Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
147/1998.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: INVENTÁRIO
LICITAÇÕES
AVALIAÇÃO DOS BENS
RENÚNCIA
BEM DOADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) A fundamentação das decisões judiciais não tem de ser - e não deve ser - exaustiva e com uma fundamentação supérflua ou excessiva mas, por outro lado, também não pode ser de tal forma exígua que não permita apreender os fundamentos do sentido da decisão, nem mesmo é lícito consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, como refere o artigo 158.º n.º 2 do Código de Processo Civil;
2) Em processo de inventário é lícito a um interessado declarar a pretensão de licitar sobre um bem doado, a que o donatário se opôs e ter sido efetuada a consequente avaliação e, posteriormente, ter vindo renunciar à mesma (licitação);
3) Efetuada a avaliação do bem doado, a interessada pode renunciar à licitação porque, por hipótese, o valor resultante da avaliação pode estar mais de acordo com o seu valor real, daí não resultando qualquer consequência negativa para a mesma.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) Procedeu-se a inventário por óbito de D…, casada com M…, ocorrido a 28/11/1997, à qual sucedeu a sua neta C…, nascida a 30/09/1985, a qual é filha do filho da inventariada, F…, falecido a 01/06/1986.
O falecido deixou como únicos herdeiros o filho M…, que viria a ser nomeado como cabeça-de-casal neste inventário e a neta, ora requerente.
Entretanto, a fls. 237, veio a interessada C… acusar a falta de relação de bens, mais propriamente, a quantia de €9.721,32, um terreno e uma sepultura, melhor identificadas a fls. 237, bens estes que afirma terem sido adjudicadas ao inventariado, na partilha efetuada por óbito da cônjuge do falecido M….
Notificada da reclamação, veio o cabeça-de-casal M… referir que à data do óbito, o autor da herança não possuía qualquer quantia em dinheiro e que o prédio rústico que a interessada reclama foi vendido pelo inventariado em 16/12/2004 e, quanto à sepultura, por mero lapso a mesma não foi relacionada.
A interessada C… veio alegar, quanto ao prédio rústico reclamado que o negócio de compra e venda foi simulado e haverá que ser intentada a respetiva ação com vista à declaração e reconhecimento do invocado vício, pelo que deverá ser determinada a suspensão da instância, o que requer.
Foi proferido o despacho de fls. 262 e segs., onde se decidiu indeferir o requerimento de suspensão do inventário e, quanto à questão da simulação da venda e da eventual pertinência do referido prédio no acervo hereditário, foram os interessados remetidos para os meios comuns.
Apreciado o incidente, foi proferido o despacho de fls. 313 e seguintes onde se decidiu julgar a reclamação parcialmente procedente e, em consequência determinar o aditamento à relação de bens de uma verba referente ao montante de €8.297,25 e, no mais parcialmente improcedente.
Inconformado com esta decisão, veio o cabeça-de-casal, M… interpor recurso através do seu requerimento de fls. 317 e seguintes.
O recurso foi rejeitado por extemporaneidade (fls. 342).
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B) Realizou-se a conferência de interessados onde, entre outros assuntos, foi determinada a avaliação da verba nº 1 da relação de bens de fls. 190 e seg., que representa um prédio rústico doado pelo de cujus ao filho M….
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Entretanto, a fls. 380 vº, o cabeça-de-casal, M… veio requerer se dê sem efeito todo o processado (relativamente ao bem doado) posterior ao pedido de licitação, devendo o bem doado manter-se com o valor da relação de bens.
Alega, para tanto, que a interessada C… requereu a licitação do bem doado, tendo-se o donatário oposto a tal licitação, pelo que aquela requereu a avaliação do mesmo bem e, posteriormente, veio renunciar à licitação.
A interessada C… veio argumentar que deve ser indeferido o requerido pelo cabeça-de-casal, mantendo-se o valor da avaliação do bem doado.
Foi proferido o despacho de fls. 386 que entendeu que não se deteta no processado em questão qualquer violação da lei, pelo que se decidiu julgar improcedente a pretendida ineficácia.
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C) Inconformado com esta decisão veio o cabeça de casal, M… interpor recurso (fls. 388 vº), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (fls. 404).
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Nas alegações de recurso do cabeça-de-casal, M…, são formuladas as seguintes conclusões:
1. Tendo a interessada C…, conforme ata do dia 21/11/2011, requerido a licitação do bem da verba 1, doado ao interessado M…, e tendo a mesma interessada requerido a avaliação desse bem doado, na sequência do interessado M… ter deduzido oposição àquela pretensão, a posterior renúncia ao direito de licitação expressamente declarado nos autos em 11/06/2012 pela interessada C…, importa a anulação de todo o processado relativo a esse bem doado iniciado com aquele requerimento de 21/11/2011.
2. Com efeito, com aquela declaração de que pretendia licitar no bem doado, a interessada C… deu origem a uma tramitação processual própria, designadamente á oposição do donatário, ao requerimento da avaliação do bem, á nomeação do senhor perito e à realização da avaliação.
3. E tal procedimento legal não tinha ainda sido concluído, pois faltava ainda apurar, nos termos do art. 1365./3 do CPC, uma vez concluídas as licitações nos demais bens, se a doação era ou não inoficiosa, e na hipótese afirmativa, se havia lugar à redução da doação por inoficiosidade e, na eventualmente de se verificar inoficiosidade e da redução ser superior a 50%, faltava ainda concluir essa licitação do bem doado (cfr. art. 1365.º/3/al.c) do CPC).
4. Porém, tendo a interessada C… renunciado à ou desistido da licitação sem que todo o procedimento ou processo tendente à licitação estivesse concluído, tal renúncia tem necessariamente que importar a declaração de anulação de todo o procedimento iniciado em 21/06/2011.
5. E, em conformidade, deverá julgar-se procedente o requerimento formulado pelo interessado M…, apresentado nos autos em 26/06/20012, com a referência eletrónica 621118.
6. Ao julgar do modo como julgou, o tribunal recorrido violou o disposto no art. 287.º/al. d) e 295.º/1 do CPC., interpretou incorretamente o disposto no art. 1270.°/2 do CPC e incorreu em erro de julgamento.
Entende o apelante dever ser revogado o despacho recorrido, substituindo-o pelo douto acórdão onde se julgue em conformidade com as conclusões formuladas.
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A apelada C… apresentou contra alegações onde entende dever ser negado provimento ao recurso e mantido o douto despacho recorrido.
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Foi determinada a subida dos autos de recurso em separado e foi proferida decisão nesta Relação de Guimarães onde se entendeu que o presente recurso não era, nessa altura, admissível e apenas poderia ser interposto com o recurso que viesse a ser interposto da sentença de partilha ou nos termos do artigo 691º do Código de Processo Civil, pelo que se absteve este tribunal de conhecer do objeto do recurso, julgando-o findo.
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Foi proferida sentença homologatória da partilha, tendo o cabeça-de-casal M… interposto recurso da mesma, o qual foi admitido como sendo de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 443).
Nas alegações de recurso do cabeça-de-casal, M…, são formuladas as seguintes conclusões:
1. O despacho de fls. 313 a 315 dos autos, na parte em que o tribunal julga de facto o objeto da reclamação de fls. 236 a fls. 241 dos autos com fundamento nas declarações prestadas pelo tio materno da reclamante A…, quando este aos costumes faltou à verdade ao não dizer ser tio materno da interessada reclamante e ao não fundamentar a sua decisão de considerar válido, objetivo e sincero tal depoimento, o tribunal incorreu em erro da apreciação da prova e em falta de ou, pelo menos, em insuficiente fundamentação da decisão de facto, tendo incorrido na nulidade do art. 668.º/1/al b) do CPC.
2. Além disso, ao ali (fls. 313 a 315) julgar a existência da quantia de 1.663.450$00, correspondente a €8.297,25, à data do óbito do inventariado, ou seja, em 27 de Fevereiro de 2007, em virtude de 3 anos antes do óbito aquela testemunha ter declarado que o inventariado lhe disse que tinha esse dinheiro em casa, intocável, proveniente duma expropriação da Junta Autónoma das Estradas e da venda de umas bouças, incorreu o tribunal em erro de julgamento, pois em 2003 ou 2004, como decorre das regras da experiência comum, já ninguém tinha em casa semelhante quantia em escudos, já há muito que a moeda corrente era o euro e, além disso, porque razão tinha o inventariado 1.663.450$00 (!), imagine-se, e não apenas 1.660.000$00, 1.600.000$00 ou uma outra quantia mais redonda?
3. Por outro lado, ao formar a sua convicção a partir do depoimento daquela testemunha e da não prova pelo cabeça-de-casal de despesas extraordinárias, o tribunal inverteu o ónus da prova, tendo violado o art. 342.º/1 do Cód. Civil, pois não cabia nem cabe ao cabeça-de-casal provar despesas extraordinárias como forma de impedir a prova da existência do dinheiro, sendo certo que, diversamente do referido pelo tribunal, as despesas extraordinárias do inventariado estão comprovadas pela partilha judicial da herança do pré-falecido cônjuge do inventariado a que os presentes autos se encontram cumulados e que deveriam ter sido consideradas ex officio pelo tribunal.
4. Finalmente, nenhuma testemunha referiu que tal dinheiro se encontrava na posse do cabeça-de-casal e, consequentemente, não podia o tribunal decidir do modo como decidiu relativamente a tal posse.
5. Tendo a interessada C…, conforme ata do dia 21/11/2011, requerido a licitação do bem da verba 1, doado ao interessado M…, e tendo a mesma interessada requerido a avaliação desse bem doado, na sequência do interessado M… ter deduzido oposição àquela pretensão, a posterior renúncia feita pela C… ao direito de licitação, expressamente declarada nos autos em 11/06/2012 pela referia interessada, importa a anulação de todo o processado relativo a esse bem doado iniciado com aquele requerimento de 21/11/2011.
6. Com aquela declaração de que pretendia licitar no bem doado, a interessada C… deu origem à tramitação processual daí decorrente, designadamente á oposição do donatário, ao requerimento da avaliação do bem, à nomeação do senhor perito e à realização da avaliação.
7. E tal procedimento legal, no momento daquela renúncia, não tinha ainda sido concluído, pois faltava ainda apurar, nos termos do art. 1365./3 do CPC, uma vez concluídas as licitações nos demais bens, se a doação era ou não inoficiosa, e na hipótese afirmativa, se havia lugar à redução da doação por inoficiosidade e, na eventualidade de se verificar inoficiosidade e da redução ser superior a 50%, faltava ainda concluir essa licitação do bem doado (cfr. art. 1365.º/3/al.c) do CPC).
8. Porém, tendo a interessada C… renunciado à ou desistido da licitação sem que todo o procedimento ou processo tendente à licitação estivesse concluído, tal renúncia tem necessariamente que importar a declaração de anulação de todo o procedimento iniciado em 21/11/2011.
9. E, em conformidade, deverá julgar-se procedente o requerimento formulado pelo interessado M…, apresentado nos autos em 26/06/20012, com a referência eletrónica 621118.
10. Ao julgar do modo como julgou a fls. 386 e 387 dos autos, o tribunal recorrido violou o disposto no art. 287.º/al. d) e 295.º/1 do CPC., interpretou incorretamente o disposto no art. 1370.º/2 do CPC e incorreu em erro de julgamento.
A partilha efetuada na sequência dos despachos referidos em D) (despacho de fls. 313 a 315) e E) (despacho de fls. 386 a 387) está ferida de erro, é injusta e ofende os quinhões hereditários dos interessados e viola as supra citadas normas legais.
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Pela apelada C… foram apresentadas contra alegações onde entende dever ser negado provimento ao recurso e manter-se os doutos despachos proferidos.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir na apelação são as seguintes:
1) Saber se o despacho que apreciou a reclamação de falta de relacionação de bens que, na sua parcial procedência, determinou o aditamento à relação de bens da verba nº 3, correspondente à quantia de €8.297,25, na posse do cabeça de casal, deve ser alterado;
2) Saber se deverá ser alterado o despacho que indeferiu o requerimento do cabeça-de-casal que pretendia que se declarasse sem efeito todo o processado.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
C) A primeira questão a apreciar tem a ver com a pretensão do apelante em que seja eliminada da relação de bens o montante de €8.297,25, correspondente à verba nº 3.
Para fundamentar a sua pretensão o apelante veio invocar a falsidade do depoimento da testemunha A…, a insuficiente fundamentação da decisão, o erro de julgamento e a violação da lei.
No despacho que apreciou a matéria da referida reclamação a convicção do tribunal firmou-se a partir do depoimento da testemunha A…, que o tribunal entendeu ser o único depoimento relevante para a formação da convicção do tribunal, acrescido de uma série de justificações complementares de natureza lógica que permitiram dar o facto como provado.
O apelante veio afirmar que a testemunha faltou à verdade, dado que o mesmo aos costumes não disse nada digno de registo de nota, sendo a testemunha tio materno da reclamante C…, sendo irmão da sua mãe M….
E, apesar de lhe ter sido perguntado se era ou não familiar da reclamante ou do cabeça-de-casal e se tinha algum interesse na causa, a tal matéria respondeu negativamente.
A este propósito importa dizer que o tempo adequado e oportuno para colocar a questão seria no momento da inquirição da testemunha, em que o mesmo poderia ser logo confrontado com as afirmações agora feitas pelo apelante e, logo nesse momento, se poderia esclarecer se a testemunha tinha ou não as relações familiares que o apelante invoca, mas que não estão demonstradas, dado que tal prova teria de ser demonstrada documentalmente e nos autos não consta qualquer documento que o demonstre.
Afirma ainda o apelante que tal despacho tem uma insuficiente fundamentação, no entanto, da simples leitura do mesmo resulta que tal não corresponde à realidade uma vez que a decisão se acha fundamentada.
Afigura-se-nos que a fundamentação das decisões judiciais não tem de ser - e não deve ser - exaustiva e com uma fundamentação supérflua ou excessiva mas, por outro lado, também não pode ser de tal forma exígua que não permita apreender os fundamentos do sentido da decisão, nem mesmo é lícito consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, como refere o artigo 158.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
O que se passa é que a fundamentação da decisão existe e tem uma suficiente consistência para que não se possa afirmar que a mesma é insuficiente.
Coisa diferente é a discordância que o apelante tem relativamente à decisão aí proferida mas tal não pode servir de fundamento para afirmar que a fundamentação é insuficiente.
O facto de a decisão recorrida afirmar que ao cabeça-de-casal seria fácil a demonstração de qualquer despesa extraordinária que justificasse o gasto de tal quantia – tendo em conta que o de cujus vivia, em vida, em casa do cabeça-de-casal – não parece que se possa concluir que haja aqui qualquer inversão do ónus da prova, dado que efetivamente lhe seria fácil fazer tal prova.
Simplesmente, em lado nenhum se afirma que lhe competisse o ónus de provar tal facto, o que é diferente do que o apelante afirma.
Aquilo que verdadeiramente resulta da decisão recorrida é que, para impugnar o sentido da convicção de que a importância em questão não ficou na posse do cabeça-de-casal, se tal importância tivesse sido despendida pelo autor da herança, seria presumivelmente fácil para o cabeça-de-casal, em casa de quem aquele vivia, tendo em conta que o mesmo teria entre 86 e 89 anos e receberia um montante de pensão de reforma reduzido, que, a ter sido gasta tal quantia, o cabeça-de-casal tivesse conhecimento de tal dispêndio.
Mas daí até concluir que houve inversão do ónus da prova vai uma longa distância.
O ónus da prova da falta de relacionação de bens compete a quem a alega, que no caso é a interessada C… (artigo 342º nº 1 do Código Civil).
A questão que se poderá colocar – e é colocada pelo apelante – é a saber se a decisão está correta.
Conforme se referiu acima, para a formação da convicção do tribunal foi decisivo o depoimento da testemunha A…, que o tribunal entendeu ser o único depoimento relevante para a formação da convicção do tribunal, acrescido de uma série de justificações complementares de natureza lógica que permitiram dar o facto como provado.
Com efeito, o inventariado afirmou à testemunha referida que tinha um dinheiro em casa vindo da Junta Autónoma e da venda de umas bouças e que nunca lhe tocou.
E este depoimento foi o único, das testemunhas inquiridas, que mostrou que a testemunha tinha um conhecimento dos factos em causa.
Mas, para além disso, existe uma série de elementos que contribuem para que o tribunal tenha firmado a sua convicção e que já foram – alguns deles – sendo referidos.
Existem nos autos referências de que o autor da herança possuiria diversas quantias em dinheiro, a maior das quais seria a quantia de Esc. 1.663.450$000, proveniente de um processo de expropriação, não havendo notícia de que tal quantia – não insignificante - tenha sido, entretanto, gasta.
Por outro lado, trata-se de um período em que o inventariado teria entre 86 e 89 anos, com uma pensão de reforma baixa e não é crível que o mesmo, que vivia em casa do cabeça-de-casal, tenha falecido sem possuir qualquer quantia em dinheiro.
Por todo o exposto, não poderia o tribunal a quo ter decidido de forma diferente, da que decidiu, pelo que tal decisão terá de se manter.
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Apreciemos agora o teor do despacho de fls. 386 e 387 que, face ao requerido pelo cabeça-de-casal, de se dar sem efeito todo o processado (relativamente ao bem doado) posterior àquele primeiro pedido de licitação, face à renúncia efetuada, devendo o bem doado manter-se com o valor da relação de bens, entendeu o tribunal a quo que a pretensão carece de apoio legal, sendo certo que a ineficácia de todo ou de parte de um processado é cabível no caso de procedência de uma nulidade processual, que pressupõe antes de mais a violação de lei, nos termos do artigo 201º nº 1 do Código de Processo Civil.
Ora, refere aquele tribunal que não se deteta no processado em questão qualquer violação de lei e a declaração de renúncia ou desistência da licitação, nos termos em que foi produzida é expressamente admitida pelo artigo 1370º nº 2 do Código de Processo Civil, pelo que se julgou improcedente a pretendida ineficácia do processado.
Ora a questão que se levanta é a de saber qual a consequência processual de, após um interessado ter declarado a pretensão de licitar sobre um bem doado, a que o donatário se opôs e ter sido efetuada a consequente avaliação e, posteriormente, ter vindo renunciar à mesma (licitação).
Cremos que tal conduta não tem nenhuma consequência jurídica e, ao contrário do que afirma o apelante, nem a conduta do interessado é abusiva, nem a mesma constitui qualquer venire contra factum proprium.
E isto por duas razões, quer porque a lei expressamente admite a possibilidade de um interessado declarar que pretende licitar sobre bens doados e, perante esta posição, o donatário tem a possibilidade de se opor à licitação, o que tem como consequência poder requerer-se a avaliação dos bens (artigo 1365º n.º 1 do Código Civil).
Tal situação, como se vê, está expressamente prevista na lei e teve em vista acautelar as situações em que o valor dos bem doados esteja aquém do seu valor real, como poderá suceder, em maior ou menor medida, nos imóveis em que o valor dos prédios inscritos na matriz é o respetivo valor matricial (artigo 1346º nº 2 do Código de Processo Civil) e poderia prejudicar os interessados não donatários.
Efetuada a avaliação do bem doado, a interessada pode renunciar à licitação porque, por hipótese, o valor resultante da avaliação pode estar mais de acordo com o seu valor real.
E daí nada mais pode resultar e não se compreende muito bem que se pretenda a anulação ou se declare a ineficácia dos atos subsequentes ao pedido de avaliação.
Trata-se de pretensão que não tem qualquer suporte legal.
A anulação de atos processuais tem de estar prevista na lei.
Nada na lei impõe que o requerente da avaliação tenha de licitar no bem doado.
Aquilo a que a interessada renunciou foi à licitação e não à avaliação, pelo que não se pode extravasar do âmbito da renúncia, como o apelante pretende.
Há inúmeros exemplos de atos e comportamentos processuais que implicam o retardamento do normal andamento do processo e que a lei não proíbe.
Assim sendo, a conduta da interessada C… é perfeitamente lícita e a renúncia à licitação não constitui qualquer violação de normas legais, pelo que não há, nem pode haver, qualquer sanção para o seu comportamento, designadamente, as que o apelante pretende retirar.
Pelo exposto resulta que a pretensão do apelante terá de improceder totalmente.
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D) Em conclusão:
1) A fundamentação das decisões judiciais não tem de ser - e não deve ser - exaustiva e com uma fundamentação supérflua ou excessiva mas, por outro lado, também não pode ser de tal forma exígua que não permita apreender os fundamentos do sentido da decisão, nem mesmo é lícito consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, como refere o artigo 158.º n.º 2 do Código de Processo Civil;
2) Em processo de inventário é lícito a um interessado declarar a pretensão de licitar sobre um bem doado, a que o donatário se opôs e ter sido efetuada a consequente avaliação e, posteriormente, ter vindo renunciar à mesma (licitação);
3) Efetuada a avaliação do bem doado, a interessada pode renunciar à licitação porque, por hipótese, o valor resultante da avaliação pode estar mais de acordo com o seu valor real, daí não resultando qualquer consequência negativa para a mesma.
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III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação im procedente e, em consequência, confirmar as doutas decisões recorridas.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Guimarães, 10/12/2013
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Purificação Carvalho