Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6917/16.3T8GMR.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PREJUÍZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Quando o juiz, previamente à decisão, não assegurou o cumprimento do contraditório, estamos perante uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica à decisão proferida, que fica ferida de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC;

II - Ainda que confirme a arguição de tal nulidade da sentença, a Relação, uma vez cumprido o contraditório, deve prosseguir com a apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários, só nesta eventualidade se justificando a devolução para o tribunal a quo;

III - Ao efetuar operações de subscrição ou transação de valores mobiliários, a entidade bancária atua por conta alheia, pressupondo aquela sua atuação a existência de um negócio antecedente entre a mesma e o cliente, designado normalmente como negócio de cobertura, como é o caso da ordem, negócio esse que se integra na categoria autónoma aberta dos contratos de intermediação;

IV - Nos termos do nº 3 do 321º do CVM, “aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores”, pelo que são absolutamente proibidas em tais relações cláusulas que: atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspetos jurídicos, quer em questões materiais; modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos (alíneas e) e g) do art. 21º do Dec. Lei 446/85);

V - Ainda que assim não fosse, tendo em consideração que nos termos do art. 5º, nº 3, do mesmo diploma, “o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, não tendo sido alegada a tomada de qualquer iniciativa concreta da parte do Banco proponente no sentido de proceder à comunicação das cláusulas gerais inseridas no contrato de intermediação financeira, a exclusão das mesmas sempre se imporia;

VI - Ao ser assegurado, pelo funcionário do Banco, que o produto em questão – obrigações de entidade terceira – era idêntico a um depósito a prazo, sem qualquer risco de capital ou juros, ocorreu violação do dever de informação;

VI – A interpretação da referida declaração conduz-nos a afirmar a assunção, pelo Banco, de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, traduzindo-se, nessa medida, o não reembolso verificado, na violação do compromisso assumido;

VII - Tendo o Banco Réu violado o compromisso assumido, no sentido da garantia de restituição do capital e dos juros, claro se torna que o prejuízo resultante daquela violação é o equivalente ao capital investido, valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco, acrescido dos juros remuneratórios, também garantidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

José intentou a presente acção declarativa comum contra “Banco A, S.A.” pedindo a condenação do réu a restituir ao autor a quantia de € 59.277,81, bem como os juros à taxa de 6,25% contados desde 12.07.20112 até integral pagamento.
Mais pediu a condenação do réu no pagamento da quantia de € 10.000,00 a título de dano não patrimonial.

Para tanto e em suma alegou que em Julho de 2012, por lhe ter sido dito pelo funcionário do Réu que, para clientes com montantes superiores a 50.000 €, tinha um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, vencendo juros à taxa de 6,25%, sem qualquer risco de capital ou de juros, e que ele o poderia movimentar quando quisesse, entregou o montante de 59.277,81 € para a constituição de um depósito naquelas condições, não lhe tendo sido lido nem explicado o teor de qualquer documento, nem nenhum documento lhe tendo sido entregue.

Contudo, na data de vencimento (27.07.2016), quando pretendeu aceder aos valores que tinha, segundo cria, colocado num depósito a prazo, percebeu que afinal estava em causa um produto bem distinto, ações da “Telecomunicações Internacional Finance B.V.”, e que as ditas ações estavam bloqueadas, não lhe tendo sido disponibilizado o valor que entregara e/ou os respectivos juros.

Mais alegou que foi iludido e enganado pelo Réu, já que o produto em questão não correspondia, de todo, ao que pretendia, apenas tendo efectuado o negócio por estar convicto de que se tratava de um depósito a prazo e que, por força da não disponibilização das verbas na data de vencimento, tem andado num estado de grande ansiedade e preocupação, devendo receber uma compensação de € 10.000,00 a título de dano não patrimonial.

Na sua contestação, o Réu confirmou que o Autor é titular de uma conta bancária aberta no Banco A, com o nº …, e que em Julho de 2012 aquela conta foi debitada pelo montante de € 59.000,00, movimento este que correspondeu ao débito do custo da subscrição de 59 unidades, do valor de 1.000,00 € cada, de "Obrigações Telecomunicações taxa fixa 2012/2016 6,25 %", dizendo, porém, ter sido o Autor quem, em Julho de 2012, deu ao Banco instruções para assim proceder.

Segundo as suas condições de emissão, a Telecomunicações Internacional Finance B.V. obrigou-se a reembolsar as obrigações aos subscritores, pelo seu valor nominal, de uma só vez, em 26 de Julho de 2016, tendo assim este investimento uma maturidade de quatro anos (26.07.2012 a 26.07.2016).
Esta obrigação de reembolso assumida pela Telecomunicações está dependente da sua solidez, pelo que, por definição, nenhum produto financeiro tem capital garantido, por muito que as entidades emitentes se constituam na obrigação de reembolsar o capital investido.

Quando este produto financeiro foi colocado no mercado, com a devida autorização da CMVM e do Banco de Portugal, o Autor mostrou-se interessado na sua subscrição, dispondo-se a fazê-lo com parte do montante que se encontrava a crédito da conta de que era titular, mais propriamente € 59.000,00.
Na circunstância, o funcionário do Banco que atendeu o Autor explicou-lhe as características do investimento acima enunciadas, o Autor ficou agradado com as características do produto e decidiu realizar o investimento.

Aliás, não foi a única vez que o Autor investiu em aplicações financeiras, tendo investido no passado em acções do fornecedor de electricidade e do Banco P.
De todo o modo, alegou o Réu, na medida em que, na sequência de um questionário, o Autor foi classificado como “investidor não profissional”, o mesmo assinou um documento onde atestava sob compromisso de honra que pretendia adquirir o referido produto; que o réu lhe solicitou e este prestou toda a informação sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento e /ou sobre o seu património e que o Banco B o advertiu expressamente para o facto de não considerar a operação adequada ao seu perfil de cliente.

Contudo, o autor ainda assim quis investir e atestou que “(i) possui a experiência e conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos, os quais constam, em síntese, de suporte duradouro já fornecido pelo Banco B, e que o seu património lhe permite suportar financeiramente quaisquer riscos conexos de investimento e que a operação/produto/serviço está em coerência com os seus objectivos de investimento;(…) que conhece, compreende e aceita as Condições Gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira em vigor no Banco B para a prestação deste serviço e todos os anexos às mesmas, designadamente a política de execução de ordens, constante do Anexo I, com a qual concorda.

Por conta deste produto o Autor já recebeu a quantia de € 9.006,34, relativa a juros.

Sucedeu contudo que na data de vencimento da obrigação de reembolso aos titulares das obrigações do valor nominal que haviam investido, ou seja, no dia 26 de Julho de 2016, a Telecomunicações International Finance B.V não cumpriu essa obrigação, porquanto no dia 21 de Junho de 2016 a CMVM deliberou a suspensão da negociação das obrigações “Obrigações Telecomunicações Taxa Fixa 2012/2016” até à divulgação de informação relevante relativa ao processo de recuperação judicial das Empresas Telecomunicações X, apresentado no dia 20 de Junho.
Esta suspensão veio a ser prorrogada pela CMVM no dia 18 de Julho de 2016 com o mesmo fundamento e mantém-se em vigor no presente.

Assim, as obrigações de que o Autor é titular mantêm-se em carteira, embora suspensas, não sendo possível neste momento aferir-se se e quando e por que montante serão elas reembolsadas – donde, não há ainda dano.
Por excepção alegou que mesmo que alguma responsabilidade do Banco pudesse existir, ela estaria necessariamente prescrita à luz do disposto no art. 324º do CVM
Isto porque o Autor desde a data da subscrição das obrigações em causa nos autos que tem conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
De resto, ao longo dos mais de quatro anos que mediaram a subscrição do produto em questão e a propositura da presente acção, o Autor recebeu mensalmente o extracto combinado da conta nº …, que o Banco lhe enviou, onde vem descrita e bem identificada, num capítulo reservado a “carteira de títulos” a aplicação em causa.
Nessa medida, seria abusivo o exercício de qualquer direito relativo a este negócio, se direito se considerasse existir.

Na audiência prévia, o Autor, para além do mais, defendeu a integração da operação em causa no exercício da atividade de intermediação financeira, mais defendendo que, não obstante haver que ponderar se se deve efetuar o enquadramento da responsabilidade do intermediário financeiro no âmbito da responsabilidade delitual ou obrigacional, o por ele alegado sobre a atuação do Banco Réu não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual, por parte daquele para com o Autor, no sentido de garantir o reembolso do capital e juros na data de vencimento; quanto à invocada prescrição, defendeu que, estando em causa uma culpa grave do Réu, não é aplicável o prazo previsto no art. 324º, nº 2, do CVM, mas sim o previsto no art. 309º do Cód. Civil; por último, relativamente ao abuso de direito, argumentou que não pode imputar-se-lhe qualquer comportamento que legitimamente pudesse criar no Banco Réu a ideia de que não exerceria o direito a ser indemnizado.
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Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu no pagamento da quantia de € 60.564,43 (sessenta mil, quinhentos e sessenta e quatro euros e quarenta e três cêntimos), correspondente a € 59.277,81 (cinquenta e nove mil, duzentos e setenta e sete euros e oitenta e um cêntimos) a título de capital e € 1.286,62 (mil, duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos) a título de juros vencidos em Julho de 2016 e no pagamento da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de dano não patrimonial.
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Inconformado, o Réu interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1ª) Não pode o Banco Recorrente conformar-se com a sentença recorrida que o condenou a título de responsabilidade civil contratual por, na veste de intermediário financeiro, ter vendido ao Autor obrigações telecomunicações sem, no entanto, o esclarecer que o risco deste produto em relação aos vulgares depósitos a prazo era distinto, ficando este no convencimento de que se tratava de um produto com características idênticas àquele;
2ª) Constituem objecto de impugnação da matéria de facto os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 por entender o Recorrente que os mesmos deviam ter sido considerados não provados, desde logo em virtude das declarações confessórias que constam dos pontos 17, 18 e 19 terem força probatória plena, não tendo sido requerida a nulidade desta confissão por parte do confitente, aqui Autor. Por outro lado e sem prescindir,
3ª) Sustentou o Tribunal a quo a prova do ponto 5 no depoimento de A. C., funcionário bancário que comercializou o produto em causa nos autos ao Autor, depoimento este que, além de se entender que do mesmo não resultou, tal como se admite na fundamentação desta matéria, que este tenha assegurado o que quer que fosse ao Autor, revelou-se parcial e contraditório (Min. 01:47 a 02:44, Min. 02:52 a 04:40, Min. 05:10 a 07:33, Min. 07:51 a 08:04, Min.10:17 a 11:20, Min. 17:23 a 17:45 e Min. 18:40 a 19:19), no confronto com o depoimento de demais testemunhas isentas, nomeadamente a testemunha D. L. (Min 04:51 a 11:05, Min. 18:52 a 26;24, Min. 27:55 a 32:37, Min. 39:09 a 40:12 e Min. 01:11:59 a 01:12:32) e M. (Min. 03:42 a 04:23 d Min. 09:41 a 09:54);
4ª) A não prova dos pontos 6 e 9 fundamenta-se no depoimento da testemunha A. C. (Min.01:47 a 02:44) uma vez que, além do mesmo ter afirmado já ter vendido ao Autor no passado acções, entre outros produtos do “mesmo género”, afirmou ainda não se recordar em concreto da comercialização do produto em causa nos autos, sendo certo que todos os produtos, até os vulgares depósitos a prazo, comportam risco de capital, ainda que diminuto e na prática ignorado pela solvabilidade das empresas emitentes, tal como acontecia com o produto em causa nos autos;
5ª) A não prova dos pontos 7 e 8 fundamenta-se no depoimento da testemunha A. C. (Min. 10:17 a 11:20) que afirmou, ao contrário do que ficou provado, estar no convencimento de que, em casos como o dos autos, entregava cópias dos documentos e que “costumava ler os documentos com o cliente ou dizer os traços gerais das características do produto” (Min. 01:47 a 02:44, Min. 02:52 a 04:40 e Min. 10:17 a 11:20);
6ª) A não prova dos pontos 4, 10 e 11 fundamenta-se na circunstância de este julgamento ter tido por base os depoimentos contraditórios do filho do Autor, Pedro (Min. 06:29 a 07:07) e da sua mulher, Maria (Min. 03:42 a 04:23) como ainda no depoimento da funcionária M. que atendeu o Autor em 2016, tendo este afirmado ter tido conhecimento da suspensão do pagamento das obrigações Telecomunicações através das notícias (Min. 16:27 a 18:34);
7ª) Ao contrário do que foi dado como provado no ponto 12, não resultou do depoimento das testemunhas Pedro (Min. 05:23 a 05:41) e Maria (Min. 09:41 a 09:54) que o Autor tenha passado a encontrar-se “com constrangimentos financeiros, receio de não reaver o seu dinheiro ou de não saber quando poderia reavê-lo, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida”;
8ª) Uma vez julgada procedente a impugnação da matéria de facto, a acção não tem como não sucumbir, uma vez que, a montante, sucumbem os factos que o Tribunal a quo reputou de ilícito e cujo ónus da prova incumbe ao lesado.

Sem prescindir,

9ª) De qualquer modo a revogação da sentença proferida e a sua substituição por acórdão que determine a absolvição do Banco da fulminada condenação sempre se impõe;
10ª) Da conjugação dos factos provados nos autos, entre eles, nos pontos 5, 13, 14 e 15, não se vislumbra a prática de qualquer ato ilícito por parte do Banco, sendo certo que, nos dizeres do recentíssimo aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2017, “III - A garantia do intermediário financeiro do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, para além de que o maior rendimento da aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco. IV - Desde que o risco da aplicação financeira não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, corre por conta do titular do direito. V – Por outro lado, a afirmação da garantia do reembolso do capital investido pelo intermediário financeiro não significa que a decisão da subscrição das obrigações se tivesse ficado a dever a tal circunstância”;
11ª) Também no aresto do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.12.2016, citado em texto, se entendeu que “Não está demonstrada a ilicitude, por violação do seu dever de informação (e adequação), da conduta da intermediária financeira que apresenta a um investidor não qualificado de perfil conservador, sem conhecimento nem experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários, como produto sem risco, as obrigações emitidas por bancos islandeses que à data apresentavam notações das agências de rating M.´s e F. correspondentes a investimento seguro, tendo a Islândia uma idêntica notação”;
12ª) É nula a sentença recorrida na parte em que oficiosamente considera excluídos os dizeres que constam dos documentos a que se alude nos pontos 17, 18 e 19 da matéria de facto provada e que o Autor subscreveu uma vez que nada foi peticionado nem discutido nos autos com tal objecto, não tendo, por isso mesmo, sido facultado ao Banco Recorrente o exercício do contraditório – nulidade esta que expressamente se arguiu;
13ª) De qualquer forma não colhe o fundamento da aclamada exclusão uma vez que a disposição legal que esteve na sua base, o art. 321º CVM, não é aplicável ao caso dos autos na medida em que não foi celebrado qualquer contrato de intermediação financeira entre o Banco e o Autor, estando, ao invés, em causa um negócio jurídico unilateral que se esgotou na ordem que está em causa nestes autos;
14ª) Tendo resultado provado que o Banco enviou ao Autor as notas de lançamento relativas à subscrição do produto em causa nos autos e ainda os extractos onde o produto vem descrito, sendo que este não se opôs e de que não é nenhum ignorante na matéria posto já no passado ter investido em acções, sempre poderíamos concluir pela ratificação do negócio, quadrando a conduta do Autor a um abuso de direito;
15ª) Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo não resultam dos autos factos que permitam concluir pelo juízo de culpa grave na medida em que não resulta da matéria provada que o Autor tenha sido “conscientemente induzido a aplicar o seu dinheiro num produto com um nível de risco para o qual não estava minimamente esclarecido, por opção do próprio funcionário do Banco”;
16ª) Inexiste dano patrimonial na medida em que, provado como está que o Autor continua titular das obrigações em causa, a verdade é que a sua negociação se encontre suspensa, o que significa que apenas uma decisão definitiva relativamente ao destino das obrigações é que produzirá e consolidará o dano, se o reembolso não ocorrer ou se fizer abaixo do valor nominal;
17ª) Não pode o Banco ser condenado no pagamento de qualquer quantia a título de juros, posto que não garantiu qualquer pagamento a este nível;
18ª) Também ao nível não patrimonial, inexiste qualquer dano passível de ser ressarcido, requerendo-se, todavia a título subsidiário, a sua considerável redução;
19ª) Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 483º do CC, 7º e 321 do CVM, 615º nº 1 al. d) do CPC.

Conclui pedindo a revogação da decisão da primeira instância e a sua substituição por acórdão que absolva totalmente o Banco do pedido.
O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença.
Já nesta instância, para a eventualidade de se considerar verificada a nulidade invocada pelo Recorrente, foram as partes ouvidas sobre a matéria objeto da alegada decisão-surpresa (conclusão 12ª), para que, sem incorrer no mesmo vício, sobre a referida matéria esta Relação se pudesse pronunciar.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, as questões a decidir – por ordem lógico-processual – que ressaltam das conclusões recursórias são as de:

- Saber se a sentença é nula por excesso de pronúncia, no que tange à parte em que decidiu que deviam ter-se por excluídas do contrato de intermediação celebrado todas as cláusulas contidas na ordem avulsa do cliente e no questionário que consignam um conhecimento do produto e uma vontade de assunção do risco de perda de capital que o autor manifestamente não quis, excesso esse decorrente da decisão sobre tal matéria sem audição prévia das partes;
- Saber se existe erro na apreciação da prova e na subsunção jurídica dos factos, sendo este consequência daquele;
- Para a hipótese de não haver lugar a alteração da decisão relativa à matéria de facto:
. Saber se a operação financeira em causa se integra ou não no conceito de atividade de intermediação financeira e se, integrando-se em tal conceito, são ou não válidas ou, no mínimo, se devem ter por excluídas, as cláusulas contratuais gerais invocadas pelo Recorrente e inseridas nos documentos assinadas pelo Autor;
. Saber se os factos apurados traduzem ou não um ilícito, nomeadamente, por violação do dever de informação ou, face ao não reembolso verificado, por violação de compromisso assumido perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria risco de capital, nem de juros;
. Saber se houve “ratificação” da aquisição de obrigações e se a conduta do Autor integra um abuso de direito;
. Saber se existe ou não um dano patrimonial e, existindo, qual a sua dimensão (importando saber se abrange os juros vencidos e não pagos), bem como um nexo entre aquele e a apurada conduta do Banco Réu;
. Saber se há danos não patrimoniais ressarcíveis e, na afirmativa, qual a compensação a tais danos adequada.
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III. FUNDAMENTOS:
Os factos.

Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1) O autor é titular da conta bancária aberta no Banco A com o nº 145371379.
2) Em Julho de 2012 aquela conta foi debitada pelo montante de € 59.277,81.
3) Este lançamento correspondeu ao débito do custo da subscrição de 59 unidades, do valor de € 1.000,00 cada, de "Obrigações Telecomunicações taxa fixa 2012/2016 6,25 %".
4) Aquela subscrição foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, à taxa de 6,25%/ano, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrido aquele prazo de 4 anos.
5) O funcionário do réu assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse.
6) O funcionário do réu sabia que o autor não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa.
7) No momento da subscrição o réu não entregou ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas.
8) Nesse momento não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento.
9) Nunca foi intenção do autor investir em produtos com risco de capital, o que era do conhecimento do réu.
10) No dia 27.07.2016 vencia-se o produto que o autor pensava corresponder a um depósito a prazo, tendo o mesmo ido à Agência de Fafe com o intuito de resgatar a quantia empregue.
11) Nessa data o autor foi informado de que não havia constituído um depósito a prazo mas sim subscrito as obrigações da Telecomunicações, as quais nessa data se encontravam bloqueadas.
12) Com o sucedido, o autor passou a encontrar-se num permanente estado de preocupação, ansiedade e tristeza, com constrangimentos financeiros, receio de não reaver o seu dinheiro ou de não saber quando poderia reavê-lo, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida. 13) As “Obrigações Telecomunicações Taxa Fixa 2012/2016” correspondiam a um título de dívida não subordinado caracterizado por uma rentabilidade superior à das aplicações tradicionais, com pagamento semestral de juros a uma taxa fixa bruta pré-definida de 6,25 por cento ao ano.
14) Segundo as suas condições de emissão, a Telecomunicações Internacional Finance B.V. obrigou-se a reembolsar as obrigações aos subscritores, pelo seu valor nominal, de uma só vez, em 26 de Julho de 2016, tendo assim este investimento uma maturidade de quatro anos (26.07.2012 a 26.07.2016).
15) À data, a maioria dos cidadãos e instituições bancárias acreditava que a Telecomunicações Internacional Finance B.V. tinha uma situação económica e financeira sólida.
16) O autor investiu em acções da Fornecedor De Electricidade e do BANCO P no período compreendido entre 1998 e 2001.
17) O funcionário bancário que atendeu o autor solicitou-lhe a prestação de informações com vista a apurar o seu perfil de investidor e, face às respostas dadas, aquele foi classificado como Investidor Não Profissional, tendo assinado o documento que corporiza aquele questionário, do qual consta, entre o demais, o seguinte teor: «[l]i e compreendi a informação prestada neste documento e concordo que é adequada e fiável. Compreendo, de igual modo, que investimentos especulativos em instrumentos financeiros podem eventualmente permitir eventuais ganhos mas podem originar perdas substanciais que, em alguns casos, poderão ser superiores ao valor do capital investido. Caso opte por esse tipo de investimento assumo que o faço por minha conta e risco e (…) as decisões de investimento que concretizar serão da minha inteira responsabilidade».
18) O autor subscreveu uma declaração elaborada pelo réu com o seguinte teor:

Pretende adquirir o instrumento financeiro Telecomunicações Taxa Fixa 2012/2016 6,25 % X Que o Banco B solicitou ao cliente e este prestou ao Banco, nos termos legalmente aplicáveis, toda a informação sobre os seus conhecimentos e experiência e matéria de investimento e /ou sobre o seu património. Que com base na informação prestada o Banco B o advertiu expressamente que não considera a presente operação adequada ao seu perfil de cliente”.
19) No documento referido no artigo anterior consta que o autor: (i) possui a experiência e conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos, os quais constam, em síntese, de suporte duradouro já fornecido pelo Banco B, e que o seu património lhe permite suportar financeiramente quaisquer riscos conexos de investimento e que a operação/produto/serviço está em coerência com os seus objectivos de investimento; (ii) sabe poder assumir, em resultado de operações sobre este concreto instrumento financeiro, compromissos e obrigações adicionais, nomeadamente patrimoniais, além do custo da presente aquisição, pelo que a sua decisão de investimento é esclarecida e tomada sob a sua única e total responsabilidade; (iii) que conhece, compreende e aceita as Condições Gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira em vigor no Banco B para a prestação deste serviço e todos os anexos às mesmas, designadamente a política de execução de ordens, constante do Anexo I, com a qual concorda”.
20) O Banco réu emitiu uma nota de lançamento da subscrição e enviou para a morada do autor, que a recebeu, e onde vem enunciada a compra de títulos na OPV, Telecomunicações TAXA FIXA 2012/2016 6,25% (SUBSCRIÇ).
21) Nos meses de Julho e Janeiro dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, foram creditados os rendimentos desta operação na conta de depósitos à ordem do autor, que os embolsou, no montante total de € 9.006,34.
22) Tendo-lhe sido remetidas as respectivas notas de lançamento.
23) A Telecomunicações International Finance B.V, na data de vencimento da obrigação de reembolso aos titulares das obrigações do valor nominal que haviam investido, ou seja, no dia 26 de Julho de 2016, não efectuou qualquer reembolso.
24) No dia 21 de Junho de 2016 a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deliberou a suspensão da negociação das obrigações “Obrigações Telecomunicações Taxa Fixa 2012/2016” até à divulgação de informação relevante relativa ao processo de recuperação judicial das Empresas Oi, apresentado no dia 20 de Junho.
25) Esta suspensão veio a ser prorrogada pela CMVM no dia 18 de Julho de 2016 com o mesmo fundamento e mantém-se em vigor no presente.
26) Ao longo dos (mais) de quatro anos que mediaram a subscrição do produto em questão e a propositura da presente acção, o autor recebeu mensalmente o extracto combinado da conta nº 145371379, que o Banco lhe enviou, onde vem descrita e bem identificada, num capítulo reservado a “carteira de títulos” a aplicação em causa.

E foram considerados não provados os seguintes factos:

a) Que quando este produto financeiro foi colocado no mercado o autor se tenha mostrado interessado na sua subscrição, dispondo-se a fazê-la com montante que se encontrava crédito da conta de que era titular.
b) Que nessa circunstância o funcionário do Banco que atendeu o autor lhe tenha explicado as características do investimento e que o autor tenha decidido investir por aquelas lhe agradarem.
c) Que o autor houvesse sido esclarecido de que o reembolso do capital apenas ocorreria se a empresa emitente continuasse solvente e com boa saúde financeira.
d) Que no momento da subscrição o réu haja entregado ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas.
e) Que o réu haja transmitido e esclarecido o autor quanto a todas as características e condições do produto, estivessem estas vertidas ou não em documento escrito.

O Direito.

- Da nulidade da sentença recorrida

Na sua alegação, invoca o Recorrente a nulidade da sentença recorrida na parte em que oficiosamente considera excluídos os dizeres que constam dos documentos a que se alude nos pontos 17, 18 e 19 da matéria de facto provada e que o Autor subscreveu uma vez que nada foi peticionado nem discutido nos autos com tal objecto, não tendo, por isso mesmo, sido facultado ao Banco Recorrente o exercício do contraditório.

Vejamos.
Temos por certo que quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão, não assegurou previamente o contraditório, estamos perante uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica à decisão proferida, de modo que a recção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC (cfr. Acórdãos do STJ de 17.03.16 – Relator Abrantes Geraldes – e de 23.06.16 – Relator Fonseca Ramos –; na doutrina, Teixeira de Sousa, comentário de 10.05.14 ao Acórdão da Rel. de Évora, de 10.04.14, em blogippc.blogspot.Telecomunicações).
Em causa está, pois, saber se estamos ou não perante o proferimento de uma decisão-surpresa.
Assentimos em que “a lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu uma relação com o pedido formulado para a concreta decisão, ter ou não sido prevista em função da pretensão colocada a quem irá decidir” (Acórdão do STJ de 14.05.2002), não sendo pelo facto de se tratar de uma “questão de direito”, ainda que de conhecimento oficioso, que não se impõe o respeito pela regra contida no seu artigo 3.º, n.º 3, do CPC, reconhecendo-se, assim, que “o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser (…) a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo” (Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais, 1999, pág. 96).

Deve, aliás, sublinhar-se que “o risco de agressão ao princípio do contraditório surgirá, sobretudo, nos casos em que o juiz aprecie oficiosamente uma questão” (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao NCPC, Almedina, 2014.2.ª Edição, Vol. I, a pág. 32).

Assim sendo, não estando nós perante um caso de manifesta desnecessidade de cumprimento do contraditório, deve reconhecer-se a invocada nulidade.
Apesar disso, nada obsta a que, ulteriormente, se aprecie do mérito do recurso, conhecendo, nomeadamente, para o efeito – agora após as partes terem tido oportunidade de exercerem o direito ao contraditório –, da questão oficiosamente suscitada pela 1ª instância.

Na verdade, “ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das referidas nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução para o tribunal a quo.” (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 322).
Face ao exposto, reconhece-se a nulidade da decisão recorrida na parte em que decidiu da exclusão das referidas cláusulas, sem prejuízo do ulterior conhecimento, nesta instância, dessa mesma questão.

- Impugnação da matéria de facto:

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.

Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do mesmo diploma legal que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Sustenta o Réu/Recorrente que houve erro na apreciação da prova, porquanto deveria ter merecido resposta negativa os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, desde logo em virtude das declarações confessórias que constam dos pontos 17, 18 e 19 terem força probatória plena, não tendo sido requerida a nulidade desta confissão por parte do confitente, aqui Autor.

Em causa está saber se houve, por parte do Tribunal recorrido, violação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material – mais precisamente de disposições legais expressas que fixam a força probatória de determinado meio de prova, isto é, um verdadeiro erro de aplicação de direito (cfr. acórdão do STJ de 03.12.2015) – e se, por força de tais regras, se impõe decisão oposta à proferida sobre os factos em análise.

Vejamos.
Recordemos, em primeiro lugar, as invocadas “declarações” do Autor.
A primeira, integrada no documento que corporiza o questionário (pré-elaborado pelo Réu) assinado pelo Autor, tem o seguinte teor: «[l]i e compreendi a informação prestada neste documento e concordo que é adequada e fiável. Compreendo, de igual modo, que investimentos especulativos em instrumentos financeiros podem eventualmente permitir eventuais ganhos mas podem originar perdas substanciais que, em alguns casos, poderão ser superiores ao valor do capital investido. Caso opte por esse tipo de investimento assumo que o faço por minha conta e risco e (…) as decisões de investimento que concretizar serão da minha inteira responsabilidade».
A segunda corresponde a uma declaração subscrita pelo Autor e também elaborada pelo Réu com o seguinte teor: Pretende adquirir o instrumento financeiro Telecomunicações Taxa Fixa 2012/2016 6,25 % e que o Banco B solicitou ao cliente e este prestou ao Banco, nos termos legalmente aplicáveis, toda a informação sobre os seus conhecimentos e experiência e matéria de investimento e /ou sobre o seu património. Que com base na informação prestada o Banco B o advertiu expressamente que não considera a presente operação adequada ao seu perfil de cliente”.

Quanto à última, também integrada no documento referido no artigo anterior, consta que o Autor: (i) possui a experiência e conhecimentos necessários para compreender os riscos envolvidos, os quais constam, em síntese, de suporte duradouro já fornecido pelo Banco B, e que o seu património lhe permite suportar financeiramente quaisquer riscos conexos de investimento e que a operação/produto/serviço está em coerência com os seus objectivos de investimento; (ii) sabe poder assumir, em resultado de operações sobre este concreto instrumento financeiro, compromissos e obrigações adicionais, nomeadamente patrimoniais, além do custo da presente aquisição, pelo que a sua decisão de investimento é esclarecida e tomada sob a sua única e total responsabilidade; (iii) que conhece, compreende e aceita as Condições Gerais de contas de registo e depósito de instrumentos financeiros e de intermediação financeira em vigor no Banco B para a prestação deste serviço e todos os anexos às mesmas, designadamente a política de execução de ordens, constante do Anexo I, com a qual concorda”.

Quid juris?
Estas “declarações” correspondem, claramente, a cláusulas “de feição manifestamente pré determinada e padronizada”, não podendo, por isso, designadamente, “ter o efeito de desvincular o Banco do ónus de demonstração do cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº3 do art. 5º do DL446/85” (acórdão do STJ de 04.05.2017 – Lopes do Rego).

Na verdade, como se sublinha com toda a propriedade no citado acórdão, a uma cláusula com o teor das ora em questão, não pode atribuir-se “como efeito a desvinculação do ónus da prova, imposto ao aderente pela norma imperativa constante do referido art. 5º, nº3 – ou seja, no nosso entendimento, a tal cláusula pré determinada e padronizada não pode – por força do princípio da boa fé e da imperatividade do regime de repartição do ónus da prova, no que toca ao dever de informação - atribuir-se o efeito de fazer presumir automaticamente o cumprimento do dever de informação que recai legalmente sobre o aderente, passando consequentemente a incidir sobre a contraparte a prova do contrário. É que essa solução constituiria um modo ínvio de afastar, afinal, a regra imperativa proclamada pelo nº3 do art. 5º da LCCG em sede de repartição do ónus da prova entre o aderente e a contraparte: e, por isso, tal declaração confessória será apenas um elemento sujeito à livre apreciação do julgador; ou seja, este, quando tiver de apreciar e valorar a matéria factual referente ao cumprimento adequado do dever de informação, poderá atender, não apenas à prova documental e testemunhal produzida, mas também ao teor da dita declaração confessória”.

No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 14.09.2017, onde se pode ler: “com o tipo de cláusula em questão poderia quando muito defender-se que haveria um princípio de prova de ter havido comunicação que teria de ser corroborado por outros elementos de prova para se poder entender que ela tinha ocorrido mesmo”.

Na verdade, uma cláusula do referido género consubstancia “típica situação de gato escondido com o rabo de fora, na medida em que ela própria carece da exigência de comunicação e de explicação”, como expressivamente se diz num outro Acórdão da Relação do Porto de 29.05.2014, a propósito de uma cláusula de confirmação, ali se acrescentando que, “ainda que a aderente tenha tomado conhecimento desta, tal não significa que lhe foram comunicadas as restantes cláusulas” (de idêntico teor veja-se ainda o acórdão da Relação do Porto de 03.07.2003).

Ainda a propósito de uma cláusula de confirmação inserida num contrato de mútuo, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 23.02.2012: “Para justificar a sua global aceitação por parte do mutuário, o mutuante elimina, na prática, as exigências legais que sobre ele, como utilizador de cláusulas contratuais gerais, impendem quanto àqueles deveres de comunicação e informação.”

De igual modo, não podem estas cláusulas afastar a vinculação do intermediário financeiro ao cumprimento do disposto no artigo 314º do Dec. Lei 486/99, de 13.11, de acordo com o qual se exige àquele a solicitação ao cliente de informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos e, assim não considerando deve, por escrito, adverti-lo desse facto (nº 2 do artigo 314º), a que acrescem ainda, no caso de investidores não qualificados, as obrigações referidas no seu artigo 332º do mesmo diploma.
Em conclusão, não houve, por parte do Tribunal recorrido, violação de qualquer regra probatória material ao considerar provados os pontos de facto ora impugnados.

Passando, agora, à impugnação propriamente dita:

Como vimos, estamos no âmbito da livre apreciação da prova, valendo aquelas declarações como quaisquer outros elementos com força probatória não regulada.
Neste campo, ultrapassada que se mostra a questão da violação de regras do direito probatório material, incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Começaremos por frisar que a resposta às questões controvertidas nos autos terão, forçosamente, de ser encontradas mediante um especial esforço crítico relativamente à prova testemunhal produzida dada a particular falibilidade da mesma – por um lado, depoimentos de familiares muito próximos do Autor e, por outro, depoimentos de funcionários do Banco Réu (um deles já reformado por invalidez mas manifestamente grato ao Banco pelo modo como foi tratado quando se viu confrontado com o grave problema de saúde que o incapacitou) –, tendo sempre presente, quer o grau de conhecimento geral sobre operações financeiras que, à data existia, quer alguns dados objetivos que nos permitem caracterizar o Autor e o contexto pessoal em que o mesmo atuou, quer as características da particular operação realizada.

Começando pelo contexto mais global, importa não esquecer que a perceção do risco e os conhecimentos do funcionamento do sistema financeiro que depois da denominada “crise do Banco C” a generalidade dos investidores não qualificados – como era o caso do Autor – passou a ter a respeito da atividade financeira são substancialmente diversos daqueles que os mesmos antes possuíam: não só uma série de conceitos se vulgarizou, como a atenção aos níveis de risco envolvidos nas aplicações financeiras passou a ser outra.
Olhando a concreta operação, vemos que em causa estava a aquisição de obrigações, aplicação em que há um risco real de um investidor perder todo ou parte do seu investimento no caso de o emitente se tornar insolvente (mesmo nas obrigações seniores).

Aproximando, agora, o nosso foco do concreto investidor em causa e ouvida toda a prova produzida, percebemos que, como se sublinha na sentença recorrida, está em causa um operário têxtil inserido numa família que claramente desconhecia que produtos eram estes.
Na verdade, são momentos totalmente espontâneos dos depoimentos que o revelam. Assim, por exemplo, como se do mesmo tipo de aplicações das que estão na génese destes autos se tratasse, o filho do Autor – Pedro – disse que, no final do período de 4 anos das aplicações em causa, ele e o pai foram informados “que aquilo eram ações” e que “o meu pai nunca quis ações”, de “ações” falando também a mulher do Autor, Maria, a propósito da explicação que lhes deram para o facto de, no termo do referido período, “não terem lá (no Banco) nenhum dinheiro”, como eles pensavam ter (o que, aliás, até se mostra refletido na própria petição inicial – momento em que, recorde-se, ao Autor ainda não tinha chegado qualquer documento relativo à subscrição das obrigações ora em causa –, onde também são referidas “ações” da Telecomunicações). Acresce que o Autor claramente não era pessoa com rasgo e dinamismo financeiros, percebendo-se do extrato de fls. 6-verso que, tal como referido pelo Autor, a quase totalidade – 55.000 € – do valor investido na operação ora em crise, proveio de uma conta-poupança, sendo ainda certo que, não obstante ter anteriormente investido em ações da Fornecedor de Electricidade e do BANCO P no período compreendido entre 1998 e 2001, há mais de 10 anos que o Autor não efetuava qualquer investimento em ações ou obrigações ou qualquer outro produto de risco (fls. 24-verso), revelando-se aquele restrito período de investimento um caso isolado, do qual, a ter em consideração as respostas ao questionário elaborado pelo Banco Réu, o mesmo nem sequer teria noção de ter realizado.

De forma segura, sabe-se ainda que já então o Autor sofria de incapacidade grave (mais de 70%), estando, por isso, dependente do dinheiro que, com muito sacrifício de todo o agregado familiar, aforrou (“nunca fui passar férias, nunca fui a lado nenhum”, disse com tristeza a sua mulher), sendo, para ele, a quantia aplicada “muito dinheiro”, “as poupanças de uma vida” (disse o filho), aqui se frisando que os depoimentos dos familiares não foram, neste aspeto, colocados em crise por qualquer outra prova.

Sendo este o quadro pessoal e de vida do Autor, não é crível que o mesmo estivesse disposto a colocar em risco a quase totalidade do seu aforro, aplicando, sem qualquer palavra que o tranquilizasse, que lhe afastasse o receio da perda daquela quantia, o dinheiro que representava a sua segurança no futuro (“tínhamos este dinheiro para algum problema que surgisse”, “temos estes problemas e temos que nos prevenir” explicou, de forma serena, a mulher do Autor), sendo, por outro lado, credível que, para estas pessoas, o dinheiro pudesse dar um juro tão elevado apenas “por ser muito dinheiro” (como disse a mulher do Autor), o que, aliás, se mostra consentâneo com o referido pela testemunha Carlos (infra melhor identificado) quando referiu que para adquirir este produto havia um montante mínimo de subscrição.

Neste contexto, é verosímil o relato feito pelo filho e pela mulher do Autor, no sentido não só de que a iniciativa de investimento do dinheiro da conta à ordem na aplicação ora em causa partiu da esfera do Banco (concretamente, da testemunha A. C., então funcionário do Banco), como também que, segundo o funcionário que falou com eles (o referido A. C.), “aquilo era uma conta-poupança”, um investimento “sem risco” (nas palavras do filho do Autor), era “pôr o dinheiro a prazo” (na expressão da mulher do Autor).
E é este relato – que, pelas razões que já se referiu, não é de estranhar face às regras da normalidade e da experiência – que é corroborado pelo depoimento do referido A. C. quando admitiu que, nas palavras da sentença recorrida, possa ter dito ao autor que aquele produto tinha a segurança de um depósito a prazo, onde o capital está sempre garantido.
Defende o Recorrente que, face à própria motivação da 1ª instância, não resulta que o funcionário A. C. tenha assegurado essa realidade, tal como ficou provado no ponto 5º da matéria de facto.

Sucede, porém, que, como se viu, este depoimento não vale por si só, valendo, sim, sobretudo, como complemento, corroboração, dos depoimentos das testemunhas acima referidas, enquanto testemunho do genérico modo de proceder que era o do referido funcionário do Banco Réu.

Veja-se que esta testemunha nunca disse que se recordava da concreta venda em causa, apenas se recordando de ter atendido o Autor algumas vezes, não podendo, por isso, logicamente, assegurar ter, em concreto, procedido desta ou daquela maneira. A importância do seu depoimento reside no facto de, reconhecendo ele a sua rúbrica nos documentos relacionados com esta aplicação juntos aos autos pelo próprio Banco Réu e, portanto, a sua intervenção na referida operação bancária, o mesmo ter admitido que, “como comerciais”, “podiam reforçar segurança” dizendo “isto é como um depósito a prazo, isto é garantido”, podendo ter sido isso que sucedeu, “sobretudo se eram obrigações”.

E não se pode dizer que, como defende o Recorrente, a revolta que este ex-funcionário nutre contra o Banco Réu é notória e ficou bem explicita no seu depoimento. Com efeito, apesar de ter sido despedido pelo Banco com justa causa, percebe-se que o referido A. C. rapidamente refez a sua vida, tendo características que aparentemente lhe garantem sucesso – “é um comunicador, ele sabe falar”, “é uma pessoa que conhece muita gente, as pessoas dão-se muito bem com ele”, frisou a testemunha D. L., seu ex-colega de trabalho – e que, acrescente-se, se coadunam com o perfil persuasor que a respeito do mesmo se extrai do relato dos familiares do Autor, o que torna ainda mais credível o depoimento destes.

Deve ainda dizer-se que as contradições entre o depoimento desta testemunha e o da testemunha D. L. não nos fazem duvidar da veracidade da afirmação da primeira a que a Sr.ª Juíza a quo deu relevância, nomeadamente porque, como já se frisou, a última das referidas testemunhas, apesar de já reformada por invalidez, se mostra manifestamente grata ao Banco pelo modo como foi por este tratado quando se viu confrontado com o grave problema de saúde que o incapacitou, revelando um espírito de lealdade para com a sua ex-entidade patronal nem sempre conciliável com uma total isenção. Exemplificando: esta testemunha começou por garantir que ele (tal como os demais funcionários seus colegas) só venderia obrigações se o cliente dissesse que o Banco ao lado tinha uma campanha, isto é, se o cliente já fosse conhecedor da campanha e lho pedisse – o que não é de todo credível e é inclusive contrário ao referido pela testemunha Carlos que mencionou, como também se diz na sentença recorrida, que quanto a este produto – Obrigações da Telecomunicações - os funcionários comercializavam o produto normalmente, propondo-o (nomeadamente) a quem tenha dinheiro à ordem (como, recorde-se, era o caso do Autor) –, justificando o referido D. L. as suas afirmações com referências vagas e pouco consistentes quanto à falta de interesse dos Bancos na venda de obrigações (a ser como descrito pela referida testemunha, nem se chega a perceber a razão porque têm os Bancos obrigações de terceiros à venda nas suas sucursais).

Assim, não obstante D. L. ter referido, como se diz na sentença, que no leque de opções de investimento que apresentaria a um cliente, não deixaria de referir, quanto às obrigações, que não havia garantia de capital, muitas dúvidas se nos suscitam que fosse exatamente assim esse o seu procedimento e, muitas mais, sobre serem igualmente tão rigorosas, no sentido do total esclarecimento dos clientes, as orientações da administração. Tanto mais que, como a própria testemunha refere, quanto a outras situações – segundo esta mesma testemunha, de venda de “produtos da casa” –, a pressão era “fortíssima” (“uma pessoa nem dormia”), o que nos leva facilmente a entender aquilo a que tais pressões poderiam conduzir os funcionários (por muito honestos que fossem) a fazer, ainda que tal não lhes fosse diretamente solicitado.

Por último, ainda que o procedimento normalmente adotado fosse o referido pela testemunha D. L., isso nunca impediria a formação da convicção firmada na sentença no sentido de que não era contudo nesses termos que A. C. - funcionário que trabalhava na caixa, atendia clientes, vendia produtos e prestava informações - compreendia a vontade das chefias, tanto mais que, como também se refere na motivação da sentença, o referido D. L. não teve (…) contactos directos com o autor, pelo que não pôde assegurar que (relativamente ao caso em apreço) tenham sido adoptados tais procedimentos.

Muito menos poderá o depoimento da testemunha M. determinar a desconsideração da afirmação a que a 1ª instância deu relevância. Basta sublinhar que esta testemunha – funcionária do Banco Réu – nos emails de fls. 8 e seguintes trocados com os colegas para pedir a documentação respeitante a esta aplicação a tratou sempre como “depósito a prazo OBRIGAÇÕES TELECOMUNICAÇÕES”, o que bem revela que os próprios funcionários do Banco não distinguiam com a clareza devida, nem sequer internamente, uma aquisição de obrigações de um depósito a prazo, não tendo convencido, como se diz na sentença, a explicação que deu, no sentido de tal ter acontecido porque pretendia que se fizesse busca em todos os locais/arquivos, pois se assim fosse então constariam daqueles e-mails muitas outras referências a outros produtos, o que não sucede.

Por fim, a reforçar a hipótese admitida pela testemunha A. C. e a afastar quaisquer dúvidas que os depoimentos das testemunhas anteriormente referidas pudessem suscitar quanto à possibilidade de verificação da mesma, atente-se no depoimento de Carlos, subgerente da agência de Fafe desde Fevereiro de 2012 até Março de 2015 que no decorrer do processo disciplinar contra o referido A. C. referiu que também houve queixas de clientes afirmando que aquele funcionário vendera produtos diferentes dos pretendido.

Deste modo se revela que a assinatura, pelo Autor, dos documentos contendo as cláusulas de que acima falamos não passou de um pró-forma, não tendo o conteúdo daquelas qualquer equivalência no plano dos factos.

Face ao exposto, não vemos como se possa afirmar ter havido erro na apreciação da prova por parte da 1ª instância quando deu como provado que aquela subscrição foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, à taxa de 6,25%/ano, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrido aquele prazo de 4 anos e que o funcionário do réu assegurou que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse.

E, assim sendo, torna-se evidente que o aludido funcionário do réu (o referido A. C.) sabia que o autor não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa, senão não poderia estar a referir-se nos termos em que se referiu à aplicação em causa, sendo, pelo contrário, de crer que, como referido pelos familiares do mesmo, nunca foi intenção do autor investir em produtos com risco de capital, o que, como decorre da informação pelo referido funcionário prestada, era do conhecimento dele e, consequentemente, do réu.

Quanto ao ponto impugnado inserido na alínea 7) - no momento da subscrição o réu não entregou ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas – basta frisar que, para além das afirmações nesse sentido dos familiares do Autor, sustentam a convicção da primeira instância as declarações de D. L. - funcionário do réu desde 1995 até 2014, altura em que deixou o Banco por complicações de saúde, tendo chefiado o balcão da Agência de Fafe. Ora, como se refere na sentença, aquele foi efetivamente muito claro ao referir que normalmente os clientes não levam documentação no acto da subscrição, sendo-lhes mais tarde enviada a documentação para casa, o que se mostra consentâneo com o facto de o Autor insistir junto do Banco pela obtenção dos documentos relativos à aludida operação bancária (sem sucesso) e de ter intentado a presente ação sem tal suporte documental, e afasta a plausibilidade da resposta da testemunha A. C. à questão de saber se alguma vez deixou de entregar documentos, devendo, aliás, salientar-se que mesmo esta testemunha terminou a resposta a esta questão salvaguardando-se na expressão penso que dávamos na altura cópias.

Sustentando o ponto correspondente à alínea 8) – nesse momento não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento –, não só o que decorre dos depoimentos dos familiares do Autor, como o depoimento do referido A. C. quando referiu que o documento em si não liamos (embora de seguida tenha corrigido para não liamos na íntegra), acrescentando, de modo esclarecedor, acho que ninguém, ninguém fazia isso.
O que, mais não houvesse, como se demonstrou haver, para desconsiderar tais declarações, sempre conduziria a desvalorizar, para efeito da formação da convicção acerca de toda a factualidade em apreço, o facto de o Autor ter assinado os documentos com as declarações acima transcritas e que o Banco Réu invoca na sua alegação recursiva (tanto mais que, como infra melhor se verá, correspondendo as mesmas a cláusulas gerais, caberia ao Banco Réu provar que comunicou e explicou ao Autor tais cláusulas, o que nem sequer invocou ter feito).

Com apoio nos referidos depoimentos dos familiares do Autor e em coerência com a convicção acima firmada a respeito dos demais pontos de factos controvertidos, outra não poderia ser a convicção firmada senão aquela que se mostra espelhada na decisão recorrida relativamente aos pontos 10) e 11), mostrando-se neste quadro irrelevante que a funcionária M., que atendeu o Autor em 2016, tenha dito que o mesmo lhe afirmou ter tido conhecimento da suspensão do pagamento das obrigações Telecomunicações através das notícias, tanto mais que, como o próprio Banco Réu alegou a deliberação (e, naturalmente, a respetiva divulgação) da CMVM no sentido da suspensão da negociação das ditas Obrigações ocorreu no dia 21.06.2016, isto é, mais de um mês antes da data em que o Autor se deslocou ao Banco, verificando-se, por outro lado, que referida deslocação ao Banco coincidiu com o vencimento da aplicação, circunstância que se mostra consentânea com o intuito da deslocação ao Banco indicado pelo Autor e os depoimentos dos referidos familiares do mesmo que, ao contrário do defendido pelo Réu, não se vêm como contraditórios, porquanto a mulher daquele se limitou a afirmar que, dessa vez, ela não foi ao Banco, o que não exclui a possibilidade de o seu filho ali se ter deslocado com o pai.

Por último, quanto ao ponto inserido na alínea 12), a convicção do Tribunal recorrido assenta corretamente nos depoimentos dos familiares do Autor, verificando-se que efetivamente a mulher do Autor falou sobre como foi por este vivida a situação, do abalo que o atingiu, com consequências psicossomáticas (emagrecimento, insónias), bem como sobre as limitações económicas do agregado e dos problemas relacionados com a grave incapacidade do Autor e sobre o que, nesse quadro, a indisponibilidade daquele dinheiro representava, o que, embora de forma mais vaga, foi corroborado pelo filho do Autor, sendo, nesse contexto, o sofrimento moral referido perfeitamente consentâneo com as regras da experiência e da normalidade.
Improcede, pois, a alteração da matéria de facto propugnada pelo Réu/Recorrente.

Subsunção jurídica dos factos:

Defende o Recorrente que, de qualquer modo – ou seja, ainda que improcedente a impugnação da matéria de facto –, a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que determine a absolvição do Banco sempre se impõe porquanto, mesmo perante os factos provados constantes da sentença recorrida, não se vislumbra a prática de qualquer ilícito por sua parte.

Vejamos.
Começaremos por dizer que, no nosso entender e diferentemente do defendido pelo Réu que diz que não foi celebrado qualquer contrato de intermediação financeira entre o Banco e o Autor, estando, ao invés, em causa um negócio jurídico unilateral que se esgotou na ordem que está em causa nestes autos, a factualidade apurada traduz sem dúvida a existência de facto de uma atividade de intermediação financeira (aplicação em ativos financeiros) desenvolvida pelo Banco Réu.

Segundo Engrácia Antunes, in “Os Contratos de Intermediação Financeira, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXXV, Coimbra, 2007, pág.´s 280-284, os contratos de intermediação financeira são os “(…) negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira”, que têm por objeto essencial a regulação contratual de “(…) veículos instrumentais do exercício da intermediação financeira(…)”.

Nos termos do art. 289.º, n.º 1 do CVM, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros; b) Os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento; c) A gestão de determinadas instituições de investimento coletivo: d) O exercício das funções de depositário dos instrumentos financeiros que integram o património das instituições de investimento coletivo referidas na alínea anterior.

No caso do recebimento, transmissão e execução das ordens dadas pelos investidores, o intermediário financeiro está a proceder a operações por conta alheia: o intermediário financeiro atua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera jurídica destes que se repercutem as consequências - positivas e negativas - das operações de subscrição ou transação de valores mobiliários.

Essa atuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente, designado normalmente como negócio de cobertura, que serve de base à subscrição ou transação de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura.

Os negócios de cobertura, que no CVM aparecem designados como contratos de intermediação, têm a sua regulamentação nos arts. 321.º e ss. deste diploma, entre eles se contando as ordens, cuja disciplina se contém nos arts. 325.º e ss.

Assim sendo, como se concluiu no acórdão da Relação de Lisboa de 02.11.2017, “além de instituição de crédito, é também um intermediário financeiro o Banco que tratou da comercialização, aos seus balcões, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas, das obrigações emitidas por uma terceira entidade” e “essa actividade e o contrato celebrado não podem deixar de ser considerados de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira”.

Aqui chegados, cumpre, agora, salientar que, como refere a sentença recorrida, nos termos do nº 3 do 321º do CVM, “aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores”.
E, nos termos das alíneas e) e g) do art. 21º do Dec. Lei 446/85, são absolutamente proibidas nas relações com os consumidores finais as cláusulas que: atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspetos jurídicos, quer em questões materiais; modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos.
“Trata-se agora de prevenir que a posição do consumidor possa ser afectada por expedientes destinados a diminuir as suas garantias, seja através de uma redistribuição do risco contratual, do risco em sede probatória ou do risco em sede de resolução de conflitos.” (José Engrácia Antunes, in Dos Contratos Comerciais em Geral, pág. 206).
E as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição do aludido diploma são nulas nos termos nele previstos – art. 12º.
Deste modo, as cláusulas acima mencionadas e inseridas pelo Banco Réu nos documentos assinados pelo Autor, por infringirem normas imperativas, são nulas (cfr. neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 23.02.2012).

Como refere Pedro Paes de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 558: “A massificação da usura característica das cláusulas contratuais gerais iníquas acarreta uma relevância social, de ordem pública, que ultrapassa o carácter meramente interprivado do regime geral da usura contido nos artigos 282.º a 283.º do Código Civil. Por isso, a sanção da iniquidade das cláusulas contratuais gerais é a nulidade.”.

Mas ainda que assim não fosse, como é, as mesmas deveriam ter-se por excluídas do acordo de intermediação em causa face ao disposto na alínea a) do art. 8º do DL 446/85, de 25.10, porquanto, no caso, no momento da subscrição o réu não entregou ao autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas e nesse momento não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento.

Deve, aliás, dizer-se que mesmo que tal não se tivesse apurado, tendo em consideração que nos termos do art.5º, nº 3, do mesmo diploma, “o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais” e que, nos autos, o Banco Réu, tão pouco, alegou a tomada de qualquer iniciativa concreta da sua parte no sentido de proceder à respetiva comunicação, a exclusão das ditas cláusulas sempre se imporia, não relevando, por isso, as mesmas seja para que efeito for.

Isto assente, passemos, então a analisar a questão da responsabilidade do Banco Réu como intermediário financeiro, começando por verificar se, face ao apurado, se mostra ou não preenchido o requisito da ilicitude.
A propósito da responsabilidade do intermediário financeiro Menezes Leitão in Direitos dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, 2000 pág. 45, considera que “há que ponderar, confrontando os seus pressupostos, se se deve efectuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção (art. 483 e segs. do C. Civil) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações arts. 798 e sgs. do C. Civil ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil.”

Seja como for, o legislador resolveu a questão de uma forma pragmática ao prescrever no artigo 304.º-A, nº 1, do CVM que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (nº 2 do citado artigo).
Entre esses deveres do intermediário financeiro - verdadeiras normas de conduta ou deveres jurídicos de conduta profissional - avulta, no que para o caso interessa, o dever de informação.

Sobre ele nos debruçaremos, pois.
Na sequência da transposição da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/04, através do D.L. nº 357-A/2007 de 31/10, o art. 7.º do CVM equipara - em termos gerais - a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, o que implica, obviamente, que a informação seja casuisticamente adaptada e compreensiva de todos os elementos relevantes, fiel à realidade, apresentada no momento oportuno, percetível e isenta de elementos subjetivos e conforme à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
É a consagração do princípio da “full disclosure”, importado do direito americano, num sentido de revelação total.
A ponderação do conteúdo da informação a prestar deve ser feita de forma casuística e à luz dos interesses daqueles em nome de quem a lei exige esta conduta.
De modo que o art. 312.º, n.º 1, do CVM mais não contém do que um enunciado dos dados informativos básicos ou mínimos que terão que ser fornecidos pelo intermediário financeiro, relacionados com a qualificação do investidor, com as características do instrumento financeiro e riscos associados ao mesmo, com a existência de um fundo de garantia e com os custos do serviço, concretizando o artigo 312.º-E, na redação DL 63-A/2013, de 10.05, a informação a prestar relativa aos instrumentos financeiros, no sentido de que:

1 - O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
2 - A descrição dos riscos deve incluir:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;
b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;
c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;
d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo. “
A questão fundamental na aplicação destes preceitos prende-se com a densificação dos conteúdos dos conceitos indeterminados neles inseridos.

Para esse efeito, impõe-se ter presentes os princípios da proteção dos interesses dos clientes de atuação diligente e do conhecimento dos clientes previstos no art. 304º do CVM, segundo o qual os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (nº 1) e, nas relações com todos os intervenientes no mercado, devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (nº 2), o que, desde logo, denota que o padrão de conduta exigido ao intermediário financeiro é um padrão que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família previsto no art. 487º, nº 2, do Cód. Civil, devendo, antes, o intermediário agir como um “diligentissimus pater família”, segundo cuidados especiais que só as pessoas muito diligentes observam. (Gonçalo Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Coimbra: Almedina, 2008, pág. 130).

A consagração destes princípios bem se compreende se atentarmos em que é a própria Constituição que no seu art. 101.º prescreve que “o sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”, assim revelando o Estado uma das preocupações prementes e relacionadas com o interesse público: a de que o mercado de capitais seja um lugar seguro para a aplicação das poupanças geradas pelos indivíduos. Na sua base, pode encontrar-se ainda a necessidade de tutelar a igualdade entre os investidores, protegendo, especificamente, os investidores mais vulneráveis, surgindo, neste aspeto, os deveres de informação como um mecanismo fulcral para prosseguir tal objetivo, visto que o vasto elenco normativo presente no CVM obriga a uma divulgação exaustiva de informação, tanto maior quanto menor for a instrução do devedor, estabelecendo a lei nos termos do art. 30.º do CVM, a diferença entre o que é um investidor qualificado e um investidor não qualificado.

À luz destes considerandos, a informação prestada, no caso em apreço, pelo Banco Réu, ao Autor – um investidor não qualificado – não é, de todo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, uma informação que se possa dizer verdadeira, clara e objetiva, podendo, ao invés, dizer-se que a mesma foi não só incorreta, como errónea.
E cremos que isto assim é não obstante se saber que, à data, a maioria dos cidadãos e instituições bancárias acreditava que a Telecomunicações Internacional Finance B.V. tinha uma situação económica e financeira sólida, não sendo, a nosso ver e salvo o devido respeito, defensável dizer-se, como no acórdão do STJ de 12.01.2017 invocado pelo Recorrente, que “a garantia do intermediário financeiro do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, para além de que o maior rendimento da aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco”.

Para o afastamento deste entendimento no que ao caso concreto se refere, em que pelo funcionário bancário foi assegurado que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, sem qualquer risco de capital ou juros, afigura-se de especial relevo a seguinte passagem da sentença recorrida:

No estudo intitulado “Informação e operações sobre valores mobiliários”, ALEXANDRE LUCENA E VALEin:https://institutovaloresmobiliarios.pt/estudos/pdfs/1360861866informopervalminf_alv_vf_formatada.pdfrefere o seguinte: «[n]o caso das Obrigações (…), tal como no caso do depósito a prazo, o investidor adquire um crédito pecuniário, tendo por objecto o reembolso do valor de capital investido. Ainda assim, porém, deveremos considerar que, no caso das Obrigações, se trata de um investimento que apresenta um risco diferente e maior do que o de um depósito a prazo? A resposta parece-nos ser afirmativa e fundar-se na conjugação das seguintes duas circunstâncias: - o investimento em Obrigações é feito directamente na empresa/emitente [(trata-se do fenómeno da “desintermediação” (…); - o investimento num depósito a prazo é feito em entidades sujeitas a regulação e supervisão específicas que, entre outros aspectos, incide sobre a sua liquidez, solvabilidade e processo de gestão de riscos (o que, em abstracto, é sinónimo de maior segurança e apontaria, portanto, para a “desnecessidade” de informação sobre o Banco depositário e sobre os riscos do investimento no mesmo). Ou seja, tanto no caso dos valores mobiliários em geral como no caso específico (…) das Obrigações (…), o risco do investimento é diferente e maior do que no caso do investimento num depósito a prazo. É precisamente para compensar e atenuar esse maior risco e, se se quiser, para permitir que ele seja corrido, que: (i) se impõe a prestação aos investidores de informação adequada à tomada desse risco; como o risco é maior do que o dos depósitos a prazo, essa informação adequada é, naturalmente, mais exigente do que na contratação destes últimos; (ii) se impõe um regime de assistência informativa a cargo dos intermediários financeiros: os investidores não conseguem obter (exigir acesso, tratar e entender) por si aquela informação adequada. A estas razões acresce que o investimento em valores mobiliários não beneficia, ao contrário do que sucede com os depósitos a prazo, da protecção de um fundo como o Fundo de Garantia de Depósitos. Em suma, o exercício realizado aponta para a conclusão de que razão de ser específica do sistema informativo mobiliário reside (para além do que é explicado pela vocação circulatória dos valores mobiliários), no risco específico inerente ao investimento mobiliário: o investimento directo na empresa, ou seja, um investimento, nesse sentido, “desintermediado”» - sublinhados acrescentados.

Cumpre aqui abrir um parêntese com vista a esclarecer, para que melhor se perceba a validade do estudo citado, que por Despacho do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, publicado em Diário da República no dia 25 de Fevereiro de 2013, foi declarada a utilidade pública do referido Instituto dos Valores Mobiliários – que coopera com a faculdade de Direito da Universidade de Lisboa na prossecução dos seus fins –, reconhecendo o papel desta instituição na investigação, ensino e divulgação das Ciências Jurídica, Económica e Financeira no âmbito do mercado dos valores mobiliários e de outras áreas dos mercados financeiros.

Continuando a seguir a sentença e a explanação a este propósito nela constante, ali se pode ler: Esta conclusão é precedida da exposição de uma análise comparativa entre a informação exigida numa operação bancária e a exigida numa operação concreta sobre valores mobiliários, o que é efectuado, no referido artigo, com recurso a um “banco de ensaio” que partiu da ideia de que no plano das diferenças, as obrigações são valores mobiliários, o que não sucede com os depósitos a prazo; nas obrigações há uma relação directa entre o investidor e a empresa emitente, ao contrário dos depósitos bancários, onde a relação é entre o investidor e o Banco (intermediário). No plano das semelhanças, em ambos os casos as relações assentam no mútuo, tendo por função o financiamento da emitente (no caso das obrigações) ou do Banco (no caso dos depósitos a prazo), e em que, portanto: a propriedade dos fundos aplicados se transfere para o emitente/depositário, que os pode usar no seu interesse; o emitente/depositário tem o dever de restituição do equivalente findo determinado prazo; o investidor tem um direito de crédito à restituição do dinheiro entregue e respectivos juros.

Ou seja, apesar de, do ponto de vista do investidor, estes produtos serem semelhantes e, portanto, alternativos (trata-se de produtos que proporcionam uma aplicação de fundos remunerada por um juro e em que é previsto o direito ao reembolso dos fundos aplicados), o certo é que o risco é diferente, pois «(…) o investidor não tem um crédito ao reembolso do valor investido mas apenas ao valor residual da sociedade quando esta seja dissolvida, estando, assim, objectivamente mas também na sua perspectiva, sujeito a um risco diferente e maior, justificando-se, por isso, que no momento do investimento, as exigências informativas sejam também maiores e mais completas» – ibidem.
A informação na emissão das obrigações é pois mais densa do que a exigida para depósitos a prazo, onde, designadamente, não se impõe a informação sobre o emitente e os riscos da operação.
A clareza da aludida exposição quanto à não menosprezável diferença entre o que são depósitos a prazo e obrigações e os riscos inerentes a uns e outras facilmente conduz à conclusão de que aqueles e estas não podem, na relação estabelecida com o adquirente das últimas, ser equiparados pelo intermediário financeiro, sob pena de a informação prestada ser, necessariamente, incorreta.

Relembre-se que a informação a prestar tem de versar – sobretudo se, como já se referiu, há um risco real de um investidor perder todo ou parte do seu investimento no caso de o emitente se tornar insolvente, como é o caso das obrigações (mesmo as seniores) – necessariamente, sobre as particulares características dos instrumentos financeiros em causa e sobre os concretos riscos neles envolvidos, porque só assim será alcançado o objetivo de permitir aos clientes uma decisão de investimento livre e esclarecida e só assim se assegurará a construção de um clima de confiança entre os vários agentes do mercado e a interiorização da imagem do mercado como um espaço seguro, tanto mais que o intermediário é um dos principais agentes na construção dessa confiança nos mercados, já que detém uma posição privilegiada no que toca ao acesso à informação no mercado de capitais e à possibilidade de a transmitir de forma acessível aos investidores-clientes.
É isso que o cliente espera face à relação de confiança e ao conhecimento especializado detido pelo Banco.
Em conclusão, “a decisão do investidor pode ser errada, mas tem de ser uma decisão esclarecida” e, no caso, a decisão do Autor não o foi, sendo certo que, se, por um lado, o investidor “conserva o inalienável direito de ser estúpido (to make a fool of himself)”, por outro, também não se pode permitir que os intermediários financeiros “façam dele estúpido (to make a fool of him)” (Carlos Osório de Castro, “A informação no Direito do Mercado de Valores Mobiliários”, in Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, Lex, 1997, pág. 337).

Também no sentido da violação do aludido dever se pronunciou o Acórdão desta Relação de 27.04.2017, num caso em que o funcionário do Banco convenceu o cliente (através do seu representante), a adquirir um produto financeiro, convencendo-o de que era seguro, que o capital estava garantido, não lhe explicando as características do produto e o risco envolvido na sua aquisição e não lhe entregando qualquer informação sobre as características do papel comercial que estava a adquirir, sendo aquele um investidor não qualificado.

Assim, reafirma-se, sem sombra de dúvida, ter ocorrido violação do dever de informação suscetível de fazer o Banco Réu incorrer em responsabilidade civil.
Mas, mais do que isso, cremos que efetivamente, como defende o Recorrido, a declaração do funcionário do Réu ao assegurar que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e suscetível de ser movimentado quanto o Autor quisesse, “interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1, do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal”, significa, tal como se entendeu no acórdão do STJ de 17.03.2016 (Relatora Maria Clara Sottomayor), “a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade”.

Isto porque, como se enfatiza no estudo do Instituto dos Valores Mobiliários acima citado, num depósito a prazo é o emitente/depositário que fica vinculado ao dever de restituição do dinheiro entregue e respetivos juros e não qualquer entidade terceira, como no caso das obrigações.

Assim sendo, quando um funcionário bancário assegura a um cliente que um produto é idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros, o expectável é que o dito cliente (declaratário normal) entenda tal declaração como equivalendo a dizer que esse mesmo cliente fica com um direito de crédito sobre a própria entidade bancária e que esta assume o dever de restituição do equivalente aplicado, acrescido dos juros convencionados, findo o prazo estabelecido.

Na mesma direção se orientou o acórdão do Supremo Tribunal, de 10.01.2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, acórdão também citado no mais recente acórdão do STJ acima referido, ao afirmar que “(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)”.

E, como já sublinhamos antes e também se frisa no primeiro dos citados acórdãos do STJ, “a confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica”, não se podendo esquecer, para efeito da interpretação de quaisquer informações prestadas por funcionários bancários, a especificidade do contexto em que as mesmas se inserem, ou seja, forçoso sendo ter presente que, em tais casos, “o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139)” – obra e autor também citados pelo Recorrente.

Cremos, por isso, que, não obstante não haver, na situação sub judice, uma declaração de que “se tratava de uma empresa do grupo” a reforçar a referida convicção de assunção da obrigação de reembolso do investimento por parte do Banco como havia no caso em apreço no citado Acórdão do STJ de 17.03.2016, a perceção de um declaratário médio ou normal perante a concreta informação prestada pelo respetivo funcionário, que naturalmente surgia aos seus olhos como pessoa especialmente habilitada para lhe prestar informações sobre a aplicação em causa – nelas podendo, pois, depositar uma especial confiança –, sempre seria a de que, equivalendo a dita aplicação a um depósito a prazo, então, tal como num depósito a prazo, o Banco Réu assumia a responsabilidade do reembolso do dinheiro aplicado e juros contratados.

É que, como se sublinha no citado acórdão de 17.03.2016, aquela imagem de profissionalização, de especial conhecimento e experiência por parte dos funcionários bancários no que tange a investimentos financeiros que está na mente do cliente médio ou normal gera “uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios”, baixam “as suas defesas naturais”, o que redunda em tomarem “à letra” aquilo que numa situação de igualdade de posições interpretariam com outra cautela, alcançando eventualmente conclusão diversa, não podendo, por isso, abstrair-se dessa particular vulnerabilidade do investidor não qualificado – categoria em que se insere o Autor – na fixação do sentido da supra referida declaração do funcionário do Banco Réu. Mais ainda quando se sabe que, no momento da subscrição, não foi entregue ao Autor documento relativo às obrigações, ficha técnica ou nota informativa das mesmas e, nesse momento, não lhe foi lido nem explicado o teor de qualquer documento.

Isto dito, importa acrescentar que, para além de ser ilícita – quer por violação do dever de informação, quer por violação do dever contratual de reembolso assumido –, a conduta do Banco Réu não só se presume culposa, presunção, essa, que não foi por qualquer modo elidida, como se mostra efetivamente culposa e grave, gravidade que decorre claramente do facto de o funcionário do Réu ter assegurado que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, sem qualquer risco de capital ou juros, quando em causa estava a subscrição de obrigações, sabendo tal funcionário que o Autor não possuía conhecimentos que lhe permitissem perceber o tipo de aplicação em causa.

Antes de passarmos à análise dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, analisar-se-á brevemente a questão de saber se tendo resultado provado que o Banco enviou ao Autor as notas de lançamento relativas à subscrição do produto em causa nos autos e ainda os extratos onde o produto vem descrito, sem que haja notícia de qualquer reação da parte deste, se poderíamos “concluir pela ratificação do negócio, quadrando a conduta do Autor a um abuso de direito”, como pretende o Recorrente.

A este respeito mostra-se escrito na sentença recorrida: Note-se que o posterior envio da nota de lançamento constante do verso de fls. 26 não supre a omissão da comunicação acima indicada (sobre as características do produto), já que não só mantém o autor na ignorância quanto à natureza e características o produto que subscreveu, como também não conduz à ratificação ou confirmação de qualquer assunção de risco por banda do autor que, como se mencionou já, se tem por inexistente.

E, na verdade, assim é, na medida em que, apesar de a confirmação pode ser expressa ou tácita e não depender de forma especial (art. 288º, nº 3, do Cód. Civil), a mesma “só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação” (nº 2 do citado artigo), não tendo, obviamente, uma nota de lançamento da subscrição onde vem enunciada a compra de títulos na OPV, Telecomunicações TAXA FIXA 2012/2016 6,25% (SUBSCRIÇ) ou o recebimento dos extratos da conta onde esses títulos se encontravam depositados, onde vem descrita a aplicação em causa como “Telecomunicações INTL FIN BV 6.25/2016” (cfr. extratos de fls. 27 a 30), potencialidade para, ainda que associada ao facto de o Autor já ter anteriormente investido em ações, sustentar a afirmação de que, através dos mesmos, o Autor tomou conhecimento da natureza e reais características do produto adquirido.

E nem de um venire contra factum proprium se poderá falar.
“A mudança de atitude do sujeito viola a confiança gerada, na contraparte, pelo comportamento anterior, quando não tem nenhum factor que a justifique[33]. Ora, sendo o factum proprium um facto voluntário, ao qual se aplicam as disposições respeitantes às declarações de vontade, deve entender-se que um factum proprium, que foi praticado num contexto de falta de liberdade negocial e de falta de informação, pode ser contraditado, sem que tal signifique violação da boa fé ou da confiança da outra parte” (Acórdão do STJ de 02.12.2013 - Relatora Maria Clara Sottomayor).

“O «factum proprium» apto a violar a boa-fé ou a confiança da recorrente e a constituir o aqui invocado exercício abusivo do direito (…) pressuporia, enquanto facto voluntário, a ciência e a vontade dessa violação” (Acórdão do STJ de 13.09.2016), o que aplicado ao caso dos autos nos conduz à conclusão de que, tendo o Autor atuado com base na errónea informação prestada pelo funcionário do Banco Réu, não podem, usando as palavras do citado aresto, ser avocados os (inverificados) pressupostos cognitivos da liberdade de contratar por parte do aqui Autor, “que integrariam, simultaneamente, o elemento subjectivo da putativa violação da confiança” e, por consequência, não podendo ser subjetivamente imputado ao Autor “o alegado comportamento anterior, ou a referida conduta voluntária, fica arredada a invocada violação da expectativa ou confiança supostamente gerada na recorrente”, de nenhum comportamento contraditório se podendo falar pelo facto de o adquirente do produto financeiro só reagir quando percalços, “imprevisíveis na data da celebração do contrato, surgem” (citando aqui o Acórdão do STJ de 02.12.2013).

Em conclusão, no caso, tal como no do recente acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018, pode dizer-se que, para além da responsabilidade assente na violação do dever de informação, o Banco Réu incorreu em “responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)”. No mesmo sentido, ainda, Acórdão da Relação de Coimbra de 23.01.2018.

Aqui chegados, deve, desde já, dizer-se que, na situação sub judice, se verificam também os requisitos do dano e do nexo de causalidade.

Na verdade, na situação configurada nos autos, não serve, para afastar o nexo de causalidade e a responsabilidade do Banco, o argumento de que “a afirmação da garantia do reembolso do capital investido pelo intermediário financeiro não significa que a decisão da subscrição das obrigações se tivesse ficado a dever a tal circunstância” (como se lê no, pelo Recorrente, invocado acórdão do STJ), porquanto, no caso em apreço, se sabe que, efetivamente, a subscrição foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, pelo período de 4 anos, à taxa de 6,25%/ano, sem qualquer risco de capital e sem qualquer risco de juros caso a movimentação do valor não ocorresse antes de decorrido aquele prazo de 4 anos.

E quanto ao dano, tendo-se alcançado a conclusão de que o Banco Réu violou o compromisso assumido, através do seu funcionário, com o ora Recorrido, no sentido da garantia de restituição do capital e dos juros, claro se torna que o prejuízo resultante daquela violação é o equivalente ao capital investido, valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco, acrescido dos juros remuneratórios, também garantidos, à taxa de 6,25 %/ano, vencidos em Julho de 2016, juros, esses, que corresponderiam ao último dos pagamentos semestrais de juros previstos para as Obrigações Telecomunicações adquiridas pelo Autor, no montante de 1.286,62 €. (cfr. Acórdão do STJ de 17.03.2016).
O mesmo é dizer, tem o credor direito a exigir do garante a totalidade da prestação debitória, nesta abrangidas, “para além da prestação em si mesma, todas as consequências legais ou contratuais do não cumprimento pela sociedade devedora” (acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Março de 2015).

E isto porque, como o Banco Réu é responsável perante os clientes pelos atos dos seus funcionários (artigo 800º, nº 1, do Código Civil), sobre ele impende a correspondente obrigação de indemnizar.

Por último:

Defende o Recorrente que inexiste dano patrimonial na medida em que, provado como está que o Autor continua titular das obrigações em causa, a verdade é que a sua negociação se encontra suspensa, o que significa que apenas uma decisão definitiva relativamente ao destino das obrigações é que produzirá e consolidará o dano, se o reembolso não ocorrer ou se (se) fizer abaixo do valor nominal.

Mas não é assim: o dano produziu-se na data em que, após o vencimento do produto, tendo o Autor ido à Agência de Fafe com o intuito de resgatar a quantia empregue, foi informado de que não havia constituído um depósito a prazo mas sim subscrito as obrigações da Telecomunicações, as quais nessa data se encontravam bloqueadas, com a inerente indisponibilidade da dita quantia que, a cumprir-se o acordado, teria, nessa mesma data, passado a reintegrar-se na esfera patrimonial do Autor.

É certo que, hipoteticamente, ainda poderá haver um reembolso parcial do capital investido, sobre a entidade emitente das obrigações recaindo o dever de, se lugar a reembolso houver, a ele proceder nos termos e condições previstas. Nessa hipótese, porém, caberá, ao intermediário financeiro diligenciar junto da dita entidade pelo retorno do valor devido e respetivos juros (se juros houver), o que equivale a dizer, como se diz na sentença recorrida, que, quanto ao valor que possam vir a gerar as obrigações da Telecomunicações, tudo se processará depois dentro dos poderes que a lei concede ao responsável que se veja obrigado a indemnizar o lesado, designadamente nos termos do art. 568º do CC (que prescreve que “quando a indemnização resulte da perda de qualquer coisa ou direito, o responsável pode exigir, no acto do pagamento ou em momento posterior, que o lesado lhe ceda os seus direitos contra terceiros”).

Apontando nesta direção, veja-se ainda o Acórdão da Relação do Porto de 02.03.2015 (Relator Carlos Gil), onde se defende que para que o lesante não fique prejudicado com o eventual reembolso que ainda possa vir a existir, basta que o lesante “adquira, por sub-rogação, a posição jurídica do recorrido, ficando a partir de então legitimado para agir contra a sociedade emitente”.
Passemos, agora, à análise do direito à indemnização pelos alegados danos não patrimoniais.

De acordo com o nº 1 do artigo 496º do Código Civil, para haver lugar a indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é necessário que, “pela sua gravidade”, tais danos “mereçam a tutela do direito”, tendo vindo a ser entendido, na jurisprudência, que não se enquadram neste requisito os meros incómodos ou as simples contrariedades sofridas pelo titular do direito, considerados ónus normalmente ligados a essa titularidade. Neste sentido e a título de exemplo, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de 28.04.2009 e os acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 21 de Março de 2006, 24 de Maio de 2007 ou 4 de Março de 2008, aí citados.

A este respeito escreveu-se no Ac. da Relação do Porto de 17.11.2014: “Como já observado, a gravidade do dano não patrimonial é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. Todavia, não obstante dever essa apreciação ter em conta as circunstâncias de cada caso, a gravidade deverá medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado; e, por outro lado, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (A. Varela, ob. cit., p. 628, e, entre outros, os acórdãos do STJ, de 30/09/2003, 04/03/2004 e 24/05/2007, acessíveis em www.dgsi.pt).

Deste modo, importa proceder à valoração dos factos provados, como consequências da conduta do lesante, servindo como linha de fronteira a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação.”

No caso em apreço, sabe-se que, por força do ocorrido, o Autor passou a encontrar-se num permanente estado de preocupação, ansiedade e tristeza, com constrangimentos financeiros, receio de não reaver o seu dinheiro ou de não saber quando poderia reavê-lo, o que lhe tem provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida, o que já consubstancia um quadro de sofrimento psicológico que atinge a gravidade justificadora de uma compensação deste tipo. Ponderando esses danos, a situação económica do referido Autor e do Réu e os padrões habituais da jurisprudência, não é de considerar desajustada a atribuição ao Autor de uma compensação de 5000 €.
Improcede, pois, a apelação.
*
IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Recorrente.
Guimarães, 10.05.2018

(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)