Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
428/16.4T8VRL.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A possibilidade dos AA. virem a ter êxito na sua pretensão indemnizatória era extremamente elevada.

II- “Perante a decisão do T.J. de Vila Real a declarar-se incompetente em razão da matéria para conhecer da causa, por entender que competentes para o efeito eram os Tribunais Administrativos e Fiscais, haveria que instaurar acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

III- Era dever da 1ª R., mandatária dos AA, informá-los de que o T.J. de Vila Real se declarara incompetente e da necessidade de instaurar outra acção no tribunal competente.

IV- Uma vez contactada por estes e acordada a necessidade de instaurar nova acção, tendo ela deixado decorrer mais de 8 meses para dar entrada a uma petição inicial - que é quase uma cópia da petição inicial da primeira acção que instaurara – é responsável pelos prejuízos causados aos AA.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

1- A. R. e esposa, M. R., instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. V. e Seguros Gerais, S.A., alegando, em breve resumo, que, no dia 27/07/2009, contrataram os serviços profissionais da 1ª Ré, enquanto Advogada, para a mesma os patrocinar numa ação judicial tendente a responsabilizar o Município pela morte do seu filho, N. R., ocasionada pelo mau estado da via pública onde o mesmo sofreu a queda que o veio a vitimar.
Sucede que a referida Ré, além de instaurar a dita ação na jurisdição administrativa, em vez da jurisdição comum, e de não lhes ter dado oportuno conhecimento da declaração de incompetência material desta última jurisdição, só se socorreu da primeira quando o direito dos AA. já se encontrava prescrito.
Por isso mesmo e porque a descrita conduta, ilícita e culposa, lhes causou diversos danos que descrevem, pretendem ser pelos mesmos ressarcidos, inclusive pela 2ª Ré, para quem a responsabilidade da 1ª Ré estava transferida.
Em conclusão, pedem que ambas as Rés sejam condenadas a pagar-lhes a quantia de 134.990,41€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

2- Contestou a 1ª Ré refutando esta pretensão, porquanto, além do mais, não reconhece ser-lhe imputável o insucesso da primitiva pretensão indemnizatória dos AA.
Nesta parte, pois, pede a sua absolvição do pedido.

3- Também a Ré seguradora refuta a pretensão dos AA., já que, além de, a seu ver, estar excluída do contrato de seguro que serve de fundamento ao seu chamamento (por os factos se reportarem a período anterior à celebração desse contrato), também não é certo que a primitivo pedido indemnizatório daqueles tenha soçobrado por culpa da 1ª Ré, cuja atuação não tem igualmente por ilícita.
Daí que peça a sua absolvição do pedido.

4- Terminados os articulados, foi conferida a validade e regularidade da instância, fixado o objeto do litígio e os temas da prova.

5- Realizada a audiência final, exarou-se sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente, condenou:
a) A 1ª Ré, a pagar aos AA. a quantia de 5.943,50€, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até integral pagamento;
b) A 2ª Ré, a pagar aos AA. a quantia de 43.576,47€, acrescida da quantia que vier a liquidar-se, referente a 70% das despesas que os A.A. pagaram com o funeral do filho, até ao máximo de 2.093,76€, acrescida de juros de mora, contados desde a sentença, sobre a quantia de 5.000,00€, e contados desde a citação até integral pagamento, sobre a quantia remanescente.

6- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré seguradora, terminando as suas alegações, aperfeiçoadas, concluindo o seguinte:
“1. Não se conformando com a douta sentença proferida a fls..., a qual veio julgar a acção intentada contra a Ré, Dra. A. V., e contra a ora Recorrente, Seguros Gerais, S.A., parcialmente procedente, nomeadamente por considerar terem resultado provados nos autos factos susceptíveis de demonstrar a elevada probabilidade de sucesso da pretensão dos AA., não fosse a conduta (alegadamente) negligente incorrida pela Ré advogada no âmbito do patrocínio forense assumido perante os AA., e mantendo a R. a sua convicção de que existem nos autos elementos, quer de facto, quer de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, vem a ora Recorrente pugnar pela reapreciação e alteração da matéria de facto julgada provada, e bem assim da matéria de direito;
2. Com efeito, entende a ora Recorrente que, tendo em conta toda a prova produzida nos autos, nomeadamente da prova documental e testemunhal que, com isenção e credibilidade foi produzida nos autos, foram incorretamente apreciados e julgados pelo douto Tribunal recorrido, os factos constantes dos pontos n.ºs 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 14 dos factos provados;
3. Tendo sido ainda totalmente omitida pelo douto Tribunal a quo, a apreciação e ponderação dos factos alegados pela ora Recorrente nos artigos 70.º a 93.º da sua contestação, os quais revelam-se imprescindíveis (salvo melhor e douta opinião em contrário) para a concreta ponderação e decisão sobre a alegada “perda de chance” sofrida pelos AA.;
4. De facto, tendo o douto Tribunal a quo considerado ser “... fácil demonstrar a omissão do Município na dotação da Travessa A… das condições de segurança exigíveis; sendo a culpa deste presumida, e não tendo invocado na sua contestação qualquer factualidade que permitisse elidir tal presunção; sendo também fácil demonstrar os danos invocados pelos A.A. e o nexo de causalidade entre os mesmos e a conduta omissiva do Município...”, concluiu a douta sentença recorrida pela fixação de “uma percentagem de 70% de probabilidade de o Município vir a ser condenado a pagar as importâncias supra referidas aos A.A.”;
5. Contudo, e pese embora tenha o douto Tribunal a quo apreciado, em concreto, toda a factualidade alegada pelos AA. nos autos dos processos n.º 1669/09.6TBVRL e 156/13.2BEMDL (nos quais a alegada actuação profissional omissiva imputada à Ré advogada, terá ocorrido), com vista a determinar a “elevada probabilidade” de sucesso da pretensão dos AA., não fosse a conduta profissional omissiva que imputam à Ré advogada, não se pronunciou a douta sentença recorrida sobre a factualidade alegada pela Recorrente nos artigos 70.º a 93.º da sua contestação, os quais se reportam, precisamente, à matéria alegada pelo Réu Município nos autos dos referidos processos n.º 1669/09.6TBVRL e 156/13.2BEMDL;
6. Sendo certo que, face à prova produzida nos autos, deverão os referidos factos ser julgados (ao menos parcialmente) provados, conduzindo assim à improcedência da presente ação, nomeadamente por não resultar suficientemente demonstrada a probabilidade séria, real e credível de sucesso da pretensão indemnizatória dos AA. contra o ali Réu Município, não fosse a decisão (proferida nos autos do processo n.º 156/13.2BEMDL), que julgou verificada a exceção de prescrição invocada pelo ali Réu;

7. Contrariamente ao que defende a douta sentença recorrida, não resultou inequivocamente demonstrado nos autos as efetivas razões que levaram à queda do filho dos AA., N. R., não tendo resultado igualmente demonstrado que a ocorrência do (infeliz) acidente se tenha ficado a dever à uma qualquer atuação omissiva imputável ao Município;

8. Na verdade, resulta claro dos depoimentos prestados nos autos pelas testemunhas presenciais do acidente T. S. e I. R. (respectivamente gravados em ficheiros de áudio sob n.ºs 0161103103627 - com início ao minuto 0.58 e 24.16 - e 20161103143014, com início ao minuto 06.20), que não foi possível apurar a real e concreta causa da queda do N. R. (filho dos AA.);

9. Sendo certo que, nas declarações prestadas pela referida testemunha, T. S., aquando da deslocação da PSP ao local, a mesma afirmou que “... quando transitava a pé na companhia da vítima, na Travessa A…, por descuido, a vítima caiu de um muro ali situado” - cfr. Auto de Participação da PSP - Comando Distrital! Esquadra - junto aos autos;

10. Por outro lado, resultou da prova produzida nos autos que foi o próprio N. R. que contribuiu (se não exclusivamente, em grande medida) para a produção do fatídico acidente em apreço nos autos, tendo as testemunhas T. S. (com início ao minuto 12.32 do seu depoimento), I. R. (com início ao minuto 14.55), e A. C. R. (cfr. depoimento gravado em ficheiro de áudio sob n.º 20161103113107, com início ao minuto 17.05), afirmado perentoriamente ao Tribunal que, momentos antes da ocorrência da fatídica queda, viram o N. R. a beber vinho e cerveja (“tudo à mistura”), confirmando ainda que o mesmo não estava habituado a consumir bebidas alcoólicas;

11. De facto, e conforme ficou a constar do Auto de Inquirição da testemunha A. C. R. (tio do N. R.), nos autos do processo de inquérito n.º 401/09.9TAVRL (junto aos autos), no dia do fatídico acidente, o N. R. tinha ido a um jantar de finalistas e durante a refeição esteve a beber cerveja, confirmando a referida testemunha, posteriormente, em sede de Audiência de Julgamento que terá, de facto, tido conhecimento, através de colegas do N. R., que o sobrinho tinha estado a beber, e que não estava, de facto, habituado a consumir bebidas alcoólicas;

12. Por outro lado, resultou ainda inequívoco da prova produzida nos autos que, a única vegetação que existia no local era rasteira, a qual não impossibilitava (de todo) aos utentes que ali circulassem a pé, visualizar e perceber os limites do caminho/arruamento em causa e da berma (algo que, aliás, foi afirmado perentoriamente ao Tribunal pela testemunha T. S., com início ao minuto 30.59 do seu depoimento);

13. Resultando, ainda, claro de toda a prova produzida nos autos que o caminho em apreço era, na verdade, perfeitamente iluminado, o que foi corroborado pelas testemunhas I. R. (com início ao minuto 34.40 do seu depoimento), e D. R. (gravado em ficheiro de áudio com n.º 20161103151519, e com início ao minuto 4.10), o qual na qualidade de morador do local e de Engenheiro Civil da Câmara Municipal, afirmou perentoriamente ao Tribunal que o caminho/arruamento em causa é, e sempre foi, perfeitamente iluminado;

14. Aliás, tratando-se de uma testemunha arrolada nos autos dos processos n.º 1669/09.6TBVRL e 156/13.2BEMDL, pelo ali Réu Município, foi pela referida testemunha afirmado, sem qualquer hesitação que, quem circula pelo referido caminho/arruamento percebe perfeitamente o limite da berma e o final da estrada, sendo o referido desnível entre os caminhos perfeitamente visível;

15. Acrescentando ainda que, tratando-se de um caminho existente naquela localidade há mais de 50 anos, localizado por trás de um Colégio e por onde passam diariamente muitas pessoas a pé, nunca teve conhecimento (nem enquanto morador do local, nem no âmbito das suas funções de Engenheiro Civil da Câmara Municipal) da ocorrência de qualquer outra queda e/ou acidente naquele local (com início ao minuto 9.45);

16. Por outro lado, esclareceu ainda a testemunha que o caminho terá cerca de 4,00/4,50 metros de largura (ao minuto 2.12 do seu depoimento);

17. De modo que, tratando-se de um caminho largo o suficiente (que permitia, inclusivamente, o trânsito de veículos), perfeitamente iluminado e não existindo qualquer vegetação a não ser ervas rasteiras) que impedissem a visibilidade para a existência de um desnível (existente entre o referido caminho e a Rua da G…) após ao término dos muros e a bifurcação, não seria (de todo) expectável, que uma pessoa jovem (nomeadamente de 17 anos), ao circular com cautela, caísse do muro abaixo, tal como ocorreu com o N. R., filhos dos AA.;

18. Sendo certo que, não resultou minimamente demonstrado nos autos que o Município tenha incumprido com qualquer norma legal e/ou regulamentar aplicável, nomeadamente por qualquer espécie de falta de manutenção das ruas e/ou arruamentos da localidade, ou mesmo quanto à necessidade e/ou obrigatoriedade de instalar um corrimão e/ou grade de protecção no local;

19. Razão pela qual, sempre deveria o facto n.º 2 ser alterado, nos seguintes termos (que muito respeitosamente se sugerem):
2 - No final da dita Travessa existem duas rampas, com cerca de 4/4.5 metros de largura, em sentidos opostos, que permitem vencer o desnível de cerca de três metros entre a aludida Travessa A… e a Rua da G….

20. Por outro lado, o facto julgado provado sob n.ºs 3, atendendo à prova supra citada, deverá ser restringido, ficando apenas a constar do mesmo que:
3 - No final da referida Travessa, no topo das rampas, existia vegetação rasteira.

21. O facto provado sob n.º 4, deverá ser julgado não provado, ou ser alterado nos seguintes termos:
4 - Naquele local, a iluminação pública existente estava voltada para a Rua da G…, sendo a aludida Travessa A…a e o topo das rampas, contudo, perfeitamente iluminada.

22. O facto julgado provado sob n.º 6, deverá, por outro lado, ser restringido, ficando do mesmo apenas a constar que: 6 - No topo da rampa, por cima do muro de suporte de terras, não existia qualquer tipo de obstáculo ou barreira de segurança.

23. O facto julgado provado sob n.º 7, deverá, ainda, ser restringido, ficando do mesmo apenas a constar que:
7 - O piso da Travessa e das respectivas rampas de acesso, apresentava-se empedrado, com algumas irregularidades e desnivelamento.

24. O facto provado sob n.º 8, deverá ser julgado não provado, dado que não foi (de todo) possível apurar as concretas circunstâncias que estiveram envolvidas na queda do N. R. (nomeadamente se o mesmo tropeçou, escorregou ou desequilibrou-se), resultando manifestamente contraditório, dos depoimentos das testemunhas inquiridas, a forma e/ou a causa da referida queda do N. R.;

25. Sendo certo que, o facto considerado provado sob n.º 14, deverá, consequentemente, ser julgado não provado, nomeadamente por manifesta ausência de prova sobre as causas e/ou origem da queda do filho dos AA.

26. Por outro lado, e no que respeita à matéria alegada pela ora Recorrente na sua contestação, nomeadamente nos artigos 70.º a 93.º, os quais se reportam à matéria alegada pelo Réu Município nos autos dos referidos processos n.º 1669/09.6TBVRL e 156/13.2BEMDL (cuja apreciação, salvo o devido respeito, foi totalmente omitida pelo douto Tribunal a quo), sempre se dirá que, atendendo à prova efectivamente produzida, e supra citada, deverá a mesma ser julgada provada nos seguintes termos (que, muito respeitosamente, se sugerem):
71. O caminho em causa e onde alegadamente ocorreu o acidente, liga duas ruas principais, e existe tal como se encontrava à data do acidente, há mais de 50 anos.
73. Tem o referido caminho, na cota mais alta, largura superior a quatro metros, e iluminação adequada.
75. E é perfeitamente transitável, com segurança, a qualquer hora do dia ou da noite.
79. Para além da vedação não estar legalmente prevista como obrigatória para os caminhos municipais, também nunca se revelou necessário qualquer muro de protecção para peões,
80. Pois que, dada a largura do caminho, de cerca de 4/4,5 metros, só por motivos extraordinários ou muito pouco habituais, alguém cairia para o arruamento adjacente.
81. Qualquer utilizador pode circular com segurança.
82. E qualquer utente pode transitar em toda a extensão do caminho junto aos muros que o ladeiam e acompanham pelo menos de um dos lados, toda a sua extensão.
86. O caminho em causa não padecia de qualquer defeito ou deficiência, que impedisse e/ou dificultasse a circulação de transeuntes.
89. Sendo o caminho utilizado por dezenas de pessoas por dia, nenhum dos menores que acompanhavam o filho dos AA. sofreu qualquer acidente, não havendo noticia de qualquer outro acidente.
91. O N. R. seG..., momentos antes da queda, com falta de atenção e cuidado.
92. O N. R., momentos antes da queda, ingeriu bebidas alcoólicas, não estando o N. R. habituado a beber bebidas alcoólicas;
93. O Município manteve sempre o caminho em causa em condições de segurança e adequadas à sua utilização.

27. Ora, nos termos previstos no artigo 483.º do Código Civil, para que seja gerada uma obrigação de indemnizar em decorrência da responsabilidade civil, é necessário que os prejuízos verificados na esfera patrimonial dos lesados, estejam directamente relacionados com a conduta lesiva, devendo haver um nexo de causalidade adequado entre o acto ilícito (e culposo) e os prejuízos sofridos;

28. A responsabilização civil do advogado em decorrência de determinado comportamento negligente e/ou omissivo incorrido no âmbito do patrocínio forense, encontra-se estritamente dependente, salvo melhor opinião, da concreta apreciação da ilicitude dessa mesma conduta, da culpa - apreciada segundo o comportamento de um “profissional médio” inserido nas mesmas circunstâncias, dos danos e do nexo de causalidade entre o facto ilícito invocado e os danos sofridos (os quais deverão estar directa e exclusivamente relacionados com a alegada actuação negligente).

29. De facto, tem sido entendimento da jurisprudência maioritária que, caso se verifique, em concreto, a responsabilidade civil profissional do advogado no âmbito de determinado patrocínio, a medida da indemnização a arbitrar deve ser calculada com base na extensão dos danos concretamente verificados, na gravidade da culpa, e por fim, no grau de probabilidade do lesado sair vitorioso, caso a conduta lesiva se não tivesse verificado.

30. De modo que, atendendo a todo o circunstancialismo descrito, e que seria efetivamente apreciado nos autos do processo n.º 156/13.2BEMDL, ainda que, concretamente, se admitisse a efectiva actuação ilícita imputável à Ré advogada (o que não se admite, mas agora se equaciona por mero raciocínio lógico e à cautela de patrocínio), e ainda que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela tivesse, de facto, apreciado e julgado a pretensão indemnizatória dos AA., a probabilidade de procedência total dessa pretensão era manifestamente reduzida;

31. De facto, assentando a (pretensa) responsabilidade do Município numa mera presunção de culpa, a qual, tendo em conta toda a prova produzida nos autos resulta, desde logo, inequivocamente afastada, e atendendo à manifesta culpa do lesado pela produção do acidente em apreço nos autos, forçoso será concluir pela total exclusão do dever de indemnizar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570.º, n.º 2 do Código Civil;

32. Ou ainda, caso assim não se entendesse, com grande probabilidade seria a conduta assumida pelo próprio lesado, in casu, o filho dos AA. N. R., considerada igualmente causal para a ocorrência do infeliz acidente, sendo que, na falta de melhor critério, sempre seria de atribuir 50 - 50% de responsabilidade, com base na equidade;

33. Razão pela qual, não se encontrando demonstrada, nos presentes autos, a probabilidade séria e credível de sucesso da pretensão dos AA., não fosse a alegada actuação profissional omissiva que imputam à Ré advogada, não se poderá concluir pela ressarcibilidade do alegado dano de perda de chance dos AA., nos termos determinados na douta sentença recorrida;

34. Ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 483.º, 563.º, 570.º do C.C., dado não se encontrar minimamente demonstrada nos autos a probabilidade séria, real e credível de sucesso da pretensão dos AA., caso a acção judicial pretendida tivesse sido efetivamente apreciada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

35. Por outro lado, pese embora tenha a douta sentença recorrida considerado que a Ré advogada actuou, no âmbito do patrocínio forense assumido perante os AA., com manifesta falta de zelo e diligência, não poderá tal raciocínio levar à conclusão de que a Ré advogada cometeu um acto profissional ilícito, pelo facto de prosseguir um entendimento (quanto à interrupção do prazo prescricional) absolutamente legítimo e, inclusivamente, com respaldo jurisprudencial;

36. Conforme tem sido entendimento unânime da nossa jurisprudência actual, atenta a especificidade do contrato de mandato forense, e bem assim do exercício da actividade da advocacia, “não pode exigir-se ao advogado que adopte, em cada processo, a solução que, afinal, vier a ser acolhida pelo tribunal”, não havendo responsabilidade “se existirem doutrinas contraditórias e o advogado optar por uma delas (...)” - cfr. Acórdão do STJ de 02.10.2008, disponível in www.dgsi.pt;

37. Assim, e pese embora o entendimento da Ré advogada, relativamente à contagem do prazo prescricional aplicável, não tenha sido acolhido pelo Tribunal Administrativo de Mirandela e pelo TCA Norte nos autos do processo n.º 156/13.2BEMDL, não poderá tal facto consubstanciar uma verdadeira omissão e/ou erro de ofício passível de gerar a sua responsabilização civil, nomeadamente por tal entendimento ser corroborado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores;

38. Não podendo, assim, ser afirmada a existência de ilicitude ou culpa na conduta da ora Ré advogada, na medida em que a pretensa omissão que lhe é imputada, não ultrapassou a discutibilidade da questão e/ou o risco do pleito, consubstanciando, em bom rigor, o exercício pleno da autonomia técnica conferida ao advogado no âmbito do exercício da sua profissão;

39. De modo que, não se podendo responsabilizar a Ré Advogada pela reparação de quaisquer danos, presumivelmente, decorrentes da sua conduta profissional, não impenderá sobre a Companhia de Seguros, ora Recorrente, qualquer obrigação indemnizatória decorrente da alegada transferência de responsabilidades;

40. Sem prescindir de tudo quanto ficou exposto, sempre se dirá que, tendo o douto Tribunal a quo julgado provados os factos que ficaram a constar dos pontos 52 a 55 dos factos provados (e bem assim o facto 42), considerou a douta sentença recorrida que “...não está excluída da cobertura da apólice em causa a indemnização pelo referido sinistro (quanto à segunda acção), na medida em que, entendemos não ter aplicação a alínea a), do art. 3.º, das condições especiais da mesma, isto porque, os factos geradores da responsabilidade civil da 1ª R., não eram dela conhecidos antes de 01-01-2014;
41. Resultou efectivamente provado nos autos, nos termos da alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice 60013911000…/1, ficam expressamente excluídas da cobertura das apólices as Reclamações “por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”, sendo certo que, conforme prevê o artigo 44.º, n.º 2 da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de Abril), “O segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”;

42. Afirmou, porém, a douta sentença recorrida que a “1ª R. não soube em Outubro de 2013, que os A.A. haviam perdido a chance de verem apreciado o mérito da acção que instaurou, mas antes e apenas em 2015, quando teve conhecimento da decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela”;

43. Ora, recorrendo o douto Tribunal a quo ao critério da razoabilidade, nomeadamente ao considerar que a Ré advogada, ainda que partilhasse do entendimento propugnado no voto de vencido (do Acórdão proferido pelo TCA Norte nos autos do processo 156/13.2BEMDL), deveria razoavelmente prever e acautelar a possibilidade de o Tribunal vir a considerar prescrito o direito dos AA., e resultando provado nos autos que, em Outubro de 2013, teve a 1.ª Ré conhecimento da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, deveria a Ré advogada razoavelmente prever (nessa mesma data) que poderia vir a ser responsabilizada pelos AA. em consequência da decisão de prescrição do seu direito;

44. A referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da Apólice de seguro dedicado às Exclusões (sendo assim impropriamente designada de “exclusão de pré-conhecimento”), assume a natureza de disposição delimitadora do objecto da apólice, nomeadamente por ser clarificadora da disposição de retroactividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que, tendo sido cometidos em data anterior ao termo do período de vigência da apólice, sejam desconhecidos do Segurado em data anterior ao início do período de vigência dessa mesma apólice;

45. Sendo que, o que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa razoavelmente vir gerar uma reclamação;

46. De modo que, sempre será de concluir (salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário) pela impossibilidade de responsabilização da Seguradora, ora Recorrente, pelos danos presumivelmente decorrentes da actuação profissional da Ré advogada no âmbito do patrocínio assumido perante os AA., nomeadamente por aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice, e bem assim do n.º 2 do artigo 44.º da lei do Contrato de Seguro (D.L. 72/2008 de 16 de Abril), normas legais e contratuais que, in casu, foram (salvo o devido respeito) incorretamente apreciadas e aplicadas pelo douto Tribunal a quo”.
Termina, assim, pedindo que se conceda provimento ao presente recurso e se revogue a sentença recorrida.
7- Em resposta, os AA. pugnam pela confirmação do julgado.
8- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso

1- Definição do seu objecto

O objecto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil).
Assim, observando este critério no caso presente, o objecto do recurso em apreço reconduz-se, essencialmente, às seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pela Apelante;
b) Em segundo lugar, aquilatar se estão verificados os pressupostos impugnados para a responsabilização da 1ª Ré;
c) E, por fim, decidir se e atuação desta Ré está fora do âmbito temporal do contrato de seguro celebrado com a Apelante.
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2- Fundamentação

A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1- No dia 9 de Junho de 2009, perto das 24 horas, o filho dos Autores, N. R., nascido em 14 de Janeiro de 1992, deslocava-se, a pé, na Travessa A….
2- No final da dita Travessa existem duas rampas, com cerca de 3 metros de largura, em sentidos opostos, que permitem vencer o desnível de cerca de três metros entre a aludida Travessa A… e a Rua da G….
3- No final da referida Travessa, no topo das rampas, existia vegetação, que tornava menos fácil aos transeuntes, perceber bem onde terminava exatamente o chão ou piso.
4- Naquele local, a iluminação pública existente estava voltada para a Rua da G…, deixando a aludida Travessa A… e o topo das rampas, com pouca luminosidade/visibilidade.
5- O muro que sustentava as terras da Travessa em apreço era antigo.
6- No topo da rampa, por cima do muro de suporte de terras, não existia qualquer tipo de obstáculo ou barreira de segurança, que permitisse aos peões, não só ter a exata perceção de onde terminava o solo, mas também, evitar quedas para a Rua da G…, de uma altura de cerca de três metros.
7- O piso da Travessa e das respetivas rampas de acesso, apresentava-se empedrado, com algumas irregularidades e desnivelamento, propiciando quedas.
8- Quando o N. R. se aproximou do final da referida Travessa, desequilibrou-se e caiu desamparado para a Rua da G…, de altura não inferior a três metros.
9- Tal queda causou ao N. R. um traumatismo crânio-encefálico, que lhe viria a determinar a morte.
10- O N. R. foi assistido no local pela equipa de emergência médica e foi transportado para o Centro Hospitalar, onde ficou ligado aos sistemas de suporte de vida.
11- Acabou por falecer no Centro Hospitalar, no dia 11 de Junho de 2009, pelas 17 horas e 54 minutos.
12- A Travessa A… integra-se no conjunto de redes de circulação sob a alçada da administração municipal, que era quem providenciava pela limpeza e conservação da mesma.
13- Tal Travessa é utilizada pelas pessoas em geral, e, particularmente, pelas crianças que frequentam o colégio, situado nas imediações.
14- A queda do N. R. ocorreu devido à falta de uma grade de segurança do topo do muro, no final da Travessa A....
15- Tempo depois da morte do N. R., o Município, procedeu à limpeza do local, à reconstrução do muro de suporte de terras e à colocação de grades de segurança no topo do dito muro, em toda a respetiva extensão, tendo também refeito o pavimento da Travessa e de ambas as rampas.
16- Os Autores pagaram 10,40, de taxa moderadora do episódio de internamento do N. R..
17- E pagaram 98,85€, pelos exames que então foram realizados ao N. R., no Centro Hospitalar.
18- Os Autores pagaram também as despesas do funeral do N. R..
19- O N. R. teve sofrimento físico.
20- A morte do N. R. e as circunstâncias em que ocorreu, trouxeram um enorme sofrimento aos Autores.
21- A 1ª Ré é advogada e encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses, sendo portadora da cédula profissional número 86PPP.
22- Em 26-10-2009, os Autores outorgaram, a favor daquela, procuração necessária à prossecução do seu patrocínio, que esta aceitou, a fim de os representar em ação, através da qual se apurasse a responsabilidade pela morte do seu filho N. R..
23- Os Autores entregaram-lhe, então, para o efeito, a título de honorários, a quantia de 1.000,00€, e, mais tarde, em 07-01-2011, entregaram­lhe, novamente, a quantia de 1.000,00€.
24- Em 30-10-2009, a 1ª R., patrocinando os Autores, propôs ação no Tribunal Judicial de Vila Real, à qual foi atribuído o nº 1669/09.6TBVRL, em que peticionou a condenação do Município, a pagar-lhes uma indemnização no valor de 247.203,00€.
25- Os Autores pagaram a taxa de justiça devida pela interposição da ação, no valor de 1.428,00€.
26- Por despacho de 24 de Novembro de 2010, o Tribunal Judicial de Vila Real julgou verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta desse tribunal, em razão da matéria, para conhecer da ação, e, em consequência, absolveu os réus da instância.
27- A lª Ré não deu imediato conhecimento aos A.A. de tal despacho, informando-os deste passados dias, bem como de que havia a necessidade de se recorrer do mesmo, tendo sido instados a proceder ao pagamento da respetiva taxa de justiça, para o efeito.
28 - A lª Ré apresentou então recurso do despacho em causa, em 14 de Dezembro de 2010, através de requerimento remetido para o tribunal via fax.
29- O Autor pagou 535,50€, de taxa de justiça devida pela interposição do recurso.
30- A lª Ré procedeu à emissão do documento único de cobrança respeitante àquela taxa de justiça, com a menção de que havia direito a redução de 25% do valor, previsto para os processos tramitados exclusivamente por via eletrónica.
31- Em conformidade com o despacho datado de 25 de Janeiro de 2011, o Tribunal notificou a 1ª Ré para proceder à liquidação da taxa de justiça incorretamente liquidada, por entender que os recorrentes não beneficiavam da referida redução de 25%.
32- A 1ª Ré não deu cumprimento à notificação efetuada pelo Tribunal.
33- Por despacho de 03-04-2012, o Tribunal Judicial de Vila Real ordenou então o desentranhamento do recurso interposto, com fundamento na falta de pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida da multa a que aludia o art. 685°-D, n ° 1, do C.P.C.
34- A 1ª Ré nunca deu a conhecer aos Autores o resultado do recurso que intentou e não atendia ou devolvia as chamadas que estes lhe faziam.
35- A certa altura, o Autor dirigiu-se então ao Tribunal Judicial de Vila Real, para se inteirar do desenvolvimento do processo, e foi informado, para sua grande surpresa, que o mesmo estava arquivado.
36- Os Autores lograram entrar em contacto com a lª Ré, que, em 27 de Agosto de 2012, os informou de que tinham de intentar nova ação, desta feita no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, ao que estes acederam.
37- Nesse mesmo dia, os Autores entregaram à 1ª Ré um cheque, no valor de 510,00€, para pagamento da primeira prestação da taxa de justiça devida pela interposição da nova ação, tendo esta assumido perante aqueles, o compromisso de pagar, a expensas suas, a segunda prestação da taxa de justiça devida.
38- A 1ª R. estava então em condições de instaurar a ação em causa.
39- A 1ª Ré intentou a ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, para efetivação da responsabilidade extracontratual do Município, em 2 de Maio de 2013.
40 - Nesta nova ação administrativa comum, distribuída e autuada com o número 156/13.2BEMDL, a 1ª Ré peticionou a condenação do Município, no pagamento da quantia de 149.998,00€, correspondendo 10,40€ à importância paga pelos Autores com o internamento do filho, 98,85€ com medicação, 2.093,76€ com despesas de funeral, e ainda 147.795,00€ a título de danos não patrimoniais que sofreram com a morte do seu filho.
41- Citado nestes autos, o Município invocou a exceção de prescrição do direito dos Autores a serem indemnizados.
42- Por decisão de 16 de Outubro de 2013, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou procedente a exceção de prescrição, e, em consequência, absolveu o Município do pedido.
43- A 1ª Ré decidiu recorrer dessa decisão, sem, contudo, dar a conhecer aos Autores, quer a decisão então proferida, quer a sua intenção de recorrer.
44- O Tribunal Central Administrativo do Norte, mediante acórdão proferido em 5 de Junho de 2015, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
45- O Tribunal Central Administrativo do Norte considerou que, a prescrição em causa se havia interrompido com a citação do Município, no âmbito da ação judicial que correu termos pelo Tribunal Judicial de Vila Real, que tivera lugar em 10 de Novembro de 2009, data na qual se reiniciou a contagem de novo prazo de prescrição de 3 anos.
46- E assim, de acordo com o entendimento do Tribunal Central Administrativo do Norte, quando em 2 de Maio de 2013, a lª Ré intentou a ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, já havia decorrido o prazo da prescrição de 3 anos.
47- Os Autores não foram informados pela 1ª Ré do resultado do processo no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
48- Foi mais tarde o Autor que se dirigiu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, para tomar conhecimento do andamento do processo, e aí foi informado que já se encontrava findo.
49- Os Autores ficaram muito consternados/frustrados/incomodados e revoltados, com o resultado da última ação.
50 - Os Autores despenderam em taxas de justiça liquidadas no âmbito das ações supra mencionadas, o valor global de 2.473,50€.
51- O Município, na ação administrativa, requereu que os Autores, a título de custas de parte, lhe pagassem o valor de 1.779,90€.
52- Mediante contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, com data de início em 01-01-2014, titulado pela apólice n." 6001391100…, celebrado entre a O.A. e a 2ª Ré, foi transferida para a segunda, a responsabilidade civil, quanto a todos os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exercessem a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional, entre eles a 1ª Ré.
53- Foi convencionada uma franquia cujo valor ascendia por sinistro a 5.000,00€.
54- Segundo o art. 3°, a), das Condições Especiais da apólice, ficaram expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data de início do período seguro, e que já tivesse gerado, ou pudesse razoavelmente vir a gerar, reclamação.
55- A lª Ré teve conhecimento em Outubro de 2013, da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
*
B- Na mesma sentença não se julgaram provados os factos seguintes:

1- O muro que sustentava as terras da Travessa A... tinha a sua estrutura abalada, permitindo algum aluimento de terras.
2- Quando o N. R. se aproximou do final da Travessa, não teve a possibilidade de se aperceber do términus do chão da mesma.
3- Os Autores pagaram 2.093,76€ de despesas do funeral do N. R..
4- O N. R. era muito dedicado aos pais.
5- Os A.A. iam contactando a lª Ré, e esta negava-se a dar-lhes respostas ou satisfações, o que lhes causou/aumentou a frustração.
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C- Da pretendida modificação da matéria de facto

Estão em causa as afirmações contidas nos pontos 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 14 do capítulo dos Factos Provados e nos artigos 71.º a 93.º da contestação da Apelante.
Quanto às primeiras, a Apelante pretende vê-las reajustadas no seu conteúdo e/ou destino probatório. E, relativamente às segundas, propõe a sua inclusão no capítulo dos Factos Provados, numa nova síntese que sugere, uma vez que não foram objeto de qualquer julgamento pela instância recorrida.
Ora, quanto a este último aspeto, é importante começar por realçar que não é por determinados factos terem sido alegados que devem, só por isso e necessariamente, ser julgados. Julgados devem ser apenas os factos essenciais, complementares e instrumentais, tendentes a demonstrar a causa de pedir e exceções invocadas e/ou de conhecimento oficioso. Os demais são inócuos.
Por outro lado, estamos a falar de factos; isto é, ocorrências da vida real, tais como “os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos, incluindo as atuações dos seres humanos, sem excluir as do foro interno”(1), mas não de valorações, designadamente de carácter jurídico. Os factos integradores da causa de pedir e exceções fundamentam o juízo e efeitos jurídicos que lhe estão legalmente associados, mas não se confundem com eles (2). Daí que devam ser claramente delimitados.
Neste contexto, é para nós evidente que a redação proposta pela Apelante para os artigos 71.º a 93.º da sua contestação, não pode ser acolhida.
E, não pode ser acolhida porque os factos aí alegados ou são inócuos para a decisão da causa, ou não estão demonstrados, ou ainda porque uma parte das afirmações aí contidas são meramente conclusivas.
Senão vejamos:
Começa por ser inócuo saber se “[o] caminho em causa e onde alegadamente ocorreu o acidente, liga duas ruas principais”. Sabemos que esse caminho está ligado à Rua da G…, em Vila Real, e sabemos também que se trata de uma via (travessa) integrada no conjunto de redes de circulação integradas na administração municipal de Vila Real (pontos 2, 4, 12 dos Factos Provados).
Assim, o demais alegado, ou seja, a ligação à rua de onde provém o falado caminho, ou seja, a Rua A... (EN n.º 313), é absolutamente indiferente para o desfecho desta ação.
Por outro lado, já está demonstrado que a confrontação de tal caminho com a Rua da G… foi modificada após a morte do filho dos AA. (ponto 15 dos Factos Provados). Assim, é já certo que não pode estar “como se encontrava à data do acidente, há mais de 50 anos”. Ou seja, esta parte jamais se poderia considerar demonstrada.
Prosseguindo a nossa análise, verificamos que a largura do mesmo caminho, que importa apurar, é no local onde se deu o acidente e não propriamente em qualquer outro sítio. E essa largura já foi objeto de expressa menção no ponto 2 dos Factos Provados. É certo que se mantém controvertido. Mas, para o que agora importa, o que interessa assinalar é que nenhuma distinta menção se impõe acrescentar.
Pretende também a Apelante que se julgue provado o seguinte:
Que:
- O aludido caminho “é perfeitamente transitável, com segurança, a qualquer hora do dia ou da noite”;
- “Para além da vedação não estar legalmente prevista como obrigatória para os caminhos municipais, também nunca se revelou necessário qualquer muro de protecção para peões”, [p]ois que, dada a largura do caminho, de cerca de 4/4,5 metros, só por motivos extraordinários ou muito pouco habituais, alguém cairia para o arruamento adjacente”;
- “Qualquer utilizador pode circular com segurança” [e] qualquer utente pode transitar em toda a extensão do caminho junto aos muros que o ladeiam e acompanham pelo menos de um dos lados, toda a sua extensão”;
- “O caminho em causa não padecia de qualquer defeito ou deficiência, que impedisse e/ou dificultasse a circulação de transeuntes”;e,
- “O Município manteve sempre o caminho em causa em condições de segurança e adequadas à sua utilização”.
Ora, retirando a largura do caminho em questão, sobre a qual já nos pronunciámos, a verdade é que as demais afirmações não são factos, no sentido já apontado, mas juízos ou conclusões que, por si, não podem servir de base à aplicação do direito, que é por si mesmo uma atividade valorativa.
Assim, não se julgarão tais afirmações como demonstradas, no plano dos factos.
Pretende também a Apelante que se julgue comprovado que o referido caminho é “utilizado por dezenas de pessoas por dia (e) nenhum dos menores que acompanhavam o filho dos AA. sofreu qualquer acidente, não havendo noticia de qualquer outro acidente”.
Pois bem, para além de ter havido, durante o julgamento, versões testemunhais contraditórias sobre este último facto (a testemunha, M. S., disse que sim, e a testemunha, D. R., disse que não) e de nenhuma prova consistente ter sido produzida sobre o número de utilizadores do caminho em questão, a verdade é que também nenhuma influência pode ter nesta causa o facto dos demais menores que acompanhavam o filho dos AA. não terem sofrido qualquer acidente. Essa circunstância pode derivar de inúmeras circunstâncias que não vêm ao caso.
Daí que não se aditem tais factos à factualidade julgada provada.
E igual decisão deve ser tomada a respeito do facto do “N. R.” seguir, “momentos antes da queda, com falta de atenção e cuidado” e de ter alegadamente ingerido bebidas alcoólicas, não estando habituado esse tipo de bebidas.
É que se a prova indicada pela Apelante não permite julgar demonstrada a alegada falta de cuidado do aludido filho dos AA., também nenhum nexo causal foi estabelecido, em termos de alegação, entre a pretensa ingestão de bebidas alcoólicas e a queda que o viria a vitimar.
Por conseguinte, nenhuma razão há para julgar comprovada qualquer uma das citadas afirmações.
Passemos, agora, à análise dos factos impugnados, constantes do capítulo dos Factos Provados.
O que está, fundamentalmente, em causa nesses factos é a questão de saber qual a razão para a queda que vitimou o filho dos AA.: se a ausência de barreiras de segurança no topo do muro que delimita a confrontação da Travessa A... com a Rua da G..., bem como o desequilíbrio motivado pela irregularidade e imprecisão dos limites do piso, imprecisão que era acentuada pela vegetação aí existente e reduzida luminosidade noturna; ou, antes, como sustenta a Apelante, qualquer outra razão, designadamente imputável ao filho dos AA..
Ora, do nosso ponto de vista, depois de revisitar toda a prova indicada pela Apelante, entendemos que a instância recorrida julgou bem ao ter adotado a primeira destas opções.
De facto, começa por ser para nós claro, que não se pode julgar demonstrado, como pretende a Apelante, que as rampas existentes na Travessa A... tenham “cerca de 4/4.5 metros”.
As fotografias juntas aos autos, particularmente a que está numerada como documento n.º 12 (fls. 233), parece desmenti-lo. Mas, mesmo que assim não fosse, a verdade é que o depoimento da testemunha, D. R., em que a Apelante funda a sua discórdia, só se referiu à largura da Travessa A..., e não propriamente às rampas, que é o que está mencionado no início do ponto 2 dos Factos Provados.
Portanto, a redação deste ponto deve manter-se inalterada.
Pretende também a Apelante que se julgue demonstrado que “no final da referida Travessa, no topo das rampas, existia vegetação rasteira”. Isto, por contraposição à versão expressa na sentença recorrida, na qual, no ponto 3 dos Factos Provados, se refere que essa vegetação “tornava menos fácil aos transeuntes perceber bem onde terminava exatamente o chão ou piso”.
Por outro lado, ainda quanto às características do local, pretende também a Apelante que não se dê como assente a reduzida luminosidade aí existente à época, bem como a irregularidade do piso, ao ponto de propiciar quedas, dado, que, a seu ver, se provou o contrário.
Mas, não é assim.
Se atentarmos, uma vez mais, nas fotografias juntas aos autos (fls. 233 a 239), há claros indicadores de sinal contrário. E, no plano da prova testemunhal, também os depoimentos de M. S., T. S., Maria, A. C. R., A. C., M. O. e I. R., que ouvimos na íntegra, apontam nesse sentido.
É certo que a Apelante pretende com alguns excertos deste depoimentos convencer-nos do contrário. Mas, sem sucesso. O que resulta da globalidade de tais testemunhos é que, no local e à época, o piso era muito irregular (ao ponto, portanto, de poder provocar quedas aos que nele transitavam), como muito reduzida luminosidade noturna e com vegetação que dificultava a perceção dos exatos limites da Travessa A..., na confrontação com a Rua da G....
E não se esgrima com o testemunho de D. R., para sustentar o contrário.
Na verdade, esta testemunha, enquanto engenheiro civil e responsável na Câmara Municipal, à data dos factos -09/06/2009-, teve um depoimento que nos pareceu parcial, ao afirmar, por exemplo, que o caminho em causa era perfeitamente iluminado, quando das fotografias já referidas resulta o contrário. Isto, para além da reduzida luminosidade ter sido também confirmada pelas testemunhas primeiramente citadas.
Podem, pois, julgar-se confirmadas as afirmações constantes dos pontos 3, 4, 6 e 7.
Mas também se devem julgar confirmadas as asserções constantes dos pontos 8 e 14.
Na verdade, segundo o que foi possível depreender dos testemunhos de T. S. e I. R., que, na altura, acompanhavam o filho dos AA., este desequilibrou-se e acabou por cair para a Rua da G..., por não ter nada que o amparasse. Designadamente, como sucede agora, uma grade em todo o comprimento da Travessa A..., na sua confinância com a Rua da G... (cfr. cópias das fotografias de fls. 202 e 207).
Daí que se mantenha inalterados todos os referidos pontos de facto.
Em suma, improcede a impugnação da matéria de facto apresentada pela Apelante.

D- Vejamos, agora, se estão verificados os pressupostos impugnados para a responsabilização da 1ª Ré

Neste âmbito, a Apelante apenas questiona, neste recurso, dois desses pressupostos. E, ainda assim, com um carácter limitado.
Assim, alega que, contrariamente ao que defende a sentença recorrida, “resultou inequívoco dos autos que a vegetação que se encontrava no local e que, alegadamente, impediria aos transeuntes visualizar o local exacto onde “terminava a rua e começava o precipício”, tratava-se, afinal, vegetação/ervas rasteiras, não impedindo, de modo algum, a visibilidade do caminho/arruamento em causa.
Por outro lado, resultou claro de toda a prova produzida nos autos que o caminho em apreço era, na verdade, perfeitamente iluminado, tendo a Câmara Municipal, inclusivamente, um contrato com a EDP que implicava que esta empresa diligenciasse pela manutenção da iluminação da via, retificando e/ou corrigindo de imediato qualquer falha de iluminação, tão breve a mesma fosse reportada.
(…)
Sendo certo ainda que, contrariamente à conclusão alcançada pelo douto Tribunal recorrido na sentença em apreço, resultou, na verdade, da prova produzida nos autos que, foi o próprio N. R. que contribuiu decisivamente para a produção da fatídica queda.
Na verdade, tendo resultado provado que, momentos antes da queda, o N. R. tinha estado a beber (“vinho e cerveja, tudo à mistura”), e resultando igualmente provado que não era o filho dos AA. habituado a ingerir bebidas alcoólicas, parece evidente que o mesmo sempre terá contribuído {exclusivamente, ou no limite, em grande medida} para a produção do acidente em apreço nos autos.
De modo que, atendendo a todo o circunstancialismo descrito, e que seria efetivamente apreciado nos autos do processo n.º 156/13.2BEMDL, resulta inequívoco o seguinte facto hipotético de grande relevância para a apreciação do {pretenso} dano de “perda de chance” alegadamente sofrido pelos AA.: ainda que, concretamente, se admitisse a efectiva actuação ilícita imputável à Ré advogada (o que não se admite, mas agora se equaciona por mero raciocínio lógico e à cautela de patrocínio), e caso o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela tivesse, de facto, apreciado e julgado a pretensão indemnizatória dos AA., a probabilidade de procedência total dessa pretensão era manifestamente reduzida”.
Ora, como já vimos, estes argumentos não são de acolher. E não são de acolher porque a prova produzida não permite confirmar as premissas de facto em que os mesmos se baseiam. Daí que não possam proceder.
Mas também não procede a alegada ausência de legislação que obrigasse o Município a cuidar do local e a zelar pelas suas condições de segurança.
Efetivamente, como se afirma na sentença recorrida, “[e]ra da competência e da obrigação do Município providenciar pela administração e gestão e consequente manutenção e conservação de tal Travessa A... (enquanto domínio público autárquico de circulação, como lhe chama o Ac. da RC de 10-05-2011), onde se incluía naturalmente a obrigação de providenciar pelas suas condições de segurança, nos termos do art. 64°, n ° 2, f) e n ° 7, b), da Lei n ° 169/99, de 18-09, na redacção então em vigor, e como resulta da própria actuação havida pelo Município após o trágico acidente que vitimou o filho dos A.A., pois que, tempo depois da morte do N. R., o Município procedeu à limpeza do local, à reconstrução do muro de suporte de terras e à colocação de grades de segurança no topo do dito muro, em toda a respectiva extensão, tendo também refeito o pavimento da Travessa e de ambas as rampas”.
E no mesmo sentido já estipulava o artigo 2.º da Lei n.º 2110, de 19 de agosto de 1961, que “é das atribuições das câmaras municipais a construção, conservação, reparação, polícia, cadastro e arborização das estradas e caminhos municipais”.
Assim, é inequívoco que, já à época, a Município estava legalmente obrigado a dotar a Travessa A... de condições de segurança tendentes a evitar que nela ocorressem quaisquer acidentes.
E, não o tendo feito, como não fez, a probabilidade de vir a ser responsabilizado pelas consequências danosas dessa omissão eram extremamente elevadas. Ou seja, independentemente da posição teórica que se assuma sobre a “perda de chance” – considerando-a como um dano autónomo ou como elemento do nexo de causalidade (3) -, o que a Apelante não questiona, a verdade é que a possibilidade dos AA. virem a ter êxito na sua primitiva pretensão indemnizatória era extremamente elevada. Até porque, se é certo que o dever de vigilância dos entes públicos em relação aos bens que gerem não comporta a obrigação de representar todos os riscos inerentes a esses bens, já lhes é exigível “que representem todos os riscos prováveis e, de entre os demais possíveis, os que, por não serem extraordinários ou fortuitos, ainda pudessem caber nas expectativas de um avaliador prudente (vd. os arts. 4º, n.º 1, do DL n.º 48.051, de 21/11/67, e 487º, n.º 2, do Código Civil); e, em seguida, exige-se que tais entes previnam os riscos representados, desde que não haja motivos logísticos ou orçamentais que, «ab extra», o impossibilite” (4).
Daí que nada haja a censurar, neste âmbito, na sentença recorrida.
Insurge-se também a Apelante contra essa sentença pelo facto da mesma não ter integrado a conduta da 1ª Ré nos riscos próprios da sua profissão, enquanto Advogada. Por, no fundo, ter concluído que a atuação dessa Ré foi ilícita e culposa. E isso, no que concerne particularmente à segunda ação pela mesma instaurada.
Ora, como veremos, a referida sentença justificou cabalmente a posição nela assumida, sem que seja merecedora, também neste segmento, de qualquer censura.
Assim, depois de elencar os deveres a que a referida Ré estava contratual e legalmente obrigada, enquanto mandatária dos AA., e de ter considerado que, também em relação à primeira ação, ou seja, a que foi instaurada na jurisdição comum, a mesma Ré “não agiu com a diligência, o zelo e a competência mínimos, que lhe eram exigíveis (por ser evidente para qualquer advogado minimamente diligente que, os tribunais comuns não eram competentes para conhecerem da causa)”, acrescentou em relação à segunda ação (a que foi instaurada na jurisdição administrativa):
“Perante a decisão do T.J. de Vila Real a declarar-se incompetente em razão da matéria para conhecer da causa, por entender que competentes para o efeito eram os Tribunais Administrativos e Fiscais, sem que alegadamente se haja usado do mecanismo previsto no então art. 105°, n ° 2, do C.P.C., e tendo tal decisão transitado em julgado, só havia uma coisa a fazer: instaurar acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
Em 27 de Agosto de 2012, a lª R. informou então os A.A. de que, tinham de intentar nova acção, desta feita no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, ao que estes acederam.
Nesse mesmo dia, os Autores entregaram à 1ª R. um cheque, no valor de € 510,00, para pagamento da primeira prestação da taxa de justiça devida pela interposição da nova acção, tendo esta assumido perante aqueles, o compromisso de pagar, a expensas suas, a segunda prestação da taxa de justiça devida.
A 1ª R. estava então em condições de instaurar a acção em causa. Intentou-a, porém, apenas em 2 de Maio de 2013.
Assim, estando a lª R., em 27-08-2012, em condições de instaurar acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, só a instaurou em 02-05-­2013, ou seja, passados mais de 8 meses.
Importa também chamar a atenção para o seguinte: já em Abril de 2012 o T.J. de Vila Real tinha determinado o desentranhamento do recurso do despacho de declaração de incompetência, o que era normal levar um advogado diligente a contactar os A.A. e a propor-lhes a imediata instauração de acção no tribunal competente, o que a 1ª R. não fez, deixando decorrer todo o período que vai desde Abril até finais de Agosto de 2012, sem que desse conhecimento aos A.A. do desfecho da primeira acção e da necessidade de instaurar uma outra.
Há que destacar que, a petição que a 1ª R. apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela é praticamente uma cópia da petição que a 1ª R. apresentara no T.J. de Mirandela (não foi por aí que certamente a 1ª R. se atrasou na instauração da nova acção, ou seja, com o tempo necessário para preparar uma nova petição inicial).
Os documentos juntos com as petições iniciais são também praticamente os mesmos, tendo-se junto com a segunda petição inicial mais umas fotografias do local do sinistro.
Não vislumbramos assim qualquer razão para a 1ª R. ter demorado o tempo que demorou a instaurar a segunda acção.
É incompreensível que, a 1ª R. estivesse cerca de 4 meses sem informar os A.A. de que, o T.J. de Vila Real se declarara incompetente e da necessidade de instaurar outra acção no tribunal competente, e que, uma vez contactada por estes e acordada a necessidade de instaurar nova acção, houvesse deixado decorrer mais de 8 meses para dar entrada a uma petição inicial, que é quase uma cópia da petição inicial da primeira acção que instaurara (nada tendo sido invocado que pudesse tomar minimamente compreensível tal conduta da 1ª R.).
Perante tal factualidade, entendemos que, a 1ª R., mais uma vez, não actuou com a diligência, o zelo, o cuidado e a prontidão, que lhe eram exigíveis, na instauração da acção em causa.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela veio a julgar procedente a excepção de prescrição invocada pelo Município, e, em consequência, absolveu-o do pedido.
E o Tribunal Central Administrativo do Norte, mediante acórdão proferido em 5 de Junho de 2015, negou provimento ao recurso, que a 1ª R. instaurou, confirmando a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
O Tribunal Central Administrativo do Norte considerou que, a prescrição em causa se havia interrompido com a citação do Município, no âmbito da acção judicial que correu termos pelo Tribunal Judicial de Vila Real, que tivera lugar em 10 de Novembro de 2009.
E assim, quando em 2 de Maio de 2013, a lª R. intentou a acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, já havia decorrido o prazo da prescrição de 3 anos.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela entendeu que, tendo o R. sido citado na primeira acção instaurada, em 10-11-2009, o prazo de prescrição de 3 anos se interrompeu nessa mesma data, reiniciando-se, porém, nessa mesma data (em virtude da posterior absolvição da instância), nos termos do art. 327°, do C.C., novo prazo de prescrição de 3 anos, e, tendo a acção dado entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 02-05-2013, já se havia então completado o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art. 498°, do C.C.
O Tribunal Central Administrativo do Norte teve o mesmo entendimento. Foi ali apresentado um voto de vencido, expressando o entendimento de que, o prazo de prescrição de 3 anos se havia interrompido em 10-11-2009, com a citação do R. Município e que só aquando do trânsito em julgado em 07-03­-2011, da decisão do T.J. de Vila Real, que se declarou incompetente para conhecer da causa, é que se reiniciou novo prazo de prescrição de 3 anos, que terminou depois da citação do Município na acção instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
Ora, o facto de haver um entendimento, à luz do qual, o direito exercido pelos A.A. no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, não estava prescrito, quando ali foi proposta a acção pela 1ª R., não permite concluir que a mesma actuou diligentemente, com cuidado, zelo e prontidão, ao instaurar a acção decorridos mais de 8 meses após estar em condições de a poder instaurar e depois de estar cerca de 4 meses sem dar conhecimento aos A.A. de que, se queriam ver apreciada a sua pretensão, tinham de instaurar nova acção.
E ainda que o entendimento da 1ª R. quanto a esta matéria fosse o mesmo do voto de vendido em causa, a sua conduta continuaria a ser violadora dos deveres supra referidos.
Desde logo, a 1ªR., deveria ter conhecimento da existência do entendimento que teve o Tribunal Administrativo e Fiscal quanto à questão da prescrição, e deveria ter equacionado a possibilidade de o Tribunal poder vir a ter o entendimento que teve, desde logo, por tal interpretação decorrer da letra da lei - art. 327°, n ° 2, do C.C., e por haver várias decisões jurisprudenciais, assim como doutrina, que faziam a interpretação que o Tribunal fez da questão da prescrição, conforme referido a fls. 183.
Se a 1ª R. não tinha tal conhecimento ou se o tinha e não o equacionou, ou se o equacionou mas não se precaveu do mesmo, instaurando a acção logo que pôde instaurá-la, antes de, à luz daquele entendimento, estar prescrito o direito, violou os deveres de diligência, de cuidado e de zelo, que a situação impunha.
Se estivesse em causa um entendimento “peregrino”, com que a 1ª R. não devesse razoavelmente contar, poderíamos considerar que a 1ª R. não actuou com falta de diligência ao não contar com o mesmo.
Porém, sendo um entendimento resultante da letra da lei e defendido na doutrina e na jurisprudência, se a 1ª R. dele não sabia ou se dele não quis saber, actuou em violação do dever de diligência, que lhe exigia que conhecesse tal entendimento, e que, perante a possibilidade de ele vir a ser adoptado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, instaurasse, como poderia ter instaurado, a acção, antes de estar prescrito o direito dos A.A., de acordo com tal entendimento.
Temos assim para nós que, a 1ª R., ao ter instaurado a segunda acção tão tardiamente, sem que nada o justificasse, ainda para mais havendo o perigo de o direito dos A.A. poder ser considerado prescrito se acaso se demorasse a instaurar a acção, violou os deveres de cuidado, diligência e zelo, que a situação impunha”.
Concordamos, como já dissemos, com este entendimento.
E não se diga, como faz a Apelante, que este resultado, no fundo, deve ser associado à sua liberdade técnica. Todos o sabemos, a obrigação da referida Ré é de meios e não de resultado, mas os meios tem de ser colocados à disposição do credor usando o devedor a sua melhor diligência e saber (5).
Ora, a Ré em causa vem a deixar prescrever o direito dos AA. devido a uma sucessão de erros técnicos, mas não só. Há também, da sua parte, um claro desleixo no acompanhamento desta situação. Seja na transmissão aos AA. do desfecho do processo que correu termos na jurisdição comum, seja, subsequentemente, na instauração tardia de nova ação nos tribunais administrativos.
Repare-se: os AA. mandataram a 1ª Ré para defender judicialmente os seus interesses no dia 26/10/2009 e, depois de todas as vicissitudes ocorridas com a primeira ação judicial, a mesma Ré só em 02/05/2013 é que instaurou uma nova ação (repetindo grande parte do teor da primeira petição inicial), quando não podia ignorar que: a) Os factos se reportavam ao dia 09/06/2009; b) A citação do Município para o primeiro pleito tinha ocorrido no dia 10/11/2009; c) O prazo de prescrição era de 3 anos; d) E, era largamente dominante o entendimento doutrinal e jurisprudencial no sentido de que, havendo absolvição da instância por motivo imputável ao titular do direito, como foi o caso, o prazo de prescrição interrompido se reiniciava logo após o ato interruptivo, nos termos do artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil (6).
Assim, a dita Ré não podia desconsiderar estas circunstâncias.
Ao fazê-lo no apontado contexto, a mesma Ré levou a sua posição até um limite juridicamente insustentável, pelo que não pode deixar de ser objeto de censura ético-jurídica. Ou seja, em suma, posto que verificados todos os requisitos (estes e todos os demais requisitos que a Apelante não questiona neste recurso, mas foram já definitivamente julgados verificados na sentença recorrida), os AA. têm direito à indemnização que lhes foi conferida na mesma sentença.
E- Resta saber de quem a podem exigir. Isto, porque a Apelante alega estar esse direito fora do âmbito temporal do contrato de seguro consigo celebrado.

Vejamos se assim é:
Nos termos do artigo 44.º, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), “O segurador não cobre riscos anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”.
Por sua vez, estipula o artigo 3.°, al. a), das Condições Especiais da apólice aqui em causa que ficam expressamente excluídas da cobertura nela prevista as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data de início do período seguro, e que já tivesse gerado, ou pudesse razoavelmente vir a gerar, reclamação.
Refere a Apelante que, no caso, a 1ª Ré, quando teve conhecimento da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em Outubro de 2013, podia razoavelmente prever “que poderia vir a ser responsabilizada pelos AA. em consequência da decisão de prescrição do seu direito”. Sendo assim e tendo o contrato de seguro consigo celebrado tido o seu início posteriormente, ou seja, no dia 01/01/2014, está fora do âmbito desse contrato a indemnização que foi condenada a pagar aos AA.
Mas, este ponto de vista não é de sancionar.
O conhecimento que aqui está em causa diz respeito, no fundo, à ausência de risco. Ora, o risco de responsabilização da 1ª Ré, enquanto não transitou em julgado a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferida no dia 05/06/2015, que declarou prescrito o direito indemnizatório dos AA., não cessou. Podia ser mais ou menos provável que ocorresse o evento danoso, mas o risco que lhe estava associado não estava, de todo, eliminado. E, é esse elemento que conta.
Daí que não se possa considerar excluído do âmbito do contrato de seguro celebrado com a Apelante o direito que os AA. pretendem fazer valer nesta ação, na medida em que lhes foi reconhecido.
E, não vindo questionado qualquer outro aspeto, a sentença recorrida é de confirmar na íntegra, assim improcedendo o presente recurso.
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III- DECISÃO

Pelas razões expostas, acorda-se em negar integral provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.
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- Porque decaiu na totalidade, as custas deste recurso serão suportadas pela Apelante - artigo 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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1. Ac. STJ de 23/04/2009, Processo n.º 674/04.3TBCMN.S1, consultável em www.dgsi.pt.
2. O enquadramento jurídico não é elemento de causa de pedir - Ac. STJ, de 20/01/l994, BMJ, 433º, pág. 495.
3. Sobre estas posições, podem consultar-se, por exemplo, a doutrina e jurisprudência referidas por Rui Cardona Ferreira, “A Perda de Chance Revisitada” (a propósito da responsabilidade do mandatário forense), em www.oa.pt; António Pedro Santos Leitão, “Da Perda de Chance - Problemática do Enquadramento Dogmático” - Dissertação em Ciências Jurídico-Civilísticas - Menção em Direito Civil - Julho 2016, em www.estudogeral.sib.uc.pt; ou, Fernando Augusto Samões, “Indemnização por Perda de Chance”, (dissertação de mestrado – especialização em ciências jurídico-processuais), em http://repositorio.uportu.pt.
4. Ac. STA de 29/01/2009, Processo n.º 966/08, cujo sumário pode ser consultado em www. cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Responsabilidade_Civil_Estado
5. Neste sentido, Ac. STJ de 04/12/2012, Proc. 289/10.7TVLSB.L1.S1, Ac. STJ de 05/02/2013, Proc. 488/09.4TBESP.P1.S1 e Ac. RC de 27/05/2014, Proc. 6368/09.6TBLRA.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
6. Neste sentido, num caso também de declaração de incompetência material, pode ler-se o Ac. RLx de 26/02/2014, Processo 76/04.1TTVFX-B.L1-4, consultável em www.dgsi.pt