Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1409/12.2TBVVD-B.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
ÓNUS DA PROVA
DISPOSIÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - O instituto da exoneração do passivo restante em processo de insolvência permite ao devedor que seja uma pessoa singular exonerar-se dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo respectivo ou nos cinco anos subsequentes ao encerramento deste.
2 - É motivo de indeferimento liminar do incidente, a abstenção de apresentação com prejuízo para os credores e consciência da inexistência de perspectivas sérias de melhoria da situação económica, bem como a existência de elementos que indiciem, com toda a probabilidade, a existência de culpa do devedor na criação ou no agravamento da situação de insolvência nos termos do Artº 186º.
3 - Cabe aos credores ou ao administrador de insolvência a invocação dos factos conducentes ao indeferimento liminar.
4 - O Artº 186º define como culposa a insolvência quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor... nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
5 - A disposição dos bens em proveito de terceiros é irrelevante para a formação do juízo de culpa, se tiver ocorrido fora do limite temporal definido no Artº 186º/1 do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

E… e mulher C…, Insolventes nos autos à margem identificados, vêm interpor recurso da decisão que Indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.
Pedem a respectiva revogação.
Alegam e, após, concluem:
1.º • O despacho liminar da exoneração do passivo restante deve ser proferido na assembleia de credores, só não devendo ser se ocorrer motivo fundamentado que o impeça – como acontece v.g., na hipótese de o pedido ser efectuado na própria assembleia de credores, em que o juiz pode recorrer ao 10 dias previstos no aludido artigo para lançar mão de alguma diligencia probatória;
2.º • Prescreve o CIRE, no Artº 239 que "Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial na assembleia de apreciação do relatório ou nos 10 dias subsequentes."
3.º • Ora, a lei não estabelece nenhum critério esclarecedor dos termos em que o Juiz pode optar pelas alternativas elencadas no referido artigo. Em face deste silêncio, entendemos que este despacho deve ser proferido na assembleia de credores, só não devendo ser se ocorrer motivo fundamentado que o impeça – como acontece v.g., na hipótese de o pedido ser efectuado na própria assembleia de credores, em que o juiz pode recorrer ao 10 dias previstos no aludido artigo para lançar mão de alguma diligência probatória.
4.º • É no momento do despacho inicial que se tem de analisar, através da ponderação de dados objectivos, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merecedora de uma nova oportunidade, configurando este despacho quando positivo, uma declaração de que a exoneração do passivo restante será concedida, se as demais condições futuras exigidas vierem a ser cumpridas.
5.º • A verdade é que, o Juiz a quo, de facto, não tinha motivos (nem tem) – ao tempo da assembleia de credores – para indeferir o pedido de exoneração do passivo, pelo que deveria ter-se pronunciado positivamente e em tempo oportuno.
6.º • Assim sendo, salvo melhor opinião, estamos perante uma omissão de pronúncia no prazo legalmente estabelecido, pelo que a cominação prevista é a nulidade nos termos do art. 201 do CPC ex vi o art.º 17 do CIRE.
7.º. Por outro lado – e tal como consta do despacho ora recorrido – apenas se pronunciaram votando contra a admissibilidade do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes, os credores R…, L… e o B….
8.º. Ora, no entendimento dos aqui apelantes, os requisitos enunciados no artigo 283°, não se encontram preenchidos, pelo que, no entender dos mesmos, não existe motivo para o indeferimento liminar havido.
9.º No modesto entendimento dos ora recorrentes não basta que o devedor tenha incumprido o dever de apresentação à insolvência – o que não sucedeu – mas também é necessário que, cumulativamente:
esse incumprimento tenha determinado um efectivo prejuízo para os credores;
- e, ainda, que o devedor soubesse ou não pudesse ignorar sem culpa grave que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
10.º• E esta prova incumbe aos credores e ao administrador de insolvência, nos termos do art. 342°, n." 2 do Código Civil – neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Setembro de 2011, relatado por Maria do Carmo Domingues, disponível em www.dgsi.pt.
11.º • A decisão recorrida não explicita em que medida o incumprimento do prazo de apresentação determinou um efectivo prejuízo para os credores.
12.º• Nem relata qualquer facto que determine que os insolventes sabiam ou não podiam ignorar sem culpa grave que inexistia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
13.º • Por outro lado, os requisitos necessários ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante não foram sequer enunciados, nem factualmente documentados por qualquer um dos credores, aquando da realização da assembleia de credores pelo que não deve ser considerado.
14.º • De facto, os requisitos impostos pelo artigo 238. ° do CIRE, são requisitos cumulativos, pelo que, sendo os requisitos cumulativos e não se tendo provado os mesmos, um a um, não era caso de indeferimento liminar da pretensão dos recorrentes (vide Acórdão STJ de 21-10-2010).
15.º • Sucede que, ao contrário do alegado no despacho recorrido apenas pelo ano de 2011 é que os Insolventes foram tendo dificuldades em fazer face às suas despesas.
16.º • o Requerente marido sempre confiou até ao dia de hoje, que com o prosseguimento da sua actividade profissional, na área da construção civil, seria possível pagar aos seus credores.
17.º – Não se encontram alegados todos os factos constantes do artigo 238º do CIRE, que levaram ao indeferimento da exoneração, sendo que, por esta ausência de fundamentação, padece a referida decisão do vício da nulidade. (art.º 668, nº 1, b)).
18.º – Em suma: a douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou o disposto no art.º 239 do CIRE e art.º 668 n.o1, ali) b) do CPP.

O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão.
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Exaramos, de seguida, um breve resumo dos autos para cabal compreensão.
E… e C… requereram a exoneração do seu passivo restante.
Por sentença proferida a 17-12-2012, foram os requerentes declarados insolventes.
A Sra. Administradora pronunciou-se pela admissão liminar do pedido de exoneração.
Em sede de assembleia de apreciação do relatório, R…, L… e o B… votaram contra a admissibilidade do pedido, sendo que os demais credores não se pronunciaram.
A S… pronunciou-se de modo extemporâneo.
O Ministério Público pronunciou-se, por escrito, pugnando pela indeferimento do pedido de exoneração do passivo
Foram juntas aos autos escrituras de doação – folhas 179 a 185.
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Das conclusões acima exaradas extraem-se as seguintes questões a decidir:
1ª - Estamos perante uma omissão de pronúncia no prazo legalmente estabelecido, pelo que a cominação prevista é a nulidade nos termos do art. 201 do CPC?
2ª - Os requisitos enunciados no artigo 238°, não se encontram preenchidos?
3ª - Sendo os requisitos cumulativos e não se tendo provado os mesmos, um a um, não era caso de indeferimento liminar da pretensão dos recorrentes?
4ª – A decisão padece do vício de nulidade?
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São os seguintes os factos tido como provados:
A. Os requerentes são casados entre si, sob o regime de comunhão de adquiridos.
B. Os requerentes não têm antecedentes criminais registados.
C. No dia 25 de Julho de 2007 o requerente declarou doar a L…, seu filho menor, a raiz ou nua propriedade do prédio urbano, composto por casa de habitação, com logradouro, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o n.º. 307/Cabanelas, bem como o seu recheio, atribuindo-lhe o valor total de € 26 000,00, doação feita por conta da legítima do donatário.
D. No dia 25 de Julho de 2007 os requerentes declararam doar a V…, sua filha menor o prédio rústico, composto por bouça de mato e lenha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o n.º 717/Cabanelas, atribuindo à doação o valor de € 500,00, feita por conta da legítima da donatária.
E. Os requerentes têm os seguintes débitos:
1.º a R… o valor de € 9402.34, proveniente de um crédito laboral, constituído em 01-01-2004, com incumprimento de 11-06-2012;
2.º a L… o valor de € 7 379.13, proveniente de um crédito laboral, constituído em 01-01-2004, com incumprimento de 16-05-2012;
3.º a S…, S.A. o valor de € 18 199.44, proveniente de avales, constituído em 11-02-2008, com incumprimento de 03-03-2008;
4º a Fazenda Nacional o valor de € 109 051 .81, proveniente de I.V.A., I.R.S., custas e juros, constituído em 01-07-2005, com incumprimento de 03-12-2012;
5.º a Banco… o valor de € 34 884.02, proveniente de avales, saldos de depósitos à ordem e empréstimos, constituído em 04-02-2005, com incumprimento de 15-04-2007;
6.º a Instituto de Segurança Social, I.P. o valor de € 84 86i .06, proveniente de contribuições, cotizações e juros, constituído em 01-08-2005, com incumprimento de 15-09-2005;
7.º a O…, Lda., o valor de € 9 654.37, proveniente de actividade comercial, constituído em 04-05-2006, com incumprimento de 04-06-2006;
8.º a D… o valor de € 2 048.24, proveniente de actividade comercial, constituído em 28-01-2010, com incumprimento de 20-07-2011.
F. O único património que os devedores possuem são 4 veículos automóveis, no valor global de € 1 700,00.
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ANÁLISE JURÍDICA:
A 1ª questão que enunciámos prende-se com a alegada omissão de pronúncia no prazo legalmente estabelecido, com consequente nulidade nos termos do Artº 201º do CPC.
Reportando-se ao disposto no Artº 239º/1 do CIRE, os Recrtes. alegam que o despacho deve ser proferido na assembleia de credores, imperativo que não foi cumprido.
Previamente, porém, esclarecem que o presente recurso se reporta ao despacho liminar do incidente proferido em 1ª instância.
Reina alguma confusão na alegação que suporta a presente questão.
Efectivamente, o denominado despacho inicial é proferido na assembleia de credores ou nos 10 dias subsequentes, conforme estipula o Artº 239º/1 do CIRE.
Ocorre, porém, que no caso concreto, não se está em presença de tal despacho, mas sim do despacho liminar, que é, em face do CIRE, uma realidade totalmente distinta. O despacho liminar (de indeferimento ou deferimento do incidente de exoneração) precede aquele e tem por objectivo questões distintas das que ali se apreciam, designadamente cabe-lhe fazer a apreciação prevista no Artº 238º.
Dispõe-se no Artº 238º/2 que o despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador de insolvência na assembleia de apreciação do relatório, excepto se este for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.
Decorrerá, então, deste normativo, a imposição que os Recrtes. entendem ter sido violada, na medida em que o despacho não foi proferido naquela assembleia.
O que os Recrtes. não explicam é em que é que a circunstância de o despacho ali não ter sido proferido influi no exame ou na decisão da causa, o que, em presença do que se dispõe no Artº 201º/1 do CPC é imperativo, visto que em parte alguma a lei comina de nulidade a assinalada omissão. Omissão que, aliás, em presença dos interesses em jogo e das questões cuja apreciação é requisitada, bem se justifica, a fim de permitir ao julgador uma melhor e mais serena ponderação dos argumentos apresentados.
Improcede, deste modo, a questão (da nulidade) em apreciação.
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Passamos, agora, à 2ª questão – não preenchimentos dos requisitos enunciados no artigo 238° do CIRE.
Segundo a conclusão dos Recrtes. não só a decisão não explicita em que medida o incumprimento do prazo de apresentação determinou um efectivo prejuízo para os credores, como não relata qualquer facto que determine que os insolventes sabiam ou não podiam ignorar sem culpa grave que inexistia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, como os requisitos necessários ao indeferimento liminar não foram sequer enunciados, nem factualmente documentados por qualquer dos credores.
Vejamos, então.
O instituto da exoneração do passivo restante permite ao devedor, que seja uma pessoa singular, exonerar-se dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo respectivo ou nos cinco anos subsequentes ao encerramento deste.
Pretende-se, com tal instituto, e nas palavras do preâmbulo ínsito no DL 53/2004 de 18/03, conjugar, “de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”. Trata-se se instituir um novo começo para as pessoas singulares de boa fé, que tem como pressuposto uma conduta recta do devedor.
Daí que a concessão da exoneração dependa de um conjunto de requisitos ligados ao comportamento (passado e presente) do devedor, dos quais se possa concluir pelo seu merecimento pela oportunidade que pede.
Neste contexto, terá que se dar ênfase particular à conduta dos devedores, devendo apurar-se se esta se pautou pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita á sua situação económica, só se justificando o indeferimento liminar caso se conclua pela negativa.
Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor á insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei visa os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles que originem novos débitos, a acrescer aos que integravam o passivo que estava impossibilitado de satisfazer.
Têm-se tais comportamentos como desconformes a uma actuação honesta, lícita, transparente e de boa fé.
Daí que, a verificarem-se na conduta do devedor, impedem que se lhe reconheça a possibilidade, preenchidos os demais requisitos do preceito, de se libertar de algumas das suas dívidas, para dessa forma lograr a sua reabilitação económica.
A culpa traduz-se na censurabilidade do comportamento, pressupondo que o mesmo poderia e deveria ter sido evitado e comporta tanto o dolo, como a negligência, sendo apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso (Artº 487º/2 do CC).
Poderemos, em face dos autos, concluir, então, como na decisão recorrida?
Antes de mais cumpre esclarecer que, analisados os autos, em assembleia de credores opuseram-se à exoneração do passivo os credores trabalhadores e o B…, sem que invocassem factos concretos. Por outro lado, o Ministério Público apresentou uma peça escrita na qual alega que resulta dos autos que os insolventes doaram todos os bens que compunham o seu património ao filho em prejuízo dos credores, como bem sabiam os insolventes que aconteceria, já que o restante património é de reduzido valor e insuficiente para pagar aos credores. Invoca, por isso, o disposto no Artº 186º/2-d) aplicável por força do nº 3.
Donde se conclui que apenas o Ministério Público enunciou o requisito constante do Artº 238º/1-e) do CIRE, limitando-se aquele conjunto de credores a manifestar a sua oposição (infundada).
Ponderou-se no despacho recorrido que:
“..., resulta desde logo da análise da lista dos créditos reclamados que os insolventes são devedores de quantia superior a € 275 000,00.
Das informações colhidas resulta que os insolventes entraram em sucessivos incumprimentos desde 2005, designadamente 15-09-2005, 04-06-2006, 15-04-2007, 03-03-2008,20-07-2011 e depois em 2012.
Quer com isto dizer-se que desde 19-09-2005, os requerentes encontram-se em estado de insolvência, por ser esta a altura em que ficou patenteada a sua impossibilidade de cumprir com as obrigações assumidas.
De resto, tal estado de insolvência sai reforçado pelos elevados montantes em causa descritos na lista de créditos reclamados.
Daí que, a obrigação dos requerentes se apresentarem a insolvência no prazo de seis meses deve ser contado desde 2005, sendo que os devedores nunca se apresentaram.
Por outro lado, refere a al. d), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, que para além do requerente se ter abstido de se apresentar à insolvência, impõe-se que não o tenha feito ''com prejuízo em qualquer dos casos para os credores”.
É de presumir o prejuízo dos credores, pelo facto de os requerentes da exoneração não se terem apresentado à insolvência, quando seja manifesto que estes não têm bens susceptíveis de responder pelas obrigações que assumem, circunstância que, aliás, é confirmada pelo teor da informação de folhas 158.
Ademais, com a não apresentação tempestiva à insolvência, o prejuízo para os credores é evidente, na medida em que, não o fazendo, os requerentes obstaram à estabilização do seu passivo e contribuíram para o avolumar dos montantes em dívida e pelo vencimento progressivo dos juros sobre o respectivo capital.
Por último, no momento em que os requerentes deixaram de se apresentar à insolvência, os mesmos sabiam, como não podia deixar de ser, que inexistia "qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.
Não obstante terem dívidas vencidas em 2005, 2006 e 2007, os devedores contraíram novos créditos em 2008 e 2010, sendo que em 2005 se desfizeram do seu património imobiliário, aliás, o único que poderia responder perante os credores, dado que o valor dos veículos é claramente insuficiente.
Neste conspecto, é manifesto que inexistiam indícios concretos que inculcassem uma responsável e real expectativa de melhoria económica.
Encontram-se, pois, verificadas as situações contidas no artigo 238º, nº 1, alo d) e e), do CIRE, o que deve conduzir ao indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante.”
Como se vê a decisão recorrida enquadrou o indeferimento liminar no disposto nas alíneas d) e e) do Artº 238º/1 do CIRE.
Dispõe-se ali que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
São três, os requisitos prefigurados na alínea d) do nº 1 do Artº 238º do CIRE, a saber:
- não apresentação nos 6 meses subsequentes à verificação da situação de insolvência;
- produção de prejuízo para os credores;
- conhecimento da inexistência de perspectivas sérias de melhoria da situação económica.
Centremo-nos nos dois últimos.
Refere-se na decisão recorrida que “É de presumir o prejuízo dos credores, pelo facto de os requerentes da exoneração não se terem apresentado à insolvência, quando seja manifesto que estes não têm bens susceptíveis de responder pelas obrigações que assumem, circunstância que, aliás, é confirmada pelo teor da informação de folhas 158.
Ademais, com a não apresentação tempestiva à insolvência, o prejuízo para os credores é evidente, na medida em que, não o fazendo, os requerentes obstaram à estabilização do seu passivo e contribuíram para o avolumar dos montantes em dívida e pelo vencimento progressivo dos juros sobre o respectivo capital.”
É, assim, esta a justificação apresentada na decisão para a circunstância de o incumprimento do prazo de apresentação ter sido determinante de prejuízo para os credores.
Cumpre salientar a este propósito que a manifestação dos credores acima já referidos sobre o indeferimento – exceptuada a posição invocada pelo MP, que se não prende com o dispositivo que nos ocupa –, nenhum elemento factual carreou para os autos que permita concluir pela verificação de algum dos pressupostos que vimos analisando.
Ora, como se sabe, no incidente de exoneração do passivo restante, os requisitos do Artº 238º/1 do CIRE, por constituírem fundamentos de indeferimento liminar, não são factos constitutivos do direito invocado (pelo devedor), cabendo a sua alegação aos credores e ao administrador de insolvência que se pretendam fazer prevalecer do indeferimento.
Donde, sem precedência de invocação e prova do concreto requisito, afigura-se-nos que não se pode, apenas a partir da constituição dos débitos no lapso temporal invocado, concluir pelo conhecimento da ausência de perspectivas sérias de melhoria.
Para além disso, cabendo aos credores a alegação e prova dos factos que permitam concluir quer pelo prejuízo, quer pela ausência de perspectivas sérias de melhoria da situação económica do devedor, também um e outra não são presumíveis.
A tudo acresce a circunstância de o vencimento progressivo de juros não poder ser considerado, por si só, um agravamento da posição dos credores, por ser compensado mediante a possível cobrança dos mesmos, o que vem sendo defendido pela jurisprudência, ao que sabemos, uniforme, dos tribunais superiores.
Donde, não se sufraga o entendimento constante da decisão estribado na alínea d) do Artº 238º/1 do CIRE, reconhecendo a razão dos Recrtes. quando concluem que a falta de enunciação, pelos credores, dos factos que consubstanciam o requisito em apreciação é impeditiva do indeferimento liminar.

Passamos, assim, à análise do que se dispõe na aliena e) do nº 1 do Artº 238º, argumento este invocado, como já dissemos acima, pelo Ministério Público.
Consigna-se ali que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se constarem do processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores, ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do Artº 186º.
No despacho em crise ponderou-se que “Não obstante terem dívidas vencidas em 2005, 2006 e 2007, os devedores contraíram novos créditos em 2008 e 2010, sendo que em 2005 se desfizeram do seu património imobiliário, aliás, o único que poderia responder perante os credores, dado que o valor dos veículos é claramente insuficiente. Neste conspecto, é manifesto que inexistiam indícios concretos que inculcassem uma responsável e real expectativa de melhoria económica.”
Como se disse, é motivo de indeferimento liminar, a existência de elementos que indiciem, com toda a probabilidade, a existência de culpa do devedor na criação ou no agravamento da situação de insolvência nos termos do Artº 186º.
O Artº 186º define como culposa a insolvência quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor... nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, sendo que se considera sempre culposa a insolvência do devedor quando este tenha disposto dos seus bens em proveito de terceiros (nº 2/d), aplicável ex vi nº 4).
Ora, efectivamente, e como decorre dos autos, no dia 25 de Julho de 2007 o requerente declarou doar a L…, seu filho menor, a raiz ou nua propriedade do prédio urbano..., bem como o seu recheio, atribuindo-lhe o valor total de € 26 000,00, doação feita por conta da legítima do donatário. E, no dia 25 de Julho de 2007 os requerentes declararam doar a V…, sua filha menor o prédio rústico..., atribuindo à doação o valor de € 500,00, feita por conta da legítima da donatária.
Tais doações, considerando que nenhum outro património de relevo se conhece, agravaram substancialmente a situação patrimonial dos ora insolventes e, tendo sido feitas em proveito de terceiros, cominariam a actuação de culposa por força da presunção inilidível já mencionada.
Contudo, como não ocorreram no lapso temporal prescrito no nº 1 do Artº 186º, não permitem que se efectue tal juízo para os efeitos em análise.
Esta circunstância impede também a valoração do acto dispositivo fora do âmbito da presunção legal.
Não obstante, e antes de terminar deixamos ainda uma referência ao relatório apresentado pela Administradora de Insolvência, segundo o qual “o actual estado de insolvência dos Requeridos resulta de dívidas recorrentes do exercício da actividade profissional desenvolvida pelo Requerido enquanto empresário em nome individual na área da carpintaria”, sem que se indicie insolvência culposa. E, numa outra peça, a Administradora de Insolvência esclarece, acerca da doação de bens efectuada em 2007, que os insolventes “não tiveram intenção de dissipar o seu património, porquanto nesse ano, foi, alegadamente, diagnosticado cancro na tiróide do Insolvente marido, que face ao problema grave de saúde de que padecia, achou por bem doar tais bens ao seu filho, já que temia pela sua vida e queria acautelar o futuro”.
Também este circunstancialismo, se não fora o impedimento citado, não permitiria que se concluísse pelo agravamento culposo da situação de insolvência.
Donde, tendo as doações ocorrido em momento temporal muito distante daquele que é valorado pela lei, o que torna inaplicável a presunção constante do nº 2 do Artº 186º do CIRE, e impede a consideração do facto para efeitos do disposto no nº 1 da mesma disposição, também não se pode concluir pela verificação do requisito enunciado no Artº 238º/1-e).
Procede, deste modo, a apelação.
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Apreciemos ainda a 3ª questão – sendo os requisitos cumulativos e não se tendo provado os mesmos, um a um, não era caso de indeferimento liminar da pretensão dos recorrentes.
Da leitura que fazemos do Artº 238º/1 do CIRE não vemos como concluir no sentido invocado, antes se evidenciando que preenchido um dos requisitos ali enunciados, fica afastada a possibilidade de beneficiar do instituto.
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Por último, a 4ª questão – a nulidade da decisão por ausência de fundamentação.
Do que acima transcrevemos, fácil é de concluir que a decisão se mostra fundamentada, pelo que o vício assinalado não se lhe pode imputar.
O que pode, conforme decorre de quanto já expusemos, é concluir-se pela errada fundamentação jurídica. Mas essa não conduz à apontada nulidade.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida determinando-se a prossecução do incidente com prolacção do despacho inicial.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 16/01/2014
Manuela Fialho
Edgar Valente
Paulo Barreto