Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
774/14.1GBGMR-A.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: VENDA ANTECIPADA DE BENS
FASE DE INQUÉRITO
COMPETÊNCIA DO JIC
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Sendo a venda antecipada de bens apreendidos, na fase de inquérito, um ato que atinge o direito de propriedade dos respetivos titulares, direito esse que goza de proteção constitucional, mesmo em caso de intervenção do GAB, ao abrigo do disposto nos artigos 11º e 14º da Lei nº. 45/2011, de 24 de junho, o JIC, chamado a pronunciar-se sobre essa questão, como aconteceu, no caso concreto, tem competência para decidir sobre se autoriza ou não a venda.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – RELATÓRIO

Nestes autos, em que são arguidos, Maria e Manuel, foi proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal, em 27/03/2017, foi decidido, decidindo manter a apreensão dos bens efetuada, designadamente, do veículo automóvel com matrícula JJ, sem possibilidade de venda antecipada.

Inconformado com o decidido relativamente à proibição da venda antecipada, recorreu o Ministério Público para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões:

- A fls. 497, o Sr. Juiz de Instrução Criminal proibiu a venda antecipada do veículo automóvel JJ, apreendido à ordem dos autos.
- O Tribunal recorrido não tinha competência para proferir esta decisão, uma vez que a compete ao Gabinete de Administração de Bens decidir sobre vendas antecipadas, após informação do Ministério Público sobre o valor probatório e sobre a probabilidade de perda a favor do Estado — art.°s 13°/1 e 14° da Lei 45/2001.
- Esta questão não implica a desjurisdicionalização da venda antecipada, uma vez que o Tribunal recorrido mantinha competência para proferir decisão provisória de insusceptibilidade de perda da viatura e para determinar o levantamento da apreensão sobre o veículo automóvel, nos termos dos art.°s 178°/6 do Código de Processo Penal e dos art.°s 1° e 3°/3 do DL 31/85, assim extinguindo o processo de venda antecipada, que pressupõe obviamente a apreensão (art.° 1°/2 da Lei 45/2011).
- Aliás, o Tribunal recorrido exerceu esta competência, declarando, também a fls. 497, que o veículo automóvel JJ poderia ser declarado perdido a favor do Estado e que deveria manter-se a respectiva apreensão.
- Mesmo que se entenda que o Tribunal recorrido tinha competência para se pronunciar sobre a venda antecipada, tal decisão deveria ter sido no sentido de admitir a venda antecipada, uma vez que todos os requisitos estão satisfeitos no caso vertente, tal como resulta da decisão do próprio Tribunal recorrido acima citada em 4°:
5.1º - o Ministério Público solicitou a intervenção do GAB (fls. 399 e 400) e o GAB aceitou-a relativamente ao automóvel veículo JJ a fls. 419, por ser o único bem com valor superior a 5.100€ (fls. 419) — art.° 11° da Lei 45/2011;
5.2° - o veículo JJ é obviamente desvalorizável, tendo em conta o efeito do simples decurso do tempo e do desgaste dos respectivos materiais, tal como o GAB necessariamente o pressupõe ao propor a sua venda antecipada — art.° 14° da Lei 45/2011;
5.3° o veículo JJ não constitui, por si só, meio de prova relevante, tal como resulta dos factos descritos e dos meios de prova indicados na acusação – arts.° 13°/1 e 14° da Lei 45/2011;
5.4 e é provável que o veículo JJ seja declarado perdido a favor do Estado, uma vez que o veículo foi comprado com o dinheiro subtraído pelos arguidos, factos objecto do crime de furto qualificado imputado - art.° 1 3°I1 da Lei 45/2011.

Termos em que, à luz da correcta interpretação e aplicação dos citados normativos acima defendida, se requer a revogação da decisão recorrida ou a sua substituição por decisão que admita a venda antecipada do veículo automóvel JJ, assim se fazendo JUSTIÇA.

O recurso foi regularmente admitido.
Os arguidos não responderam ao recurso.

Neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a fls. 44 a 47 dos autos, acompanhando a motivação do recurso apresentada pelo Mº.Pº., na 1ª instância, pronunciando-se no sentido de que o recurso deverá ser julgado procedente.
Foi dado cumprimento ao disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, tendo a assistente exercido o direito de resposta, subscrevendo o parecer da Exmª. PGA e, concluindo nos mesmos termos.

Proferido despacho liminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso

É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. artº. 412º do C.P.P.), sem prejuízo da apreciação das questões de natureza oficiosa.
Assim, no caso em análise, considerando os fundamentos do recurso, são as seguintes as questões suscitadas:

– Incompetência do JIC para proibir a venda antecipada de bens apreendidos, estando em curso o procedimento com a intervenção do Gabinete de Administração de Bens, nos termos do disposto nos artigos 13°, nº. 1 e 14°, ambos da Lei 45/2001.
– Caso se entenda que o JIC tem competência para se pronunciar sobre a venda antecipada, a venda deveria ser autorizada, por estarem reunidos os requisitos legais para tanto.
Para que possamos apreciar as enunciadas questões, importa ter presente o teor do despacho recorrido e os factos processuais tidos como relevantes.

2.2. Decisão recorrida

É o seguinte o teor do despacho recorrido:

Requerimento de fls. 461 e ss: Concordando com os fundamentos expostos pelos arguidos e pese embora o veículo JJ também possa vir a ser declarado perdido a favor do Estado tal como defendido pelo detentor da ação penal, por ora, deverá manter-se as apreensões efectuadas, sem possibilidade de venda antecipada.
Notifique, incluindo os arguidos.
*
Com relevância para as questões suscitada e com base no teor da certidão junta aos autos a fls. 2 a 23, resultam apurados os seguintes elementos factuais:

a) Nos autos identificados, em que são arguidos Maria e Manuel, foram apreendidos diversos bens, entre os quais, dois veículos automóveis, um com a matrícula JJ e outro com a matrícula FF;
b) Os identificados arguidos encontram-se acusados da prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, nº. 1 e 204º, nº. 2, als. a) e c), ambos do Código Penal;
c) Na acusação pública deduzida, o Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto no artigo 111º, nºs. 1 e 3, do Código Penal a perda a favor do Estado de vantagens e dos bens apreendidos, a fls. 58 a 62 e 93 a 108 e solicitou a intervenção do GAB ao nos termos do disposto no artigo 13º, nº. 1, da Lei nº 45/2011. Para fundamentar esta intervenção consignando ser grande a probabilidade daqueles bens serem declarados perdidos a favor do Estado e de serem transferidos para a titularidade da ofendida – artigo 13º, nº. 1, da Lei 45/2011 - e de que, considerando, nomeadamente, a desvalorização dos bens apreendidos e a irrelevância probatória dos bens, a solução de venda antecipada parecer razoável, sem prejuízo da apreciação do GAB e da posição da assistente – art.º 14º da Lei 45/2001.
d) O GAB, em resposta ao pedido de intervenção veio, no que aqui releva, indicar que o único bem a ficar sob a sua administração, atento o seu valor, é o veículo com a matrícula JJ, solicitando ao Ministério Público informação sobre se foi deferida alguma modificação ou revogação da apreensão, e em caso negativo, informação sobre se o mesmo constitui meio de prova relevante e se existe probabilidade de perda a favor do Estado, para então poder dar início ao procedimento de afetação ou venda antecipada nos termos previstos nos artigos 13º e 14º da Lei nº. 45/2011;
e) Os arguidos, tendo sido notificados do despacho proferido pelo Mº.Pº para, no prazo de 10 dias, solicitarem ao Juiz de Instrução Criminal a modificação ou revogação da apreensão dos bens realizada nos autos, tendo em conta, nomeadamente, a possibilidade de venda antecipada aludida no pedido de intervenção do GAB (artº. 4º, nº. 3 da Lei nº. 45/2011), vieram apresentar exposição com o seguinte teor:

1. Foram os arguidos notificados aquando do despacho de acusação para no prazo de 10 dias se pronunciassem sobre a venda dos bens apreendidos
2. Veio o Sr.° Procurador requerer a declaração de perda a favor do estado dos bens apreendidos à ordem dos autos.
3. Ora salvo devido respeito que é imenso, não podem os aqui arguidos se conformar com tal despacho.
4. Até á presente data os arguidos foram apenas e tão só pronunciado relativamente aos factos constantes da queixa-crime.
5. Vigora no direito processual penal português o princípio da inocência.
6. Princípio segundo o qual até ao trânsito em julgado da decisão o arguido é considerado inocente nos termos do art.° 29, n.° 1 e art.° 27 n.° 2 e art.° 32 da C.R.P.
7. Assim não podem os arguidos verem o seu património dissipado através de uma possível venda antecipada dos bens apreendidos no âmbito dos presentes autos.
8. Sendo que apenas existe indícios de prova do furto e nunca uma certeza de uma condenação.
9. até a presente data, não foi feita prova por parte da assistente da existência da quantia alegadamente furtada, nem que tal furto tenha sido realizados pelos arguido.
10. Acresce ainda que nunca foi solicitado aos arguidos para se pronunciar sobre a origem dos bens ou das quantias despendidas para aquisição dos mesmos.
11. os arguidos não puderam realizar prova sobre a origem dos bens apreendidos,
12. E ainda se encontram em prazo para exercer o princípio do contraditório, princípio basilar do processo penal, e nomeadamente requerer a abertura de instrução.
13. Pelo que os arguidos manifestam a sua oposição à declaração de perda a favor do estado e possibilidade de venda antecipada dos bens apreendidos e os bens descritos nos art.°s 26 e 30 da douta acusação pública.
f) Face à oposição declarada pelos arguidos, o Ministério Público promoveu que se indeferisse o pedido dos arguidos, não se declarando provisoriamente o automóvel insuscetível de perda a favor do Estado e, logo, não se determinando o levantamento da sua apreensão.
g) Foi sobre o requerimento dos arguidos e promoção do Mº.Pº. referidos nas als. e) e f) que recaiu o despacho recorrido, que supra se transcreveu.
2.3. Conhecimento do recurso

