Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
72/16.6T8MTR.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
COMPRA E VENDA
INVALIDADE PARCIAL
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
CONVERSÃO DO NEGÓCIO NULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da Relatora):

I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

II. Para demonstrar a existência de erro na apreciação a matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentado as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.

III. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).

IV. Tendo as partes acordado um único negócio de compra e venda, tendo por objecto quatro imóveis e um único preço global para a sua transacção conjunta, vindo a alienação de um deles a ser meramente verbal, e por isso nula, deverá reduzir-se o negócio à parte válida, com a redução proporcional do preço (art. 220º, 875º e 884º, todos do C.C.).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Maria (aqui Recorrida), residente na Rua …, em Montalegre, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra P. J. (aqui Recorrente), residentes na Rua …, em Montalegre, pedindo que

· se condenasse o Réu a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00 (a título de remanescente do preço acordado para a venda de imóveis que lhe fez), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados desde 3 de Março de 2016 até integral pagamento (liquidando os já vencidos em € 200,00);

· e se condenasse o Réu a pagar-lhe a quantia de € 500,00 (a título de indemnização por danos não patrimoniais causados com o seu incumprimento culposo), acrescida de juros de mora, calculados à mesma taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, ter acordado com o Réu, em finais de 2013, vender-lhe três prédios urbanos e um rústico, pelo preço global de € 47.500,00.
Mais alegou que, tendo depois celebrado escritura pública de compra e venda relativamente aos três prédios urbanos, não pôde fazer o mesmo relativamente ao prédio rústico, por uma das suas Comproprietárias lhe ter comunicado que iria exercer o seu direito de preferência sobre a venda; e dever por isso ser operada a redução do negócio inicial, com a consequente redução do preço global acordado.

Defendeu, assim, a Autora que, tendo já recebido do Réu a quantia de € 30.000,00, e devendo-lhe o mesmo o remanescente de € 17.500,00, importaria subtrair a este montante a quantia de € 2.000,00, correspondente ao preço devido pelo prédio rústico cuja escritura pública de compra e venda não se chegou a celebrar.

Por fim, a Autora alegou que, tendo interpelado o Réu por carta de 3 de Março de 2016, para que lhe pagasse a quantia em falta (por ela ainda reduzida a € 15.000,00), o mesmo se recusou o fazê-lo, o que lhe provocou e provoca desgosto, inquietação e incómodos, cuja indemnização aqui reclamou.

1.1.2. Regularmente citado, o Réu (P. J.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente; e deduzindo reconvenção, onde pediu que:

· se convertesse em contrato promessa de venda a declaração materializada no documento junto sob o número 2 com a petição inicial, e se condenasse a Autora a pagar-lhe a quantia de € 52.000,00 (correspondente ao dobro do sinal que lhe entregara por conta da aquisição do prédio rústico), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a notificação da contestação até efectivo pagamento;

· (subsidiariamente) se condenasse a Autora a restituir-lhe a quantia de € 26.000,00 (preço por ele pago pelo prédio rustico que não lhe chegou a adquirir, e cuja restituição lhe seria devida por força da nulidade desse negócio), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a notificação da contestação até efectivo pagamento;

· (subsidiariamente) se condenasse a Autora a restituir-lhe a quantia de € 26.000,00 (preço por ele pago pelo prédio rustico que não lhe chegou a adquirir), a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a notificação da contestação até efectivo pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, já ter pago integralmente à Autora o preço devido pela aquisição que lhe fez dos três prédios urbanos, de € 4.000,00, tudo conforme declarado na respectiva escritura de compra e venda.

Mais alegou que, tendo ainda acordado com a Autora a aquisição de um oitavo de um prédio rústico, e sendo o preço global acordado para a totalidade do negócio de € 47.500,00, o preço parcelar da compra daquele direito sobre imóvel seria de € 26.000,00, também ele já integralmente satisfeito, por ter entregue à Autora a quantia de € 30.000,00.
Ora, tendo a mesma deixado de celebrar a competente escritura pública de compra e venda, sob a infundada alegação de que não o poderia fazer por ter um Terceiro preferente, e tendo reconhecido por escrito essa sua obrigação, dever-se-ia converter tal documento em contrato promessa de compra e venda, e considerar-se este culposamente incumprido por ela; e ser assim a Autora condenada a restituir-lhe os € 26.000,00 em dobro (por se terem como sinal prestado, no âmbito do convertido contrato promessa de compra e venda).

Contudo, e prevenindo outro entendimento, o Réu defendeu ainda: ser o dito contrato de compra e venda de um oitavo de prédio rústico nulo, for falta de forma, pelo que sempre lhe assistiria o direito de ver a Autora condenada a restituir-lhe a quantia de € 26.000,00 recebida no seu âmbito; ou, não vingando este entendimento, essa quantia teria que lhe ser devolvida a título enriquecimento sem causa da Autora, já que lhe teria sido entregue pressupondo uma causa (o preço devido no âmbito de um contrato de compra e venda de direito a imóvel) que deixou de existir (pela falta de realização do mesmo).

1.1.3. A Autora respondeu, pedindo que a reconvenção fosse julgada improcedente, e o Réu fosse condenado como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização a seu favor não inferior a € 1.500,00.
Alegou para o efeito, em síntese, ser falsa toda a factualidade alegada pelo Réu, nomeadamente que o preço acordado para a aquisição dos três prédios urbanos fosse de € 4.000,00, e que o preço acordado para a aquisição de um oitavo do prédio rústico fosse de € 26.000,00.
Mais alegou que o seu reconhecimento escrito de que vendera os quatro imóveis ao Réu, pelo preço de € 47.500,00, tendo já recebido dele € 30.000,00, seria insusceptível de ser convertido em contrato promessa de compra e venda, nomeadamente por nunca ter pretendido celebrá-lo.
Por fim, a Autora alegou fazer o Réu um uso reprovável do processo, e litigar com manifesta má-fé.

1.1.4. Foi proferido despacho: admitindo a reconvenção; e fixando o valor da acção em € 67.700,00.

1.1.5. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio («O contrato celebrado entre Autora e Réu e seu incumprimento») e enunciando os temas da prova («1 - Apurar se o Réu deve à Autora, por conta do preço acordado no negócio que ambos celebraram, a quantia de 15.000 €», «2 - Apuar se a conduta do Réu causou à Autora danos de ordem moral e a sua quantificação», «3 - Apurar qual o valor do 1/8 do prédio identificado no artigo 15º da petição inicial, nomeadamente se é de 2.000 €», «4 - Apurar se o valor dos prédios objecto da escritura pública de compra e venda identificados no artº 1º da contestação, é de 4.000 €, já pagos pelo Réu», «5 - Apurar se dos 30.000€ já pagos pelo Réu à Autora, 4.000 € se destinaram ao pagamento dos prédios identificados no artº 1º da contestação e os restantes 26.000 € dizem respeito a parte do preço devido pela compra e venda do prédio identificado no artº 15º da petição inicial», «6 - Apurar por que motivo a Autora não vendeu ao réu esse prédio identificado no artigo 15º da petição inicial, nomeadamente se foi por uma comproprietária do mesmo ter vindo exercer o direito e preferência», e «7 - Apurar se alguma das partes litiga de má-fé»»); e apreciando os requerimentos probatórios das partes, bem como designando dia para realização da audiência final.

1.1.6. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
Por tudo quanto exposto fica:
- Julgo parcialmente procedente a acção, pelo que:

a) Condeno o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e que corresponderá ao montante de € 17.500,00 deduzido do valor do 1/8 do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 8167.
b) Condeno o réu a pagar juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia que se vier a apurar estar em dívida, a contar da data da liquidação.
c) Julgo improcedente o demais peticionado, absolvendo os réus, nessa parte.
- Julgo totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção, absolvendo a autora dos pedidos formulados.
- Custas da acção a cargo de autora e réu na proporção do decaimento, a apurar após a liquidação, e da reconvenção a cargo do réu reconvinte.
- Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos (do recurso da Réu)

Inconformado com esta decisão, o Réu (P. J.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado procedente, sendo declarada a nulidade da sentença recorrida, e substituída por decisão que determinasse a improcedência da acção e a procedência de qualquer um dos pedidos reconvencionais (pela ordem com que foram hierarquizados na sua dedução).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (inicialmente sintetizadas - sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais -, sendo depois as suas conclusões reproduzidas ipsis verbis):

1ª - Ser a sentença recorrida nula, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. c), I parte, do C.P.C.), por ser ininteligível (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. b), II parte, do C.P.C.), e por ter condenado em objecto diverso do pedido, podendo ainda tê-lo feito em quantidade superior (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do C.P.C.).

1ª - A douta sentença impugnada é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, para além de ser ambígua e obscura de tal modo que a torna ininteligível, dando lugar a uma nulidade prevista no artigo 615º, nº 1 al. c) do CPC, uma vez que, a redução do negócio tem como pressuposto a nulidade ou anulabilidade do negócio e não o declarado incumprimento culposo do contrato por parte da autora.

2ª - Tal nulidade decorre ainda de a douta sentença ser ambígua ou obscura na medida em que não identifica que contrato foi incumprido, assim como não faz qualquer qualificação do mesmo, o que impede o réu/recorrente de conhecer pressupostos essenciais que estão na base da decisão proferida.

3ª - A douta sentença é ainda nula porque condena em objecto diverso do pretendido pela autora e, também, porque pode decorrer da liquidação em execução de sentença, apuramento superior ao que foi peticionada pela autora/recorrida, o que sempre teria que estar previsto na douta sentença impugnada não poder acontecer, tendo em conta os limites de condenação a que o Tribunal “a quo” estava limitado, uma vez que, a autora/recorrida alega e pretende que o réu/recorrente lhe pague 15.000,00 euros e o Tribunal “a quo” condena o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e que corresponderá ao montante de € 17.500,00 deduzido do valor do 1/8 do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 8167, deste modo violando o disposto no artigo 609º, nº 1, com as consequências do artigo 615º, nº 1, al. e), ambos do CPC.

2ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia dar como demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 9 («Porquanto uma das comproprietárias desse imóvel - D. S., que titula 4/8, a notificou para exercer o seu direito de preferência (legal) na alienação do prédio, em de 5.11.2015»), sob o número 12 («Com o objectivo de ultrapassar este obstáculo, e receber do Réu o valor que este lhe deve, a autora propôs reduzir-lhe dois mil e quinhentos euros (2.500.00,€) ao preço global do negócio (47.000,00 €)»), sob o número 16 («A presente lide provoca desgosto, inquietação e incómodos à demandante»), sob o número 27 («No inico das negociações o R./reconvinte apenas se propunha adquirir a casa de habitação inscrita sob o artigo 263»), sob o número 28 («Pela qual a vendedora A./reconvinda lhe pediu 50.000,00 €»), sob o número 29(«No decurso das negociações o R./reconvinte propôs-se pagar o preço de 47.500,00 € se o negócio envolvesse também a venda das fracções (1/8) que a A./reconvinda titulava nos dois casebres inscritos sob os artigos 295 e 297 e no prédio rústico referido no artigo 15º da p. i.»), e sob o número 30 («Proposta que a vendedora Maria acabou por aceitar»).

4ª - O réu/recorrente impugna o julgamento da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados nos artigos 9º, 12º, 16º, 27º, 28º, 29º e 30º.

5ª - Quanto ao artigo 9º, tal matéria não podia ser dada como provada, devendo ser eliminada do elenco de factos provados, face à ausência de qualquer meio de prova credível que a permita confirmar, uma vez que, a testemunha D. S. (cujo depoimento se encontra gravado em ficheiro autónomo com recurso ao programa informático em uso no Tribunal “a quo”), irmã da autora, disse que não assistiu ao negócio entre a autora e o réu. Referiu que não tem a certeza se mandou alguma carta, mas que disse pessoalmente à autora que queria comprar a parte dela.
O depoimento desta testemunha, como refere a douta sentença, mostrou-se algo confuso e por vezes contraditório, nomeadamente quando afirma que a «Cortinha» é sua, mas admite que pôs uma acção de divisão ou de preferência contra a autora e o réu.
Porém, mais do que confuso este depoimento revela que a testemunha tem manifesto interesse no desfecho da causa, de tal modo que repete por diversas vezes que a «Cortinha» e as casas da «Cortinha» são dela, bem como refere o valor pelo qual avalia a «Cortinha» que até admite já ter pago aos outros titulares do prédio.
Ora, se a própria testemunha refere que não tem a certeza se mandou alguma carta e se Tribunal afirma que apenas disse à irmã pessoalmente que queria comprar a parte dela, não se afigura existir prova para se poder dar como provado que esta testemunha notificou a autora para exercer o seu direito de preferência (legal) na alienação do prédio em 05.11.2015.
Tanto mais que à carta de fls. 16 o Tribunal “a quo”, e bem, a este propósito não atribuiu relevância.

6ª - Quanto ao artigo 12º, deve ser eliminado do elenco dos factos provados que figuram na douta sentença, uma vez que o réu não deve à autora.
Porém, o Tribunal “a quo” para dar como provado este facto socorre-se do depoimento do genro da autora, da filha da autora e das declarações da autora.
Começando por Miguel (cujo depoimento se encontra gravado em ficheiro autónomo com recurso ao programa informático em uso no Tribunal “a quo”), genro da autora, disse ter conhecimento do negócio entre a autora e o réu, já que assistiu ao mesmo, embora não desde o início. Afirmou que no negócio celebrado entre a autora e o réu nunca chegaram a fixar qualquer valor para o 1/8 da «Cortinha», porque aquilo era pouca coisa e acabou por ser envolvido no negócio da casa. Referiu, ainda, que por causa de não lhe poder vender o 1/8 da «Cortinha», a autora propôs ao réu reduzir o preço em 2.500 euros. Admitiu que houve várias conversas entre a autora e o réu a que não assistiu e que a casa não estava em condições de ser habitada.
Ora, como se vê, é o próprio depoente a afirmar que não conhece o negócio desde o início nem ter assistido a todas as conversas entre a autora e o réu.
E quanto a M. M. (cujo depoimento que se encontra gravado em ficheiro autónomo com recurso ao programa informático em uso no Tribunal “a quo”), filha da autora, afirma que o réu apareceu na casa deles para falar na compra da casa e anexos, que a autora pediu 10.000 contos ou 50.000 euros e que acabaram por acordar 47.500 euros. Só depois, o réu pediu se podiam ser incluídos as duas casotas e a autora aceitou, porque era só 1/8, sendo que inicialmente, a autora não queria, mas o réu disse que já tinha comprado as parcelas das duas irmãs da autora.
Qualquer das referidas testemunhas tem manifesto interesse na causa, como resulta dos mesmos, quando mais não seja porque eram os destinatários do alegado dinheiro em dívida pelo réu (seja para a doença do genro ou para a doença da filha da autora).
Mais acresce que, se estes depoimentos forem confrontados com as declarações da própria autora, se vislumbra como as referidas testemunha pouco sabem ou o que sabem foi o que lhes disseram.

Com efeito, a autora, no seu depoimento que se encontra gravado em ficheiro autónomo com recurso ao programa informático em uso no Tribunal “a quo”, quanto ao 1/8 da «Cortinha» disse que se a sua irmã D. S. tivesse vendido a sua parte ao réu, iria negociar com este o valor dessa sua parte de 1/8 no prédio, ao contrário do que afirma aquela testemunha que disse que este 1/8 foi envolvido no negócio da casa porque era coisa pouca.
Mais, nas declarações de parte, a autora afirmou mesmo que o réu nem tinha falado nas casas, porque inicialmente o que ele queria era o terreno.
Ora, salvo melhor opinião, face às contradições nos depoimentos, não podia o Tribunal “a quo” atribuir qualquer relevância aos mesmos.

Aliás, o Tribunal “a quo” devia ater-se ao documento revestido de fé pública junto aos autos pela própria autora, que a mesma não impugnou, relativamente ao qual não invocou qualquer falsidade, falta ou vícios de vontade – vd. a certidão do título de compra e venda junto como doc. 1 da contestação.

Na verdade, o réu pagou integralmente à autora o preço respeitante à compra e venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 263 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … da freguesia de ..., do Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – limites da ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 297 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 990 da freguesia de ... e de um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 295 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 989 da freguesia de ....
O referido documento, faz prova plena do preço acordado pelas partes para a compra e venda dos referidos três prédios, tendo a autora declarado ter recebido o preço relativo ao negócio celebrado.
Tal declaração constitui confissão extrajudicial feita em documento autêntico perante a contraparte, pelo que goza igualmente de força probatória plena (artigo 358° n° 2 do Código Civil).
Aliás, a autora confessou na petição inicial que recebeu a quantia global de 30.000,00 euros que abrangia a compra e venda do prédio rústico da «Cortinha», que nunca se veio a consumar.

7ª - Quanto ao artigo 16º, por ausência completa de prova, não pode tal facto ser dado como provado devendo ser eliminado, uma vez que, o Tribunal “a quo” não tem qualquer prova credível que possa sustentar tal afirmação, uma vez que aqui afloram as contradições entre os depoimentos da filha da autora e da própria autora, sobre a pretensa necessidade do dinheiro para realizar uma cirurgia ora ao genro ora à filha, conforme o depoimento que se considere e atrás transcritos.

8ª - Quanto aos artigos 27º, 28º, 29º e 30º, como o próprio Tribunal “a quo” afirma em sede de motivação da decisão da matéria de facto é a própria autora que no seu depoimento que se encontra gravado em ficheiro autónomo no sistema de gravação do mesmo Tribunal que o réu nem tinha falado nas casas, porque inicialmente o que ele queria era o terreno.

Isto posto, resulta evidente que é a própria autora que apresenta no seu depoimento uma versão dos factos diferente daquela que figura na réplica, aliás douta. Aliás, tudo o que as restantes testemunhas possam ter dito a propósito do negócio entre as partes deve ser desconsiderado face ao depoimento da própria autora.

Assim, o Tribunal “a quo” não podia ter considerado outros elementos de prova para além dos documentos atinentes ao negócio entre as partes, ou seja, à certidão do título de compra e venda e ao documento assinado por ambas as partes epigrafado de «Declaração», com data de 17 de Janeiro de 2014.
Neste sentido e tendo em conta tais documentos o que a este propósito pode ser dado como provado é o seguinte:

. 27º - As partes celebraram um negócio que abrange quatro prédios (três urbanos e um rústico, todos devidamente identificados nos articulados), pelo valor global de 47.500 euros, sendo que, no dia 17 de Janeiro de 2014 o réu pagou por conta desse preço global a quantia de 30.000,00 euros que a autora recebeu e deu quitação na referida data, em que foi formalizada a compra e venda dos prédios urbanos.
. 28º - Mais convencionaram que os restantes 17.500,00 euros seriam recebidos pela autora em duas prestações, sendo que a primeira, no valor de 10.000,00 euros seria paga até ao dia 31.08.2014 e os restantes 7.500,00 euros no prazo de um ano e meio ou, se for o caso, aquando da realização da escritura do terreno da Cortinha.
. 29º - Na titulação do contrato respeitante aos prédios urbanos, as partes declararam que o preço de compra e venda do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 263 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1166 da freguesia de ... foi de 3.000,00 euros, que o preço de um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – limites da ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 297 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 990 da freguesia de ... foi de 500,00 euros e que o preço de um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 295 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 989 da freguesia de ... foi de 500,00 euros.
. 30º - A autora recebeu o preço declarado na titulação da compra e venda dos prédios urbanos.

3ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados em segundo lugar («O Réu pagou integralmente à Autora o preço respeitante à compra e venda dos seguintes prédios: a. Prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 263 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1166 da freguesia de ...; b. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – limites da ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 297 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 990 da freguesia de ...; c. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 295 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 989 da freguesia de ...»), em terceiro lugar («A Autora recebeu do Réu o valor global de 4.000,00 € (quatro mil euros) pela venda que lhe fez do prédio identificado no artigo 1º, al. a. e uma oitava parte indivisa de cada um dos imóveis identificados no artigo 1º, als. b. e c»), em quarto lugar («Do valor global de 30.000,00 €, que a autora já recebeu do réu, 4.000,00 € dizem respeito às compras e vendas tituladas pelo doc. 1 e os restantes 26.000,00 € dizem respeito a parte do preço devido pela compra e venda do prédio da Cortinha, ou seja, do prédio identificado pela Autora no artigo 15º da douta petição inicial, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo 8167»), e em quinto lugar («O prédio rústico identificado no artigo 15º da douta petição inicial tem o valor de 43.500,00 €»).

9ª - Ainda quanto à matéria de facto, o réu não se conforma que tenham sido dados como não provados os seguintes factos:

- O Réu pagou integralmente à Autora o preço respeitante à compra e venda dos seguintes prédios:

a. Prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 263 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1166 da freguesia de ...;
b. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – limites da ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 297 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 990 da freguesia de ...;
c. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 295 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 989 da freguesia de ....
- A Autora recebeu do Réu o valor global de 4.000,00 € (quatro mil euros) pela venda que lhe fez do prédio identificado no artigo 1º, al. a. e uma oitava parte indivisa de cada um dos imóveis identificados no artigo 1º, als. b. e c.
A prova destes factos resulta da certidão do título de compra e venda que não se encontra impugnado, aliás, foi a própria autora que o apresentou em juízo.
A autora não invocou a falsidade daquele título nem existência de qualquer falta ou vícios da vontade, assim como não se fez qualquer prova em juízo de qualquer circunstância que a pudesse ter afectado.

Por conseguinte, na apreciação da prova que resulta deste documento autêntico, o Tribunal “a quo” estava vinculado ao valor legal que o mesmo tem, ou seja, a respectiva força probatória apenas cede mediante prova do contrário, a qual não foi feita em juízo.
De acordo com o disposto no artigo 371º nº 1 do Código Civil os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como dos factos que neles são atestados com base nas percepções dessa entidade.
No caso, o oficial público que documentou as declarações das partes, percepcionou directamente que as mesmas atribuíram aos bens imóveis que são objecto da compra a venda o “valor atribuído” a cada um, por acordo, conforme melhor explica no depoimento que prestou em juízo.
Com efeito, a testemunha M. C., ajudante de conservador, cujo depoimento se encontra gravado em ficheiro autónomo no Tribunal “a quo”, disse que foi quem presidiu ao ato onde se fez o título de compra e venda e quanto aos valores que no mesmo figuram como atribuídos e quanto a autora ter declarado ter recebido o preço da compra e venda, não tem dúvidas de que o que consta da escritura foi o que foi dito pelas partes perante si.

Assim, o Tribunal “a quo” violou as regras respeitantes ao valor da prova legal ou tarifada, ao não dar como provado os factos que resultam directamente de documento autêntico que não foi impugnado, nem quanto ao mesmo invocada qualquer falsidade, falta ou vícios da vontade e, em consequência, devem se dados como provados tais factos, uma vez que, a certidão da titulação da compra e venda representa uma confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355°, nºs 1 e 4, e 358°, n° 2 do Código Civil.
Acresce que, a autora declara no documento particular que juntou aos autos sob a epígrafe «Declaração» que recebeu do réu o montante de 30.000,00 €, pelo que, não pode deixar de ser dado como provado que a autora recebeu os 4.000,00 euros respeitantes ao valor atribuído pelos imóveis no título de compra e venda.

10ª - Do mesmo modo que deve ser dado como provado que:

- Do valor global de 30.000,00 €, que a autora já recebeu do réu, 4.000,00 € dizem respeito às compras e vendas tituladas pelo doc. 1 e os restantes 26.000,00 € dizem respeito a parte do preço devido pela compra e venda do prédio da Cortinha, ou seja, do prédio identificado pela Autora no artigo 15º da douta petição inicial, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo 8167.
- O prédio rústico identificado no artigo 15º da douta petição inicial tem o valor de 43.500,00 €.
A prova destes factos resulta de igual modo do confronto dos documentos atinentes ao negócio celebrado entre as partes, ou seja, a certidão da titulação da compra e venda na Conservatória do Registo Predial, de 17 de Janeiro de 2014 e o documento particular epigrafado de “Declaração” com a mesma data, mediante mero raciocínio lógico-dedutivo.

Assim, se é certo que as partes atribuíram, como atribuíram, aos prédios urbanos objecto do negócio o valor global de 4.000,00 euros, então, o restante valor pago pelo réu à autora só pode dizer respeito ao outro imóvel negociado, o prédio rústico da Cortinha.
É certo que na douta sentença impugnada vem afirmado que: «(…) não se deu como provada a versão do réu, no sentido de que do preço acordado e da parte do preço já pago, apenas 4.000 euros diziam respeito aos prédios urbanos, sendo o restante valor para pagamento do 1/8 da Cortinha, porque, como já referido supra, tal não resulta do teor do documento de fls. 11 verso, nem foi referido por qualquer uma das testemunhas, sendo, ainda, certo que a experiência comum nos permite acreditar que o preço que consta da escritura não é o preço real atribuído aos imóveis objecto da mesma. Aliás, a ser assim, o prédio rústico denominado Cortinha teria um valor muito elevado, o que não parece verosímil».

Isto posto, constata-se que a este propósito, e só por isso, o Tribunal “a quo” não atribuiu qualquer relevância ao documento autêntico que formaliza a compra e venda dos prédios urbanos. Ao Tribunal “a quo” resulta relevante o documento particular, mas o documento autêntico que corporiza uma confissão da autora, retira-lhe qualquer relevância probatória.
Salvo o devido respeito, o argumento utilizado pelo Tribunal “a quo” que a experiência comum não lhe permitiu acreditar que o preço da escritura é o preço real atribuído aos imóveis objecto da mesma e que a ser assim o prédio rústico denominado «Cortinha» teria um valor muito elevado, o que não parece verosímil, carece de melhor justificação, como supra se alega e para onde se remete para evitar maçadoras repetições.
Em qualquer caso, o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não tinha que avaliar se o preço era exagerado ou não, uma vez que a acção não tinha esse objecto. O Tribunal “a quo” devia limitar-se a olhar para os elementos de prova de que dispunha, nomeadamente, para o documento autêntico e retirar as devidas conclusões que lei impõe.

Deste modo, o Tribunal “a quo” devia ter dado como provado este facto, porque a prova do mesmo decorre das regras legais atrás referidas quanto ao valor da prova legal ou tarifada. O Tribunal “a quo” tinha que valorar o documento autêntico e daí retirar todas as consequências, no que ao caso se refere, tinha que dar como provado que a autora recebeu 30.000,00 euros (tal resulta da posição expressa pela autora na petição inicial e no documento particular que ofereceu com a mesma) e tinha que dar como provado que 4.000,00 € dizem respeito às compras e vendas tituladas pelo doc. 1 e os restantes 26.000,00 € dizem respeito a parte do preço devido pela compra e venda do prédio da «Cortinha».

4ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e aplicação da lei (face nomeadamente ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (julgando-se a acção totalmente improcedente, e a reconvenção procedente, de acordo com a ordem dos pedidos nela enunciados).

11ª - Quanto à matéria de direito, a douta sentença impugnada violou ou contém interpretação incorrecta do disposto, entre outras normas, nos artigos 292º, 286º, 287º, 289º, 355º, 1 e 4, 358º, 2, 359º, 1, 371º, 1, 372º, 2, 410, 2 e 3, 440º, 441º, 442º, 473º, 786º, 787º, 798º e 799º do Código Civil.

12ª - Salvo melhor opinião, a solução jurídica do caso sempre terá que passar por considerar a acção improcedente, uma vez que, relativamente ao preço de compra e venda dos prédios urbanos que foram objecto de titulação pela Conservatória do Registo Predial, o mesmo encontra-se integralmente pago, devendo proceder a excepção de pagamento invocada pelo réu na contestação.

13ª - O Tribunal “a quo” sustenta, como sustentou e nesta parte não se impugna, que a autora/recorrida incumpriu culposamente o contrato celebrado com o réu/recorrente, pelo que cumpre, antes de mais saber que contrato foi incumprido.

14ª - No que para o caso interessa está apenas em causa a promessa de venda relativa a 1/8 do prédio rústico identificado no artigo 15º da douta petição inicial, uma vez que, quanto aos demais imóveis, os prédios urbanos identificados no artigo 1º foram já formalizadas e produziram todos os seus efeitos, as compras e vendas que figuram no doc. 1 junto com a contestação e, quanto a este imóvel, a forma exigida pelo artigo 410º, nº 2 do Código Civil é a de documento escrito assinado pela parte e/ou partes, o que se respeita no documento 2 apresentado com a petição inicial.

15ª - Assim, da própria declaração da autora e, também, tendo em conta o que vem alegado na douta petição inicial, resulta que a mesma pretendeu e quis, por corresponder à sua integral e esclarecida vontade, foi prometer vender ao réu o prédio rústico da Cortinha, identificado no artigo 15º da douta petição inicial, pelo que, pelo instituto da conversão que para todos os efeitos se invoca para ser conhecido no caso, aquela declaração da autora deve converter-se numa promessa de venda do prédio rústico da Cortinha, melhor identificado no artigo 15º da douta petição inicial, uma vez que, contém os requisitos essenciais de substância e de forma, e o fim prosseguido pelas partes permite supor que elas o teriam querido como tal, se tivessem previsto a invalidade de tal declaração enquanto contrato de compra e venda. Isto é, no caso, as partes não só teriam querido o negócio como promessa unilateral, como efectivamente foi isso que sempre esteve subjacente à sua vontade declarada, ainda que imperfeitamente declarada, mas que ainda assim resulta do texto da declaração, bem como de todo o contexto em que a declaração foi feita.

16ª - Deste modo, o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião, não podia determinar a improcedência do pedido reconvencional, uma vez que, tendo a autora incumprido culposa e voluntariamente a promessa de venda do prédio rústico supra identificado, claro está, na proporção 1/8 em que é comproprietária, está obrigada a indemnizar o réu/reconvinte, nos termos do disposto nos artigos 798º e 799º do Código Civil, sem olvidar que nos contratos promessa, nomeadamente na promessa unilateral de venda, a medida da obrigação de indemnizar resulta do montante do sinal, por força do disposto no artigo 442º do Código Civil.

17ª - Isto posto, considerando o que supra vai alegado resultar do confronto entre o doc. 1 que se juntou com contestação e do doc. nº 2 apresentado com a petição inicial, em virtude das supra referidas disposições legais e ainda do disposto no artigo 442º, nº 2 e 3 do Código Civil, pelo incumprimento da promessa de venda por culpa única e exclusiva da Autora/Reconvinda, o Réu/Reconvinte tem o direito a ser indemnizado no montante correspondente ao dobro do sinal prestado, ou seja, a 52.000,00 € (cinquenta e dois mil euros).

18ª - À cautela, sem conceder, relativamente aos pedidos reconvencionais subsidiários, a douta sentença impugnada determina a ainda a improcedência dos pedidos reconvencionais subsidiários, porém, quanto ao primeiro, o Tribunal “a quo” não podia deixar de atender a que se existe incumprimento culposo do contrato por parte da autora, a questão da nulidade não se pode colocar, uma vez que, o incumprimento pressupõe um contrato válido e eficaz
Se, pelo contrário, afinal o Tribunal “a quo” vislumbra uma nulidade no contrato, o que se admite à cautela de patrocínio e sem conceder, então, demonstrado que está que o réu entregou à autora o montante de 30.000,00 €, o que a autora devia devolver ao réu era o montante de 26.000,00 € (vinte e seis mil euros), com fundamento nas consequências da nulidade supra alegada e os juros vencidos à taxa legal das obrigações civis desde a notificação da contestação e até ao efectivo pagamento, ao abrigo do disposto no artigo 289º do Código Civil, mas, em qualquer caso, subsidiariamente, nesta hipótese, este pedido reconvencional devia proceder.

19ª - Admitindo a título subsidiário que na presente situação do documento nº 2 junto com a petição inicial, que o réu alega titular o contrato promessa de venda não consta qualquer declaração negocial, nem da autora, nem do réu, quer na qualidade de alegados promitente vendedora e beneficiário ou aceitante da promessa, ou vendedor e comprador, respectivamente, que possa ser entendido como materializado as correspondentes declarações negociais de promessa de venda e de aceitação dessa promessa ou de venda e de compra, respectivamente, por não existir o “corpus” que caracteriza um contrato, uma vez que, um contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral integrado pelo manifestação de duas ou mais vontades diversas que se conjugam e no invocado contrato promessa de venda ou mesmo a declaração venda são inexistentes e não simplesmente nulos, pois, não existe no doc. 2 apresentado com a petição inicial as declarações de vontade necessárias para integrar um contrato promessa de venda ou uma compra e venda pois falta, pelo menos, a declaração de aceitação do réu, o que é certo, porém, é que réu entregou à autora o montante de 26.000,00 € (cf. doc. 2 da petição inicial em confronto com o doc. 1) sem que exista causa legítima para tanto, ou seja, a promessa unilateral de venda do supra alegado prédio rústico ou até mesmo a venda do mesmo.

20ª - Nesta perspectiva a autora locupletou-se à custa do património do réu no montante de 26.000,00 €, estando o seu património enriquecido nessa exacta medida, ou seja, a autora não tem qualquer causa que a legitime a estar na posse dos supra referidos 26.000,00 € que lhe foram entregues pelo réu, nas circunstâncias já alegadas, posto que, a causa que podia legitimar o direito da autora aos 26.000,00 € na realidade não existe, pelo que, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 473º e segs. do Código Civil, o Tribunal “a quo” sempre devia ter determinado, como ultima ratio, a condenação da autora a restituir ao réu a quantia de 26.000,00 € com que injustamente se locupletou.
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1.2.2. Contra-alegações (da Autora)

A Autora (Maria) contra-alegou, pedindo que o recurso do Réu fosse julgado improcedente, mantendo-se nessa parte inalterada a sentença recorrida.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma:

1ª - Inexistir qualquer nulidade que afecte a sentença recorrida.

2ª - Não ter a Réu recorrente cumprido o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640º, nº 1, als. b) e c), e nº 2, al. a) do C.P.C., tendo por isso o seu recurso de impugnação da matéria de facto que ser rejeitado.

3ª - Ter o Tribunal a quo feito uma correcta interpretação e valoração da prova produzida, no que respeita aos factos provados enunciados sob os números 9, 12, 16, 27, 28, 39 e 30, que se deverão manter inalterados.

4ª - Ter o Tribunal a quo feito uma correcta interpretação e valoração da prova produzida, no que tange aos factos não provados em segundo, terceiro, quarto e quinto lugares, devendo os mesmos manterem-se inalterados.

5ª - Ter o Tribunal a quo feito uma correcta a interpretação e aplicação da lei, devendo manter-se inalterada a decisão de mérito proferida.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É a sentença recorrida nula, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. c), I parte, do C.P.C.), ou por padecer de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. c), II parte, do C.P.C.), ou por ter condenado em objecto diverso do pedido, podendo ainda tê-lo feito em quantidade superior (violando o disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do C.P.C.) ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma

. não permitia dar como provados os factos enunciados na sentença recorrida sob número 9 («Porquanto uma das comproprietárias desse imóvel - D. S., que titula 4/8, a notificou para exercer o seu direito de preferência (legal) na alienação do prédio, em de 5.11.2015»), sob o número 12 («Com o objectivo de ultrapassar este obstáculo, e receber do Réu o valor que este lhe deve, a autora propôs reduzir-lhe dois mil e quinhentos euros (2.500.00,€) ao preço global do negócio (47.000,00 €)»), sob o número 16 («A presente lide provoca desgosto, inquietação e incómodos à demandante»), sob o número 27 («No inico das negociações o R./reconvinte apenas se propunha adquirir a casa de habitação inscrita sob o artigo 263»), sob o número 28 («Pela qual a vendedora A./reconvinda lhe pediu 50.000,00 €»), sob o número 29(«No decurso das negociações o R./reconvinte propôs-se pagar o preço de 47.500,00 € se o negócio envolvesse também a venda das fracções (1/8) que a A./reconvinda titulava nos dois casebres inscritos sob os artigos 295 e 297 e no prédio rústico referido no artigo 15º da p. i.»), e sob o número 30 («Proposta que a vendedora Maria acabou por aceitar»);

. e impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados em segundo lugar («- O Réu pagou integralmente à Autora o preço respeitante à compra e venda dos seguintes prédios: a. Prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 263 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1166 da freguesia de ...; b. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – limites da ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 297 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 990 da freguesia de ...; c. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 295 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 989 da freguesia de ...»), em terceiro lugar («A Autora recebeu do Réu o valor global de 4.000,00 € (quatro mil euros) pela venda que lhe fez do prédio identificado no artigo 1º, al. a. e uma oitava parte indivisa de cada um dos imóveis identificados no artigo 1º, als. b. e c»), em quarto lugar («Do valor global de 30.000,00 €, que a autora já recebeu do réu, 4.000,00 € dizem respeito às compras e vendas tituladas pelo doc. 1 e os restantes 26.000,00 € dizem respeito a parte do preço devido pela compra e venda do prédio da Cortinha, ou seja, do prédio identificado pela Autora no artigo 15º da douta petição inicial, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo 8167»), e em quinto lugar («O prédio rústico identificado no artigo 15º da douta petição inicial tem o valor de 43.500,00 €») ?

- Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (face nomeadamente ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), julgando-se a acção totalmente improcedente, e a reconvenção procedente (de acordo com a ordem dos pedidos nela enunciados) ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidades da sentença

3.1. Conhecimento de nulidades da sentença – Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º».
Mais se lê, no art. 608º, nº 2 do C.P.C., que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pelo Réu recorrente (P. J.) a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo nº 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os outros citados sem indicação de origem).
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3.2. Nulidades da sentença

3.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14).
Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo nº 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo).
Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133, com bold apócrifo).
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3.2.1.2. Contradição - Art. 615º, nº 1, al. c), I parte, do C.P.C.

3.2.1.2.1. Lê-se no art. 615º, nº 1, al. c), I parte, do C.P.C. (como já antes se lia no art. 668º, nº 1, al. c), I parte, do anterior C.P.C.), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. contradição - «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do C.P.C., e pelo art. 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz fundamentar as suas decisões; e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].

Reconhece-se, deste modo, que é precisamente a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.

Por outras palavras, «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário». Logo, «constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada» (Ac. da RG, de 14.05.2015, Manuel Bargado, Processo nº 414/13.6TBVVD.G. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 11.01.1994, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, pg. 633, onde se lê que «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição». Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, Nascimento Costa, BMJ nº 464, pg. 524, e Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, p. 160).

Realidade distinta desta, reitera-se, é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta: quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, p. 298).
Por outras palavras, o erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva decompõe-se numa das seguintes vertentes: erro de determinação da norma aplicável; erro de interpretação; ou erro de aplicação do direito, isto é, erro de subsunção dos factos e do direito, ou estender-se à sua própria qualificação (neste sentido, com maiores desenvolvimentos, Ac. do STJ, de 02.07.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 5024/12.2TTLSB.L1-S1).
Logo, saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos Processo nº 00A3277).
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3.2.1.2.2. Concretizando, o Réu recorrente radica esta alegada nulidade da sentença no facto da «redução do negócio» ter «como pressuposto a nulidade ou anulabilidade do negócio e não o declarado incumprimento culposo do contrato por parte da autora».
Ora, compulsada a sentença dos autos verifica-se que, de facto, se entendeu na mesma estar «a autora impossibilitada de cumprir o contrato celebrado com o réu, na totalidade, sendo certo que entendemos que essa impossibilidade de cumprimento é culposa, já que sendo a autoria apenas comproprietária na proporção de 1/8, devia ter notificado as suas comproprietárias da intenção de venda e das respectivas condições»; e que «nada obsta à redução do negócio», nos termos dos arts. 292º e 902º, ambos do C.C., que expressamente citou para o efeito (sendo o último preceito aplicável à redução da compra e venda parcialmente nula, por incidir parcialmente sobre bens alheios, como entretanto se tornou o prédio rústico «Cortinha», que a Autora não chegou a escriturar com o Réu).
Contudo, e salvo devido respeito por opinião contrária, o referido não consubstancia qualquer nulidade da sentença por alegada contradição entre os respectivos fundamentos e a decisão posterior (mas, eventualmente, mero erro na selecção ou na interpretação da norma aplicada).
Com efeito, a redução de um contrato de compra e venda inicialmente mais amplo a uma parte respectiva, com a consequente e proporcional limitação do preço devido no seu âmbito, encontra-se expressamente prevista no art. 884º do C.C.; e não só para as situações de invalidade (nulidade a anulabilidade) parcial do contrato, mas ainda para quaisquer outras em que, por força de diferentes preceitos legais (que não só o art. 292º do C.C.) ocorra essa limitação (sendo precisos exemplos dessas situações a impossibilidade parcial de cumprimento - não culposa, conforme art. 793º do C.C., ou culposa, conforme art. 802º do C.C. -, ou a venda de bens parcialmente alheios, conforme art. 902º do C.C.).
Acresce que a própria doutrina vem entendendo que esta faculdade de redução do contrato de compra e venda a uma parte, com a redução proporcional do preço, poderá ainda abranger situações em que o inicial acordo se reporte a uma pluralidade de objectos, vindo depois a ser excluído - ou excluídos - algum - ou alguns - deles (sem verificação de qualquer invalidade, ou vício).
Logo, enunciando a sentença recorrida os pressupostos de facto que justificam a redução do contrato de compra e venda em causa, e decidindo por ela, inexiste qualquer contradição entre os seus fundamentos e a respectiva decisão, sem prejuízo de poder ter ocorrido um erro no julgamento de direito feito (o que será sindicado posteriormente).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela inexistência da nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, consistente na oposição dos seus fundamentos com a respectiva decisão (independentemente do Réu recorrente discordar dela, nomeadamente por considerar que a matéria de facto apurada devia ter conduzido à conversão do contrato de compra e venda num contrato promessa de compra e venda, e não à redução a parte do objecto do contrato inicial).
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3.2.1.3. Ininteligibilidade - Art. 615º, nº 1, al. c), II parte, do C.P.C.

3.2.1.3.1. Lê-se no art. 615º, nº 1, al. c), II parte, do C.P.C., e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. Ininteligibilidade - «(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

A redacção em causa surge pela primeira vez com o novo C.P.C., face ao fim do anterior pedido de aclaração da sentença (uma vez que, se a sentença é ininteligível, passa agora a ser nula).
«A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, Limitada, pg. 151, com bold apócrifo).
Ocorrerá, então, a dita ininteligibilidade da decisão quando não se consiga perceber o que se decidiu; ou quando o que se escreveu é passível de mais do que uma interpretação, ou de um sentido diverso e, porventura, oposto.
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3.2.1.3.2. Concretizando, o Réu recorrente radica esta alegada nulidade da sentença no facto de «ser ambígua ou obscura na medida em que não identifica que contrato foi incumprido, assim como não faz qualquer qualificação do mesmo, o que impede o réu/recorrente de conhecer pressupostos essenciais que estão na base da decisão proferida».
Ora, compulsada a sentença dos autos verifica-se que a mesma expressamente identificou e qualificou o contrato em causa, sendo também ele - e só ele - que considerou incumprido pela Autora, e passível de redução.

Com efeito, lê-se inequivocamente nela: «Quanto ao negócio celebrado entre as partes, não temos dúvidas de que se tratou de um contrato de compra e venda, tal como bem definido no art. 874º do Código Civil»; «Está, assim, a autora impossibilitada de cumprir o contrato celebrado com o réu, na totalidade, sendo certo que entendemos que essa impossibilidade de cumprimento é culposa, já que sendo a autora apenas comproprietária na proporção de 1/8, devida ter notificado as suas comproprietárias da intenção de venda e das respectivas condições»; «Ora, perante esta impossibilidade parcial do cumprimento do contrato celebrado como réu, (…) parece que nada obsta à redução do negócio».
Acresce que, e conforme resulta da mera leitura das extensas e cuidadas alegações de recurso do Réu, o mesmo compreendeu perfeitamente a sentença recorrida, tanto que a escalpeliza, sindica e critica, apresentando toda uma verosímil contra-argumentação técnico-jurídica para contrariar o juízo que nela se consagrou.
Contudo, e como reiteradamente afirmado, essa discordância qualifica-se como um diferente julgamento, e não como uma nulidade do julgamento realizado.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela inexistência da nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, consistente na verificação de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão proferida ininteligível.
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3.2.1.4. Excesso de pronúncia - Art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C.

3.2.1.4.1. Lê-se no art. 615º, nº 1, al. e) do C.P.C. (como já antes se lia art. 668º, nº 1, alínea d) do anterior C.P.C.), que «é nula a sentença quando»:

. excesso de pronúncia - «O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no actual art. 608º, nº 2 do C.P.C. (anterior art. 660º, nº 2), que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras»; e lê-se no art. actual art. 609º, nº 1 do C.P.C. (anterior art. 661º, nº 1) que a «sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir».
Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que - em sede de processo civil, onde se discutem e dirimem conflitos de natureza privada, e não pública - o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

Compreende-se, por isso, que se lesse no anterior art. 264º, nº 2 do C.P.C. que «o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa»; e no seu anterior art. 664º do C.P.C. que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264».

Contudo, com a última reforma do C.P.C., mantendo-se o respeito pelo princípio do dispositivo, deu-se mais um passo no sentido da busca de uma justiça cada vez mais substancial/material e menos formal, lendo-se agora no actual art. 5º, nº 1 e nº 2 que, cabendo às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas», serão ainda considerados pelo juiz os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa», os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», e - tal como outrora - os «factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções»; e mantendo-se no nº 3 da mesma disposição que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».

Compreende-se, por isso, que a regra enunciada no nº 1 do art. 609º do C.P.C. deva ser interpretada em sentido flexível, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo; ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela (conforme Ac. do STJ, de 23.01.2004, Ferreira Girão).

Do mesmo modo o vem entendendo o STJ, na uniformização da jurisprudência que lhe incumbe fazer, nomeadamente:

. no Assento do STJ nº 4/95, de 28 de Março (DR, I Série A, de 17.05.1995) - onde se consignou que, quando «o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289º, nº 1 do C.C.»;

. no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2001, de 23 de Janeiro (DR, I Série A, de 09.02.2001) - onde se consignou que, tendo «o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (art. 616º, nº 1 do C.C.), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art. 664º do C.P.C.» [hoje, art. 5º, nº 3 do mesmo diploma].

Deverá, porém, em hipóteses como estas ser assegurado o cumprimento do princípio do contraditório, salvo caso de manifesta desnecessidade, por forma a que as partes não venham a ser confrontadas com uma «decisão surpresa», isto é, com a qual não podiam contar e, por isso, não apreciaram, nomeadamente contraditando (art. 3º, nº 3 do C.P.C.).

Precisando, e no que tange à proibição de condenação em quantidade superior, há que considerar que o limite quantitativo da condenação é o da importância global pedido (conforme Ac. do STJ, de 15.06.1989, AJ 0º/89, pg. 13), não se reportando os limites da condenação às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo (conforme Ac. da RL, de 26.05.1992, Aragão Barros, BMJ nº 417, p. 812, e Ac. da RE, de 30.09.2004, Oliveira Pires, CJ, 2004, Tomo IV, p. 248).
Dir-se-á, assim, que o «juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. (...)
Também não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a presta um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 67 e 68, com bold apócrifo).
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3.2.1.4.2. Concretizando, o Réu recorrente radica esta alegada nulidade da sentença no facto de condenar «em objecto diverso do pretendido pela autora e, também, porque pode decorrer da liquidação em execução de sentença, apuramento superior ao que foi peticionado pela autora/recorrida, o que sempre teria que estar previsto na douta sentença impugnada não poder acontecer».
Ora, compulsada a sentença dos autos, verifica-se que na mesma se condenou «o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e que corresponderá ao montante de € 17.500,00 deduzido do valor de 1/8 do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 8167», sendo que inicialmente a Autora pediu (no que ora nos interessa) que o réu fosse condenado a pagar-lhe «a quantia de € 15.000,00».
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o Réu foi exactamente condenado no pedido formulado inicialmente pela Autora, isto é, não só no pagamento de uma quantia pecuniária, como no representar esta o remanescente do preço alegadamente em falta mercê de um negócio de compra e venda que acordaram, e pelo qual lhe foram efectivamente vendidos três prédios urbanos.
A única divergência entre o pedido formulado na petição inicial e a condenação final da sentença agora recorrida resulta do Tribunal a quo ter entendido que não foi feita prova quanto ao valor a descontar no preço global inicialmente acordado (de € 47.500,00), para a venda de quatro imóveis, mercê da não transmissão eficaz de um deles, relegando para liquidação de sentença a determinação do preço parcelar do prédio rustico assim excluído (por agora constituir bem alheio).

Por outro lado, e lida integralmente a sentença recorrida, em parte alguma da mesma se afirma que a Autora terá direito, mercê da futura determinação daquele preço parcelar (a atribuir a um oitavo do prédio rústico «Cortinha», de que a mesma era inicialmente proprietária, por isso o tendo incluído no objecto mais vasto do contrato de compra e venda que celebrou com Réu), a quantia superior aos € 15.000,00 que aqui reclamou, como remanescente do preço dos três prédios urbanos que efectivamente transmitiu ao Réu; e só não se tendo afirmado o contrário por muito provavelmente o Tribunal a quo o ter considerado desnecessário, face à clareza das normas legais que impõem.
Contudo, reconhece-se (até pela alegação de recurso depois apresentada pelo Réu) que melhor seria que, cautelarmente, o tivesse deixado claramente expresso no dispositivo final da sentença proferida (o que este Tribunal da Relação fará agora nesta sua decisão).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela inexistência da nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, consistente na condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância
4.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente -, e renumerados):

1 - P. J. (aqui Réu) negociou com Maria (aqui Autora) a aquisição dos prédios identificados no artigo 1º da contestação.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 18)

2 - Assim como negociou com a Autora a aquisição do prédio rústico que a mesma identifica no artigo 15º da petição inicial.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 19)

3 - No início das negociações, o Réu/reconvinte apenas se propunha adquirir a casa de habitação inscrita sob o artigo 263.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 27)

4 - O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 263, era uma casa de habitação, com anexos e logradouro, com a área construtiva de cerca de 500 m2.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 33)

5 - A vendedora Autora/reconvinda pediu ao Réu € 50.000,00 (cinquenta mil euros, e zero cêntimos) pela casa de habitação inscrita sob o artigo 263
(facto provado enunciado na sentença sob o número 28)

6 - No decurso das negociações o Réu/reconvinte propôs-se pagar o preço de € 47.500,00 (quarenta e sete mil, quinhentos euros, e zero cêntimos) se o negócio envolvesse também a venda das fracções (1/8) que a Autora/reconvinda titulava nos dois casebres inscritos sob os artigos 295 e 297 e no prédio rústico referido no artigo 15º da petição inicial.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 29)

7 - Os dois prédios urbanos inscritos sob os artigos 295 e 297 destinam-se a arrumos agrícolas, têm uma construção muito rudimentar, e são de reduzida dimensão - 24 m2 e 20 m2, respectivamente.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 31)

8 - O prédio rústico em causa («Cortinha»), composto por cultura arvense de sequeiro, inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo 8167, com 9920 m2, tem o valor patrimonial de € 822,22 (oitocentos e vinte e dois euros, e vinte e dois cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 11)

9 - A vendedora Maria acabou por aceitar a proposta do Réu referido no facto provado anterior.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 30)

10 - Maria (aqui Autora) fez um contrato com P. J. (aqui Réu), em finais de 2013, mediante o qual, prometeu vender-lhe três prédios urbanos e um rústico, pelo preço global de € 47.500,00 (quarenta e sete mil, quinhentos euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 1)

11 - Relativamente aos prédios urbanos identificados no artigo 1º da contestação, as negociações estabelecidas com a Autora culminaram com a outorga do título de compra e venda exarado na Conservatória do Registo Predial, no dia 17 de Janeiro de 2014.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 20)

12 - Em 17 de Janeiro de 2014, a Autora vendeu ao Réu, outorgando escritura pública, os três prédios urbanos - o inscrito sob o artigo 263, e a parte (1/8) que titulava nos inscritos sob artigos 295 e 297, todos da matriz predial da União das Freguesias de ... e ....
(facto provado enunciado na sentença sob o número 2)

13 - Na escritura de compra e venda celebrada, relativamente ao prédio identificado no artigo 1º, al. a., foi especificado que o preço pago pelo Réu foi de € 3.000,00 (três mil euros, e zero cêntimos); e relativamente aos oitavos de cada um dos imóveis identificados no artigo 1º, als. b. e c., foi especificado que o preço pago pelo Réu foi de € 500,00 (quinhentos euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 17)

14 - No dia da escritura, o Réu apenas pagou à Autora parte do preço do contrato, ou seja, entregou-lhe € 30.000,00 (trinta mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 4)

15 - Mercê do referido no facto anterior, o Réu ficou a dever à Autora € 17.500,00 (dezassete mil, quinhentos euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 5)

16 - Na mesma data, 17 de Janeiro de 2014, a Autora declarou o que figura no documento nº 2 que acompanha a douta petição inicial, epigrafado «DECLARAÇÃO», assinado simultaneamente por ela (dita «A Vendedora») e pelo Réu (dito «O Comprador»), e que se transcreve:

«Eu, Maria, viúva, residente em Montalegre, portadora do BI nº … e NIF ..., declaro para os devidos efeitos que vendi a casa da ... (matriz …), 1/8 das casas da Cortinha das Lajes (…), e o meu 1/8 da Cortinha a P. J., solteiro, residente em Codeçoso de ..., portador do CC … e NIF …, pelo valor de 47.500,00 euros (quarenta e sete mil e quinhentos euros).
Mais declaro que recebi hoje, no acto da escritura das casas, 30.000,00 euros, ficando acordado receber 10.000,00 euros até 31.08.2014 e os restantes 7.500,00 no prazo de ano e meio ou, se for o caso, aquando da realização da escritura do terreno da Cortinha.
Montalegre, 17 de Janeiro de 2014.»
(facto provado enunciado na sentença sob o número 21)

17 - O Réu comprometeu-se a pagar à Autora a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil, quinhentos euros, e zero cêntimos) em duas prestações, e do seguinte modo:

. € 10.000,00 (dez mil euros, e zero cêntimos) até 31 de Agosto de 2014;
. e € 7.500,00 (sete mil, quinhentos euros, e zero cêntimos) no prazo de um ano e meio, isto é, até 17 de Julho de 2015.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 6)

18 - Depois da referida aquisição, o Réu tomou posse e faz uso dos bens como lhe apraz.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 3)

19 - Apesar de interpelado pela Autora para o efeito, o Réu não lhe pagou qualquer uma das prestações, já vencidas.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 7)

20 - Relativamente à fracção (1/8) que titula no prédio rústico referido no documento nº 2 junto com a petição inicial, ali denominado «Cortinha», a Autora não pode transmiti-la ao Réu.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 8)

21 - A impossibilidade de transmissão ao Réu da fracção (1/8) que a Autora titula no prédio rústico «Cortinha», ocorre porquanto uma das Comproprietárias desse imóvel (D. S., que titula 4/8) notificou a Autora para exercer o seu direito de preferência (legal) na alienação do prédio, em 5 de Novembro de 2015.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 9)

22 - O prédio rústico, composto por terra de cultivo com dois castanheiros, tem 9920 m2, o valor matricial de € 822,22 (oitocentos e vinte e dois euros, e vinte e dois cêntimos) e o valor atribuído (pela comproprietária D. S.) de € 16.000,00 (dezasseis mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 32)

23 - De 06 de Novembro de 2015 (data da recepção da carta em que se materializa o documento nº 5 apresentado com a petição inicial) até ao dia 12 de Julho de 2016, decorreram mais de sete meses, sem que a alegada Preferente instaurasse qualquer acção de preferência.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 26)

24 - A Comproprietária no prédio rústico «Cortinha» (que notificou a Autora para exercer o seu direito de preferência) já instaurou uma acção de divisão de coisa comum para pôr termo à indivisão, que tramita com o Processo nº 15/16.7 T8MTR, no Tribunal da Instância Local de Montalegre.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 10)

25 - A alegada Irmã da aqui Autora instaurou contra ela e contra outros Comproprietários uma acção de divisão de coisa comum respeitante aos prédios urbanos identificados no artigo 1º, als. b. e c. desta contestação.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 23)

26 - A alegada Irmã da aqui Autora, na mesma acção de divisão de coisa comum, pede também contra a aqui Autora a divisão do prédio rústico denominado «Cortinha».
(facto provado enunciado na sentença sob o número 24)

27 - Com o objectivo de ultrapassar este obstáculo, e receber do Réu o valor que este lhe deve, a Autora propôs-se reduzir-lhe € 2.500,00 (dois mil, quinhentos euros, e zero cêntimos) ao preço global do negócio, de 47.500,00 (quarenta e sete mil, quinhentos euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 12)

28 - A Autora exigiu que o Réu lhe pagasse a diferença em dívida, ou seja, € 15.000,00 (quinze mil euros, e zero cêntimos).
(facto provado enunciado na sentença sob o número 13)

29 - Apesar de interpelado no dia 3 de Março de 2016, por carta registada com aviso de recepção, para pagar à Autora a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros, e zero cêntimos), o Réu não cumpriu.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 14)

30 - Nessa carta, diz-se a dado trecho:

«(…)
Em face do exposto notifica-se Vª Exª para pagar à credora o montante de 15.000,00 €, no prazo de dez dias (até 11 de Março de 2016). Decorrido este prazo, se não cumprir, será instaurado processo judicial, no qual além daquele valor serão exigidos os juros.
(…)».
(facto provado enunciado na sentença sob o número 15)

31 - Na carta remetida ao Réu /Reconvinte com data de 01 de Março de 2016 (apresentada pela Autora como documento número 3 da petição inicial), vem afirmado o seguinte:
«(…)
Prometeu ainda vender-lhe 1/8 de um imóvel rústico denominado “Cortinha”, também situado na referida localidade de ....
(…)»
(facto provado enunciado na sentença sob o número 25)

32 - Face à interpelação datada de 01 de Março de 2016 e recepcionada pelo Réu no dia 03 de Março de 2016, e a mais uma reunião havida entre os Mandatários das partes para viabilizar a concretização do negócio respeitante ao prédio rústico supra identificado, o Réu perdeu todo o interesse na realização daquele negócio.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 22)

33 - A presente lide provoca desgosto, inquietação e incómodos à Demandante.
(facto provado enunciado na sentença sob o número 16)
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4.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão do Tribunal de 1ª Instância, e com interesse para a decisão da causa foram, considerados não provados os seguintes factos (aqui apenas numerados):

1’ - O valor comercial do prédio rústico inscrito sob o artigo … é de € 16.000,00 (dezasseis mil euros, e zero cêntimos), correspondendo à parte (1/8) que a Autora titula € 2.000,00 (dois mil euros, e zero cêntimos).

2’ - O Réu pagou integralmente à Autora o preço respeitante à compra e venda dos seguintes prédios:

a. Prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 263 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1166 da freguesia de ...;

b. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – limites da ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 297 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 990 da freguesia de ...;

c. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 295 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 989 da freguesia de ....

3’ - A Autora recebeu do Réu o valor global de € 4.000,00 (quatro mil euros, e zero cêntimos) pela venda que lhe fez do prédio identificado no artigo 1º, al. a, e uma oitava parte indivisa de cada um dos imóveis identificados no artigo 1º, als. b. e c.

4’ - Do valor global de € 30.000,00 (trinta mil euros, e zero cêntimos) que a Autora já recebeu do Réu, € 4.000,00 (quatro mil euros, e zero cêntimos) dizem respeito às compras e vendas tituladas pelo documento número 1 junto com a petição inicial, e os restantes € 26.000,00 (vinte e seis mil euros, e zero cêntimos) dizem respeito a parte do preço devido pela compra e venda do prédio da «Cortinha» (ou seja, do prédio identificado pela Autora no artigo 15º da douta petição inicial, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo 8167).

5’ - O prédio rústico identificado no artigo 15º da douta petição inicial tem o valor de € 43.500,00 (quarenta e três mil, quinhentos euros, e zero cêntimos).

6’ - No dia 29 de Agosto de 2014, antes do termo da data prevista no documento número 2 apresentado pela Autora com a petição inicial, o Réu deslocou-se a casa dela para proceder ao pagamento do montante de € 10.000,00 (dez mil euros, e zero cêntimos).

7’ - Nesta data e naquele momento, a Autora transmitiu ao Réu que não lhe ia fazer a escritura de compra e venda do prédio rústico supra identificado, alegando que uma Irmã o pretendia para o Filho.

8’ - Foi no sentido de promessa de venda que o Réu/Reconvinte interpretou e aceitou a declaração da Autora/Reconvinda.

9’ - A pretensa Preferente há muito que conhecia, pelo menos desde Setembro de 2013, a promessa de venda que a Autora/Reconvinda tinha realizado a favor do Réu/Reconvinte.

10’ - A Autora/Reconvinda continua dona e legitima possuidora de 1/8 prédio identificado por ela no artigo 15º da douta petição inicial, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo 8167.

11’ - Relativamente ao valor global do negócio, o preço dos bens fraccionados (os casebres e rústico) foi meramente residual.

12’ - Os prédios urbanos inscritos sob os artigos 295 e 297 valem, cada um deles, cerca de € 1.000,00 (mil euros, e zero cêntimos).

13’ - O prédio urbano inscrito sob o artigo 263 tem um valor próximo dos € 50.000,00 (cinquenta mil euros, e zero cêntimos).

14’ - A Autora aceitou receber apenas os € 30.000,00 (trinta mil euros, e zero cêntimos), no momento da celebração da escritura, porque o Réu lhe rogou tal facilidade, invocando que tinha urgência em promover o licenciamento de obra nova (de reconstrução e ampliação da habitação) nesse prédio, que já edificou.

15’ - A Autora/reconvinda ficou fortemente incomodada, abatida, desgostosa e triste com a versão dos factos que o Ré/reconvinte ousou trazer aos autos com o objectivo de a prejudicar.
*
4.2. Modificabilidade da decisão de facto

4.2.1. Erro de julgamento - Incorrecta apreciação da prova legal
4.2.1.1. Poder (oficioso) do Tribunal da Relação

Lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5, do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1 e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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4.2.1.2. Inadmissibilidade de prova testemunhal versus Força probatória plena de documento autêntico

4.2.1.2.1. Lê-se no art. 363º, nº 2 do C.C. que consideram-se autênticos «os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares».
Logo, e antes de mais, importará verificar a genuinidade do documento autêntico em causa (a sua produção de acordo com os requisitos legais).
Feito, sendo os documentos autênticos genuínos e não arguidos de falsos (v.g. certidões judiciais, escrituras ou testamentos públicos, instrumentos de revogação de prévios documentos tidos como autênticos), a força probatória a conferir-lhes resulta imperativamente do art. 371º, nº 1 do C.C., isto é: farão «prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do juiz».
Compreende-se, assim, que o conceito legal de falsidade do documento autêntico se restrinja ao âmbito da sua eficácia, e à prova do contrário dos factos neles atestados (e não também à desconformidade da realidade ocorrida com a representação que dela foi feita no documento, isto é, à não correspondência à verdade de factos que aí se atestam como se tendo verificado).
O documento autêntico «será, pois, falso quando o documentador não tenha praticado um facto que atesta ter praticado ou quando não se tenha na realidade verificado um facto que ele atesta ter sido objecto da sua percepção» (José Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, 1984, p. 43 e 44, com bold apócrifo).

Dir-se-á, então, que só depois de assegurada a genuinidade do documento autêntico em causa (a sua produção de acordo com os requisitos legais), bem como a sua autenticidade (a efectiva prática pela entidade documentadora dos actos nele referidos como seus), fica o mesmo apto a beneficiar da força probatória plena que a lei lhe confere.

Contudo, importa ainda frisar que esta força probatória plena não abrange tudo o que nele «se diz ou contém (…), mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo (ex.: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o acto não seja simulado (cfr. o acórdão do S.T.J. de 29 de Março de 1976, na Rev. de Leg. e de Jur., ano 111º, pág. 297, e anot. de Vaz Serra, a pág. 302). Um exemplo: numa escritura de compra e venda de imóveis o vendedor declara que recebeu o preço convencionado, o documento só faz prova plena de que esta declaração foi proferida perante o notário, nada impedindo que mais tarde se prove que ela foi simulada e que o preço ainda não foi pago» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Limitada, p. 327 e 328, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Luís Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, pág. 206, onde se lê que que «a força probatória plena qualificada não prova que as declarações são verdadeiras ou que não estão inquinadas por vícios de vontade (arts. 376º, nº2 e 359º, nº 1 e 2 do CPC)», reportando-se «tão só às declarações, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos factos materiais, e sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova»).

Precisa-se porém - e relativamente a este núcleo de factos excluídos da prova plena do documento autêntico - que a declaração nele contida constitui-se como uma confissão extrajudicial (arts. 352º e 355º, nº 4, ambos do C.C.), pelo que, sendo feita à parte contrária, tem força probatória plena (art. 358º, nº 2), que só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, onde se mostre não ser verdadeiro o acto que dela for objecto (art. 347º do C.C.).
Logo, e conforme já referido supra, a prova plena apenas cede mediante a prova do contrário (a demonstração de que certo facto não existe, de que não é verdadeiro).
Contudo, na produção desta prova do contrário (ao afirmado em confissão extrajudicial, consubstanciada em documento autêntico) há que ter presente a importantíssima restrição prevista no art. 393º, nº 2 do C.C., segundo o qual «quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena», «não é admitida prova por testemunhas».
Precisa-se, de novo, que, de acordo com «a utilização da forma verbal “estiver”, (…) que depois de estar definitivamente assente a prova plena, por preclusão do direito de a contrariar ou por improcedência da alegação contrária (vise esta, no caso dos documentos, estabelecer a sua não genuinidade ou a sua falsidade), é que não mais é admissível a prova em contrário daquela. (…) O art. 393º do C. Civil (…), contendo uma norma de prova legal negativa, é um mero reflexo das normas de prova legal positiva acima referidas (…): imposto como possível um único meio de prova, estão excluídos todos os outros (nº 1); imposta uma decisão, está negado valor aos meios de prova que a decisão diferente poderiam conduzir (nº 2)» (José Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, 1984. p. 182-3, nota 36, com bold apócrifo).

Contudo, e aderindo à pretérita construção doutrinal de Vaz Serra a este respeito (Provas, Direito Probatório Material, BMJ, nº 112, p. 199 a 216), a jurisprudência vem admitindo expressamente três excepções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista no art. 393º, nºs 1 e 2 do C.C. (e também no art. 394º do mesmo diploma), nomeadamente:

. existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado - existindo «um começo de prova por escrito, a prova testemunhal terá o papel de um suplemento de prova, pois as testemunhas não são já o único meio de prova do facto; e a excepção justifica-se pela circunstância de, neste caso, o perigo da prova testemunhal ser, em grande parte, eliminado, uma vez que a convicção do juiz está já firmada em parte com base num documento» (Vaz Serra, op. cit).
Precisa-se, porém, que o princípio de prova escrita deve emanar de quem a mesma é oposta (e não de um terceiro); e a letra e a assinatura têm de ser previamente reconhecidas ou verificadas.

. a impossibilidade (moral ou material) de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal.

Compreende-se que quando a lei impõe às partes que procurem uma prova escrita dos seus actos, fá-lo no pressuposto de que elas têm meios para o fazer, deixando essa exigência de fazer sentido quando a parte que procura contrariar a força probatória plena do dito documento não pôde obter - do seu contraente, ou dos contraentes terceiros - ex ante uma prova escrita.
Precisa-se, porém, que esta impossibilidade (que, sendo maior do que uma simples dificuldade, não tem de ter carácter absoluto), deve reportar-se ao momento da estipulação negocial, sendo atendíveis as situações objectiva e subjectiva dos contraentes.

. e a perda, sem culpa, da prova escrita.
Esta excepção «tem como pressuposto prévio, cuja demonstração incumbe ao alegante, a alegação e prova de que o documento se formou validamente, ficando a eficácia da prova do conteúdo do documento subordinada à de perda não culposa do mesmo. Aqui é essencial que a perda não seja de algum modo imputável à falta de diligência da parte, que a mesma não possa imputar-se a alguma forma de imprudência ou de negligência e incúria na custódia do escrito, aferidas segundo os cânones de comportamento exigíveis ao bom pai de família» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª edição, Almedina, Janeiro de 2017, p. 228, com indicação de diversos Acórdãos na nota 495).
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4.2.1.2.2. Concretizando, verifica-se que o Réu recorrente, reagindo contra a não demonstração dos factos não provados enunciados agora sob os números 2’ e 3’ (pertinentes ao alegado integral pagamento, por si, do preço devido pelos três prédios urbanos que adquiriu à Autora, dito de € 4.000,00), veio defender que os mesmos estariam plenamente provados pela escritura de compra e venda de imóveis que a Autora juntou aos autos logo com a petição inicial; e, por isso, «o Tribunal a quo” não podia ignorar, como fez, a relevância probatória do documento autêntico que corporiza os termos em que foi fixado pelas partes o preço dos prédios urbanos objecto do negócio».

Com efeito, lê-se na dita escritura de compra e venda que «A PRIMEIRA VENDE AO SEGUNDO, pelo preço global de QUATRO MIL EUROS, que já recebeu, o imóvel identificado sob o número UM e uma oitava parte indivisa de cada um dos imóveis identificados sob os números DOIS e TRÊS, com os referidos valores atribuídos».
Começa-se por precisar que, constituindo a dita escritura de compra e venda um documento autêntico, não foi a mesma arguida de falsa, pelo que ficou plenamente provado que, perante o «Oficial público, M. C., na qualidade de Adjunta da Conservadora em substituição legal» que a lavrou, a Autora proferiu de facto aquelas declarações; mas não ficou do mesmo modo plenamente provado, pela força probatória plena própria do dito documento autêntico, que o preço real de venda dos três imóveis fossem aqueles € 4.000,00, tendo por isso a Autora já recebido todo aquele que lhe era devido por tais transmissões.
Por outras palavras, o que a Adjunta da Conservadora atestou pessoalmente naquele acto foi que teve conhecimento que a Autora proferiu as declarações que ali lhe foram imputadas, e não - naturalmente - que tais declarações correspondessem à verdade.
Logo, e conforme detalhadamente explicitado supra, não obstante a escritura pública de compra e venda seja documento autêntico, cuja genuinidade não foi impugnada (proveniente de oficial público, no âmbito das suas funções), nem tendo sido arguida de falsa (ficando estabelecido que se verificaram historicamente os actos nela referidos como tendo sido praticados pelo Oficial Público), a sua força probatória plena não cobre realidades que extravasam o que foi percepcionado pela entidade documentadora.

Contudo, e conforme também explicitado supra, reconhecendo a Autora desse modo factos que lhe seriam desfavorável (o reduzido montante do preço, e o seu recebimento integral), num documento escrito, autêntico, e dirigindo a sua declaração à parte contrária, a mesma consubstancia uma confissão extrajudicial, com força probatória plena (arts. 352º e 358º, nº 2, ambos do C.C.).
Dir-se-ia, por isso, assistir razão ao Réu recorrente, quando o mesmo defende que não poderia ser, por isso, contrariada por mera prova testemunhal.
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Veio, porém, a Autora juntar igualmente aos autos, logo com a sua petição inicial, um documento escrito que identificou com o número 2, epigrafado «DECLARAÇÃO», assinado simultaneamente por ela (como «A Vendedora») e pelo Réu (como «O Comprador»), datado do mesmo dia da celebração da escritura de compra e venda (17 de Janeiro de 2014), onde nomeadamente se lê:
. «Eu, Maria, (…) declaro para os devidos efeitos que vendi a casa da ... (matriz ...), 1/8 das casas da Cortinha das Lajes (…), e o meu 1/8 da Cortinha a P. J., (…), pelo valor de 47.500,00 euros (quarenta e sete mil e quinhentos euros)»; e «Mais declaro que recebi hoje, no acto da escritura das casas, 30.000,00 euros, ficando acordado receber 10.000,00 euros até 31.08.2014 e os restantes 7.500,00 no prazo de ano e meio ou, se for o caso, aquando da realização da escritura do terreno da Cortinha».
Ora, estando já vendidos os três prédios urbanos, resulta do documento em causa - onde o Réu apôs a sua assinatura, e cuja genuinidade não foi por ele contestada - que por conta da sua venda foram entregues à Autora, não apenas os € 4.000,00 que alegadamente corresponderiam ao seu preço global, mas sim € 30.00,00, reconhecendo-se ainda como lhe sendo devidos outros € 17.500,00; e sem que do mesmo modo ficasse expresso que tais quantias pagas a mais, e ainda a pagar, se reportassem exclusivamente ao preço parcelar de um oitavo do prédio rústico objecto do mesmo negócio de compra e venda inicial, mas ainda não escriturado.

Considera-se, por isso, que este documento consubstancia a primeira excepção à inadmissibilidade de prova testemunhal contra confissão extrajudicial escrita em documento autêntico, dirigida à parte contrária, defendida por Vaz Serra, e pacificamente adoptada pela nossa jurisprudência, isto é: a prévia existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil (embora ainda não certo) o facto alegado.
A partir daqui, assegurado este princípio de prova seguro (por proveniente da própria parte a quem foi oposto, ao tê-lo assinado e não o tendo acusado de falso ou adulterado), tornou-se permitida a produção adicional e complementar da prova testemunhal.
Não assiste, assim, razão ao Réu recorrente, na impugnação dos factos não provados enunciados sob os números 2’, 3’, 4’ e 5’, já que a produção de prova testemunhal, que alegadamente terá conduzido à sua não demonstração, foi legalmente produzida, não obstante os mesmos estarem cobertos pela força probatória plena de confissão extrajudicial escrita em documento autêntico, dirigida à parte contrária.

Deverá, assim, julgar-se nesta parte improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu (P. J..), considerando-se inexistente a violação de direito probatório material invocada por ele, por o Tribunal a quo ter utlizado validamente a adicional prova testemunhal para demonstração do preço real acordado entre as partes para a compra e venda dos três prédios urbanos transmitidos pela Autora ao Réu.
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4.2.2. Erro de julgamento - Incorrecta livre apreciação da prova

4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Lê-se no nº 2, als. a) e b), do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.).
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4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.

Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo).

Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).

Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).

«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo).

Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1) - , vêm sendo firmadas as seguintes orientações:

. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1);

. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo nº 1458/10.5TBEPS.G1);

. a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1);

. dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no nº 1 do art. 640º (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1);

. o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório);

. cumpre o ónus do art. 640º, nº 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 476/09.oTTVNG.P2.S1);

. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1);

. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1, e Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 449/10.0TVVFR.P2.S1);

. não deve ser rejeitado o recurso se o recorrente seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1);

. a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
*
4.2.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto

Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.

Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).

Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12.0T2AVR.C1).

Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação»).
*
4.2.2.4. Concretizando, considera-se que o Réu (P. J.), embora de forma imperfeita, cumpriu minimamente o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C. (conclusão distinta de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados, e como não provados).

Com efeito, indicou nas suas conclusões de recurso: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (os factos provados enunciados sob os números 9, 12, 16, 27, 28, 29 e 30, e os factos não provados enunciados sob os números 2’, 3’, 4’ e 5’); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (no caso, a escritura pública de compra e venda de imóveis junta aos autos, e o depoimento da testemunha M. C. - única que arrolou -, para além da desvalorização dos depoimento das testemunhas D. S., Miguel, M. M. e da própria Autora); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como não demonstrados os factos provados enunciados sob os números 9, 12, 16, 27, 28, 29 e 30, e o darem-se como demonstrados os factos não provados agora enunciados sob os números 2’, 3’ 4’, e 5’).

Prosseguindo - na verificação do cumprimento do ónus de impugnação a cargo do Réu recorrente -, e relativamente ao juízo crítico próprio, assentou o mesmo sobretudo na defesa da suficiência da força probatória plena da escritura de compra e venda junta aos autos, e na insusceptibilidade da mesma ser contrariada por prova testemunhal (conforme se referiu - e contrariou - supra); e na acusação de parcialidade e falta de isenção dos depoimentos prestados pela Autora, e pelas testemunhas que a mesma arrolou.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos que o Recorrente seleccionou na sua impugnação, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face às regras da experiência.
Assim, pretendendo o Réu sindicar este juízo, importaria que indicasse as razões pelas quais entendem que àqueles depoimentos não poderia ser dada qualquer relevância, fazendo-o porém quase sempre em termos demasiado genéricos e subjectivos, isto é, sem a desejável objectividade e completude.

Por fim, dir-se-á que, pese embora o Réu recorrente não haja procedido «à indicação exacta e precisa das passagens na gravação» dos depoimentos por si seleccionados (conforme denunciou a Autora nas suas contra-alegações), certo é que não existirão dificuldades relevantes na localização por este Tribunal dos excertos da gravação em que aquele se fundou para demonstrar o erro de julgamento que invocou, já que referenciou os concretos depoimentos escolhidos por si para este efeito, e as matérias sobre que recaíram, tendo os mesmos sido prestados numa única sessão da audiência de discussão e julgamento.

Crê-se, assim, estar este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art. 640º do C.P.C. - e com a maior flexibilidade de critérios praticada pelo Supremo Tribunal de Justiça -, à reapreciação da matéria de facto pretendida pela Autora e pelos Réus recorrentes.
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4.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

4.3.1. Conteúdo (objecto e preço) do negócio de compra e venda de imóveis - Pagamento do preço

Veio o Réu recorrente (P. J.) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia que se desse como demonstrado que inicialmente o negócio de compra e venda ajustado com a Autora apenas incluía um prédio urbano, cujo preço seria de € 50.000,00, tendo depois incluído um oitavo do direito de propriedade da Autora sobre dois casebres e sobre um prédio rústico, fixando-se o preço global final de € 47.5000,00; e corresponderem € 4.000,00 ao preço acordado para a venda dos três prédios urbanos, encontrando-se já integramente pago, e € 43.5000,00 ao preço acordado para a venda de um oitavo do prédio rústico.
Esta matéria integra os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 27 («No inico das negociações o R./reconvinte apenas se propunha adquirir a casa de habitação inscrita sob o artigo 263»), sob o número 28 («Pela qual a vendedora A./reconvinda lhe pediu 50.000,00 €»), sob o número 29 («No decurso das negociações o R./reconvinte propôs-se pagar o preço de 47.500,00 € se o negócio envolvesse também a venda das fracções (1/8) que a A./reconvinda titulava nos dois casebres inscritos sob os artigos 295 e 297 e no prédio rústico referido no artigo 15º da p. i.»), e sob o número 30 («Proposta que a vendedora Maria acabou por aceitar»); e os factos não provados agora enunciados sob o número 2’ («O Réu pagou integralmente à Autora o preço respeitante à compra e venda dos seguintes prédios: a. Prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 263 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1166 da freguesia de ...; b. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – limites da ..., da União de freguesias de ... e ..., concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 297 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 990 da freguesia de ...; c. Um oitavo do prédio urbano situado nas Lages – ..., da União de freguesias de ... e ..., do concelho de Montalegre, inscrito na matriz predial urbana da referida União de freguesias com o artigo 295 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 989 da freguesia de ...»), sob o número 3’ («A Autora recebeu do Réu o valor global de 4.000,00 € (quatro mil euros) pela venda que lhe fez do prédio identificado no artigo 1º, al. a. e uma oitava parte indivisa de cada um dos imóveis identificados no artigo 1º, als. b. e c»), sob o número 4’ («Do valor global de 30.000,00 €, que a autora já recebeu do réu, 4.000,00 € dizem respeito às compras e vendas tituladas pelo doc. 1 e os restantes 26.000,00 € dizem respeito a parte do preço devido pela compra e venda do prédio da Cortinha, ou seja, do prédio identificado pela Autora no artigo 15º da douta petição inicial, correspondente ao prédio rústico inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ... e ... sob o artigo 8167»), e sob o número 5’ («O prédio rústico identificado no artigo 15º da dita petição inicial tem o valor de 43.500,00»).
Invocou para o efeito a ausência de prova idónea, nomeadamente porque o depoimento prestado pela Autora seria contraditório, e insusceptível de contrariar o que resultaria da própria escritura de compra e venda dos três prédios urbanos junta.
Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelo Réu recorrente.

Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto no segmento que se considerou mais relevantes, atento o objecto da sindicância):

«(…)
O Tribunal formou a sua convicção quanto à decisão sobre a matéria de facto com base em todos os meios de prova constantes dos autos e produzidos em audiência de julgamento.

Assim, as testemunhas disseram o seguinte:

D. S., irmã da autora, disse que não assistiu ao negócio entre a autora e o réu, mas que a autora lhe disse que ia vender as casas ao réu, tratando-se de uma casa de rés-do-chão e primeiro andar, uma outra construção pequena onde seu pai metia o gado e a casa de rés-do-chão onde os seus pais viviam, por 9.500 contos. Soube que fizeram escritura desses prédios, que o réu pagou 6.000 contos e ficou a dever 3.500 contos, que ainda não pagou, apesar de a autora lho ter pedido muitas vezes. Disse também que o réu meteu na escritura 1/8 da Cortinha, mas esse prédio é da testemunha, porque comprou o 1/8 à autora. (…) Afirmou que comprou as partes das irmãs na Cortinha, tendo pago 2.000 euros pelo 1/8 da autora e 5000 e tal pela parte (3/8) da outra irmã. Disse que mandou avaliar a Cortinha a um senhor Fernando e que lhe atribuiu o valor de 16.000 euros, tendo avaliado as casas em 10.000 euros. Afirmou que a casa dos pais e as duas casas pequenas valiam mais do que 1/8 da Cortinha. Confirmou que o que sabe do negócio foi o que a autora e o réu lhe disseram. Mas referiu que os dois urbanos (1/8) que a autora também vendeu ao réu, são seus porque fazem parte da Cortinha.
O depoimento desta testemunha mostrou-se algo confuso e por vezes contraditório, nomeadamente quando afirma que a Cortinha é sua, mas admite que pôs uma ação de divisão ou de preferência contra a autora e o réu.
Fernando, mediador imobiliário, disse que foi contactado pela autora para promover a venda de um imóvel urbano, em 2013. Afirmou que a autora pretendia 50.000 euros pela casa. Referiu que uns tempos depois, encontrou a autora e esta lhe disse que a tinha vendido. Esclareceu que o preço que a autora pedia está bem para o prédio, já que se tratava de quatro ou cinco casas antigas e umas cortes para arrumos e espaço envolvente. Disse que a testemunha D. S. também o abordou, no final de 2016, para o ajudar quanto ao valor de duas casinhas e um terreno. Disse que as duas casinhas são de arrumos, uma ao lado da outra, em pedra, e que lhes atribuiu o valor de 2.000 euros e 5.000 euros. Ao terreno atribuiu o valor de 10 a 12.000 euros, sendo que terá cerca de 9.000 m2.
Miguel, genro da autora, disse ter conhecimento do negócio entre a autora e o réu, já que assistiu ao mesmo, embora não desde o início. Esclareceu que o réu apareceu no café da autora, um dia à noite, interessado em comprar a casa, tendo a autora pedido 50.000 euros, ficando o valor, após conversarem, em 47.500 euros. Referiu que o réu os enganou, dizendo que já tinha comprado a parte da Cortinha à testemunha D. S. e foi perante isso que a autora aceitou incluir 1/8 da Cortinha, no negócio, o que incluía também os dois casebres que englobaram no 1/8 da Cortinha. Confirmou que fizeram a escritura, que o réu pagou 30.000 euros e ficou de pagar o restante em duas parcelas, mas que não pagou o que faltava. Referiu que quanto ao 1/8 da autora na Cortinha, no entanto, foi entregue à testemunha D. S. pelo tribunal, pelo preço de 2.000 euros. Afirmou que no negócio celebrado entre a autora e o réu nunca chegaram a fixar qualquer valor para o 1/8 da Cortinha, porque aquilo era pouca coisa e acabou por ser envolvido no negócio da casa. Insistiu que a casa vale mais do que o rústico. Disse que a autora tem sofrido incómodos e desgostos por o réu não lhe pagar. Referiu, ainda, que por causa de não lhe poder vender o 1/8 da Cortinha, a autora propôs ao réu reduzir o preço em 2.500 euros. Admitiu que houve várias conversas entre a autora e o réu a que não assistiu e que a casa não estava em condições de ser habitada.
M. M., filha da autora, disse também que assistiu à conversa entre a autora e o réu. Referiu que o réu apareceu na casa deles para falar na compra da casa e anexos, que a autora pediu 10.000 contos ou 50.000 euros e que acabaram por acordar 47.500 euros. Só depois, o réu pediu se podiam ser incluídos as duas casotas e a autora aceitou, porque era só 1/8, sendo que inicialmente, a autora não queria, mas o réu disse que já tinha comprado as parcelas das duas irmãs da autora. Disse que não atribuíram qualquer valor às duas casotas e que só declararam 4.000 euros a pedido do réu.
Quanto ao 1/8 da Cortinha, disse que a sua tia D. S. tinha preferência na compra e que já comprou a parte da autora no tribunal. (…)
Insistiu que a Cortinha nunca esteve em causa, sendo a casa o que a autora queria vender. Disse que os dois casebres não têm um valor relevante e que o 1/8 da Cortinha nunca fez parte do negócio.
Já a testemunha M. C., ajudante de conservador, disse que foi quem presidiu ao ato onde se fez o título de compra e venda. Quanto aos valores não sabe se correspondem aos valores dos bens, mas afirmou que não tem dúvidas de que o que consta da escritura foi o que foi dito pelas partes, por acordo.

Finalmente, a autora Maria prestou declarações de parte, as quais, contudo, pouco convenceram o Tribunal, face às contradições que apresentaram, nomeadamente, com o que a própria autora alegou nos autos e com o que consta dos documentos que infra iremos analisar.

Assim, a autora disse que queria vender a casa que herdou de seus pais porque precisava de dinheiro, já que a sua filha ia ser operada, quando a filha disse que era o seu marido, genro da autora, que ia ser submetido a uma cirurgia. A autora confirmou que celebraram o negócio por 47.500 euros e que recebeu 30.000 euros aquando da celebração da escritura. Afirmou que na escritura também constam os dois anexos, porque o réu terá dito que comprou o terreno à testemunha D. S.. No entanto, disse que o réu queria que a autora lhe vendesse o 1/8 da Cortinha, mas que achava que não podia porque o terreno era também das irmãs, referindo também que no dia da escritura não assinaram a declaração junta aos autos (fls. 11 verso), o qual o réu lhe terá levado no dia seguinte para a autora assinar. Afirmou que assinou e nem leu, porque achou que era uma declaração de dívida.

Disse, ainda, que pediu várias vezes o dinheiro em falta, ao réu, e que lhe propôs reduzir o preço em 2.500 euros. Referiu que vendeu a sua parte na Cortinha à sua irmã D. S. por 1.000 euros, no tribunal, acabando por admitir que foram 2.000 euros. Disse também que nunca falou com o réu sobre o valor das duas casotas, mas que esse assunto, agora, é entre o réu e a D. S.. Quanto ao 1/8 da Cortinha disse que se a sua irmã D. S. tivesse vendido a sua parte ao réu, iria negociar com este o valor dessa sua parte de 1/8 no prédio, o que, contudo, contraria o que alegou nos autos, já que aí refere que o negócio incluía quatro prédios, ou seja, o urbano, o 1/8 de cada um dos outros dois urbanos (a que se refere como casotas) e o 1/8 do rústico Cortinha.

As declarações da autora mostraram-se muito confusas e contraditórias, até porque, no final, acabou mesmo por dizer que as conversações com o réu não começaram pelo terreno, mas pela casa, afirmando, de seguida, que o réu nem tinha falado nas casas, porque inicialmente o que ele queria era o terreno.
Tendo em conta as contradições nas declarações da autora, quer com o que alegou nos autos, quer com o que foi dito pelas testemunhas, e porque nenhuma das testemunhas presenciou na totalidade as negociações entre autora e réu, foram relevantes na decisão, os documentos constantes dos autos.

Assim, desde logo, consta dos autos o título de compra e venda dos imóveis urbanos, a fls. 8 verso a 11, que comprova o negócio realizado, bem como o valor declarado para esses três imóveis, o que não significa que seja esse o valor real dos bens, nem o valor que as partes lhes atribuíram, até porque não é o que resulta da declaração assinada pelas partes e que se mostra junta a fls. 11 verso.
Dessa declaração apenas consta que o valor total pelos quatro imóveis envolvidos no negócio foi de 47.500 euros e que a autora recebeu, no ato da escritura das casas, 30.000 euros. Ora, tendo a autora alegado que o valor que consta da escritura é simulado, a pedido do réu, o Tribunal desconhece se foi o valor real que as partes negociaram para os três urbanos ou não.
A carta de fls. 13, remetida pela autora ao réu, comprova que a mesma lhe propôs a redução do preço e invocou como justificação para o incumprimento de parte do contrato, o facto de as suas irmãs pretenderem exercer o direito de preferência na compra da fração do prédio em causa, por serem comproprietárias, como resulta da caderneta predial junta a fls. 14.

(…)
Por outro lado, não se deu como provada a versão do réu, no sentido de que do preço acordado e da parte do preço já pago, apenas 4.000 euros diziam respeito aos prédios urbanos, sendo o restante valor para pagamento do 1/8 da Cortinha, porque, como já referido supra, tal não resulta do teor do documento de fls. 11 verso, nem foi referido por qualquer uma das testemunhas, sendo, ainda, certo que a experiência comum nos permite acreditar que o preço que consta da escritura não é o preço real atribuído aos imóveis objecto da mesma. Aliás, a ser assim, o prédio rústico denominado Cortinha teria um valor muito elevado, o que não parece verosímil.
Os factos não provados não foram confirmados por qualquer testemunha, nem existem documentos com força probatória suficiente que os comprovem.
(…)»

Logo, uma primeira conclusão se pode desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de prova de demonstração dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 27, 28, 29 e 30, e de não demonstração dos factos não provados agora enunciados sob os números 2´,3´, 4´ e 5’, ponderou toda a prova (pessoal e documental) produzida sobre eles; e fê-lo à luz das regras da experiência, tendo nomeadamente em conta a natureza e as características próprias dos bens objecto do negócio de compra e venda acordado entre as partes.
Ouvido integralmente o registo áudio da prova pessoal produzida, subscreve este Tribunal da Relação aquele seu juízo, relativamente ao qual o Recorrente se limita a insistir na força probatória plena da escritura de compra e venda, e no carácter contraditório do depoimento prestado pela Autora, bem como no carácter interessado dos depoimentos prestados pelas testemunhas Miguel, seu genro, e M. M., sua filha.
Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, nem a força probatória plena da escritura pública cobre os factos aqui em causa (tanto mais que parte significativa dos mesmos ocorreram historicamente antes da sua celebração), como não é pelo simples facto das testemunhas serem familiares, parentes, afins, amigos ou vizinhos das partes que se tornam automaticamente parciais e insusceptíveis de serem consideradas.
Com efeito, nenhuma dessas qualidades foi eleita pela lei como impedimento para depor, nomeadamente por a mesma reconhecer que, na generalidade dos eventos trazidos a juízo, serão as pessoas que se encontram mais próximas das partes, que com elas privam habitualmente, que poderão testemunhar os eventos da sua vida.
Acresce que os depoimentos prestados pelos familiares da Autora, bem como pela própria, se mostraram parcialmente confirmados pela testemunha Fernando (mediador imobiliário), que com ela não mantém qualquer relação, nem será por qualquer forma beneficiado com o desfecho da presente acção.

Por fim, essa confirmação viria ainda de declaração escrita subscrita pelo próprio Réu, onde o mesmo reconhece que, na ocasião da escritura de compra e venda de três prédios urbanos, entregou à Autora, não apenas os alegados € 4.000,00 correspondentes ao preço ali declarado para o efeito, mas € 30.000,00, reconhecendo-se ainda devedor de outros € 17.500,00, sem que prova alguma confirmasse ser a quantia de € 43.500,00 o preço acordado para a aquisição de um oitavo do prédio rústico incluído igualmente no negócio celebrado.
Logo, não foram apenas as declarações parcialmente contraditórias da Autora que serviram para fundar o juízo de prova do Tribunal a quo (quanto aos termos do negócio, nomeadamente aos prédios dele objecto, ao preço global acordado, e à falta de pagamento do mesmo pelo Réu), mas o conjunto de plúrima, conforme, coerente, objectiva e isenta prova.
Impõe-se, por isso, uma segunda conclusão: tendo a Autora realizado satisfatoriamente o esforço probatório que lhe estava cometido, deixando demonstrados os factos que a beneficiavam (art. 342º, nº 1 do C.C.), o Réu não produziu qualquer prova destinada a demonstrar o seu contrário ou, meramente, a torná-los duvidosos (rt. 346º do C.C.).
*
Dir-se-á ainda que, tendo presente a especial natureza do litígio - que pressupõe a parcial simulação de uma escritura pública de compra e venda de imóveis - não pode o Tribunal (este, tal com o a quo) deixar de se valer das mais comuns presunções judiciais nesta matéria (arts. 349º e 351º, ambos do C.P.C.), condensadas pela uniforme prática jurisprudencial.

Com efeito, em «matéria de simulação, é necessário apurar as intenções das partes ao outorgarem o negócio. Os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (v.g. a determinação da vontade real do declarante, uma certa intenção, o conhecimento de dadas circunstâncias) constituem factos cujo conhecimento pode ser atingido directamente pelos sentidos ou através das regras de experiência.
(…) A prova directa dessas intenções é rara (v.g. confissão) pelo que quase sempre terá que ser feita por meio de indícios/presunções. Verifica-se o mesmo tipo de dificuldade na prova de outros factos do foro interno designadamente no requisito da má fé na impugnação pauliana (Artigo 612º)».
Ora, um dos indícios mais operativos em sede de simulação é o indício pretium, isto é, o «valor do preço e o modo de pagamento podem assumir uma dimensão subjectiva, indiciadora da intenção subjacente à transacção que gerou a obrigação de liquidação do preço»; e, sendo o preço «bastante inferior ao valor de mercado (pretium vilis) indica que alguma das variáveis interferente sofreu uma mudança significativa, afastando-se do seu contexto habitual» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª edição, 2017, Almedina, p. 252 e 253).
Ora, ficou assente pelo isento depoimento da testemunha Fernando que inicialmente a Autora se propôs vender o seu prédio urbano (um só) por € 50.000,00, o que corresponderia ao seu valor de mercado, não se compreendendo - porque nenhuma explicação foi adiantada para o efeito pelo Réu - que depois o aceitasse vender, juntamente com o direito a um oitavo de outros dois, por apenas € 4.000,00.

Improcede, assim, o recurso de impugnação da matéria de facto, interposto pelo Réu (P. J.), relativo aos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 27, 28, 29 e 30, e aos factos não provados agora enunciados sob os números 2’, 3’, 4’ e 5’ - que por isso permanecem inalterados.
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4.3.2. Anúncio à Autora da vontade de Comproprietária de preferir na venda

Veio o Réu recorrente (P. J.) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia que se desse como demonstrado que a Irmã da Autora, na qualidade de comproprietária do prédio rústico em causa, a notificou para exercer o seu direito de preferência na respectiva alienação.

Esta matéria integra o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9 («Porquanto uma das comproprietárias desse imóvel – D. S., que titula 4/8, a notificou para exercer o seu direito de preferência (legal) na alienação do prédio, em 5.11.2015»).

Invocou para o efeito a ausência de prova idónea, nomeadamente porque o depoimento da testemunha D. S. seria algo confuso, e a mesma teria interesse na causa, tendo ainda sido desvalorizada a carta que, a propósito desta matéria, foi junta aos autos.
Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Réus recorrentes.
Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes, atento o objecto da sindicância):

«(…)
D. S., irmã da autora, disse que (…) não tem a certeza se mandou alguma carta, mas que disse pessoalmente à autora que queria comprar a parte dela.
(…) O depoimento desta testemunha mostrou-se algo confuso e por vezes contraditório, nomeadamente quando afirma que a Cortinha é sua, mas admite que pôs uma ação de divisão ou de preferência contra a autora e o réu.

(…)
M. M., filha da autora, disse (…) quanto ao 1/8 da Cortinha, disse que a sua tia D. S. tinha preferência na compra e que já comprou a parte da autora no tribunal.

(…)
Finalmente, a autora Maria prestou declarações de parte, as quais, contudo, pouco convenceram o Tribunal, face às contradições que apresentaram, nomeadamente, com o que a própria autora alegou nos autos e com o que consta dos documentos que infra iremos analisar.
Assim, a autora disse (…) que o réu queria que a autora lhe vendesse o 1/8 da Cortinha, mas que achava que não podia porque o terreno era também das irmãs (…).
Referiu que vendeu a sua parte na Cortinha à sua irmã D. S. por 1.000 euros, no tribunal, acabando por admitir que foram 2.000 euros.

(…)
As declarações da autora mostraram-se muito confusas e contraditórias, até porque, no final, acabou mesmo por dizer que as conversações com o réu não começaram pelo terreno, mas pela casa, afirmando, de seguida, que o réu nem tinha falado nas casas, porque inicialmente o que ele queria era o terreno.
Tendo em conta as contradições nas declarações da autora, quer com o que alegou nos autos, quer com o que foi dito pelas testemunhas, e porque nenhuma das testemunhas presenciou na totalidade as negociações entre autora e réu, foram relevantes na decisão, os documentos constantes dos autos.
(…) Já a carta de fls. 16, dirigida à autora por distinta advogada em representação de sua irmã D. S. e a comunicar que esta pretende exercer o direito de preferência, deixou ao tribunal algumas dúvidas sobre essa intenção, até porque a carta se mostra subscrita pela mesma senhora advogada que representa a autora. Parece-nos uma situação algo ambígua, pelo que não demos relevância a esse documento. Contudo, a testemunha D. S. confirmou que notificou a autora para o efeito, mesmo verbalmente e, ainda que não tenha instaurado qualquer ação de preferência, até porque não chegou a ser formalizada a compra e venda da parcela de terreno em causa, resultou provado que instaurou ação de divisão de coisa comum.
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de prova de demonstração do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9, ponderou toda a prova (pessoal e documental) produzida sobre ele; e essa prova, considerada de forma complementar entre si, mostrou-se conforme e suficiente para aquela demonstração.
Com efeito, se é certo que os depoimentos da Autora e da sua Irmã (a testemunha D. S.) se mostraram algo confusos e contraditórios, não o foram porém nesta parte, tendo ambas reconhecido: a existência do direito das comproprietárias do prédio rústico preferirem na venda de qualquer quota ideal do mesmo; D. S. pretendeu fazê-lo; e comunicou-o à Autora.
Acresce que a dúvida suscitada quanto à carta que é fls. 16 dos autos se reportou à idoneidade para, só por si, afirmar o facto então ainda controvertido; e não para, uma vez verificado um princípio de prova quanto ao mesmo (os ditos depoimentos da Autora e da sua Irmã), funcionar também ela como prova adicional e complementar, uma vez que confirmou e completou o antes assente pela prova pessoal.
Face a esta plúrima e coerente prova, caberia ao Reu produzir outra que tornasse duvidosos os factos por ela afirmados, o que porém não sucedeu de todo.

Improcede, assim, o recurso de impugnação da matéria de facto, interposto pelos Réu (P. J.), relativo ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9 - que por isso permanece inalterado.
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4.3.3. Proposta da Autora de redução de preço / Sofrimento registado pela Autora com o litígio que a opõe ao Réu


Veio o Réu recorrente (P. J.) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia que se desse como demonstrado que a Autora lhe propôs a redução de € 2.500,00, ao preço global de € 47.500,00, como forma de ultrapassarem o litígio que aqui os opõe; e que a mesma teria registado sofrimento com ele.
Esta matéria integra os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 12 («Com o objectivo de ultrapassar este obstáculo, e receber do Réu o valor que ele lhe deve, a Autora propôs reduzir-lhe dois mil e quinhentos euros (2.500,00 €) ao preço global do negócio (47.500,00 €), e sob o número 16 («A presente lide provoca desgosto, inquietação e incómodos à demandante»).

Dir-se-á porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, serem os factos em causa totalmente irrelevantes para a decisão da causa, já que: não tendo o Réu aceite a alegada proposta da Autora, e tendo a determinação do valor/preço de um oitavo do prédio rústico em causa sido relegada para liquidação de sentença, é inútil apurar quais as anteriores tentativas/propostas da Autora para evitar chegar a juízo; e tendo improcedido o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais alegadamente registados com o incumprimento do Réu, e não tendo ela recorrido dessa improcedência, é inútil apurar se efectivamente os registou ou não.

Assim, e por falta de utilidade, não se conhece do recurso de impugnação da matéria de facto, apresentado pelos Réu (P. J.), relativo aos factos provados enunciados sob os números 12 e 16- que por isso permanecem inalterados.
*
Mantém-se, deste modo, totalmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Compra e venda - Invalidade parcial – Redução

5.1.1.1. Contrato de compra e venda

Lê-se no art. 874º do C.C. que contrato de compra e venda é aquele «pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço» (art. 874º do C.C.).
Logo, no contrato de compra e venda há a transmissão correspectiva de duas prestações: por um lado, o direito de propriedade ou outro direito, e, por outro, o preço (assim se compreendendo que o art. 879º do C.C. afirme que a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa, e a obrigação de pagar o preço).
Mais se lê, no art. 408º, nº 1 do C.C., que «a transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvo as excepções previstas na lei».
Daqui resulta que, para a perfeição do negócio de compra e venda é apenas exigido o encontro das declarações de vontade recipiendas (exige-se que sejam levadas à esfera de poder material do declaratário) das partes. Neste caso, a obrigação do comprador de entregar a coisa, e a obrigação do vendedor de pagar o preço, podem ser cumpridas ulteriormente, sem que isso afecte a perfeição do negócio.

Lê-se ainda no art. 219º do C.C. que «a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir».
Logo, o princípio geral que domina hoje o Direito Civil português é o da liberdade de forma, ou princípio consensualista, isto é, a validade da declaração negocial não depende, em regra, de qualquer formalidade (só existindo a necessidade de observar certo tipo de forma, como condição de validade do acto, quando a lei expressamente o determine).

Por fim, lê-se no art. 875º do C.C. que o «contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública, salvo disposição legal em contrário».
Conclui-se, assim, que o contrato de compra e venda é um contrato: bilateral (com duas partes); oneroso (pois implica sacrifícios económicos para ambas); sinalagmático (existindo duas prestações correspectivas, isto é, ligadas por um nexo de reciprocidade, a obrigação do vendedor de entregar a coisa, e a obrigação do comprador de lhe pagar o respectivo preço); real quoad effectum» (dá-se a transmissão de efeitos reais); e - no caso de bens imóveis - formal (porque a lei exige, salvo casos particulares, que a vontade das partes se manifeste com determinada na forma).
*
5.1.1.2. Nulidade (por falta de forma) – Efeitos

Lê-se no art. 220º que a «declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei».
Mais se lê, no art. 286º do C.C., que «a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal».
Lê-se ainda, no art. 289º, nº 1 do C.C., que «tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente».

Por outras palavras, «a retroactividade da declaração de nulidade, bem como da anulação», obriga «à restituição das prestações efectuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, p. 266).
Ora, isto «está em perfeita coerência com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação. ... Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1). Tal restituição deve ter lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou» (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, p. 616-617).
(No mesmo sentido, Diogo Leite de Campos, in A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, 1974, p. 196, onde se lê que «o regime jurídico da nulidade reflecte a intenção, pelo menos de princípio, de fazer desaparecer as consequências a que o negócio directamente se dirige ... Portanto, uma vez declarado nulo o negócio, a produção dos seus efeitos é excluída desde o início, ex tunc, a partir do momento da formação do negócio, e não ex nunc, a contar da data da declaração da nulidade. O carácter retroactivo da nulidade leva à repristinação da situação criada pelo negócio nulo, voltando-se ao statu quo ante»).

Assim, «uma vez declarado nulo o negócio, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado em consequência do negócio viciado, podendo a prova da prestação, para efeito desta obrigação de restituir, ser feita por qualquer dos meios de prova admitidos em geral na lei» (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, p. 436).
Precisa-se, então, que no caso da nulidade fala-se de retroactividade em sentido impróprio visto que o negócio não chega a produzir efeitos jurídicos, pois verdadeiramente o que está em causa é a retroactividade das consequências de facto (v.g. entrega da coisa) derivadas do negócio (Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2010, 6ª edição, pág. 746).
*
5.1.1.3. Redução

Lê-se no art. 292º do C.C. que a «nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada».

Enuncia-se, assim, a regra da redução do negócio parcialmente inválido: o «negócio só não será reduzido quando se mostrar que, sem a parte viciada, não teria sido concluído», não sendo, por isso, «preciso provar (…) a vontade de limitar os efeitos do negócio» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 267).

Por outras palavras, estabelece-se «uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes. O contraente que retende a declaração e invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento do negócio, era nesse sentido, isto é, que as partes - ou, pelo menos, uma delas - teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade. Se se não fez essa prova - isto é, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou em caso de dúvida – a invalidade parcial não determina a invalidade total» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, Limitada, p. 627).

Nesta definição da vontade hipotética ou conjectural das partes «não se atende ao que elas quiseram efectivamente (vontade real) no momento de celebração do negócio, nem ao que elas querem actualmente (vontade real actual), mas sim aos que elas teriam querido se soubessem que o acto era inválido e não poderia subsistir na sua integralidade.

O apuramento dessa vontade tem de fazer-se casuisticamente, levando em conta as particularidades de cada caso concreto, não sendo aqui de aplicar os critérios próprios da interpretação do negócio» (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, 1983, p. 500 e 501. No mesmo sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, Limitada, p. 626).

Mais se lê, no art. 793º, nº 1 do C.C. que «se a prestação se tornar parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, devendo neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada».

Logo, ficando extinta uma parte da obrigação, por impossibilidade de cumprimento, o devedor cumprirá a sua obrigação na parte em que for possível (tal como no caso da invalidade parcial se reduz o objecto do negócio à parte não afectada pela causa de invalidade), com a consequente redução proporcional da contraprestação da sua parte contrária.

Por fim, lê-se no art. 884º, nº 1 e nº 2 do C.C. que, se «a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global»; e, na «falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação».

Logo, o primeiro caso previsto de redução proporcional do preço é o da nulidade ou da anulação do contrato não determinar a invalidade de todo o negócio; e o segundo poderá ser o da prestação do devedor se ter tornado parcialmente impossível, sem culpa sua.
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5.1.1.4. Incumprimento

Lê-se no art. 406º, nº 1 do C.C., e no que ora nos interessa, que «o contrato deve ser pontualmente cumprido».

Mais se lê, no art. 762º, nº 1 do C.C., que «o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado».
Logo, a não realização desta - o facto objectivo do não cumprimento - tanto pode consistir numa omissão, como numa acção (nos casos de prestação negativa), traduzindo-se a ilicitude, no domínio da responsabilidade contratual, precisamente na relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado.
Precisando, para o contrato de compra e venda, e reproduzindo os arts. 874º e 879º, al. c), ambos do C.C., o comprador cumpre o contrato de compra e venda quando paga o preço devido (previamente acordado) pelos bens que recebeu do vendedor.

Por isso se afirma que qualquer contrato de compra e venda é um contrato sinalagmático, em que à obrigação principal de uma das partes, o vendedor (de entregar a coisa), corresponde a obrigação da outra parte, o comprador (de pagar àquele o preço).

Assente o comportamento (omissão ou acção) objectivo de incumprimento, bem como o seu carácter ilícito, exige ainda a lei que revista carácter culposo: o art. 798º do C.C. impõe a responsabilidade civil contratual ao «devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação», e não ao devedor que singelamente falta àquele adimplemento.
Contudo, e no âmbito da responsabilidade contratual (que não da responsabilidade extra-contratual - conforme art. 487º do C.C.), incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, nº 1 do C.C.).

Por outras palavras, cada uma das partes tem o encargo de provar os factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis.

«Este critério faz com que o encargo da prova caiba precisamente à parte que se encontra em melhor situação para a produzir, e, assim, constitui um estímulo para que a prova seja produzida pela parte que mais perfeitamente pode auxiliar a descoberta da verdade: mostra a experiência que, em regra, quem tem a seu favor certo facto se acautela com meios de prova dele» (Vaz Serra, B.M.J., 110, p. 120).
Acresce que, na responsabilidade contratual, «o dever jurídico infringido está, neste caso, de tal modo concretizado, individualizado ou personalizado, que se justifica que seja a pessoa onerada com a alegação e prova das razões justificativas ou explicativas do não cumprimento» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol,. II, p. 101).
A culpa em causa é apreciada em abstracto, isto é, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (arts. 799º, nº 2 e 487º, nº 2, ambos do C.C.).
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5.1.2. Concretizando, e tal como resulta da estabilizada matéria de facto apurada nos autos, verifica-se que a Autora e o Réu acordaram um único negócio de compra e venda, tendo por objecto quatro prédios (três urbanos e um rústico), que aquela venderia a este pelo preço global de € 47.500,00.

Mais se verifica que as partes chegaram efectivamente a emitir as correspondentes declarações de compra e venda, sendo que para os três prédios urbanos o fizeram por meio da exigível escritura pública de compra e venda, enquanto que para um oitavo do prédio rústico o terão feito apenas de forma verbal.

Com efeito, não foi junto aos autos, nem qualquer das partes invocou a sua existência, documento que corporizasse as declarações de compra e venda relativas ao oitavo do prédio rústico propriedade da Autora; mas no documento que ambas assinaram, e reconheceram como genuíno, datado de 17 de Janeiro de 2014, a Autora inequivocamente declara «para os devidos efeitos que vendi (…) o meu 1/8 da Cortinha a P. J.» (bold apócrifo), e não que o irá vender.

Mais, no mesmo documento refere-se o preço global de todo o negócio - € 47.500,00 -, a quantia já paga pelo Réu por conta dele - € 30.000,00 -, a que fica em falta - € 17.500,00 -, e quando é que este remanescente será pago, sem que se reporte a sua satisfação à necessária «realização da escritura do terreno da Cortinha», referida como mero proforma inidóneo a infirmar a compra já tida como realizada.
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Ora, sendo o contrato de compra e venda de imóveis necessariamente reduzido a escritura púbica, verifica-se que o havido entre a Autora e o Réu, relativo a um oitavo do prédio rústico «Cortinha», é nulo por falta de forma.
Fazendo parte de um - único - negócio de compra e venda mais amplo, e não tendo qualquer das partes alegado que sem a parte viciada o mesmo não teria sido concluído, é passível de redução.

Por outras palavras: «A vende quatro prédios e a venda é nula em relação a um deles. Só deixará de reduzir-se a venda aos três restantes, se se provar que não interessava a algum dos contraentes o negócio assim reduzido» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 267).

Ficando a inicial venda acordada entre as partes limitada a parte do seu objecto, terá de ser reduzido proporcionalmente o preço global antes fixado por elas (no pressuposto da sua integral validade e consumação); e, não tendo sido discriminado o preço parcelar a atribuir ao direito sobre imóvel agora excluído, essa redução terá de ser feita por meio de avaliação, relegada correctamente pelo Tribunal a quo para liquidação de sentença.
*
Por fim, dir-se-á que, tendo ficado assente que o Réu ainda não pagou à Autora a totalidade do preço acordado para os imóveis que lhe adquiriu (onde apenas haverá que subtrair o preço parcelar correspondente ao direito sobre aquele que viria a ficar excluído do negócio), teria de ser condenado nestes autos a fazê-lo, como também correctamente o decidiu o Tribunal a quo; e sem que a Autora fosse condenada, por força das regras da nulidade do negócio, a restituir ao Réu a quantia correspondente ao preço do direito sobre o imóvel que não lhe chegou validamente a transmitir, precisamente porque o Réu soçobrou na prova que lhe competia (isto é, de que o mesmo corresponderia a € 43.500,00, tendo já entregue à Autora por conta dele a quantia de € 26.000,00).
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5.2. Conversão de negócio inválido

5.2.1. Lê-se no art. 292º do C.C. que o «negócio nulo ou anulado pode converte-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a sua invalidade».

Logo, e contrariamente «ao que sucede quanto à redução, a conversão do negócio jurídico situa-se no campo da invalidade total», pretendendo-se com a mesma que «um negócio totalmente nulo ou anulado passe a valer com negócio de conteúdo ou tipo diferente» (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, 1983, p. 500 e 502, com bold apócrifo).

Por outras palavras, a «conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por outro do qual contenha aos requisitos essenciais, não só de substância como de forma». Será, por exemplo, o caso em que «A vende um imóvel a B por escrito particular; esta venda, nula por falta de forma, pode converter-se numa promessa de compra e venda» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 268).

Precisa-se, porém, que para «que possa verificar-se a conversão, não basta que o negócio nulo ou anulado contenha os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio que vai substituí-lo. É ainda necessário, de acordo com a parte final do artigo 293º, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 269, com bold apócrifo).
Logo, importa «realçar aqui um aspecto em que a conversão se afasta da redução. A conversão só pode ter lugar quando se apure uma vontade conjectural conforme com ela; no caso de dúvida a conversão não tem lugar» (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, 1983, p. 503).

No apuramento dessa vontade conjuntural manda agora a «lei atender ao fim visado pelas partes com o negócio jurídico inválido. Isso significa que os efeitos económico-sociais do negócio sucedâneo hão-de assegurar, ainda que de forma mais mitigada ou precária, o fim visado pelas partes com o negócio inválido» (Luís A. Carvalho Fernandes, ibidem).

Precisa-se, por fim, que, existindo no negócio inválido os requisitos de substância e de forma de um outro negócio, e realizando a conversão «uma função de integração da vontade negocial, tendo em vista a finalidade económica e social prosseguida», a mesma não pode porém ir tão longe, nessa função de substituição da «vontade privada na conformação do conteúdo do negócio sucedâneo», quanto uma «estipulação de efeitos negociais que nada têm a ver com o escopo das partes. Aqueles efeitos, na verdade, têm de se manter dentro do domínio negocial fixado e querido pelas partes. Para tal facto, chama a atenção o Professor MANUEL DE ANDRADE, ao afirmar que a conversão se realiza mediante a integração: - “ Mas nunca substituindo-se ou alargando-se o objecto material – digamos – do negócio questionado» (Teresa Luso Soares, A Conversão do Negócio Jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, p. 19 e 20).

«Na impossibilidade de uma conversão, redução ou - tratando-se de negócio anulável - confirmação (as causas de nulidade não admitem confirmação visto não poderem ser sanadas com efeitos retroactivos, como é evidente, p. ex., nos casos de inobservância da forma legal, da falta de vontade ou da contrariedade aos bons costumes), resta apenas a renovação (Neuvornahame) do negócio jurídico. A renovação válida do negócio jurídico não tem efeitos retroactivos, mas apenas efeitos para o futuro (efeitos ex nunc). Confirmação, conversão e redução, pelo contrário, referem-se ao momento da celebração do negócio inválido, tendo por isso, na medida da sua extensão, efeitos retroactivos (efeitos ex tunc)» (Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português. Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, p. 600 e 601).
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5.2.2. Concretizando, e tendo o Réu vindo defender a conversão da declaração escrita da Autora, de que lhe vendera um oitavo do prédio rústico «Cortinha», em contrato promessa de compra e venda do mesmo, verifica-se que falecem totalmente os pressupostos que o permitiriam.

Com efeito, o único negócio de compra e venda de imóveis em causa (com quatro imóveis por objecto, transaccionados pelo preço global de € 47.500,00) não é totalmente inválido, já que relativamente aos três prédios urbanos foi legal e eficazmente concluído.

Acresce que, reportando-se a sua parte inválida a uma declaração de compra e venda meramente verbal, não possui a forma - necessariamente escrita - exigida para a validade de um contrato promessa de compra e venda de direito sobre imóvel, conforme art. 410º do C.C.
(No mesmo sentido, Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, 1983, p. 503, e Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, Coimbra Editora, Limitada, p. 631).

Por fim, e face nomeadamente às gravosas consequências do regime próprio do incumprimento do contrato promessa (de que estes autos seriam, se necessário, o mais cabal e expressivo exemplo !), não se tem a vontade conjectural da Autora como conforme a essa conversão, tal como também o ajuizou o Tribunal a quo.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelo Réu (P. J.).
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VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu (P. J.), e, em consequência, em

· confirmar a sentença recorrida, precisando apenas que a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença não poderá exceder a quantia de capital de € 15.000,00 (peticionada nestes autos por ela).
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Custas da apelação pelo Réu (art. 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 19 de Abril de 2018.


Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha