Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2203/12.6YIPRT.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE AUQUITECTURA
HONORÁRIOS
LAUDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - A obra incorpórea ou intelectual mostra-se subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil, no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço. E, por realização de uma obra não se pode prescindir de um resultado material, o qual é um elemento essencial da empreitada, não se coadunando com a protecção inerente ao direito de autor.
2 - A realização de um trabalho de arquitectura, ou qualquer outra obra de natureza intelectual configura, pois um contrato de prestação de serviços inominado, na medida em que nele o autor se obrigou a proporcionar à ré o resultado do seu trabalho intelectual, mediante retribuição - art.º 1154.º do Código Civil – e ao qual se aplicam, supletivamente, as regras do mandato, tal como resulta da sentença recorrida.
3- Não tendo as partes ajustado qualquer montante a título de honorários, pode o Tribunal socorrer-se das tarifas profissionais em vigor, na falta destas, os usos e, na falta de umas e outros os juízos de equidade, lançando mão dos critérios fixados pelo Estatuto da Ordem dos Arquitetos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO
A…, residente na rua…., Viana do Castelo Sob o n.º 2203/12.6YIPRT, veio, propor uma injunção, no valor de € 40.352,10, contra “P…, LDA.”, com sede na rua de…, Moita.
Foi apresentada oposição à injunção por parte da Ré.
Dado o valor em causa, o processo passou a correr termos no Tribunal de Viana do Castelo, aplicando-se a forma de processo comum ordinário.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência, condena-se a Ré “P…, LDA.” a pagar ao Autor A… a quantia de € 40.352,10 (quarenta mil trezentos e cinquenta e dois euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação da Ré até integral pagamento.
Custas a cargo da Ré.
Registe e notifique.
Discordando dessa decisão, dela interpôs recurso a ré, tendo, nas suas alegações, formuladas as seguintes
Conclusões:
A) Com efeito, foi dado como provado, e para o que ao caso interessa, que no exercício da sua actividade o Recorrido efectuou trabalhos da sua especialidade, a pedido da ora Recorrente.
B) E que esses pedidos se destinavam à instrução de um pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal da Moita.
C) Resultou efectivamente provado que a Recorrente apenas solicitou a elaboração de um pedido de informação prévia – nada mais.
D) Sendo até reconhecido pela testemunha arrolada pelo ora Recorrido de nome A… que disse que é hábito fazer-se mais do que necessário para a obtenção do pedido de informação prévia.
E) O que resulta claramente deste depoimento é que a Recorrente não pediu nada mais para além do pedido de informação prévia, apesar do Recorrido agora lhe exigir os trabalhos que fez a mais.
F) Não foi dado como provado, que as partes tenham acordado qualquer preço para os trabalhos pedidos pela Recorrente.
G) A sentença qualificou o contrato celebrado entre as partes como de mandato.
H) E deu particular relevância ao laudo emitido pela Ordem dos Arquitectos, junto aos autos, sendo que tal laudo foi no sentido de que apenas em função do pedido de informação prévia com base no trabalho do Recorrido, os honorários adequados seriam de € 61.882,98.
I) Não analisou a sentença foram as premissas – erradas diga-se – que serviram de base à determinação daquele preço pela Ordem dos Arquitectos, que infra se irá explanar.
J) A sentença impugnada viu nestes factos a conclusão de um contrato de prestação de serviço atípico ou inominado a que, por força daquela atipicidade e desta inominação, seriam aplicáveis, por extensão de regime, as regras, devidamente reconformadas, do contrato de mandato (artº 1156 do Código Civil).
K) A construção ou a remodelação de edifícios ou de outras construções dá frequentemente lugar a vários contratos muitas vezes celebrados com pessoas diferentes: um contrato de elaboração de projectos concluído, por exemplo, com um engenheiro ou um arquitecto; um contrato de direcção de obra – também designado por contrato de assistência técnica – celebrado, por exemplo, com um engenheiro, um contrato de empreitada, concluído com um empreiteiro; um contrato de fiscalização da obra, através do qual dono desta comete a faculdade que a lei lhe reconhece de a fiscalizar, que tem, naturalmente, por fim evitar que a obra seja executada com vícios ou defeitos (artºs 1207 e 1209 nºs 1 e 2 do Código Civil).
L) Na espécie do recurso, o Recorrido, por acordo com a Recorrente, vinculou-se para com este, a elaborar, mediante uma contrapartida económica, um pedido de informação prévia.
M) Desde que o autor se obrigou, em relação ao réu, a elaborar, mediante uma contrapartida económica, um projecto de arquitectura, estamos decerto face a um contrato de prestação de serviço – mas a um contrato típico e nominado de empreitada (artº 1207 do Código Civil).
N) O autor alegou que se convencionou, como contrapartida da sua prestação de obra, como preço, a quantia de € 37.500, acrescido do IVA.
O) Mas um tal facto – cuja prova competia lhe competia – não se demonstrou, tendo-se provado apenas que se convencionou uma contrapartida económica.
P) A sentença aceitou como bom os laudos / pareceres da Ordem dos Arquitectos.
Q) Em primeiro lugar, tendo-se por certo que, no caso, não existem tarifas profissionais, o autor nem sequer alegou a existência de quaisquer usos – nem, de resto, qualquer facto relativo à complexidade, técnica ou outra, do projecto, ao tempo gasto no seu estudo e execução, etc.
R) Nos termos gerais, os usos exercem a função de interpretar e de completar os actos jurídicos, considerando-se as cláusulas de uso incluídas no negócio, excepto se forem deliberadamente excluídas pelas partes.
S) Em qualquer caso, sendo a existência e o uso – qualquer uso - matéria de facto, a sua alegação e prova deve ser feita por aquele que desse uso se quer prevalecer (artº 342 nº 1 do Código Civil).
T) Manifestamente o autor não cumpriu como devia – e logo na instância recorrida – um tal ónus de alegação e de prova.
U) No caso, a remuneração devida ao recorrente pela prestação da obra não se mostra fixada administrativamente e ignora-se – por nem ter sido objecto de alegação – a remuneração normalmente praticada pelo autor à data da conclusão do contrato, ou o preço comummente praticado para a realização de obras daquele tipo, no momento e no lugar do cumprimento da prestação do dono da obra: resta, como ultima ratio, a fixação daquela remuneração deve operar segundo um critério não normativo - o da equidade.
V) E não se diga que o parecer emitido pela Ordem dos Arquitectos poderá servir de prova.
W) Não só porque a Ordem dos Arquitectos tem como fim a defesa dos arquirtectos,
X) Como o parecer enferma de erros grosseiros.
Y) Pois, não tem em devida conta o que resultou provado no processo.
Z) Ou seja, que a Recorrente solicitou ao Recorrido, tão-só, um pedido de informação prévia.
AA) E não todo o trabalho que foi realizado de motu próprio pelo Recorrido.
BB) Em contradição com o que é referido no próprio parecer a fls 211 “”(…) a remuneração do arquitecto deve ser calculada em função das tarefas que lhe são confiadas (…)” (sublinhado nosso).
CC) O pedido de informação prévia permite a obtenção de informação sobre:
• Viabilidade de realização de determinada operação urbanística;
• Respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas, restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas (altura das fachadas), afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à realização da obra.
DD) Este foi o primeiro erro.
EE) O segundo, e de não menos importância, é que utilizou como critério o definido em legislação revogada.
FF) E com base nessa legislação revogada considerou como o critério o valor da previsão geral do custo de obra de € 3.573.066,00, que aplicando a percentagem de € 4,95%, perfaz os honorários de € 61.828,83 ao que o Recorrido aplicou um desconte de 40% que perfazia a quantia de € 37.500.
GG) Primeiro apenas foi pedido um pedido de informação prévia relativamente ao que ali podia ser construído e nada mais.
HH) Nunca foi pedido que se determinasse o custo de obra.
II) Esse custo de obra foi determinado pela própria pessoa que ia receber os seus honorários sobre 4,95% desse valor.
JJ) Nunca foi realizada qualquer obra.
KK) Sendo que pela razões acima aduzidas não se poderá falar do parecer / laudo efectuado pela Ordem dos Arquitectos para aceitar como válido o preço determinado pelo Recorrido.
LL) Resta, como ultima ratio, a fixação daquela remuneração deve operar segundo um critério não normativo - o da equidade.
