Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2967/08.1TBBRG.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 – A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, uma vez que não tem por fim a decisão de uma causa, mas dar efectiva satisfação a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva.
2 – A execução apenas admite uma prejudicialidade no âmbito da própria acção executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta poder dar origem à suspensão da própria execução.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente (s): C… CRL (exequente);
Recorrido (s): H… e A… (executados);
Vara Mista de Braga – acção executiva.
*
No Tribunal Judicial de Braga, a Srª. Juiz da Vara de Competência Mista proferiu despacho que determinou a suspensão da instância executiva até prolação de decisão transitada em julgado no processo nº 1337/11.9TBBRG.

Com ele não se conformando, veio interpor recurso a exequente supra identificada.

Nas correspondentes alegações, concluiu do seguinte modo:
A- Quando foi proferido o despacho que suspendeu esta execução a recorrente já era dona e legítima proprietária dos três imóveis e sobre os mesmos já havia sido proferido despacho que determinava a sua entrega.
B- O pedido formulado na acção declarativa nº 1337/11.9TBBRG “não promover a venda e consequente aquisição dos bens referidos nos art.º 46, em sede de processo executiva nº 296/08.1TBBRG” não representa em circunstância alguma qualquer prejudicialidade relativamente à situação dos bens referidos, na medida que os mesmos já estavam vendidos. De referir que quando a recorrente foi citada dessa acção declarativa já a venda estava realizada.
C- De qualquer forma, mesmo que a executada A… venha a ter algum êxito com o Proc. 1337/11.9TBBRg, o que só por mera hipótese académica se admite, esses bens não seriam considerados como pertença sua em exclusividade, já que, aquando da penhora dos mesmos e respectivos registos pertenciam ao casal (A… e seu ex-marido) porque casados sob o regime de comunhão geral de bens.
D- Os sucessivos despachos proferidos nesta execução, à excepção do que agora se impugna, são demonstrativos da falta de razão que assiste à executada A… no pedido formulado na acção nº 1337/11.9TBBRG.
E- Sendo a recorrente dona e legítima proprietária, por os haver adquirido por escritura de compra e venda, dos imóveis que requereu a entrega, ao ser suspensa esta execução, esses imóveis não lhe podem ser entregues e não pode dispor, nem usufruir deles, violando-se assim o disposto no art.º 879º al. b) do Cód. Civil, bem como o art.º 1305º do mesmo diploma.
F- Independentemente das razões concretas invocadas demonstrativas de que não existe causa prejudicial é entendimento unânime da jurisprudência que:
a) A acção executiva não pode ser suspensa pela existência de causa prejudicial, sendo, assim de manter a doutrina do assento de 24.05.1960
b) A execução apenas admite uma espécie de prejudicialidade no âmbito da própria acção executiva, através da instituto da oposição e da possibilidade desta dar origem à suspensão da execução.
c) O art.º 279º do Cód. Proc. Civil não se aplica ao processo executivo.

Termina pedindo a revogação do despacho sob censura e a prossecução da execução com a entrega dos bens imóveis identificados na escritura junta aos autos e adquiridos pela recorrente.


Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***

II – Factos Provados
A presente execução encontra-se na fase de entrega do imóvel que constitui a residência da executada A… .
Por requerimento, os executados A… e H… requereram que seja diferida a desocupação da residência, tendo o executado requerido pelo prazo de seis meses e a executada até que sejam decididos os procedimentos judiciais em curso, nomeadamente na acção ordinária nº 1337/11.9TBBRG que corre termos nessa Vara de Competência Mista contra a exequente e os restantes executados na qual pede a condenação solidária dos RR na indemnização de todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais por ela sofridos derivados da falsificação da letra e assinatura e uso indevido da sua identidade, na execução do plano por todos eles concertado cuja liquidação será apurada em sede de execução de sentença; a reconhecerem que a Autora não assumiu qualquer responsabilidade perante a 4ª Ré e que, em consequência, nada lhe deve sendo ainda a 4ª Ré (exequente) condenada a abster-se de praticar qualquer ato que ofenda o património da Autora, designadamente a não promover a venda e consequente aquisição dos bens referidos supra no artº 46, em sede do processo executivo nº 2967/08.1 TBBRG bem como a indemnizar à Autora por todos os prejuízos e demais consequências derivados da instauração do processo executivo nº 2967/08.1 TBBRG, liquidação essa que se fará em execução de sentença.
Por despacho do dia 13.07.2011, decidiu o Tribunal a quo:
“Pelo exposto, determino a suspensão da instância até prolação de decisão transitada em julgado no processo nº 1337/11.9TBBRG”.