Da incompetência do JIC para proibir a venda antecipada de bens apreendidos, estando em curso o procedimento com a intervenção do Gabinete de Administração de Bens, nos termos do disposto nos artigos 13°, nº. 1 e 14°, ambos da Lei 45/2001.

Defende o recorrente que o Juiz de Instrução Criminal não tem competência para proibir a venda antecipada dos bens apreendidos, em situações em que haja intervenção do GAB, cabendo a esta entidade decidir sobre essa matéria, após pronúncia do Ministério Público acerca da relevância probatória dos bens e quanto à probabilidade da respetiva perda a favor do Estado, nos termos do disposto no artigo 13º, nº. 1, da Lei nº. 45/2011, de 24 de junho.

Entende o recorrente que a posição que preconiza não implica a desjurisdicionalização do processo de venda antecipada, uma vez que, o JIC sempre poderá, por via do exercício da determinação do levantamento da apreensão dos bens, extinguir a possibilidade da sua venda antecipada.

Sustenta, assim, o recorrente que a divisão de competência do JIC e do GAB é clara: Ao GAB cabe decidir da venda antecipada, respeitada a informação prévia do Ministério Público; ao JIC cabe decidir do eventual levantamento da apreensão, extinguindo, por essa via, a possibilidade de venda antecipada.

Vejamos:

A apreensão aos arguidos dos bens descritos nos autos de fls. 58 a 62 e 93 a 108, entre os quais, o veículo automóvel da marca Renault, modelo Laguna, com a matrícula JJ, tem subjacente a indiciação de que tais bens constituem vantagem do crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, nº. 1 e 204º, nº. 2, alíneas a) e c), do Código Penal, por que os arguidos se encontram acusados, sendo adquiridos com dinheiro subtraído à ofendida.
O Ministério Público simultaneamente com a dedução da acusação requereu a declaração de perda a favor do Estado daqueles bens, ao abrigo do disposto no artigo 111º, nºs. 2 e 3, do Código Penal, na redação da Lei nº. 32/2010, de 2 de setembro; e a intervenção do GAB, nos termos do preceituado no artigo 11º da Lei nº. 45/2011, de 24 de junho.
O GAB aceitou a intervenção, em relação ao veículo automóvel com a matrícula JJ, por se tratar de bem com valor superior a 50 unidades de conta.
Os arguidos, notificados que foram de que dispunham do prazo de 10 dias para solicitar ao Sr. Juiz de Instrução Criminal a modificação ou revogação da apreensão dos bens realizada, tendo em conta, nomeadamente, a possibilidade de venda antecipada, considerando o pedido de intervenção do GAB (artigo 4º, nº. 3, da Lei nº. 45/2011), vieram deduzir oposição à declaração de perda a favor do Estado e à possibilidade de venda antecipada dos bens apreendidos nos autos.
Pronunciando-se sobre tal requerimento promoveu o Ministério Público o indeferimento do requerido pelos arguidos e, consequentemente, que não se declarasse provisoriamente o automóvel insuscetível de perda a favor do Estado e, logo, que não se determinasse o levantamento da sua apreensão.
O Sr. Juiz de Instrução Criminal, mediante o despacho recorrido, aderindo aos fundamentos expostos pelos arguidos, manifestando que, pese embora o veículo JJ também possa vir a ser declarado perdido a favor do Estado, decidiu manter as apreensões efetuadas, sem possibilidade de venda antecipada.

Que dizer?

Como é sabido, no processo penal, o Juiz de Instrução Criminal, intervém como verdadeiro garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Nessa medida, na fase de inquérito, cuja direção cabe ao Ministério Público, o Juiz de Instrução tem competência exclusiva para a prática de determinados atos e para ordenar ou autorizar a prática de outros, nos termos previstos, respetivamente, nos artigos 268º, nº. 1 e 269º, nº. 1, ambos do Código de Processo Penal, intervindo, ainda, noutras situações não especificadas nas als. a) a e) dos enunciados normativos, como decorre do disposto na respetiva al. f) e do artigo 17º do C.P.P.
Para além da competência para os atos especificamente previstos da lei, entendemos que juiz de instrução criminal tem competência para se pronunciar e decidir sobre a generalidade das matérias que contendam com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, direta ou indiretamente envolvidos no processo.

Assim sendo, relativamente à venda de bens apreendidos, a ter lugar antes de haver decisão de declaração da respetiva perda a favor do Estado (competindo ao Juiz proceder a essa declaração), por que esse ato atinge o direito de propriedade do respetivo titular sobre bens em causa, direito esse que goza de tutela constitucional (artigo 62º da Constituição da República Portuguesa), entendemos que o JIC, chamado a pronunciar-se sobre essa questão, tem competência para decidir sobre se autoriza ou não a venda antecipada.

É certo que existem situações em que, na fase de inquérito, dada a urgência em decidir, sobre o destino dos bens apreendidos, o Ministério Público tem competência para ordenar a respetiva venda antecipada. Trataram-se das situações previstas no artigo 185º, nº. 1, do C.P.P., em que estejam em causa “coisas perecíveis, deterioráveis ou cuja utilização implique perda de valor ou de qualidades”.

Nessas situações, a decisão do Ministério Público é passível de recurso, a interpor pelos proprietários dos bens em causa, que, sendo conhecidos, dela devem ser notificados (neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal …, 3ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 503).

Como já referimos, no caso vertente, a intervenção do GAB, ao abrigo do disposto no artigo 11º da Lei nº. 45/2011, ocorreu a solicitação do Ministério Público, que a requereu, em despacho proferido aquando da dedução da acusação.
Á data em que o GAB aceitou a intervenção, ficando sob a sua administração o veículo automóvel apreendidos nos autos, com a matrícula JJ, bem como no momento em que foi proferido o despacho recorrido, estava em vigor a versão daquele diploma legal dada pela Lei nº. 60/2013, de 23 de agosto, sendo que, posteriormente, foi alterado pela Lei nº. 30/2017, de 30 de maio.
De harmonia com o disposto no artigo 14º da Lei nº. 45/2011, que tem por epígrafe “Venda antecipada”, o GAB procede à venda dos bens perecíveis, deterioráveis ou desvalorizáveis ou à sua afetação a finalidade pública ou socialmente útil, antes de decisão transitada em julgado, quando não constituam meio de prova relevante.
O GAB pode, assim, quando estão em causa “bens perecíveis, deterioráveis ou desvalorizáveis”, vender os bens que lhe tenham sido confiados para administração, desde que não constituam meio de prova com relevância para a decisão a proferir no processo no âmbito do qual foram apreendidos.
Para que possa aquilatar da verificação daqueles pressupostos o GAB solicita ao Ministério Público, previamente à venda, informação, nos termos previstos no artigo 13º, nº. 1, da Lei nº. 45/2011, sobre o valor probatório dos bens e sobre a probabilidade da sua perda a favor do Estado.
No caso vertente, tendo o GAB solicitado ao Ministério Público, a aludida informação e tendo os arguidos (notificados que foram do despacho proferido pelo Ministério Público e, para, no prazo de 10 dias, solicitarem ao Juiz de Instrução Criminal a modificação ou revogação da apreensão dos bens realizada nos autos, tendo em conta, nomeadamente, a possibilidade de venda antecipada aludida no pedido de intervenção do GAB), manifestado a sua oposição à possibilidade de venda antecipada dos bens apreendidos, o Sr. Juiz de Instrução Criminal, apreciando a promoção do Ministério Público, no sentido de que se indeferisse o pedido dos arguidos, proferiu o despacho recorrido, em que, aderindo aos fundamentos expostos pelos arguidos, manifestando que, pese embora o veículo JJ também possa vir a ser declarado perdido a favor do Estado, decidiu manter as apreensões efetuadas, sem possibilidade de venda antecipada.
O Sr. Juiz a quo, pronunciando-se no sentido da probabilidade de os bens apreendidos virem a ser declarados perdidos a favor do Estado, mantendo, por isso, a respetiva apreensão, decidiu não admitir a respetiva venda antecipada.
Ainda que o despacho recorrido seja parco em termos de fundamentação, tendo acolhido os argumentos aduzidos pelos arguidos, valendo aqui as considerações que expendemos supra, acerca da competência do juiz de instrução criminal, entendemos que o mesmo, chamado a pronunciar-se, não apenas, como defende o recorrente, sobre a suscetibilidade da perda a favor do Estado dos bens apreendidos e manutenção da apreensão, mas também sobre a equacionada possibilidade da respetiva venda antecipada, tendo em conta, quanto a esta última questão, a posição manifestada pelos arguidos (que, pese embora, não revestido a forma de requerimento, apresenta-se com esse sentido), tem competência para não autorizar a efetivação dessa venda.
Não se compreenderia que, nos casos em que não houvesse intervenção do GAB, o juiz de instrução tivesse competência para, em sede de inquérito, decidir sobre se a venda antecipada de bens apreendidos, no sentido de a autorizar ou não, conforme acima concluímos que tem e que, nas situações em houvesse intervenção do GAB, sendo os bens apreendidos colocados sob a sua administração, fosse da exclusiva competência dessa entidade decidir sobre a venda antecipada, ante a informação prévia do Ministério Público.
Salvo o devido, respeito, não podemos concordar com a posição defendida pelo Ministério Público/recorrente, no sentido de que, nesta situação, o JIC só poderia obstar à venda antecipada, caso decidisse no sentido do levantamento da apreensão dos bens.
É que são distintos os pressupostos para que deva manter-se a apreensão dos bens e para que possa proceder-se à respetiva venda antecipada, ainda que esta última só possa ter lugar se a primeira se verificar.
Em suma, sendo a venda antecipada de bens apreendidos, na fase de inquérito, um ato que atinge o direito de propriedade dos respetivos titulares, direito esse que goza de proteção constitucional, o JIC, chamado a pronunciar-se sobre essa questão, como aconteceu, no caso concreto, tem competência para decidir sobre se autoriza ou não a venda.
Concluímos, assim, que o Sr. Juiz a quo tinha competência para decidir sobre a venda antecipada, no sentido de não a autorizar.
Improcede, pois, este segmento, o recurso.

Defende o Ministério Público/recorrente que a venda antecipada do veículo automóvel colocado sob a administração do GAB, deveria ter sido autorizada pelo Sr. Juiz a quo, por estarem reunidos os requisitos legais para tanto.

Vejamos:

O objetivo da venda dos bens apreendidos, antes de haver decisão que declare a sua perda a favor do Estado, é o preservar o valor desses bens, quando sejam perecíveis ou estejam sujeitos a deterioração ou desvalorização, em função do decurso do tempo e considerando a demora do processo até ao trânsito em julgado da decisão final, que se pronuncie quanto ao destino desses mesmos bens.
Estando em causa, nos autos, um veículo automóvel, a respetiva venda antecipada, teria em vista evitar a sua desvalorização, decorrente da passagem do tempo ou a sua eventual deterioração, caso ficasse imobilizado durante muito tempo.
A intervenção do GAB e a eventualidade de se proceder à venda antecipada do veículo colocado sob a sua administração, aconteceu em momento ulterior ao da dedução da acusação.
Entretanto, o processo foi remetido para julgamento, tendo sido nesse momento, que o Sr. Juiz de Instrução Criminal, foi chamado a pronunciar-se sobre a questão de que aqui se trata.
Estando o processo já em fase de julgamento e tendo em conta que o veículo automóvel apreendido e, cuja hipótese de venda antecipada é colocada pelo GAB, pese embora sujeito a desvalorização e/ou deterioração, afigura-se-nos que estas não serão de tal modo acentuadas, ante a previsibilidade do período de tempo que mediará até que seja proferida sentença, na qual se decidirá sobre o destino do veículo e a eventual perda a favor do Estado, para que, na ponderação (tendo em conta o principio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº. 2, da CRP), entre a lesão do direito de propriedade sobre o veículo automóvel de que se trata e os interesses visados acautelar com a respetiva venda antecipada, estes últimos devam prevalecer e para que se justifique a realização dessa venda.
Por conseguinte, nenhuma censura merece o despacho recorrido, ao decidir não admitir a venda antecipada, do veículo automóvel, com a matrícula JJ, que, por isso, se mantém.
Improcede, assim, o recurso.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Publico e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Sem tributação.

Notifique.
Guimarães, 22 de janeiro de 2018

Fátima Bernardes
Ausenda Gonçalves