MM) Mas a ausência da prova dos factos relativos aos parâmetros de determinação da remuneração devida ao requerente, não autorizavam que a sua fixação fosse logo feita, por recurso a juízos de equidade, na sentença final da causa.
NN) Dito doutro modo: o non liquet quanto ao valor da remuneração indubitavelmente devido ao autor não justifica, desde já, o recurso, para a sua fixação, a um juízo equitativo.
OO) Na verdade, há que relacionar as regras substantivas de determinação da prestação em geral, e da obrigação de pagamento do preço, em particular, com as regras adjectivas relativas à condenação genérica.
PP) Constitui ocorrência ordinária, o juiz chegar à sentença e verificar que, devendo condenar odemandado, o processo não lhe fornece, porém, os elementos necessários para determinar o objecto ou a quantidade da condenação.
QQ) Em face desses factos, só lhe resta uma solução jurídica: proferir uma condenação genérica, quer dizer, condenar o réu no que se vier a liquidar (artº 661 nº 2 do CPC de 1961 e 609 nº 2 do NCPC).
RR) A condenação genérica no cumprimento de uma prestação pode, assim, dar lugar à incerteza ou à iliquidez da obrigação.
SS) Mas, mesmo neste caso, faltaria também – desde logo por falta de alegação – a prova dos factos susceptíveis de integrar os critérios dispostos na lei para a fixação da remuneração devidaao autor.
TT) Violou a sentença os art.ºs 346, 2.ª parte, 1158.º, n.º 2, 1156.º do Código Civil e art.ºs 609.º, n.º 2 e 744.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão que assim não entendeu substituindo-se a mesma por uma decisão que reconheça a existência do direito de crédito sobre a herança, tudo o mais com as consequências legais,
Com o que se fará a costumada JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e com efeito devolutivo, decisão que foi mantida por despacho proferido neste Tribunal da Relação.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir

Sendo o objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 636, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 4, CPC), importa decidir, qual é à subsunção jurídica face à matéria de facto dada como provada e respectiva consequência(s) juridica(s)

Fundamentação
A) De facto
FACTOS ASSENTES E NÃO ASSENTES
A) - O Autor é arquitecto.
B) - A Ré é uma firma imobiliária que se dedica à compra, venda e construção de imóveis.
C) - No exercício da sua actividade o Autor efectuou trabalhos da sua especialidade, a pedido da Ré.
1 - Os serviços prestados destinavam-se à instrução de um pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal da Moita, com vista ao projecto de arquitectura, tendo aquele incluído a elaboração de imagens tridimensionais.
2 - O trabalho referido em 1 englobou desenhos, estudos, plantas e pareceres.
3 - O pedido de informação prévia foi deferido pela Câmara Municipal da Moita em 21 de Maio de 2010.
4 - A 16 de Agosto de 2011, o advogado do Autor remeteu à Ré carta registada com aviso de recepção, solicitando o pagamento dos trabalhos de arquitectura e imagens tridimensionais relativos à informação prévia no valor de € 37.500,00, acrescido de IVA, no total de € 46.125,00.
*
Não se provou:
- que as partes tenham acordado que o preço dos serviços a prestar pelo Autor seria de € 37.500,00;
- que o projecto camarário de construção tenha sido concluído;
- que a obra a que se destinava o projecto tenha sido concluída;
- que Autor e Ré tenham acordado que o pagamento dos serviços do Autor ocorreria aquando da celebração da escritura pública que transmitisse a propriedade do imóvel;
- que tal escritura ainda não tenha ocorrido até à data;
- que o preço acordado pelas partes tenha sido de € 5.000,00;
- que o Autor nunca tenha interpelado a Ré para pagar o montante de € 37.500,00.
B) De Direito
Conforme resulta das conclusões supra transcritas a matéria de facto não foi impugnada, pelo menos nos termos legalmente previstos, pelo que os factos se devem ter por correctamente apurados na instância recorrida.
Importa então proceder à subsunção jurídica face à matéria de facto dada como provada, começando por ponderar sobre a qualificação do contrato em causa.
Não se colocam quaisquer dúvidas a este Tribunal, que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de prestação de serviços, atento o disposto no art. 1154 nº 1 do CC, pois acordaram as partes que o autor proporcionaria à ré um determinado resultado, em função da acção desenvolvida, obtendo, como contrapartida, uma retribuição. Estamos perante um contrato oneroso e sinalagmático, na medida em que à realização do serviço pelo A corresponde o pagamento do preço pelo beneficiário dessa prestação.
Os serviços prestados pelo A são incindíveis dos conhecimentos técnicos e científicos inerentes à sua qualidade profissional e a representação demonstrada apenas se restringe à especificidade desses conhecimentos.
Com efeito, provou-se que: O Autor é arquitecto. A Ré é uma firma imobiliária que se dedica à compra, venda e construção de imóveis.No exercício da sua actividade o Autor efectuou trabalhos da sua especialidade, a pedido da Ré. Os serviços prestados destinavam-se à instrução de um pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal da Moita, com vista ao projecto de arquitectura, tendo aquele incluído a elaboração de imagens tridimensionais. O trabalho referido em 1 englobou desenhos, estudos, plantas e pareceres.
Foram estes serviços, emergentes dos seus conhecimentos, na qualidade de arquitecto, que caracterizam a actividade desenvolvida.
Ao contrário do referido pela recorrente não se provaram a existência de trabalhos a mais, antes os que foram feitos estavam incluídos e englobados na instrução do pedido de informação prévia (ver factos Provados).
Assente a prestação de serviços, atentemos nas suas especificidades.
Não tem sido unívoco na doutrina e na jurisprudência o entendimento sobre a qualificação do contrato sempre que está em causa, nomeadamente, a realização de um trabalho de arquitectura, ou qualquer outra obra de natureza intelectual.
É que, como se sabe, os projectos de arquitectura embora exteriorizados num suporte material, constituem o produto de um trabalho intelectual, sendo uma criação do espírito, e que goza, por isso, da protecção própria do regime do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos – v. artigos 2.º n.º 1, alíneas g) e l), 10.º n.º 1, 25.º, 60.º, 159.º e 161.º do Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Maio e alterações subsequentes.
Segundo uma corrente doutrinária e jurisprudencial, o conceito de obra previsto na empreitada é amplo e abarca as obras incorpóreas ou intelectuais, coadunando-se com o sentido corrente do termo, tal como é aceite em ordenamentos jurídicos estrangeiros. E, como a palavra “obra” utilizado no artigo 1207º do Codigo Civil não distingue entre obra material e obra de engenho ou intelectual, não existe razão para que alguma distinção seja feita pelo intérprete – cfr. A. FERRER CORREIA E M. HENRIQUE MESQUITA, em anotação ao Ac. STJ de 03.11.1983, ROA 45 (1985), I, 113 e ss. No mesmo sentido se pronunciou JORGE DE BRITO PEREIRA, Do Conceito de Obra no Contrato de Empreitada, ROA, 54 (1994), II, 569 e ss., para quem a essencialidade normativa decorrente da análise das normas contidas no regime da empreitada consagrado no Código Civil, quer ao nível das obrigações principais – obrigação de atingir um resultado material contra o pagamento de um preço – quer ao nível dos termos de execução, está presente no contrato pelo qual alguém se obriga perante outrém a realizar certa obra intelectual.
Defende outra corrente um conceito restrito de “obra”, entendendo que a obra incorpórea ou intelectual se mostra subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil, no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço. E, por realização de uma obra não se pode prescindir de um resultado material, o qual é um elemento essencial da empreitada, não se coadunando com a protecção inerente ao direito de autor – v. neste sentido João Calvão da Silva, também em anotação ao citado Ac. STJ de 03.11.1983, ROA 47 (1987), I, 129 e ss., PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, II, anotação ao artigo 1207º, 703 e ANTUNES VARELA, Parecer, ainda a propósito do Ac. STJ de 03.11.1983, ROA 45 (1985), I, 159 e ss. e Acs. STJ de 17.6.1998, BMJ 478, 351 e ss.; de 09.02.2006 (05B457); de 21.11.2006 (06A3716), estes últimos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
Em síntonia, igualmente se pronunciou J. BAPTISTA MACHADO, em anotação ao Ac. STJ de 09.11.1983, RLJ 118º (Nº 3738), 271-2282 e (Nº 3739), 317-320, considerando que, no contrato de elaboração de estudos e projectos de aquitectura, as prestações típicas são o resultado ou produto de um trabalho intelectual, e não uma obra ou resultado material, configurando, por isso, um contrato de prestação de serviços, mas atípico ou inominado, ao qual, no entanto, defende a aplicação, com as devidas adaptações, do regime da empreitada, no que concerne à responsabilidade por defeitos da obra, impossibilidade de execução, desistência do dono da obra ( artigos 1221º e ss., 1227º, 1229º, todos do C.C.)
Aderindo-se à segunda tese supra mencionada, entende-se -se que o contrato em causa configura, efectivamente, um contrato de prestação de serviços inominado, na medida em que nele o autor se obrigou a proporcionar à ré o resultado do seu trabalho intelectual, mediante retribuição - art.º 1154.º do Código Civil – e ao qual se aplicam, supletivamente, as regras do mandato, tal como resulta da sentença recorrida.
Assim caracterizado o contrato celebrado entre autor e ré, afastada se mostra a qualificação jurídica, por este última preconizada (Conclusão M) da alegação de recurso).
Os factos provados integram, pois, os pressupostos do contrato de mandato, no exercício da profissão de arquitecto, presumindo-se oneroso, nos termos do art. 1158 nº 1, 2ª parte, do CC, harmonizando-se com a legislação especifica que regulamenta esta actividade.
Face ao disposto no art.º 406º CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, ou seja, não só devem ser cumpridos a tempo, mas também “exactamente” ou “ponto por ponto”, no sentido de a prestação dever ser efectuada integralmente, conforme o convencionado (cf. A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 13 e segs.).
O art. 799 nº1 CC estabelece uma presunção de culpa que onera o devedor, a quem incumbia demonstrar que a falta de cumprimento não se deve a culpa sua, “(…)que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelos que em face das circunstâncias empregaria um bom pai de família (…)” .- Cf. Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 331.
Assim, considerando o regime geral que define os pressupostos da responsabilidade contratual, conclui-se que, in casu, não afastou a Ré a aplicação do art. 799.º, n.º 1, sendo por isso, face ao disposto no art. 798.º, responsável pelo prejuízo que o seu incumprimento causa ao Autor.
Resta pois - e face à natureza onerosa do contrato - determinar o "quantum" devido pela ré.
Não se provou o preço dos trabalhos.
Como se refere na decisão recorrida Embora ambas as partes alegassem um determinado preço para o contrato, como remuneração do Autor, nenhuma delas logrou provar qual foi ele; por isso, tem aqui integral aplicação o disposto no art. 1158.º, n.º 2: se a prestação de serviços for onerosa, “a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade”.
Ora no que diz respeito à fixação de honorários, não há neste momento tarifas profissionais, dado que estas são contrárias à concorrência, tendo as tabelas remuneratórias previstas na Portaria de 07/02/1972 sido entretanto revogadas pela Portaria nº 701-H/2008, de 29 de Julho.
Também o autor nem sequer alegou a existência de quaisquer usos – nem, de resto, qualquer facto relativo à complexidade, técnica ou outra, do projecto, ao tempo gasto no seu estudo e execução, etc, nos termos referidos pela recorrente.
E sendo a existência e o uso – qualquer uso - matéria de facto, a sua alegação e prova deve ser feita por aquele que desse uso se quer prevalecer (art.º 342 nº 1 do Código Civil..
Depois, o objecto da causa e do recurso, é uma prestação de serviço de direito privado e não de direito público uma vez que nenhuma das partes é contraente público. Não se lhe são, por isso, aplicáveis, directamente, ou sequer por via subsidiária, as normas que regulam o cálculo de honorários devidos pela execução de projectos de obras públicas: os parâmetros relevantes.
Resta-nos pois fixar os honorários com o recurso à equidade.
E neste particular temos nos autos os seguintes elementos
No exercício da sua actividade o Autor efectuou trabalhos da sua especialidade, a pedido da Ré.
Os serviços prestados destinavam-se à instrução de um pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal da Moita, com vista ao projecto de arquitectura, tendo aquele incluído a elaboração de imagens tridimensionais.
O trabalho referido em 1 englobou desenhos, estudos, plantas e pareceres.
O pedido de informação prévia foi deferido pela Câmara Municipal da Moita em 21 de Maio de 2010.
E temos também o “ laudo que foi pedido à Ordem dos Arquitectos nos termos descriminados na acta que consta dos autos, despacho esse que não mereceu qualquer censura, o qual nos permite julgar em equidade considerando que a equidade se traduz na observância das regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros de justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes.
O tribunal pode julgar através do recurso à equidade, por razões de conveniência, de oportunidade e, principalmente, de justiça concreta, mesmo que não se torne viável averiguar o valor exacto dos danos, desde que se obtenha o mínimo de elementos de facto certos sobre a natureza daqueles e sobre a sua extensão, que orientem um cálculo objectivamente sindicável e, por via disso, o menos arbitrário possível e permitam a sua computação em valores próximos daqueles que realmente lhe correspondem. ACRCoimba de 20.01.2015 proferido no processo 69/13.8 TBLSA.C1
Vem posto em causa pelo recorrente a valoração dada pelo tribunal recorrido ao Parecer em causa, dizendo-se que:
Não só porque a Ordem dos Arquitectos tem como fim a defesa dos arquitectos,
Como o parecer enferma de erros grosseiros.
Y) Pois, não tem em devida conta o que resultou provado no processo.
Z) Ou seja, que a Recorrente solicitou ao Recorrido, tão-só, um pedido de informação prévia.
AA) E não todo o trabalho que foi realizado de motu próprio pelo Recorrido.
BB) Em contradição com o que é referido no próprio parecer a fls 211 “”(…) a remuneração do arquitecto deve ser calculada em função das tarefas que lhe são confiadas (…)” (sublinhado nosso).
CC) O pedido de informação prévia permite a obtenção de informação sobre:
• Viabilidade de realização de determinada operação urbanística;
• Respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas, restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas (altura das fachadas), afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à realização da obra.
DD) Este foi o primeiro erro.
EE) O segundo, e de não menos importância, é que utilizou como critério o definido em legislação revogada.
FF) E com base nessa legislação revogada considerou como o critério o valor da previsão geral do custo de obra de € 3.573.066,00, que aplicando a percentagem de € 4,95%, perfaz os honorários de € 61.828,83 ao que o Recorrido aplicou um desconte de 40% que perfazia a quantia de € 37.500.
GG) Primeiro apenas foi pedido um pedido de informação prévia relativamente ao que ali podia ser construído e nada mais.
HH) Nunca foi pedido que se determinasse o custo de obra.
Mas há boas razões para ter esta alegação por improcedente.
Nas acção de honorários, é usual solicitar-se um “laudo” pedido às respectivas Ordens o qual reveste a natureza de “parecer”, peça escrita, sem eficácia probatória, cuja função útil é a de contribuir para esclarecer o julgador e que, como tal, se encontra sujeito à sua livre apreciação.
Não obstante, sendo elaborados por profissionais, é manifesto que não se lhes pode negar a autoridade de quem tem um conhecimento específico sobre a matéria, susceptível de aferir, com elevado grau, da razoabilidade e adequação do valor constante da nota de honorários.
De facto são elaborados por profissionais do mesmo ramo de actividade do agente cujos serviços prestados se pretendeu quantificar sob o ponto de vista económico, e é manifesto que ninguém melhor do que os seus subscritores têm conhecimentos técnicos susceptíveis de permitir aferir, com um elevado grau de precisão, o valor económico àqueles correspondente.
Face ao exposto, o parecer em causa é também mais um elemento para considerar o montante dos honorários pedidos pelo autor.
E, se é certo que tal parecer não é vinculativo, não só porque não pode ser entendido como coercivo para o tribunal, a verdade é que é do mesmo consta um entendimento que deve merecer a máxima atenção, dada a particular qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da OA que o proferiram e as apertadas regras deontológicas que presidem à sua actividade, para além de que nele foram levados em conta e apreciados os serviços que, de acordo com o que resulta da factualidade provada, foram prestados pelo A. ao R. no âmbito da actividade profissional do primeiro.
Porém, nesta sede recursiva, a recorrente alega que quem elaborou o Laudo ignorou por completo os termos acordados entre as partes
Sucede que, notificados do teor do Laudo nunca a ré ao longo de todo o processo colocou em causa o Laudo junto aos autos elaborado pela Ordem dos Arquitectos, já que nunca impugnou o valor aí fixado, os critérios utilizados na elaboração do mesmo, ou sequer os documentos que serviram de base à sua elaboração. Como tal, essa questão agora levantada em sede de recurso, nem sequer mereceu a apreciação do tribunal “a quo”, razão pela qual, tratando-se de uma questão nova, não poderá ser apreciada em sede de recurso, como é bom de ver.
Consideramos, por isso, o Laudo realizado válido e eficaz nos seus precisos termos, quer quanto aos valores fixados para os serviços prestados pelo autor quer quanto a todos os elementos (peças processuais e documentos) que serviram de base à sua elaboração e que veio a confirmar os valores monetários solicitados pelo autor a título de honorários, em face dos serviços judiciais a pedido da ré.
Com efeito, o autor provou a prática de vários actos no âmbito do serviço que lhe foi solicitado pela ré, onde despendeu tempo e dinheiro, tendo portanto, direito à sua remuneração.
E não se diga que o parecer se baseou em legislação revogada.
É verdade que ponderou os honorários de acordo com a formula de calculo que o autor apresentou (as denominadas ICHOP que assinalou como método revogado) todavia finalizou por considerar que o valor apresentado como honorários, sem estar aferido pela formulado de calculo usada pelo autor- é ajustado e razoável face aos valores normalmente prestados no mercado para este tipo de projecto. Não podemos esquecer que se trate de um projecto especifico com utilizaçõe diversas e de alguma complexidade ( cfr fls 213 dstes autos)
Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido em ancorar-se em tal Parecer da OA para proceder à fixação dos honorários no montante determinado na decisão recorrida devido pela Ré. ao A. em consequência dos serviços de arquitectura por este prestados aquela, montante este que também no entender deste tribunal de recurso se reputa justo, tendo em conta que se compreende dentro dos parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário que devem ser observados pelos arquitectos na fixação dos respectivos honorários, conforme salientado no laudo em apreço.
Seguindo este critério, que parece adequado e válido também para o caso dos autos, afigura-se-nos que de nada serviria relevar o quantum da condenação para ulterior incidente de liquidação, pois que não se vê que outras provas pudessem ser apresentadas pelas partes que o não tenham sido até decisão recorrida.
Com efeito, se o A., arquitecto que reclama o pagamento de honorários por serviços da sua profissão, não apresentou mais provas na acção foi provavelmente por delas não dispor, o mesmo se podendo dizer da R., atenta até a sua posição de reiterada negação, que só não apresentou outras provas por, com toda a probabilidade, as não possuir.
Assim sendo, não se vê que outras provas pudessem obter-se para além das já adquiridas para os autos, termos em que o relegar das partes para ulterior incidente de liquidação só viria atrasar a solução definitiva do litígio, posto que, à míngua de outros factos, teria de lançar-se mão, finalmente, de juízos de equidade, pelo que pertinente se torna convocá-los desde já, como o fez o Tribunal recorrido.

Sumário (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1 - a obra incorpórea ou intelectual mostra-se subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil, no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço. E, por realização de uma obra não se pode prescindir de um resultado material, o qual é um elemento essencial da empreitada, não se coadunando com a protecção inerente ao direito de autor.
2 - a realização de um trabalho de arquitectura, ou qualquer outra obra de natureza intelectual configura, pois um contrato de prestação de serviços inominado, na medida em que nele o autor se obrigou a proporcionar à ré o resultado do seu trabalho intelectual, mediante retribuição - art.º 1154.º do Código Civil – e ao qual se aplicam, supletivamente, as regras do mandato, tal como resulta da sentença recorrida.
3- Não tendo as partes ajustado qualquer montante a título de honorários, pode o Tribunal socorrer-se das tarifas profissionais em vigor, na falta destas, os usos e, na falta de umas e outros os juízos de equidade, lançando mão dos critérios fixados pelo Estatuto da Ordem dos Arquitetos.

DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique
Guimarães, 05 de Março de 2015
Maria Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade