Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2847/05.2TBFAF-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O juiz só poderá indeferir a realização da segunda perícia por considerar a fundamentação insuficiente quando se mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica.
II - Saber se os fundamentos e razões invocados têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 2847/05.2TBFAF-A.G1


I - O autor J… veio, ao abrigo do disposto no art. 589º do Código de Processo Civil, requerer a realização de uma segunda perícia à letra e assinatura, com o mesmo objecto da perícia já realizada.
Alegou, para tanto, as razões que constam do requerimento e que aqui se dão por reproduzidos.
A ré não se pronunciou.

Foi então proferido despacho no qual se decidiu:
(…) Dito isto, cremos que, salvo melhor opinião, não foram indicadas pelo autor as razões concretas que levem a conclusões diferentes daquelas que constam da perícia (e isto apesar das diferenças que aponta às assinatura, diferenças essas tidas em conta pelos Sr. Peritos), pelo não se justifica a realização de uma 2ª perícia.
Face ao exposto, indefere-se a realização de uma 2ª perícia.


Inconformado o autor apresentou recurso cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

I - Ao abrigo do art,º 644.°, n.o 2 aI. d), do NCPC, vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls, (Ref" 3161214), que indeferiu a realização de segunda perícia requerida pelo Apelante em 24/06/2013 nos termos dos art," 589.° e 590.°, alínea b) do CPC1961;
II - O qual apenas atende ao teor dos artigos 6.°, 7.0 e 10,0 do requerimento apresentado para a realização da segunda perícia;
III - Contudo, as considerações do Apelante quanto aos caracteres "J" e "CU mais não. são do que argumentos "extra", extraídos do próprio relatório pericial;
IV - Na realidade, no requerimento apresentado para a realização da segunda perícia, o Apelante explicitou quatro fundamentos de discórdia no que diz respeito ao resultado atingido pela primeira, a saber:
a) Em nenhuma das assinaturas genuínas para comparação o Apelante adopta assinaturas reduzidas) parcialmente ilegíveis ou com simplificação do desenho das letras, pelo que os Senhores Peritos pretendem autógrafos inexistentes (artigo 1. º);
b) Apesar de "difícil", o exame é possível e exequível, pelo que se impunha uma conclusão em observância ao objecto da perícia (artigo 4. ~ primeiro parágrafo);
c) Não existe escassez de elementos anteriores e contemporâneos à assinatura contestada, aliás, eles proliferam e foram facultados pelo Apelante (artigo 4. ~ segundo parágrafo);
d) A~ características apontadas à assinatura contestada (simplicidade da assinatura e escassez de elementos personalizastes) são; elas mesmas, os indícios da falsificação e não um factor impeditivo para formular uma conclusão (artigo 8. º).
V - O artigo 589.°, n.º 1 do CPC1961, confere às partes a faculdade de requererem segunda perícia, fazendo depender a sua realização, somente, do seu requerimento tempestivo e da explicitação das razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado;
VI - Salvo melhor entendimento, as razões da discordância apontadas pelo Apelante constituem fundamento bastante, em face daquele preceito legal;
VII - Pelo que, ao indeferir tal pretensão, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 589.° do CPC1961.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

II - Nos termos do disposto nos artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do artigo 660º do mesmo código.


Conforme resulta dos autos, o recorrente requereu uma perícia à assinatura que consta da letra.
Após o relatório requereu esclarecimentos.
Seguidamente requereu a realização da segunda perícia, o que foi indeferido.
O relatório pericial é notificado às partes; se estas entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações, o que dá lugar à prestação de esclarecimentos.
A reclamação contra o relatório e o requerimento de segunda perícia têm objectivos diversos. A reclamação é o meio de reacção contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição detectadas no relatório e visa levar o perito que o elaborou a completá-lo ou a esclarecê-lo.
A segunda perícia é o meio de reacção contra inexactidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexactidão e a corrijam (artigo 589º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
No caso, o recorrente requer a realização de outra perícia por outrem.
A recorrente requereu tempestivamente a segunda perícia e alegou fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
É certo que pode ocorrer, face à fundamentação apresentada para a segunda perícia, que surja um estado de dúvida que se coloca ao juiz, resultante do facto de não ser possível saber se as razões invocadas para pedir a segunda perícia se confirmarão ou não. Tal só será possível saber conhecendo o resultado da segunda perícia.
Deste modo, este estado de dúvida é suficiente para justificar a segunda perícia, pois a existência da dúvida mostra que a perícia já feita não as dissipa.
Por outro lado, dada a natureza da matéria, o juiz só poderá considerar a fundamentação insuficiente quando mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica.
Ora no caso entendeu-se que não houve fundamentação no requerimento da segunda perícia, o que não corresponde à realidade, conforme consta do requerimento.
A questão que se coloca é a de saber se os fundamentos e razões invocadas têm razão de ser; mas tal não é fundamento de indeferimento.
Procede, deste modo, o recurso, devendo os autos prosseguir com a realização da segunda perícia.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e, em conformidade, revogam a decisão recorrida.
Sem custas.

Guimarães, 6 de Fevereiro de 2014.
Conceição Bucho
Antero Veiga
Luísa Duarte