Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
11/13.6TBCBT-A.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
PERÍCIA COLEGIAL
PERITO ÚNICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: . Em regra as perícias médico-legais são efectuadas por um único perito.
. Serão efectuadas colegialmente, quando o julgador o determinar de forma fundamentada.
. Quando realizadas com a intervenção de três peritos, não são efectuadas por peritos indicados ou nomeados nos termos do artº 468º do CPC, mas sim por peritos médicos do quadro do IML ou contratados e, ainda, por docentes e investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório
A …, Companhia de Seguros, S.A. veio interpor recurso do despacho do Mmo. Juiz a quo que indeferiu o pedido de realização de perícia médica em moldes colegiais e ordenou que se oficiasse ao IML a realização da perícia com a intervenção de um único perito.
Formulou as seguintes conclusões:
1.O douto despacho recorrido, salvo o devido respeito, não decidiu correctamente, não
podendo a recorrente concordar com tal entendimento.
2. Para prova das lesões sofridas pela autora em virtude do acidente de viação em causa, aquela requereu exame pericial a realizar no Gabinete Médico-Legal de Guimarães, tendo a ré aderido ao objecto da perícia proposto pela mesma, com excepção de alguns quesitos e requerido a realização da referida perícia em moldes colegiais, indicando, para o efeito, o seu perito.
3. A ré, como se disse, requereu que a perícia médica se realizasse em moldes colegiais, nos termos do disposto no artigo 468º, nº 1, alínea b), do C.P.C., tendo nomeado, desde logo, o seu perito médico.
4. Ora, face ao disposto na alínea b), do nº 1 e do nº 2, do artigo 468º do Código de Processo Civil, basta que uma das partes requeira a perícia colegial, para que esta deva ser ordenada pelo Mº Juiz.
5. O nº 3, do artigo 467º do C.P.C., dispõe que as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta, mas sem prejuízo da faculdade de qualquer das partes requerer a perícia nos termos mencionados e com referência ao citado artigo 468º, nº 1, alínea b) e nº 2 do C.P.C.
6. Aliás, tal resulta do nº 1 do artigo 467º do C.P.C., o qual dispõe que “A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo Tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.” (sublinhado nosso).
7. E o artigo seguinte – o artigo 468º - na alínea b) do nº 1, prevê, precisamente, a faculdade de qualquer das partes requerer a realização de perícia colegial.
8. Deste modo, o facto de a lei impor que a prova pericial se realize nas delegações ou gabinetes médico-legais, não exclui que alguma das partes possa requerer que a mesma se realize em moldes colegiais.
9. Com efeito, resulta do disposto no artigo 2º, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, que a obrigatoriedade de realização das perícias médico-legais nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina legal, apenas se verifica quanto às perícias singulares, pelo que qualquer das partes, se assim o entender, pode requer a realização de perícia colegial.
10. Assim, como no caso aqui em apreço, a ré requereu que a perícia se realizasse em moldes colegiais e nomeou, desde logo, o seu perito, não tendo havido sequer oposição da autora, o Mº Juiz “a quo” deveria ter deferido tal requerimento, no estrito cumprimento dos referidos preceitos legais, devendo quer a autora e demais réus, quer
o Tribunal, proceder à nomeação dos respectivos peritos.
11. O Mº Juiz “a quo”, ao proferir o douto despacho recorrido, indeferindo a realização
de perícia colegial, violou o disposto nos artigos 467º, nº 1, parte final e 468º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, bem como o disposto no artigo 2º, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto devendo, por isso, ser revogado tal despacho e substituído por outro que admita a realização da perícia, em moldes colegiais, com intervenção de peritos nomeados pelas partes e pelo Tribunal.
A parte contrária não contra-alegou.

II – Objecto do recurso:
Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a decidir é se a primeira perícia médica pode ser realizada em moldes colegiais, quando requerida por uma das partes.

III – Fundamentação
A situação factual é a supra descrita.
A apelante entende que face ao disposto na alínea b) do nº 1 do artº 468º do CPC a perícia médica deve ser realizada em moldes colegiais, desde que uma das partes o requeira.
O Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei 41/2013, manteve quase inalteradas as disposições relativas à prova pericial – artigos 467º a 489º, procedendo quase sempre apenas à actualização das remissões, necessária por força da alteração do número de ordem dos artigos. No entanto, enquanto a alínea b) do artº 590º do CPC na redacção do DL 329-A/95 de 12/12, dispunha, quanto ao regime da segunda perícia, que a segunda perícia seria em regra colegial, excedendo o número de peritos em dois o da primeira, cabendo ao juiz nomear apenas um deles, a actual alínea b) do artº 488º que rege sobre a segunda perícia, não contém disposição paralela (enquanto a alínea a) se mantém inalterada), estatuindo que “quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela”.

As perícias médico-legais, natureza que reveste a perícia em causa, são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta (artº 467º, nº 3 do CPC). O diploma em questão é a Lei 45/2004, de 18/8 e dispõe no seu artº 21º que:
.1. Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são realizados por um único médico perito.
.2. Os exames de vítimas de agressão sexual podem ser realizados sempre que necessário, por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem.
.3. O disposto no nº 1 não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente.
.4. Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, ficando as perícias colegiais previstas no CPC reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

Como articular o disposto no Código Processo Cível com a Lei 45/2004?
Da conjugação do disposto no artº 467/1 e 3 do CPC com o artº 21º da Lei 45/2004 ter-se-á que concluir que, por lei especial relativa a perícias e exames médicos, são afastadas as regras gerais contidas no Código de Processo Civil, relativamente à realização das perícias, sendo em regra a primeira e a segunda perícia médico-legal singulares No mesmo sentido, Acs. do TRG de 19.06.2014 (proc. nº 345/13), onde foi relator um dos srs. Juízes adjunto neste recurso e de 05.06.2014 (proc.400/12), acessíveis em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados, sem indicação de outra fonte. . E, em face da redacção dada ao artº 21º, nº4, da Lei 45/2004, no âmbito das perícias médico-legais, não basta que uma das partes requeira a sua realização nesses termos para que a perícia seja efectuada em moldes colegiais Cf. no mesmo sentido, o acórdão desta Relação, datado de 08.05.2012. , como defende a apelante.
O nº 3 do artº 21º do DL 45/2004 é para os casos em que a perícia colegial é fixada imperativamente Ver a propósito, Ac. do TRG de 03.07.2014, proferido no proc.236/13., o que não é o caso.
As perícias médico legais, só excepcionalmente não serão efectuadas por um só perito quando:
a) – se trate de exames a vítimas de agressão sexual, e disso houver necessidade, podem ser realizados por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem;
b) – o juiz, em despacho fundamentado, determine que a mesma se faça em termos colegiais (nomeadamente nos casos em que a perícia exige um grau de especialização que os peritos médicos da respectiva delegação ou gabinete não possuem);
c) – finalmente, existam normas legais que preceituem, imperativamente, de forma diferente.
E, mesmo quando admissíveis, as perícias colegiais, no âmbito da clínica médico-legal e forense, não são efectuadas por peritos indicados ou nomeados, nos termos do artº 468º do CPC, já que tais perícias são efectuadas por médicos do quadro do Instituto ou contratados nos termos da referida lei (artº 27º, nº 1) ou, eventualmente, por docentes ou investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados pelo Instituto com instituições de ensino públicas ou privadas (nº2 do artº 27º) Cfr. se defende no acórdão da do TRP de 13.12.2012..
No caso, não se vislumbram razões devidamente fundamentadas, nem o apelante as invoca para que seja determinada a realização de uma perícia colegial. E, como se refere no Ac. do TRP de 09.06.2009 Proferido no proc. nº 13492/05. «é indiscutível que, atenta a natural imparcialidade, idoneidade e competência técnica dos referidos peritos médicos, está “ab initio” garantido às partes que essa perícia, quer no que respeita à sua realização, quer no que concerne à elaboração do relatório final e respostas aos quesitos apresentados pelas partes, será, senão de excelente, pelo menos, de muito boa qualidade, tendo em consideração, além do mais que tais peritos têm, necessariamente, no seu curriculum formação específica na área da perícia médico-legal e da avaliação do dano corporal no âmbito do processo civil, cfr. artºs 27º e 28º da Lei 45/2004, de 19.08.»
Deve assim ser mantida a decisão recorrida.

Sumário:
. Em regra as perícias médico-legais são efectuadas por um único perito.
. Serão efectuadas colegialmente, quando o julgador o determinar de forma fundamentada.
. Quando realizadas com a intervenção de três peritos, não são efectuadas por peritos indicados ou nomeados nos termos do artº 468º do CPC, mas sim por peritos médicos do quadro do IML ou contratados e, ainda, por docentes e investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 26 de Março de 2015
Helena Melo
Amílcar Andrade
Manso Rainho