III – O Direito

A questão que se suscita no presente recurso é a da possibilidade ou não de suspensão da presente execução com base em causa prejudicial, ao abrigo do disposto no artº 279º, do CPC.
Para o efeito, a decisão recorrida estribou-se na seguinte motivação:
“Considerando os fundamentos e os pedidos formulados na acção ordinária, que o processo executivo se encontra na fase de entrega do imóvel que constitui a residência da executada A… e que não existe quer nestes autos quer naqueles qualquer intervenção de terceiros, considera-se constituir aquele processo causa prejudicial motivadora da suspensão da instância, nos termos do art. 279º, nº 1 do CPCivil”.

Apreciando:
O citado artº 279º, do Código de Processo Civil (doravante CPC) estatui que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta (ou seja, quando estiver pendente causa prejudicial) ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão desta.
Tem-se entendido maioritariamente, quer na doutrina Neste sentido, entre outros, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 2ª ed., pág. 545, quer na jurisprudência Vejam-se os Acórdãos do STJ de 31.05.2007, Proc. 07B864 e de 27.01.2010, proc. 594/09.5YFLSB, in dgsi.pt, que a acção executiva não pode ser suspensa com fundamento em causa prejudicial, uma vez que não tem por fim a decisão de uma causa ( mas dar efectiva satisfação a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva), não se verificando uma relação de dependência tal como é exigido no artº. 279º do CPC.
Mantém assim inteira acuidade a jurisprudência do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960 que sentenciou no sentido de que «A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284º do Código de Processo Civil» (BMJ, 97º–173).
Neste Assento ponderou-se que embora a execução possa caber no conceito lato de causa, tal circunstância não pode preencher as exigências do preceito e isto porque «ele não pressupõe apenas duas causas, pressupõe também que nenhuma delas esteja decidida. É o que claramente flui das locuções «decisão da causa» e «julgamento da causa»
Ora a execução não é uma causa por decidir; é a sequência de uma decisão, quando não provém de título com força executiva; decorre de um direito já declarado. Logo não pode ser suspensa ao abrigo do disposto na primeira parte do artº 284º citado».
E conforme se decidiu no apontado Acórdão do STJ de 31.05.2007, «a execução apenas admite uma espécie de prejudicialidade interna ou no âmbito da própria acção executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta poder dar origem a suspensão da própria execução» e onde se acrescentou que «se assim não fosse, o regime do artº 818º CPC deixaria de ter aplicação» (www.dgsi.pt Pº 07B864).
Na vertente doutrinal, também o Prof. Alberto dos Reis escreveu no seu Comentário: «A primeira parte do artigo 284º (hoje 279º, nº 1) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação a um direito já declarado por sentença, ou constante de título com força executiva: Não se verifica, assim, no tocante à execução, o requisito exigido no começo do artigo: estar a decisão da causa dependente do julgamento doutra já proposta» (1).
No caso dos presentes autos a fase de oposição à execução (enquanto fase declarativa enxertada na acção executiva) já decorreu, encontrando-se os autos na fase de entrega do imóvel à exequente, pelo que os fundamentos aduzidos na apontada acção ordinária nº 1337/11.9TBBRG não poderão interferir na satisfação (excussão do património do devedor) do direito que emerge do título reconhecido com força executiva.
Acresce que o despacho sob censura funda-se em causa prejudicial (1ª parte do nº 1, do artº 279º, do CPC) e não na causa residual de ocorrência de “outro motivo justificado” “ (2ªparte daquele normativo).
Aliás, naqueloutra acção ordinária pede-se, além do mais, a não promoção da venda do dito imóvel e consequente aquisição deste bem, quando é certo que o mesmo já se mostra vendido, o que preclude qualquer questão de prejudicialidade nesta matéria.
Também não existe a prejudicialidade prevista no referido artº 279º, nº1, do CPC, quando em ambos os processos se discuta a mesma questão; o que poderá funcionar neste caso é a prioridade do caso julgado primeiramente formado – artº 675º, nº 1, do CPC.

Sumariando:
1 – A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, uma vez que não tem por fim a decisão de uma causa, mas dar efectiva satisfação a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva.
2 – A execução apenas admite uma prejudicialidade no âmbito da própria acção executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta poder dar origem à suspensão da própria execução.

Deste modo, procedem as conclusões da alegação do recorrente.

Decisão;

Em face do exposto, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida de suspensão da execução com fundamento no artº 279º, nº 1, do CPC.

Custas pelos apelados.

Guimarães, 29 de Novembro de 2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira