento a ZZ seja titular por força do presente contrato ou de encargos e despesas dele decorrentes".
Decorre, deste modo, desta cláusula que era permitido à Embargada preencher os campos respectivos da livrança, nomeadamente, o valor nela inscrito até ao limite das responsabilidades assumidas pelo Embargante.
Ora, a verdade é que, apesar de ter alegado o preenchimento unilateral e abusivo da livrança, o Embargante não logrou, assim, demonstrar esse preenchimento abusivo, que aliás foi tão vagamente alegado (11).
Nesta conformidade, e não tendo o Embargante logrado provar o preenchimento abusivo do título executivo, tem que se concluir que o acordo existente quanto ao preenchimento da livrança consubstanciado pelo contrato celebrado foi cumprido pelo Embargado.
Nesta conformidade, tendo em conta as referidas regras do ónus da prova, o Tribunal Recorrido não podia dar como provado a factualidade constante do ponto 1 da matéria de facto não provada.
Improcede, pois, esta parte da Impugnação da matéria de facto.
Aqui chegados, importa, pois, concluir que, tendo-se procedido à reponderação da prova produzida (nomeadamente, a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal pertinente à factualidade aqui em apreciação), da conjugação dos elementos probatórios acima referidos, a conclusão a que se tem chegar é justamente aquela a que chegou o Tribunal de Primeira Instância.
Na verdade, fazendo a análise crítica e conjugada dos aludidos elementos probatórios, não pode o presente Tribunal divergir do juízo probatório efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância.
Assim, a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto é, em absoluto, coincidente com a que formou o tribunal recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra, seja quanto à factualidade provada, seja quanto à (oposta) factualidade não provada.
Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelo ora Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, e conjugando o depoimento da testemunha atrás mencionada com a prova documental junta aos autos não podem restar dúvidas que os factos constantes dos pontos impugnados devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
*
III) saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelo Recorrente, os presentes Embargos têm de proceder.

Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo Recorrente se deve manter a apreciação de mérito proferida pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, já que aí bem se ponderou o ónus de prova que recaía sobre o Réu, e que o mesmo manifestamente não logrou cumprir (art. 342º, nº 2 do CC).
Na verdade, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu.
Para tanto, basta atentar que a matéria de facto julgada como não provada consubstanciava a factualidade que se encontrava subjacente às pretensões do Embargante.
Nesta conformidade, não tendo havido alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo Embargante, a decisão de mérito não poderia ser alterada por esse facto.
*
Entremos, finalmente, nas questões de direito levantadas pelo Embargante.
Comecemos por apreciar a questão da alegada inexequibilidade da livrança dada à execução.
Entende o Recorrente que a Livrança dada à presente execução não possui o requisito de exequibilidade, uma vez que a mesma nunca foi apresentada a pagamento.
É manifestamente improcedente esta argumentação.
Mesmo que a livrança não tenha sido apresentada a pagamento, tal falta em nada afecta a exequibilidade do título, uma vez que o executado, ora apelante, é subscritor da livrança (em posição idêntica ao aceitante) e a exequente é seu portador.
Na verdade, se é certo que a consequência da falta de apresentação a pagamento no prazo devido, que a lei impõe ao portador, é a da perda dos seus direitos contra os obrigados de regresso, também o é que esta caducidade se não verifica em relação ao aceitante – aqui, o subscritor da livrança (cfr. art. 78º da LULL) -, já que se trata de obrigado cambiário expressamente exceptuado no art. 53º, 1º parágrafo, parte final da LULL (12).
Nessa medida, a apresentação a pagamento não constitui em relação à exequente um requisito de exequibilidade da livrança perante o subscritor da livrança (executado).
Improcede o Recurso nesta parte.
*
A outra questão levantada pelo Embargante coincidia, como se referiu, com o alegado preenchimento abusivo da livrança, por parte da exequente, no que toca ao local e data de emissão, ao valor e à data de vencimento.
Trata-se de questão que já foi abordada na presente decisão, tendo em conta as regras do ónus da prova e para efeitos da apreciação da Impugnação da matéria de facto.
Voltamos aqui a essa questão, pois que a mesma contende também com a outra levantada pelo Embargante, relativa a saber se o título executivo (a obrigação exequenda) não era exigível.
Na verdade, entende o Recorrente que a obrigação exequenda não é exigível, porque, com anterioridade à citação realizada nos presentes autos, não foi interpelado da resolução contratual e para pagar as alegadas quantias vencidas.
Entende que, para que a obrigação exequenda se pudesse considerar exigível, exigia-se a sua interpelação prévia à execução (e ao preenchimento da livrança).
No fundo, ambas as questões dizem respeito ao alegado preenchimento abusivo da livrança por não se encontrarem verificados os respectivos pressupostos de que dependeria a faculdade concedida contratualmente ao Embargante de efectuar esse preenchimento.
O Tribunal Recorrido teve diferente entendimento.
Cumpre decidir.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, é patente que não assiste qualquer razão ao Recorrente/ Embargante quanto à questão do preenchimento da livrança no que concerne a qualquer um dos campos de preenchimento da livrança que aqui constitui o título executivo (a causa de pedir, como já se referiu atrás).
Como resulta da factualidade assente, o Embargante subscreveu a livrança estando esta apenas preenchida no local destinado a apor a assinatura dos subscritores (onde consta a assinatura do Embargante)
Nesta conformidade, a livrança em causa, deve ser considerada como um título em branco.
Com efeito, uma livrança em branco é uma livrança incompleta, em que falta algum dos requisitos essenciais, mas onde existe, pelo menos, a assinatura de um obrigado cambiário.
É necessário que tal assinatura, como é evidente, seja aposta num título donde conste a palavra «livrança» (art. 75º nº 1 da L.U.).
Na verdade, de acordo com o preceituado no art. 77º da L.U.L.L., são aplicáveis às livranças as disposições relativas às letras em branco (o art. 10º fala de letra incompleta).
Por isso, é legalmente admissível a livrança em branco.
A livrança em branco pode definir-se como sendo aquela a que falta algum dos requisitos indicados no art. 75º, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura que tenha sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária (13).
Assim, a livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua aquisição/entrega acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento: o denominado acordo ou pacto de preenchimento.
Deste modo, o preenchimento de uma livrança em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos normalmente resultantes das livranças, faz-se de harmonia com o referido contrato de preenchimento.
Tal contrato configura-se, pois, como o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento e a sede do pagamento.
Tal contrato pode ser expresso – quando as partes estipularam certos termos em concreto – ou tácito – por se encontrar implícito nas cláusulas do negócio subjacente à emissão do título.
Logo, o título deverá ser preenchido de harmonia com tais estipulações ou cláusulas negociais, sob pena de vir a ser considerado tal preenchimento como abusivo.
Por conseguinte, nos casos de livrança em branco, pode o demandado opor ao exequente a inobservância do acordo de preenchimento, contanto que este o haja desrespeitado.
Donde resulta que, nas relações imediatas – como aqui sucede – se a livrança foi preenchida pelo primeiro adquirente e é este quem reclama o pagamento, pode sempre ser-lhe oposta a excepção de preenchimento abusivo.
É claro, como já amplamente se explanou, que esta excepção de preenchimento abusivo, como facto impeditivo do direito do exequente emergente do título de crédito, tem de ser alegada e provada por quem a deduz, nos termos do art. 342º, nº 2, do CC.
Efectivamente, segundo jurisprudência praticamente uniforme dos nossos Tribunais Superiores, o ónus da prova desse preenchimento abusivo impende sobre o obrigado cambiário.
Ou seja: é ao embargante que cabe alegar e provar os termos do acordo de preenchimento e a desconformidade do completamento da livrança em relação a esse acordo (14).
Aliás, perante a doutrina do Assento do STJ de 14/05/96 (15) – no qual se consignou que, “… em processo de embargos, é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo, emitido em branco e posteriormente completado pelo tomador a seu mando, que recai o ónus da prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância…” – não se vislumbra razão para que se não siga a mesma orientação relativamente às livranças.
No presente caso, o Recorrente/ Embargante invoca a excepção de preenchimento abusivo da livrança dada à execução (que estava também subjacente aos primeiros fundamentos já apreciados), mas agora com o específico fundamento de que não é admissível que tenha sido aposto na livrança os “dizeres” que dela constam nos campos destinados a apor o local e data de emissão, o valor e a data de vencimento.
Além disso, alega que a obrigação exequenda não é exigível, porque, com anterioridade à citação realizada nos presentes autos, não foi interpelado da resolução contratual e para pagar as alegadas quantias vencidas (pelo que, por este motivo, também o preenchimento da livrança foi abusivo).
Como se disse, a livrança em branco, deverá ser entregue pelo subscritor ao credor, dando-lhe a autorização para a preencher. O preenchimento da livrança incompleta é uma condição imprescindível para que o título possa produzir os efeitos como livrança.
Ora, já se referiu em cima que esse preenchimento deverá ser efectuado segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Este concretizará, assim, os termos em que a obrigação cambiária se deverá constituir (indicação do montante, do tempo de vencimento, do lugar do pagamento, da estipulação de juros, etc.).
E só quando, no uso da autorização que concede o acordo de preenchimento, o possuidor do título o preenche, dotando-o de requisito próprios da livrança, é que surge para o primeiro signatário, para aquele que entrega o título incompleto, a obrigação cambiária.
Conforme se referiu, o acordo ou contrato de preenchimento pode ser expresso ou tácito. Existirá o primeiro, quando a estipulação, em relação ao preenchimento, é declarada expressamente. Ocorrerá o acordo tácito, quando o preenchimento deriva e é definido pelo conteúdo da relação jurídica fundamental subjacente.
A livrança em branco é, claramente, admitida nos arts. 77º e 10º da L.U.L.L., disposição que estabelece que “se uma letra (livrança) incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
Deste artigo resulta que não é indispensável que a letra/livrança contenha, logo de princípio, todos os requisitos a que alude o art. 75º da L.U.L.L..
Do confronto entre os arts. 75º e 76º da L.U.L.L (em que, respectivamente, se estabelecem os elementos que a livrança deve conter e em que se demarcam os requisitos, cuja falta determina a invalidade do título como letra), por um lado, e o art. 10º, por outro, concluiu-se que o momento decisivo para se determinar a validade da letra não é o da emissão, mas sim o do vencimento (16).
Depois da emissão, poderá o título vir a ser dotado dos elementos necessários para que possa produzir efeitos como livrança, sendo necessário, porém, que esses requisitos constem nela na altura do seu vencimento. Se, neste momento, a livrança se não encontrar preenchida, então, nos termos dos arts. 75º e 76º, não poderá produzir efeitos como livrança.
A letra/livrança deve ser completada de harmonia com os acordos realizados. No caso de existir um preenchimento abusivo, como refere o mencionado art. 10º, “não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
Quer dizer, ao portador de boa fé não será possível opor a excepção do preenchimento com inserção de elementos não convencionados. Pretende-se salvaguardar o desígnio do respeito pela convicção legítima do portador, com intuitos de facilitar a circulação da letra, a que se refere, também, o art. 16º da L.U.L. L.. A má fé, para esse efeito, consistirá no conhecimento ou na ignorância indesculpável (negligente) do preenchimento abusivo.
A doutrina (17) costuma distinguir, no que diz respeito à excepção do preenchimento abusivo da letra/livrança, os casos em que o título foi preenchido pelo primeiro adquirente, dos casos em que o documento foi completado por terceiro. Trata-se de saber quais os meios de defesa que a lei concede ao subscritor, em relação ao portador, no caso de inobservância da convenção de preenchimento.
No caso de preenchimento pelo primeiro adquirente (a pessoa a quem o subscritor a entregou) e sendo este que reclama o pagamento, é evidente que a excepção lhe poderá ser oposta.
É esta a situação dos autos.
Assim, para o que aqui interessa, e porque a livrança em causa está no domínio das relações imediatas, a excepção do preenchimento abusivo poderia ser oposta à portadora, no caso concreto, à Embargada.
Como se disse, resulta do disposto no art. 342º nº 2 do CC, que competia à recorrente/ Embargante a prova da excepção.
A questão que agora cumpre apreciar diz respeito à alegação do Recorrente / Embargante de que se verificará preenchimento abusivo da livrança no que concerne aos aludidos fundamentos.
Aqui chegados, importa, antes de mais, e conforme decorre do exposto, atender a que subjacente à entrega da livrança em branco, as partes, desde logo, estabeleceram um acordo ou pacto de preenchimento da livrança.
Na verdade, decorre da cláusula 10ª das condições gerais do contrato mútuo celebrado que as partes contraentes declararam que:
“ (Tendo o Embargante entregue à Embargada uma livrança, a título de garantia, aquela livrança podia ser) … livremente preenchida pela ZZ, designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento, local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que em cada momento a ZZ seja titular por força do presente contrato ou de encargos e despesas dele decorrentes. A ZZ poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos. O crédito titulado nos termos do número anterior não envolve novação”
Neste pacto preenchimento da livrança subscrita pelo executado dá-se, assim, sem qualquer dúvida, à exequente a possibilidade de preencher a livrança, por decisão dela própria.
Assim, por força do pacto de preenchimento foi concedida à Embargada/exequente a possibilidade de preencher o título conforme a sua própria conveniência com vista, evidentemente, a ser ressarcida da quantia monetária adiantada (mutuada) ao subscritor do título.
Acrescenta-se designadamente, no pacto de preenchimento, que a exequente/ Embargada ficava expressamente autorizada a preencher a livrança, “…no que se refere às datas de emissão e vencimento, local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que em cada momento a ZZ seja titular por força do presente contrato ou de encargos e despesas dele decorrentes... “.
Conforme decorre da interpretação da cláusula (e do próprio contrato) não se menciona especificamente qual era “ a ocasião” que permitiria à exequente preencher a livrança de que era legítimo portador por a mesma lhe ter sido entregue pelo Embargante no âmbito do contrato de mútuo celebrado.
E é justamente esse um dos pontos da argumentação do Recorrente.
Ou seja, este entende que a Embargada não podia ter preenchido a livrança (e dado a mesma à execução) sem previamente o ter advertido que, caso não procedesse ao pagamento das prestações em atraso (mora) no âmbito do contrato de mútuo, assim procederia.
Nisto consiste um dos argumentos apresentados pelo Embargante para afirmar o preenchimento abusivo.
Ora, em geral, vem-.se entendendo que tal “ocasião” deverá coincidir com o momento em que a simples mora se converta em incumprimento definitivo e/ou em que se resolva o contrato subjacente à Livrança de que é portador legítimo (18).
Na verdade, “… o ponto nevrálgico da solução a adoptar é fornecido pelo evento- tipicamente, o incumprimento e/ou a resolução do contrato fundamental- cuja superveniência legítima o portador a preencher o título… “ (19).
Na verdade, entende-se que, em casos como aquele que aqui se discute, o preenchimento da livrança deve coincidir com a data em que o incumprimento definitivo das obrigações do devedor se verifique e/ou com a data em que o credor declare a resolução do contrato fundamental subjacente à subscrição da livrança.
Trata-se, no entanto, de um critério interpretativo geral que deve ser aferido, em cada caso concreto, em função do teor do próprio pacto de preenchimento, quando o mesmo, como sucede no caso concreto, é estipulado por escrito e de uma forma expressa.
Com efeito, nada impede que essa data de vencimento aposta pelo credor na livrança em branco não coincida com as aludidas datas (de incumprimento e/ou resolução do contrato), desde que a referida data que nela seja aposta seja próxima daqueles momentos (por exemplo, pode coincidir com a data em que a exequente decide obter coercivamente a obrigação) (20).
Assim, como refere Carolina Cunha (21),“…se é verdade que (o credor…) não está propriamente obrigado a preencher o título no exacto momento em que procede à resolução do contrato fundamental por incumprimento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de decorridos (no máximo) três anos (referindo-se ao prazo de prescrição previsto no art. 70º, nº1 da L.U.L.L.) sobre este instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o título cambiário… “.
Ora, no caso concreto, a exequente cumpriu integralmente estas premissas que resultavam do pacto de preenchimento e das considerações doutrinárias e jurisprudenciais que se acabam de referir.
Na verdade, não se pode considerar abusivo o preenchimento da livrança em branco, se a data em que o preenchimento da livrança ocorre coincide com a data em que a exequente constatou o incumprimento definitivo, e em que na sequência decidiu iniciar a cobrança coerciva da quantia em dívida no contrato de mútuo celebrado e no âmbito do qual foi subscrita a livrança em branco.
Com efeito, ficou provado que:
“ f) O embargante deixou de pagar as prestações mencionadas em d) a partir de outubro de 2009.
g) A embargada enviou ao embargante o escrito junto a fls. 21 v.-22 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (datado de 13.12.2010).
Além disso, decorre do contrato de mútuo que “O não cumprimento do(s) mutuário(s) de qualquer das obrigações aqui assumidas… (terá como consequência, além da possibilidade de exercer o direito de resolução) a exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito “- cláusula 16º das condições gerais (22).
Ora, em face desta matéria de facto provada, não podem haver dúvidas de que, tendo a data do vencimento aposta pela exequente na livrança sido justamente a data em que a exequente considerou existir incumprimento definitivo (13.12.2010), a exequente cumpriu integralmente as obrigações que, para ela, decorriam do pacto de preenchimento, não existindo qualquer preenchimento abusivo da sua parte, quando decidiu proceder a esse preenchimento nos moldes em que efectuou- que, conforme resulta da matéria de facto provada, cumpriu nos seus exactos termos, já que, além da coincidência da data de vencimento nele aposta com a data em considerou existir incumprimento, nele inscreveu o montante em dívida à data desse preenchimento- v. documento de fls. 21 v. e 22 (e depoimento da testemunha P. G.).
Defendeu-se, aliás, no ac. da RP de 6.7.2000 (23), que “…Não se tendo provado qualquer acordo das partes sobre a ocasião em que uma letra em branco deveria ser preenchida, a mesma pode sê-lo em qualquer altura uma vez que a lei não fixa qualquer prazo para o efeito…”.
Finalmente, relativamente aos demais elementos apostos na livrança, também nenhum preenchimento abusivo se pode apontar à exequente, já que, como decorre da citada cláusula, a exequente podia livremente inscrever na livrança a data da emissão e o respectivo local, sendo que o que aí ficou aposto corresponde às indicações normais em situações como aquelas que aqui se discutem e correspondem às normas resultantes do regime jurídico supletivo que decorreria da LULL (art. 76º § 3 e 4).
Aqui chegados, importa ainda que o presente Tribunal se pronuncie sobre o outro fundamento invocado que, como se referiu, contende com o entendimento do Recorrente de que a obrigação exequenda não seria ainda exigível.
Na sentença recorrida já se explanou com pertinência em que é consiste, neste âmbito, a exigibilidade.
Com efeito, como aí ficou referido:
“A acção executiva comporta, além dos pressupostos gerais, um conjunto de pressupostos específicos que podem enunciar-se da seguinte forma:
- o dever de prestar deve constar de um título executivo - pressuposto de carácter formal ou extrínseco.
- a prestação deve mostrar-se certa e exigível, configurando-se tais requisitos como condicionantes de carácter substantivo, material ou intrínsecos. Além de certa e exigível, a obrigação deverá ser líquida, contudo, esta liquidez não tem que se verificar, como a certeza e a exigibilidade, no momento em que acção é proposta, uma vez que a liquidação da obrigação pode ocorrer no próprio processo executivo.
Como pressupostos processuais que são, o título executivo e a verificação da certeza e da exigibilidade são “requisitos de admissibilidade da acção executiva, sem os quais não têm lugar as providências executivas que o tribunal deverá realizar com vista à satisfação da pretensão do exequente e que são, no processo executivo, o equivalente à decisão de mérito favorável no processo declarativo” – cfr. Castro Mendes, D.P.C., I, pág. 120.
No que aos requisitos da certeza e exigibilidade da obrigação concerne - como verdadeiros pressupostos processuais -cfr. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, pág. 26-, cumpre, desde já, referir que eles só constituem requisitos autónomos da acção executiva quando não resultem do título executivo, ou seja, se eles não se depreenderem directamente do documento que serve de base à execução, o respectivo processo, nos termos do artº 802º, do C. P. Civil – redacção aplicável aos presentes autos – versão do Código de Processo Civil antes da Lei nº 41/2013, de 26-06 -, principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, no sentido da sua verificação.”
*
Interessa-nos apenas o requisito da exigibilidade.
Como ficou referido, ele só constitui um requisito autónomo quando essa exigibilidade não resulte do título executivo, ou seja, se essa exigibilidade não se puder depreender directamente do documento que serve de base à execução.
Na verdade, o que verdadeiramente impõe este requisito é que, “ao tempo da citação”, exista “uma obrigação que o executado deva cumprir e que seja quantitativa e qualitativamente determinada…” (24).
À partida, dir-se-ia que a exigibilidade seria sinónimo de incumprimento- tal como parece pensar o Recorrente.
“Não é assim, todavia: o facto negativo do incumprimento não chega a incorporar a causa de pedir, seja declarativa, seja executiva. O Autor/exequente não tem de alegar e provar que a obrigação não foi pontual e integralmente cumprida. Relembre-se que … a causa de pedir, tanto condenatória, como executiva, são os factos constitutivos ou aquisitivos do direito a uma prestação. São estes que têm que ser demonstrados, pela prova ou pelo título executivo, respectivamente. Caberá ao Réu alegar o cumprimento ou facto equivalente como excepção peremptória extintiva…”.
(E mais à frente…) “Portanto, e em termos simples, a obrigação exigível é a obrigação que está em tempo de cumprimento- obrigação actual” (25).
A obrigação é, assim, exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial (26).
Diversamente a obrigação já não será exigível, por exemplo, se se encontrar sujeita a condição suspensiva, se estiver dependente de contraprestação, ou se o credor se encontrar em mora.
Uma das situações em que a obrigação se tem que considerar vencida é justamente o caso em que tal exigibilidade resulta, de modo imediato, do próprio título executivo, o que sucede quando a obrigação esteja sujeita ao prazo dele constante.
Por esta ordem de ideias, não há dúvidas que a dívida cambiária se mostra vencida, tendo em conta a data aposta na livrança.
Mas mesmo que se atenda à relação jurídica fundamental subjacente, também a dívida -resultante do inequívoco incumprimento do contrato de mútuo por parte do Embargante (que, aliás, nunca afirma ter cumprido as obrigações subjacentes à subscrição da livrança) - é exigível nos termos expostos, já que, ainda que não tenha ficado provada a prévia interpelação do executado (ou melhor, a recepção da interpelação), sempre tal interpelação se deve ter por efectuada através da citação para a presente acção executiva.
Com efeito, como se referiu, entende-se que a obrigação é exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial.
No caso concreto, estando estabelecido que a obrigação de restituição da quantia mutuada seria efectuada em prestações, não há dúvidas que se trata de uma obrigação, liquidável em prestações, sujeita a prazo (arts. 777º e ss. do CC, em especial, o art. 781º do CC- cfr. também cl. 16º do contrato).
Destas considerações decorre, assim, que, por força do não cumprimento das prestações por parte do executado, se têm de considerar vencidas todas as prestações cujo prazo contratual tivesse já decorrido (e, além disso, como aqui defendemos, todas as outras com a interpelação judicial- cfr. citado art. 781º do CC) (27).
Sucede que o facto de se ter de considerar que todas as prestações se mostravam imediatamente vencidas não contende com a questão da exigibilidade que aqui se discute.
Na verdade, “a exigibilidade não coincide com o vencimento da obrigação; pode haver obrigação ainda não vencida, mas exigível- a obrigação pura- e obrigação vencida, mas ainda não exigível- a obrigação vencida em que o credor esteja em mora…” (28) - o que sucede, por exemplo, quando o credor não interpela o devedor a pedir o pagamento.
Ora, nestes casos- que, no fundo, é o que aqui se discute- a obrigação vencida torna-se exigível, seja por interpelação extrajudicial, seja por interpelação judicial.
“No caso de o credor não se ter apresentado no domicílio do devedor a pedir o pagamento, há mora desse credor ex. vi arts. 772º, nº 1 e 813º, in fine do CC, valendo nessa circunstância o disposto no art. 662º, nº 2, al. b)= art. 610º, nº 2, al b) NCPC: apesar de a obrigação estar já vencida, apenas com a citação da execução é que o devedor- logo o direito aos juros moratórios- fica em mora e se torna a obrigação exigível…” (29).
Assim, no caso concreto, não podem existir dúvidas que, mesmo quanto à obrigação que deriva da relação fundamental subjacente à livrança que aqui constitui o título executivo, tendo o executado sido interpelado judicialmente para a cumprir- através da citação para a presente execução- tal obrigação, além de vencida (art. 781º do CC), tornou-se exigível (arts. 804º e 805º, nº1 e 2, al. a) do CC e 610º, nº 2, al. b) do CPC).
“Nessa medida, perante todos os elementos factuais que caracterizam a situação - o título dado à execução e o não pagamento assumido das prestações devidas contratualmente -, não podemos deixar de atribuir relevância à citação dos Executados enquanto acto de interpelação conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato. Contudo, contrariamente ao alegado pela Exequente no requerimento inicial, o vencimento da totalidade da dívida ocorreu com a citação dos Executados… Deste modo, as consequências do comportamento da Exequente quanto à obrigação exequenda não assumem os contornos de inexigibilidade pretendidos pelos Recorrentes, mas reflectem-se no conteúdo da mesma, relativamente ao montante dos respectivos juros moratórios (quanto às prestações ainda não vencidas à data da citação), que serão devidos desde a citação.” (30)
Pelo exposto, julga-se que, também por esta via, a argumentação do Recorrente tem que ser julgada improcedente.
*
De qualquer forma, independentemente do que se acaba de expor, também sempre se teria de aceitar a tese desenvolvida no ac. da RG de 15.12.2016 citado na decisão recorrida.
Com efeito, como aí se referiu (e que constitui a fundamentação da decisão aqui posta em crise):
“(…) aderimos à posição defendida na sentença recorrida, considerando que a dívida exequenda não era exigível na sua totalidade, na data da execução, sem a interpelação dos devedores para o seu cumprimento integral – prestações vencidas e vincendas.
Efectivamente, sendo o direito concedido ao credor no artº 781º do CC, uma mera faculdade, haverá ele de transmitir ao devedor, de forma inequívoca, que o vai exercer, exigindo o cumprimento antecipado das prestações, e executando-o, pela totalidade da dívida, em caso de incumprimento.
Haverá, no entanto, que salvaguardar os direitos do credor, no que se refere às prestações vencidas à data instauração da execução.
Como resulta dos contratos de mútuo juntos aos autos, os devedores obrigaram-se a restituir ao credor os capitais mutuados em prestações mensais, mais exactamente em 60 prestações mensais e sucessivas, no que concerne ao primeiro contrato, com vencimento a primeira delas em 25 de Fevereiro de 2009 e as demais em igual dia dos 59 meses subsequentes, e no que concerne ao segundo contrato, a primeira delas com vencimento no dia 28 de Novembro de 2010 as demais em igual dia dos 59 meses subsequentes.
Ou seja, a obrigação de pagamento das prestações acordadas tinha o seu vencimento a um dia certo do mês, o que nos leva à constatação de que a obrigação dos devedores e executados se apresenta como uma obrigação de prazo certo, e portanto exigível, independentemente de qualquer interpelação por parte do credor (alínea a) do nº 2 do artigo 805° do Código Civil).
Ora, não tendo ocorrido o pagamento das prestações de reembolso do empréstimo a partir da que se venceu em 25 de Agosto de 2012 para o primeiro empréstimo, e 28 de Agosto de 2012 para o segundo empréstimo, a mora dos devedores aconteceu independentemente de ter havido ou não a sua interpelação para cumprir a prestação que se venceu nesse dia, bem como as que se venceram posteriormente, em igual dia dos meses posteriores, até à data da instauração da execução.
Nesta conformidade, a dívida relativamente às prestações vencidas naquela data mostrava-se exigível, por força da data aprazada para o cumprimento das prestações, pois como bem refere o recorrente, o exequente não estaria obrigado a interpelar os executados para o pagamento das quantias que, por força dos respectivos termos certos (as datas de vencimento das convencionadas prestações), se venceram.
Considera também o recorrente que as prestações se foram vencendo, nas datas previstas para o seu vencimento, mesmo depois da instauração da execução, e que o reembolso dos capitais mutuados e seus juros deveria acontecer, na íntegra, até ao final dos referidos 60 meses, ou seja, até 25 de Fevereiro de 2014 para o primeiro empréstimo, e até 28 de Novembro de 2015 para o segundo empréstimo, já que estamos perante uma obrigação de prazo certo, e portanto exigível, independentemente de interpelação, pelo que a dívida exequenda estava vencida, e, por isso era exigível, quando foi proferida a sentença recorrida.”. (fim da citação do ac.da RG)
Destarte, concluímos que a obrigação é exigível.”
*
Nesta conformidade, sem necessidade de mais alongadas considerações, conclui-se também pela improcedência do Recurso nesta parte.
*
Aqui chegados, pode-se concluir pela improcedência do Recurso, já que, à luz do exposto, nenhuma conduta da exequente se logrou demonstrar que possa qualificar a sua actuação como abusiva e/ou sequer censurável, antes se limitando esta, na sequência do incumprimento do executado, a preencher a livrança nos termos convencionados e a procurar, por via executiva, a cobrança do seu crédito.
O que, em conclusão, conduz à improcedência total do Recurso (sem prejuízo do que ficou dito quanto à data de vencimento de juros moratórios -quanto às prestações ainda não vencidas à data da citação-, que serão devidos desde a citação).
*
*
III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pelo Recorrente/ Embargante totalmente improcedente, confirmando-se, assim, integralmente a Sentença recorrida (com o esclarecimento de, quanto às prestações ainda não vencidas à data da citação, os juros de mora só serem devidos desde a referida data da citação).
*
Custas pelo Recorrente (artigo 527.º nº 1 do CPC).
*
Guimarães, 16 de Novembro de 2017


(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)

1. Como questão prévia, importa esclarecer, desde já, que ao caso concreto aplica-se: - quanto aos títulos executivos e ao requerimento executivo, o regime anterior às alterações introduzidas pelo DL 41/2013 de 26 de Junho- art. 6º, nº 3 do diploma preambular; - quanto aos Embargos de executado, no entanto, já se aplicam as novas regras processuais- art. 6º, nº 4 das referidas normas transitórias.
2. Neste sentido, Castro Mendes, in “ A causa de pedir na acção executiva “.
3. Lopes Cardoso, in “Manual da acção executiva”, pág. 23, Anselmo de Castro, pág. 90.
4. V. por todos, Amâncio Ferreira, in “Curso do Proc. de execução”, pág. 82; e Remédio Marques, in “Curso de Processo executivo comum”, pág. 23.
5. V. por ex. o ac. da RP de 10.2.2015 (relator: Rui Moreira), in dgsi.pt.
6. Marco Gonçalves, in “Lições de processo executivo”, pág. 82. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A acção executiva à luz do Código Processo Civil de 2013, pág. 71 e ss..
7. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 197.
8. Vide sobre a matéria, neste sentido, por todos, Lebre de Freitas, “A acção executiva à luz do Código Processo Civil de 2013, pág.
9. In “CPC anotado”, Vol. I, págs. 13 e ss.;
10. V. pág. 18 da citada obra.
11. V. por ex. o ac. do Stj de 17.11.1953, in Bmj 40º, pág. 467 onde se decidiu pela necessidade de articulação de factos para a afirmação do preenchimento abusivo.
12. V. o Ac. da RL de 20.10.2009 (relator: Rosa Coelho) e da RP de 9.12.2004 (Ataíde das Neves) e do STJ de 1.10.2009 (relator: Álvaro Rodrigues) e de 29.10.2009 (relator: Santos Bernardino), in Dgsi.pt
13. Cfr. Abel Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças”, págs. 78/79.
14. Cfr., entre muitos, os Acs. do STJ de 11/11/2004 (Relator: Ferreira de Almeida), de 16/10/2003 (Relator: Araújo de Barros), de 03/05/2005 (Relator: Azevedo Ramos), e de 24/05/2005 (Relator: Nuno Cameira), todos in dgsi.pt
15. In D.R. II Série, de 11/07/96 e BMJ, 457, 59
16. V., o Ac. do STJ de 20-5-2004, in dgsi.pt, em sintonia com este entendimento, ponderou, a propósito de se saber em que momento a letra se deve considerar integrada por todos os elementos essenciais, que a questão não é resolvida pelos arts. 1º e 2º da L.U., mas antes pelo art. 10º, razão por que se fica a saber que o momento decisivo não é o da emissão da letras, mas sim o do seu vencimento;
17. V., Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial- Vol. III- Letra de Câmbio”, págs. 131 e ss;
18. V. por exemplo, o ac. do Stj de 20.10.2015 (relator: Garcia Calejo); no mesmo sentido, v. acs. da RP de 4.4.2002 e do Stj de 25.3.2004 e de 29.11.2005, disponíveis em Dgsi.pt;
19. Carolina Cunha, in “Manual de Letras e Livranças”, pág. 202;
20. V. por ex. o ac. do Stj de 20.10.2015 (relator: Garcia Calejo), in dgsi.pt
21. In “Manual de Letras e Livranças”, págs. 205/206;
22. O que, aliás, não é mais do que o afloramento daquilo que resulta expressamente do art. 781º do CC.
23. (relator: Antas de Barros), in Dgsi.pt, posição, no entanto, que aqui não se defende.
24. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 226.
25. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 227.
26. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 229.
27. V. neste sentido, entre outros, o ac. da RC de 27.5.2015 (relator: Luís Cravo) onde se concluiu que: “sem embargo, nunca ocorreria a inexigibilidade da obrigação exequenda, na medida em que no âmbito da execução instaurada teve lugar a citação dos executados, o que sempre consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida.”; e o ac. da RL de 15.5.2012 (relator: Graça Mira) onde se concluiu: “A falta de emissão da declaração rescisória do contrato de empréstimo liquidável em prestações celebrado com os executados por falta de pagamento dos mesmos, não determina a inexigibilidade da obrigação exequenda porquanto a citação dos executados, no âmbito da execução instaurada, consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida.”- ambos disponíveis, in Dgsi.pt
28. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 230.
29. Rui Pinto, in “Manual da execução e despejo”, pág. 230.
30. Como se conclui no ac. da RL de 15.5.2012 já citado.