Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2403/08.3TBBRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO
INCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR INFORMAÇÕES SOBRE O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
RECUSA DE EXONERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A exoneração do passivo será sempre recusada se o devedor, tendo sido determinado que preste informações sobre o cumprimento das suas obrigações, não as fornecer no prazo que lhe for estabelecido, sem invocar motivo justificado, constituindo recusa da exoneração, nessa situação, uma sanção para o comportamento indevido do devedor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: I. A. e P. S..
Recorrido: Credora A, S.A..
Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão.

Nestes autos de insolvência relativos a I. A. e P. S., foi proferida sentença que declarou a insolvência do casal em Abril de 2008.
Em Março de 2009 foi proferido despacho inicial de exoneração de passivo restante, tendo ali ficado determinado que os insolventes, durante o período de cessão de rendimentos, deveriam entregar tudo o que excedesse o valor de 3 salários mínimos nacionais (cfr. fls. 318).
Em Outubro de 2011 foi proferido despacho que declarou encerrado o processo.
Os insolventes vieram juntar requerimento, alegando que haviam já decorrido cinco anos desde o início do período de cessão de rendimentos.
Dado que não fora junto qualquer relatório anual, ordenou-se a notificação da sra. fiduciária para juntar o relatório final.

A fls. 455 foi junto o aludido relatório, cujo teor se dá aqui por reproduzido, de onde consta que, durante os cinco anos de cessão, nenhuma quantia havia sido cedida, mas que durante o 1.º ano deveriam ter sido entregues € 14299,38; a fls. 462 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 2.º ano deveriam ter sido entregues € 15392,19; a fls. 469 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 3.º ano deveriam ter sido entregues € 15516,33; a fls. 476 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 4.º ano deveriam ter sido entregues € 15563,04; e a fls. 483 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 5.º ano deveriam ter sido entregues € 17847,70.
Mais concluiu que os insolventes prestaram as informações solicitadas mas não fizeram nunca a entrega dos valores indevidamente retidos.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 244.º, n.º 1 do CIRE (cfr. fls. 496), sendo que a BANCO X S.A., a “Gestor de cartões de créditos” S.A. e a Credor A S.A. se pronunciaram pela não concessão da exoneração do passivo restante.
Os insolventes pronunciaram-se a fls. 504 e seguintes, alegando terem cumpridos os deveres de diligência e que só não haviam cedido os valores em falta, atenta a inércia da sra. fiduciária.
A fls. 528 e seguintes, veio a sra. fiduciária informar que notificara os insolventes para procederem à devolução de € 78.618,38, tendo informado a fls. 533 que estes o não haviam feito, nem mantido com ela qualquer contacto.
Concluiu, pugnando pelo incumprimento por partes dos insolventes dos deveres previstos no artigo 239.º do CIRE.
Pronunciaram-se os insolventes e a Credora A, S.A.

Por decisão proferido nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 244.º, n.º 1 e n.º 2 do CIRE, decido não conceder a exoneração de passivo restante aos insolventes.
Inconformada com tal decisão, dela interpuseram recurso os Insolventes, de cujas alegações extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

a) O presente processo de insolvência foi dado pelo Douto Tribunal como encerrado por douto Despacho de 12 de Outubro de 2011.
b) Nessa data iniciou-se o prazo de cinco anos de cessão do rendimento disponível, nos termos do disposto no artigo 239º CIRE.
c) Em 15 de Outubro de 2014, os requerentes enviaram à Senhora Administradora de Insolvência, a solicitação desta, os respectivos contratos de trabalho, declarações de IRS, identificação das entidades patronais, valores de rendimento auferidos, etc. – cfr. doc. 1 com o requerimento apresentado em 19 de Fevereiro de 2017, que se dá aqui por reproduzido.
d) Em 2 de Novembro de 2016, os requerentes voltaram a enviar à senhora Administradora de Insolvência, a pedido desta, todos os elementos que já tinham remetido em 15 de Outubro de 2014 – cfr. doc. 2 com o requerimento apresentado em 19 de Fevereiro de 2017, que se dá aqui por reproduzido.
e) Já anteriormente, em 11 de Dezembro de 2009 e 10 de Fevereiro de 2010, o Mandatário dos requerentes havia entrado em contacto com a senhora Administradora de Insolvência solicitando instruções sobre a forma de efectivar a cessão do rendimento disponível – cfr. docs. 3 e 4 com o requerimento apresentado em 19 de Fevereiro de 2017, que se dão aqui por reproduzidos.
f) Sem resposta, em todos os casos.
g) Não violaram os recorrentes nenhum dos deveres que sobre eles impendiam, pois em nenhum momento ocultaram montantes auferidos à Senhora Administradora de Insolvência, ou desta sonegaram tais montantes!
h) Dado que não fora junto qualquer relatório anual, o Tribunal notificou a Senhora Fiduciária para juntar o relatório final, o que foi feito a fls. 455.
i) Ora, tal relatório, cujo teor se dá aqui por reproduzido, refere que, durante os cinco anos de cessão, nenhuma quantia havia sido cedida, mas que durante o 1.º ano deveriam ter sido entregues € 14299,38.
j) A fls. 462 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 2.º ano deveriam ter sido entregues €15392,19.
k) A fls. 469 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 3.º ano deveriam ter sido entregues € 15516,33.
l) A fls. 476 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 4.º ano deveriam ter sido entregues € 15563,04.
m) E a fls. 483 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 5.º ano deveriam ter sido entregues € 17847,70.
n) Note-se que foi precisamente durantes estes anos que os requerentes contactaram a Senhora Fiduciária, conforme exposto, não tendo obtido qualquer resposta!
o) Mais: a fls. 528 e seguintes, veio a Senhora Fiduciária informar que notificara os insolventes para procederem à devolução de uma só vez da quantia de € 78.618,38, tendo informado a fls. 533 que estes o não haviam feito, nem mantido com ela qualquer contacto.
p) Entende a Sentença recorrida que “é algo indiferente” saber se a Senhora Fiduciária notificou anualmente os insolventes para que lhos entregassem, cumprindo um dever de diligência mais apertado, ou se se limitou a aguardar que estes a contactassem anualmente para lhe entregarem aquilo que era devido aos credores.
q) Ora, os insolventes contactaram a Senhora Fiduciária, prestaram-lhe todas as informações que solicitou, e esta não lhes respondeu.
r) Assim, a Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 243.º n.º 1, al. a), 239.º, n.º 4, al. a), e 244.º, n.º 1 e n.º 2, todos do CIRE, ao não conceder a exoneração de passivo restante aos insolventes.
s) Tal posição, aliás, sempre seria inconstitucional por violadora do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que atentaria contra o legítimo direito dos insolventes ao acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, e a procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade!
t) A Sentença recorrida deveria ter interpretado e aplicado corretamente tais preceitos, concedendo a exoneração de passivo restante aos insolventes, ou subsidiariamente concedendo-lhes novo período de cinco anos para entrega do rendimento disponível, dada a inércia da Senhora Fiduciária.
u) Nestes termos, e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deverá pois ser revogada a Sentença recorrida, e ser proferido douto Acórdão que, concedendo a exoneração de passivo restante aos insolventes, ou subsidiariamente concedendo-lhes novo período de cinco anos para entrega do rendimento disponível, faça a habitual.
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O Apelado apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Analisar da existência de uma situação de recusa da exoneração do passivo.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
Cumpre decidir:
Como é consabido, dispõe o art. 235°, do CIRE, que se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
Resulta do Preâmbulo do DL n.º 53/2004 de 18 de Março que se está na presença do "princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a possibilidade de os devedores singulares se libertarem de algumas das suas dívidas e assim lhes permitir a sua reabilitação económica", denominado como de fresh start, concedendo-lhes a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não foram integralmente pagos no processo ou nos 5 anos posteriores ao encerramento deste, restando-lhes uma nova oportunidade de vida.
“O instituto da exoneração do passivo restante é uma inovação introduzida pelo vigente Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (…) mediante a qual é permitido ao devedor que, em certas circunstâncias, ao fim de 5 anos, veja extintas as suas dívidas não satisfeitas (ou totalmente satisfeitas) pela liquidação da massa insolvente, ou através da cessão de parte do seu rendimento aos credores, através de um fiduciário, libertando-se, assim, do encargo de as pagar no futuro.
Trata-se, assim, de um benefício concedido aos insolventes pessoas singulares, o qual importa “para os credores a correspondente perda de parte dos seus créditos, porventura em montantes muito avultados, que desse modo se extinguem por causa diversa do cumprimento. E porque de um benefício se trata, “é necessário que o devedor preencha determinados requisitos e desde logo que tenha tido um comportamento anterior e actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se da sua boa conduta, dando-se aqui especial cuidado na apreciação, apertando-a, com ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta” (Acs. da Relação do Porto de 05/11/2007, proc. 0754986, e de 09/01/2006, proc. 0556158, ambos acessíveis in www.dgsi.pt, citados no Ac. desta Relação e secção de 09-12-2008, JTRP00041990, Rel. Des. Pinto dos Santos e Assunção Cristas, in “Novo G

Direito da Insolvência”, RFD da UNL, 2005, pg. 264)” – cfr. o Ac. da RP de 08/06/2010, relatado pelo Sr. Desembargador João Carlos Costa.
Em suma:
O Requerente, em primeiro lugar, tem “o ónus de dar como contrapartida aos credores a quantia de que possa dispor” e o “período de cessão é para durar cinco anos e só no fim haverá exoneração definitiva (art. 244.º do CIRE).
Segundo, não pode agir contra o disposto nas alíneas do n.º 4 do art. 239.º, antes tendo de o fazer em conformidade com esses comandos – cfr. o Ac. da RP 8 de Abril de 2010, relatado pelo Sr. Desembargador Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo, in www.dgsi.pt.
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Estatui o artigo 244.º do CIRE, sob a epígrafe de Decisão Final de Exoneração que:

1 - Não tendo havido lugar a cessação antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência.
2- A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.”

Em consequência, resulta da aplicação do artigo 243.º do CIRE ex vi do artigo 244.º do CIRE que a exoneração deverá ser recusada se:

a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) se apurar da existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) a decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
São as seguintes as obrigações previstas no artigo 239.º, n.º 4 do CIRE:
Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:

a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
Se forem apuradas as seguintes circunstâncias supervenientes ou se estas chegarem ao conhecimento do processo em momento posterior, também poderão implicar a recusa da exoneração: G

b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data”.
Feito o périplo pelo regime legal aplicável, foquemos a nossa objectiva sobre o caso sub judice:
Percorramos, pois, as obrigações do artigo 239.º, n.º 4 do CIRE:
Compulsados os autos, verifica-se que o processo foi encerrado em 2011 e que aí se iniciou o período de cessão de rendimentos. Do despacho proferido a 5 de Março de 2009 resulta claramente qual o valor que os insolventes poderiam usar e qual aquele que deveriam resguardar para entregar à sra. fiduciária.
Sucede que dos autos resulta claramente que os insolventes auferiram durante todos os cinco anos que durou o período de cessão rendimentos absolutamente relevantes e que deveria ter sido entregues à sra. fiduciária.
Se ela os notificou anualmente para que lhos entregassem, cumprindo um dever de diligência mais apertado, ou se se limitou a aguardar que estes a contactassem anualmente para lhe entregarem aquilo que era devido aos credores é algo indiferente.
O que é incontroverso é que os insolventes locupletaram-se ao longo dos últimos cinco anos com quase € 80.000,00 que deveriam ter sido – e não foram – entregues aos seus credores, pelo que o sacrifício de que dependia a exoneração do seu passivo restante não existiu. Pelo contrário: os insolventes comportaram-se durante estes anos como se não estivessem num período de prova, como se sobre eles não impendessem quaisquer deveres, pretendendo agora nada pagar e, ainda assim, beneficiar de um benefício extremo que onera ainda mais os credores que permaneceram sem nada fazer durante estes autos, aguardando que os insolventes cumprissem o regime a que estavam adstritos.
Parece-nos claro que os insolventes incumpriram de forma clara os deveres a que estavam adstritos.
Em suma, encontra-se preenchido o disposto no n.º 1, al. a) do artigo 243.º do CIRE e no artigo 239.º, n.º 4, al. a) – os insolventes não informaram atempadamente a fiduciária dos rendimentos que auferiram – e c) – não entregaram durante os últimos 5 anos os rendimentos superiores aos 3 salários mínimos nacionais à sra. fiduciária.

Decisão:
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 244.º, n.º 1 e n.º 2 do CIRE, decido não conceder a exoneração de passivo restante aos insolventes.
Publicite, notifique e registe nos termos do artigo 247.º do CIRE e do artigo 1.º, n.º 1, al. o) do Código de Registo Civil. G
(…)

Fundamentação de direito.

Como fundamento da sua pretensão recursória alegam os Recorrentes não terem violado nenhum dos deveres que sobre eles impendiam, pois em nenhum momento ocultaram montantes auferidos à Senhora Administradora de Insolvência, ou desta sonegaram tais montantes.
Na verdade, não tendo sido junto qualquer relatório anual, o Tribunal notificou a Senhora Fiduciária para juntar o relatório final, o que foi feito a fls. 455, sendo que, segundo tal relatório, durante os cinco anos de cessão, nenhuma quantia havia sido cedida, mas que durante o 1.º ano deveriam ter sido entregues € 14299,38.
A fls. 462 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 2.º ano deveriam ter sido entregues €15392,19.
A fls. 469 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 3.º ano deveriam ter sido entregues € 15516,33.
A fls. 476 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 4.º ano deveriam ter sido entregues € 15563,04.
E a fls. 483 foi junto novo relatório, de onde resulta que durante o 5.º ano deveriam ter sido entregues € 17847,70.

E foi precisamente durantes estes anos que os requerentes contactaram a Senhora Fiduciária, conforme exposto, não tendo obtido qualquer resposta, sendo que, a fls. 528 e seguintes, veio a Senhora Fiduciária informar que notificara os insolventes para procederem à devolução de uma só vez da quantia de € 78.618,38, tendo informado a fls. 533 que estes o não haviam feito, nem mantido com ela qualquer contacto.

Ora, os insolventes contactaram a Senhora Fiduciária, prestaram-lhe todas as informações que solicitou, e esta não lhes respondeu.

Assim, a Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 243.º n.º 1, al. a), 239.º, n.º 4, al. a), e 244.º, n.º 1 e n.º 2, todos do CIRE, ao não conceder a exoneração de passivo restante aos insolventes.

A exoneração do passivo traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente e daí falar-se de passivo restante.

A exoneração do passivo restante não tem como finalidade essencial a satisfação dos direitos dos credores, mas sim conferir ao devedor singular a possibilidade de se libertar de algumas dívidas com vista à sua reabilitação económica.

Naturalmente que o legislador pretendeu conjugar esta possibilidade conferida em benefício do devedor com o princípio fundamental do processo de insolvência que é o ressarcimento dos credores, determinando que o devedor durante um determinado período (período de cessão) cedesse, na medida das suas disponibilidades, uma parte do seu rendimento para pagamento aos credores.

Num primeiro momento, perante o pedido de exoneração e ouvidos os credores e o administrador de insolvência, o juiz pronuncia-se sobre a admissibilidade do pedido de exoneração proferindo o despacho inicial, no qual aprecia a existência das condições mínimas para aceitar o pedido de exoneração. Verificando-se essas condições, o juiz admite liminarmente o pedido, não se verificando tais condições, o juiz indefere-o, sem mais.

Nas diversas alíneas do nº 1, do artº 238º, do CIRE, estabelecem-se os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

Preceitua o art. 238°, nº 1, al. e), que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se “constarem já no processo, ou forem fornecidos ate ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186°”.

Por outro lado, a admissão do pedido (deferimento liminar), não significa que a exoneração esteja concedida ou que o venha a ser necessariamente.

Com efeito, dispõe o art. 243°, nº 1, als. a) e b) do CIRE, que, antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:

a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239°, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n° 1 do artigo 238°, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente.

Como referem L. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “A al. a) refere-se a comportamentos do devedor, ocorridos no período de cessação, que envolvem a violação dolosa ou com grave negligência das obrigações que lhe são impostas pelas alíneas do nº 4, do art. 239, desde que daí resulta prejuízo para a realização dos créditos sobre a insolvência”.(1)
E, continuam os mesmos Autores, “em princípio, o juiz, atendendo aos elementos de que disponha, tanto pode decidir no sentido de determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração como no sentido contrário, e, consequentemente, recusar ou não a exoneração.
Todavia, a segunda parte do nº 3, determina que a exoneração será sempre recusada se o devedor, tendo-lhe sido determinado que preste informações sobre o cumprimento das suas obrigações, ou convocado para as prestar em audiência, não as fornecer no prazo que lhe for estabelecido, ou falta à audiência, sem invocar, em qualquer dos casos, motivo invocável.
A recusa da exoneração constitui, quando se verifiquem essas situações, uma sanção para o comportamento indevido do devedor”. (2)

Ora, à luz de tudo o exposto, temos que, como se refere na decisão recorrida, “compulsados os autos, verifica-se que o processo foi encerrado em 2011 e que aí se iniciou o período de cessão de rendimentos. Do despacho proferido a 5 de Março de 2009 resulta claramente qual o valor que os insolventes poderiam usar e qual aquele que deveriam resguardar para entregar à sra. fiduciária.

Sucede que dos autos resulta claramente que os insolventes auferiram durante todos os cinco anos que durou o período de cessão rendimentos absolutamente relevantes e que deveria ter sido entregues à sra. fiduciária.

Se ela os notificou anualmente para que lhos entregassem, cumprindo um dever de diligência mais apertado, ou se se limitou a aguardar que estes a contactassem anualmente para lhe entregarem aquilo que era devido aos credores é algo indiferente.

O que é incontroverso é que os insolventes locupletaram-se ao longo dos últimos cinco anos com quase € 80.000,00 que deveriam ter sido – e não foram – entregues aos seus credores, pelo que o sacrifício de que dependia a exoneração do seu passivo restante não existiu. Pelo contrário: os insolventes comportaram-se durante estes anos como se não estivessem num período de prova, como se sobre eles não impendessem quaisquer deveres, pretendendo agora nada pagar e, ainda assim, beneficiar de um benefício extremo que onera ainda mais os credores que permaneceram sem nada fazer durante estes autos, aguardando que os insolventes cumprissem o regime a que estavam adstritos.

Parece-nos claro que os insolventes incumpriram de forma clara os deveres a que estavam adstritos.

Em suma, encontra-se preenchido o disposto no n.º 1, al. a) do artigo 243.º do CIRE e no artigo 239.º, n.º 4, al. a) – os insolventes não informaram atempadamente a fiduciária dos rendimentos que auferiram – e c) – não entregaram durante os últimos 5 anos os rendimentos superiores aos 3 salários mínimos nacionais à sra. Fiduciária”.

E assim sendo, improcede a apelação, mantendo-se o despacho recorrido.


IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 16/ 11/ 2017.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.

1. Cfr. L. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, p. 797.
2. Cfr. L. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob cit., pg 798.