Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2493/05.0TBBCL.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: AVALISTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Nas relações entre os vários avalistas aplica-se o disposto no artigo 32 da L.U.L.L., que determina a forma de reembolso do avalista que paga o crédito avalizado, não se verificando lacuna, não se justificando a aplicação do artigo 3º do C.Comercial.
Decisão Texto Integral: António S... e mulher Maria de F... demandaram Alberto da C... e mulher Maria H... e Manuel B... e mulher Maria J..., pedindo que cada grupo de réus fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 43.904,61€ acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que a 17 de Abril de 1989 foi subscrita pela sociedade R... Malhas Lda, a favor do Banco Nacional Ultramarino S.A., uma livrança no montante de 48.000.000$00 (239.422,99€), e avalizada pelos autores se réus.

Na acção executiva n.º 569/95, que correu termos pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, em que forma demandados todos os seus subscritores, apenas os autores pagaram a quantia exequenda, tendo o direito a receber destes a quota parte sobrante a que se responsabilizaram.
Os réus Alberto da C... e mulher contestaram, alegando, em síntese, que os autores não têm direito de regresso, porque estamos no domínio dum aval colectivo, e são responsáveis pelo pagamento o avalizado e os subscritores responsáveis pelo pagamento perante o avalizado e nunca os co-avalistas.

No despacho saneador sentença foi decidido julgar procedente a questão prévia e improcedente a acção.

Inconformados com o decidido, os autores interpuseram recurso de apelação formulando conclusões.

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Damos como assente a matéria de facto da decisão impugnada, ao abrigo do disposto no artigo 713 nº6 do CPC., com destaque para a que passamos a transcrever:

Releva para o caso a seguinte factualidade que por acordo das
partes e pelos elementos e documentos juntos aos presentes autos e processo de execução cuja apensação foi temporariamente determinada:

a) Em 17 de Abril de 1989, foi subscrita pela sociedade “R... – MALHAS, LDA.ª” a favor BANCO NACIONAL ULTRAMARINO, S.A., uma livrança no montante de 48.000.000$00 (€239.422,99), com data de vencimento para 26 de Outubro de 1995.
b) Tal livrança subscrita à ordem do Banco Nacional Ultramarino, S.A. foi avalizada a favor da sociedade “R... – MALHAS, LDA.ª” pelo Autores e Réus – doc. de fls. 286 e s.
c) Apresentada a pagamento na data do seu vencimento, 26.10.1995, não foi a mesma paga por nenhum dos seus obrigados cambiários.
d) Em consequência do não pagamento, foi a referida livrança apresentada à execução, cujo processo correu termos sob o n.º 569/95, do 1º juízo cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos.
e) A referida quantia apenas veio a ser paga pelos Autores, que pagaram a quantia exequenda, acrescida dos devidos juros legais, no montante de €111.601,65 (22.374.121$00).

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se o avalista que paga a quantia avalizada ou parte dela tem direito a reaver uma quota parte dos outros avalistas nos termos do artigo do artigo 32 da L.U.L.L., conjugado com o disposto no artigo 77 do mesmo diploma por aplicação do instituto da fiança

A decisão recorrida, citando doutrina e jurisprudência, defende que o avalista que paga o título de crédito avalizada não tem direito a reaver parte da quantia paga dos outros avalistas, nos termos do artigo 32 da L.U.L.L., mas apenas do avalizado ou daqueles que subscreveram o título e são responsáveis perante o avalizado. Não é de aplicar o regime jurídico da fiança a este caso, por analogia, porque não estamos perante uma lacuna da lei. Só assim não será se os avalistas definirem um acordo sobre a responsabilidade de cada um perante o pagamento de um deles. Mas este convénio vale no plano das relações extracartulares e como tal terá de ser invocado, o que não foi no caso sub judice.

Por sua vez os autores recorrentes defendem o oposto, citando também doutrina e jurisprudência, que destacam a aplicação automática do regime jurídico da fiança, havendo uma presunção de responsabilidade igualitária entre eles porque se está no domínio das obrigações solidárias.

É uma questão que já vem sendo discutida na doutrina e jurisprudência, tendo-se defendido, inicialmente, uma aplicação analógica ao caso, do regime jurídico da fiança, que não contrariava o disposto no regime jurídico do direito cartular, mais concretamente o artigo 32 da L.U.L.L. (Ac. STJ. 22/04/54, BMJ 43/536; Ac. STJ. 16/03/56 BMJ, 55/299; Ac. STJ. 27/11/62 BMJ 121/355; Ac. STJ. 7/7/1999, Col. Jur. (STJ) 1999, Tomo III, pag. 14 16; Ac. STJ 24/10/2002, Col.Jur. (STJ) 2002, Tomo III, pag. 121 a 123;)

Mas, paulatinamente, foi-se gerando outra corrente doutrinária e jurisprudencial, que defende o oposto, no sentido de que não é de aplicar o regime jurídico do direito comum, mais concretamente o da fiança, porque não estamos perante uma lacuna da lei, não sendo defensável a analogia. O artigo 32 da L.U.L.L. prevê a situação concreta do reembolso do avalista que paga o crédito avalizado. É possível lançar mão do instituto da fiança desde que os avalistas tenham previsto esta situação numa relação extracartular (Ac. STJ. 25/07/78, BMJ. 279/214; Ac.STJ. 27/10/2009, Col. Jur. (STJ) 2009, pag. 103; Ac.STJ. 23/11/2010, www.dgsi.pt.).

No fundo o que se discute é se é de aplicar, subsidiariamente, o direito civil ao caso, nos termos do artigo 3º do C. Comercial, porque estamos no domínio duma relação jurídica materialmente comercial.

Esta questão pressupõe analisar se estamos perante uma lacuna, omissão da ordem jurídica, que necessite de ser integrada.

No caso em apreço, o aval traduz-se numa garantia especial, autónoma do crédito avalizado, apesar do seu conteúdo estar limitado por ele. A extinção do crédito avalizado só se repercute na relação de aval se porventura a sua nulidade emergir de vício de forma.

O aval visa garantir o pagamento do crédito incorporado no título, para uma maior segurança na circulação dos títulos de crédito, em que predomina a segurança do credor perante o devedor.

No caso de haver vários avalistas ao mesmo devedor, cada aval traduz-se numa garantia autónoma perante as outras. O que interessa é que o credor tenha uma gama de patrimónios a garantirem o seu crédito, o que potencia uma maior segurança e celeridade na celebração dos negócios cartulares e na circulação do crédito, fim último do direito comercial.

Assim, o artigo 32 da L.U.L.L. prevê a garantia do crédito e o reembolso do avalista, no caso de pagar o crédito avalizado. E fá-lo apenas relativamente ao devedor avalizado e outros subscritores do título que sejam responsáveis perante o avalizado, a quem pode demandar na totalidade do que pagou.

E esta forma de protecção prevista ao avalista é suficiente para o direito comercial, porque centra-se na protecção do credor e não do devedor. O avalista não é mais do que um garante do devedor e cumprindo a sua função, esgota-se o fim do aval, como relação cartular e atinge-se o escopo do direito cambiário que se insere no direito comercial.

O que quer dizer que a situação foi prevista, na medida em que o avalista não ficou desprotegido, podendo demandar o avalizado e outros subscritores do título responsáveis perante o avalizado.

Não há qualquer lacuna da lei, mas uma regulação diferente de garantias materialmente diferentes, porque inseridas em ramos jurídicos diferentes. Assim se explica a sua diversidade, não se justificando a aplicação do regime jurídico civil ao comercial, neste caso à relação do aval.

Assim sendo, seguimos a jurisprudência do STJ, plasmada na decisão recorrida, que neste momento é dominante, sobrepondo-se à anterior, porque julgamos que é a que melhor se adequa ao caso. Pois, o direito comercial, neste ponto, previu a situação, não se justificando socorrer-se, subsidiariamente, do direito civil.

Incumbe aos avalistas, num negócio extracartular, definirem as regras aplicáveis às suas relações internas. É uma questão pessoal, tendo autonomia para dizerem a forma como querem que seja resolvida, no caso de um pagar o crédito cartular. Se nada disserem, aplicam-se as regras do artigo 32 da L.U.L.L.