Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
88/10.6GBCMN.G1
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ERRO
ADMISSIBILIDADE
TAXA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: Os erros máximos admissíveis apenas são considerados no momento técnico da aferição do alcoolímetro, não devendo esses mesmos valores ser dedutíveis nas taxas de alcoolemia no sangue reveladas pelos talões desses mesmos aparelhos de medição, por meio de teste no ar expirado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório
Nestes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 88/10.6GBCMN, a correr seus termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, foi proferida sentença que decidiu condenar o arguido João A..., com os sinais dos autos, pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a multa de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), assim como na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, prevista e punida pelo artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 3 (três) meses.
Inconformado com a decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, concluindo a sua motivação nos termos seguintes (transcrição):
“1) O arguido João A... foi submetido a julgamento em processo comum singular neste Juízo e Tribunal, acusado da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.º e p.º pelo artigo 292º do CP, por referência à TAS resultante de submissão do arguido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, de 1,88 g/I.
2) Contudo, apesar de ter sido condenado, o Mmº Juiz deu como provado que o arguido conduzia com uma TAS de 1,78 g/l (e não de 1,88 g/l tal como vinha acusado) recorrendo à aplicação da margem de erro prevista na Portaria n.º 1556/2007, de 10/12.
3) 3- Salvo o devido respeito incorreu-se na d. sentença recorrida em erro notório na apreciação da prova – art.° 410.º, nº 2, al. c) do CPP – ao dar como provado que a TAS era de 1,78 g/l e não de 1,88 g/l conforme constava do talão extraído do aparelho respectivo.
4- Na verdade, prescreve o art.º 153.º do Cód. Da Estrada que o exame de pesquisa no álcool no sangue é realizado pela autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
5- O Decreto-Regulamentar nº 24/98 de 30 de Outubro prevê a realização do teste no ar expirado, realizado através do analisador qualitativo e através de analisador quantitativo, o primeiro com a função de mera despistagem e o segundo com a função da quantificação da TAS.
6- A portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro, no seu art.º 5.º, estabelece que o controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade e compreende as seguintes operações:
a) aprovação do modelo;
b) primeira verificação;
c) verificação periódica e;
7- Por sua vez, o art.º 7.° vem definir as verificações metrológicas supra referidas, estabelecendo que (nº 1) a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem; (nº 2) a verificação periódica é anual; (nº 3) a verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade;
8- No art.º 8.º prevê-se a existência de erros máximos admissíveis, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE – remetendo para o quadro anexo a essa portaria.
9- Nesse quadro, prevê-se e fixa-se o valor do erro máximo admissível, para efeitos de aprovação do modelo e das diversas verificações supra descritas.
10- Os erros máximos admissíveis são fixados apenas para efeitos de controlo metrológico do alcoolímetro e não para, quando após esse controlo, se procede à utilização dos mesmos, em operações concretas de fiscalização.
11 - Tal valoração carece, desde logo, de fundamento legal, na medida em que essa Portaria não o prevê.
12- Não existe qualquer fundamento para, no momento em que um agente da autoridade procede à fiscalização da detecção de álcool no sangue de condutores, se efectuar qualquer ponderação dos EMA (erros máximos admissíveis) e deduzir ao valor registado pelo aparelho quantitativo os valores supra referidos como devendo ser consideradas nas várias verificações metrológicas.
13- Do mesmo modo, não existe fundamento para que tal desconto seja feito posteriormente.
14- os EMA não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (respeitados todos os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra.
15- Um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas normais condições de funcionamento, fornece indicações válidas e fiáveis para os efeitos legais.
16- O valor indicado pelo alcoolímetro em cada utilização é o mais correcto, a não ser que este, como meio de prova (exame) seja posto em causa por outro meio de prova que abale esta sua credibilidade, o que, no caso não sucedeu.
17- Por outro lado, ao aplicar a margem de erro, diminuindo a TAS, o Mm° Juiz aplicou uma pena de acordo com essa TAS e não com a TAS pelo qual o arguido vinha acusado e à qual se deveria ter atendido, pelo que a pena a aplicar deve atender à TAS de 1,88 g/l e não de 1,78 g/l.
18- Assim sendo, a d. sentença recorrida fez interpretação errónea do disposto nos arts.º 292.º e 69.º do CP e nos arts.º 1.º, 5.º, 6.º, 7.º e 8.º da Portaria n° 15556/2007, de 10/12, pelo que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, provando-se que o arguido conduzia com uma TAS de 1,88 g/l tal como vinha acusado e resulta do talão emitido.
19- Consequentemente, deve o mesmo ser condenado numa pena de, pelo menos, 60 dias de multa, por força da TAS que apresentou de 1,88 g/l.
20 - Bem como na pena acessória de inibição de conduzir de, pelo menos, 4 (quatro) meses.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso,
revogando-se a d. sentença em crise, substituindo-se por outra que, dê como
integralmente provados todos os factos constantes da acusação, incluindo a TAS
resultante do talão emitido e se condene o arguido na pena principal e acessória supra
referida e em conformidade com o alegado.

Vossas Excelências, no entanto, apreciando e
decidindo, farão, como sempre, a habitual justiça!”.

*

O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.
Nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, perfilhando a posição defendida no recurso, emitiu parecer no sentido de este ser julgado procedente
No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada disse.
Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida configura a factualidade provada e não provada, assim como a respectiva motivação da forma seguinte (por transcrição):
“2 - Fundamentação:
2.1 - Matéria de facto provada:
De relevante para a discussão da causa, resultou provado o seguinte circunstancialismo fáctico:
A. Em 24Abri2010, cerca das 21:44h, o arguido conduziu o veiculo automóvel ligeiro de passageiros, matricula 71-66-..., no Caminho do Cruzeiro, Afife, Viana do Castelo, onde foi interveniente em acidente de viação, do qual só resultaram danos materiais.
B. Submetido o arguido a teste de pesquisa de alcoolémia, através de aparelho denominado "Drager Alcooltest", modelo 7110 MK III P, n.º de série ARAC-0025 acusou uma TAS (registada) de 1,88 g/l, correspondente a uma TAS (deduzido o erro máximo admissível, na percentagem de 5 % - Port.1556/2007 de 10DEZ 1,78. g/l;--
C. O arguido previamente à condução havia ingerido bebidas alcoólicas.
D. Sabia que as mesmas eram suficientes para provocar uma TAS superior a 1,2 g/l, e, mesmo assim, quis conduzir o referido veículo.
E. Bem sabia o arguido que a supra descrita conduta era proibida e punida por lei.
F. Não obstante não deixou de agir como agiu, de forma livre e consciente.
G. O arguido admitiu a actividade de condução após prévia ingestão de bebidas álcoolicas, confessando integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados.
H. Não tem antecedentes criminais.
I. É divorciado, tem um filho maior.
J. Vive com uma companheira.
K. É motorista de pesados na Câmara Municipal de Viana do Castelo, auferindo a quantia de 620 €.
L. Vive em casa arrendada pagando a quantia de 265€.
M. Tem o 9º ano de escolaridade.
N. Mostrou arrependimento.
2.2 – Matéria de facto não provada:
1 – Inexiste.
2.3 - Motivação da matéria de facto provada e não provada:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação e análise crítica da prova produzida, em sede de audiência.
Concretizando:
a) o arguido esteve presente na audiência de discussão e julgamento, prestou depoimento e confessou os factos de forma integral e sem reservas, reportou os factos que pela sua pessoalidade fazem admitir a confissão como espontânea e de reporte a factos por si praticados efectivamente, relatou a sua situação pessoal. De facto, admitiu a actividade de condução, efectuada após ter ingerido bebidas alcoólicas.
b)Quanto à TAS apresentada, atendeu-se ao talão de fls 13.
c) Quanto aos antecedentes criminais, no CRC junto aos autos.
d) Atenderam-se, por último aos documentos juntos aos autos.
e) Atenderam-se às declarações do arguido quanto à sua situação pessoal.”

*
2. Apreciando.
2.1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal( - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.) que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso( - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997 e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso( - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente( - Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar – Germano Marques da Silva, obra citada, pág. 335; Daí que se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões – Simas Santos e Leal Henriques, obra citada, pág. 107, nota 116.), as questões a apreciar e decidir consistem em saber se a taxa de álcool no sangue a considerar é a correspondente ao valor indicado pelo alcoolímetro ou, antes, a correspondente a tal valor deduzido o valor de erro máximo admissível previsto na Portaria n.º 156/2007, de 10/12, e, caso esta questão seja decidida no sentido primeiramente afirmado, determinar a correspectiva pena de multa e pena acessória.
A questão de saber se existe fundamento para dar como provada taxa de álcool no sangue distinta da registada em instrumento de medição aprovado, fazendo apelo automático à margem de erro máximo admitido para aquele tipo de aparelho, tem vindo a receber respostas divergentes por parte da jurisprudência, dividida em duas correntes: para uma, a incidência de uma margem de incerteza na medição da TAS através do ar expirado conduz, por obediência ao princípio in dubio pro reo, à aplicação automática da percentagem máxima de erro; enquanto para outra, quando a fiabilidade do aparelho não seja fundadamente posta em causa, deve atender-se à medição registada.
Sendo por demais conhecidos os argumentos invocados por cada uma das referidas correntes, dispensamo-nos de aqui os repetir, limitando-nos a afirmar, desde já, que aderimos à corrente referida em segundo lugar.
Nos termos do artigo 153.º, n.º 1 do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
Estabelece o n.º 2 do citado preceito a possibilidade do examinado requerer a realização de contraprova, o que pode acontecer, de acordo com a vontade do examinando, através de novo exame, novamente a efectuar através de aparelho aprovado para a análise do álcool no ar expirado (TAE), ou então através de análise ao sangue.
Quando tiver lugar contraprova, diz o n.º 6 do mesmo preceito, que o respectivo resultado prevalece sobre o resultado do exame inicial.
Por seu turno, o artigo 158.º, n.º 1 do citado código, estipula, no que agora interessa, que são fixados em regulamento:
a) o tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas;
b) os métodos a utilizar para determinação do doseamento de álcool ou de substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas no sangue.
Como é sabido a questão suscitada nos autos começou por ser colocada nos tribunais com base no teor do ofício da DGV n.º 14811 de 19 de Julho de 2006, difundido pela circular n.º 101/2006 do Conselho Superior da Magistratura, de 7 de Setembro de 2006, o que, de acordo com as funções constitucionais do CSM e no respeito pela sujeição do tribunais unicamente à lei (artigo 203.º da CRP), mais não constitui do que a divulgação pelos tribunais do entendimento daquele órgão da administração pública.
O ofício da Direcção Geral de Viação em causa informa e remete para dados do IPQ no sentido de que os aparelhos de mediação - entre os quais os alcoolímetros - sofrem do Desvio Padrão, o qual traduz a ideia de que poderá existir uma desconformidade entre o resultado que apresentam e a realidade que supostamente retratam.
Esta orientação partia do pressuposto, que se nos afigura errado, de que o desvio detectado ou detectável no momento do controlo do funcionamento metrológico dos aparelhos, continua a existir no momento em que tais aparelhos, após a sua certificação e controlo metrológico pelo Sistema Português de Qualidade, gerido e coordenado pelo IPQ, sejam utilizados pelas autoridades policiais fiscalizadoras do trânsito.
O Instituto Português da Qualidade (IPQ), criado pelo Decreto-Lei n.º 183/86, de 12 de Julho, é o organismo nacional responsável pelas actividades de normalização, certificação e metrologia, bem como pela unidade de doutrina e acção do Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, instituído pelo Decreto-Lei n.º 165/83, de 27 de Abril.
Ao referido diploma seguiram-se ajustamentos orgânicos no Instituto Português de Qualidade, por via do Decreto Regulamentar n.º 56/91, de 14 de Outubro, até à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 113/2001, de 7 de Abril.
Por seu turno, o Sistema Nacional de Gestão da Qualidade, resultante do Decreto-Lei n.º 234/93, de 2 de Julho, foi revisto pelo Decreto-Lei n.º 4/2002, de 4 de Janeiro, acabando por ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 140/2004.
Através do Decreto-Lei n.º 125/2004, de 31 de Maio, foi criado o Instituto Português de Acreditação, I.P., na sequência da concretização dos princípios e objectivos propostos pela União Europeia e a “EA – European Co-operation for Accreditation”.
Daqui resulta que o I.P.A.C. é o organismo nacional de acreditação que tem por fim reconhecer a competência técnica dos agentes de avaliação da conformidade actuantes no mercado, de acordo com referenciais normativos pré-estabelecidos.
No que diz respeito às regras gerais do controlo metrológico, estas foram estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, que foi regulamentado pela Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro.
Da conjugação dos citados diplomas conclui-se ser o IPQ, enquanto gestor e coordenador do SPQ quem, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
A garantia da fiabilidade dos aparelhos, que constituem o meio de prova por excelência na averiguação da prática de crimes de condução sob o efeito do álcool, por contraposição à mera contra-ordenação, está assegurada através da exigência de um controle regular dos mesmos.
Assim, a lei exige, sob pena de invalidade do teste, que os aparelhos sejam aferidos com regularidade (então, com base na Portaria n.º 748/94, de 13/8); que reúnam certas características (segundo a Portaria n.º 1006/98, de 30/11); que sejam oficialmente aprovados; que o teste seja efectuado em locais com determinada temperatura e humidade e a possibilidade do examinando requerer a contraprova.
O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros era o que constava em anexo à Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, a qual veio a ser revogada pelo n.º 2 da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, mas que nada alterou relativamente à matéria em discussão.
No artigo 6º do referido Regulamento definiam-se erros máximos admissíveis nos alcoolímetros nos seguintes termos:
“Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores:
a) Aprovação de modelo - os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20 - 701;
b) Primeira verificação - os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para a aprovação do modelo;
c) Verificação periódica - os erros máximos admissíveis são uma vez e meia os da aprovação do modelo.”.
Porém, a definição de determinados erros máximos admissíveis, quer para a aprovação de modelo e primeira verificação, quer para a verificação periódica, não significava que os valores do TAS indicados pelos alcoolímetros devidamente aprovados estivessem errados.
Na verdade, conforme referem M. Céu Ferreira e António Cruz, na comunicação apresentada no 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, «a definição, através da Portaria n.º 748/94, de determinados erros máximos admissíveis, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.
Os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Mas essas margens de erro foram sempre consideradas margens de erro para a verificação periódica.».
«Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento (…).
É por isso, que em domínios de medição com vários níveis de exigência metrológica se definem classes de exactidão em que os EMA são diferenciados de classe para classe. No caso dos alcoolímetros não existem classes de exactidão diferenciadas, mas existem dois tipos de alcoolímetros: uns designados de “qualitativos”, outros de “quantitativos”. Apenas este últimos têm características metrológicas susceptíveis de ser utilizados para medir a alcoolemia, para fins legais, dentro dos EMA definidos na lei. Os designados de qualitativos apenas servem para despistar ou confirmar situações de alcoolemia mais ou menos evidente, exigindo depois, se for caso disso, uma medição rigorosa com um alcoolímetro quantitativo legal.».
«De acordo com os resultados laboratoriais obtidas durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma “margem de erro”, nem devem ser interpretados como tal. O valor da indicação do instrumento é, em cada situação, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nesse momento, nessa operação, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, qualquer que tenham sido outro factores de influência externos ou contaminados do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA.»( - Comunicação intitulada “Controlo Metrológico de Alcoolímetros do Instituto Português de Qualidade”, disponível in www.spmet.pt. ).
Entretanto foi publicada e entrou em vigor, em 11 de Dezembro de 2007, a Portaria nº 1556/2007, de 10/12, que aprovou o novo regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, a qual se limitou a actualizar as regras a que deve obedecer o controlo metrológico dos instrumentos de medição “com vista a acompanhar, tecnicamente, o que vem sendo indicado nas Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal”.
De igual modo os erros máximos admissíveis constantes desta Portaria n.º 1556/2007 de 10/12, respeitam à aprovação e verificação periódica dos alcoolímetros e não a qualquer dedução das taxas apuradas em sede de fiscalização rodoviária, como resulta expresso do quadro anexo à portaria e nos seus artigos 5.º, 6.º e 7.º.
Assim, como se salienta em acórdão desta Relação, pode concluir-se que:
«- nem à face da Portaria 1556/2007 de 10 de Dezembro, nem da legislação que a precedeu, está ou esteve legalmente estabelecida qualquer margem de erro (mínimo e máximo) para aferir resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, numa qualquer medição concreta. Tais margens de erro respeitam apenas à aprovação e verificação periódica dos alcoolímetros;
- no caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores e sobre a fiabilidade do aparelho, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue;
- quando em operação de fiscalização de condutor para detecção de nível de alcoolemia no sangue, não seja levantada por ele qualquer dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último nem requerida contraprova, inexiste qualquer fundamento técnico-científico ou jurídico para a aplicação de qualquer margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, o que, a acontecer na decisão, gerará o vício do “erro notório” na apreciação da prova pelo Tribunal “a quo”, nos termos do art.º 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.»( - Acórdão de 11/6/2008, relator Cruz Bucho, disponível em www.dgsi.pt/jtrg. ).
No mesmo sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça:
«Os erros máximos admissíveis apenas são considerados no momento técnico da aferição do alcoolímetro, não devendo esses mesmos valores ser dedutíveis nas taxas de alcoolemia no sangue reveladas pelos talões desses mesmos aparelhos de medição, por meio de teste no ar expirado.»( - Acórdão de 27 de Outubro de 2010, in CJ, ACSTJ, Ano XVIII, tomo III, página 243.).
Nesta conformidade, podemos concluir que, não existindo qualquer fundamento de facto ou de direito para a aplicação da margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, a mesma não deveria ter sido aplicada ou sequer ponderada.
Ou seja, não estando legalmente estabelecida qualquer margem de erro prevista para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos aprovados, numa qualquer medição concreta, não poderia ter sido dado como provado outro valor que não fosse 1,88 g/l correspondente ao valor inscrito no talão de fls. 13 emitido pelo respectivo aparelho.
Daí que se possa falar em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, c), consubstanciado em erro na medição da TAS, quando a sentença recorrida aplica o conceito de “erro máximo admissível” que se traduziu numa redução da TAS do arguido de 1,88 g/l para 1,78 g/l, sem que a mesma seja legalmente sustentada, visto que as orientações e determinações sobre a uniformização dos procedimentos relativos à fiscalização do trânsito não podem, “contra legem”, prever quaisquer margens de tolerância ou margens de erro relativamente aos resultados obtidos através dos mecanismos legalmente previstos.
Acrescente-se, por fim, que não foi levantada qualquer dúvida sobre a autenticidade do valor registado inicialmente pelo aparelho de análise quantitativo de avaliação do teor de álcool no sangue, e mesmo sobre a fiabilidade deste último, não tendo o arguido requerido novo exame por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue.
Em face do exposto, nos termos do artigo 431.º, alínea a), cumpre proceder à modificação da matéria de facto provada, fazendo constar da mesma a TAS certificada pelo alcoolímetro.
Assim, o ponto B da matéria de facto provada passará a apresentar a seguinte redacção:
“Submetido o arguido a teste de pesquisa de alcoolemia, através de aparelho denominado “Drager Alcooltest”, modelo 7110 MK III P, n.º de série ARAC-0025, acusou uma TAS de 1,88 g/l.”.
Em consequência da antecedente alteração, assente a prática por parte do arguido de um crime previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, há que aferir da bondade da pena de multa bem como da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados que foram aplicadas ao arguido.

Não discordando o recorrente no que diz respeito à taxa diária da pena de multa fixada na sentença recorrida, sustenta que, por força da referida alteração, o número de dias de multa deverá ser fixado, pelo menos, em 60.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 1 (um) ano ou com pena de multa de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias, estando, agora, em causa apenas a aplicação da pena de multa – artigos 292.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal.
Sabendo-se a moldura penal abstracta aplicável, importa decidir da medida concreta da pena, recorrendo aos critérios e factores a que aludem os artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
Assim, tem o tribunal de considerar a finalidade da punição (a protecção de bens jurídicos, por um lado, e a reintegração do agente na sociedade, por outro), as exigências de prevenção e a culpa do agente, devendo ainda ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente - além de outras - o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências e modo de execução do crime, a culpa, mormente a intensidade do dolo, os fins ou motivos do crime e as condições pessoais do agente, a sua personalidade, o comportamento anterior e posterior à prática do crime - n.º 2 do art. 71.º do Código Penal.
Considerando os apontados critérios há que considerar, desde logo, a circunstância de a conduta do arguido ter atentado contra um bem que, em face dos elevados índices de sinistralidade que marcam as nossas estradas, se revela cada vez mais importante do ponto de vista social (segurança rodoviária), o que eleva a medida de pena imposta pelas exigências de prevenção geral, ditadas pela necessidade de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.
De igual modo haverá que considerar a elevada intensidade do dolo na forma de dolo directo bem como o médio grau de ilicitude emergente dos factos e a relativa gravidade das suas consequências, não se vislumbrando, no caso, especiais necessidades de prevenção especial.
Por outro lado, a favor do arguido, milita a sua situação pessoal e económica, apesar do seu valor diminuto, a confissão dos factos, embora sem grande relevância para a descoberta da verdade, pois sempre os factos provados teriam resultado demonstrados em face dos elementos de prova constantes dos autos, o arrependimento e a ausência de antecedentes criminais.
Assim, considerando todos estes factores, entende-se adequada a pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros).
No que respeita à pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados sustenta o recorrente que, por força da referida alteração, a mesma deve ser fixada, pelo menos, em 4 meses.
Segundo o disposto no artigo 69.º, n.º 1, a), do Código Penal é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
A proibição de conduzir veículos constitui uma pena acessória e deve ser graduada em concreto segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
Como refere Figueiredo Dias «à proibição de conduzir deve (…) assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (…). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano»( - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral II, página 165, § 205. ).
Deste modo, considerando o médio grau de ilicitude dos factos, a elevada intensidade do dolo na forma de dolo directo, as necessidades de prevenção geral e especial e a ausência de antecedentes criminais, designadamente no que diz respeito ao tipo de crime em causa, entende-se ser de fixar a pena acessória em 4 (quatro) meses, posto que a pena acessória mínima há-de estar reservada para situações diversas da presente em que o agente actua com uma taxa de alcoolemia muito superior a 1,2 g/l e com dolo directo.
Por conseguinte, procede, na totalidade, o recurso interposto.

*
III – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decidem:
A) Modificar o ponto B da matéria de facto provada que passará a apresentar a seguinte redacção:
“Submetido o arguido a teste de pesquisa de alcoolemia, através de aparelho denominado “Drager Alcooltest”, modelo 7110 MK III P, n.º de série ARAC-0025, acusou uma TAS de 1,88 g/l.”;
B) Condenar o arguido João A... pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o montante de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros);
C) Condenar o arguido João A... na pena acessória de proibição de condução de veículos automóveis, prevista no artigo 69.º, n.º 1, a) do Código Penal, pelo período de 4 (quatro) meses.
*
Sem tributação.
*
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
*
Guimarães, 5 de Dezembro de 2011